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domingo, 10 de março de 2013

Divagando - MARGARIDA VILELA

Conheci a viúva Vilela: D. Margarida. Convivemos e dormi, largo tempo, sob as suas telhas. Reguense castiça, de palavra rude e alma branca, morreu aos 93 anos e há mais de quarenta. Poucos, portanto, se lembram dela. Vejo apenas, recordá-la, anualmente, no cemitério desta vila, seu sobrinho José Maria, com flores e luzes, no dia de Fiéis Defuntos. Todavia, esta senhora, estabelecida na Régua, com prestimosa alquilaria, marcou uma época servindo os transportes públicos com uma frota de óptimos carros, tirados por cavalos que adquiria nas afamadas feiras de Salamanca. No fim do século, foi a Régua visitada por D. Luís I. Pôs à disposição de sua Majestade, para seu transporte, carros, cavalos e cocheiros; e, tão bem se houveram no cumprimento da missão, que lhes valeu sincero elogio do Rei e a entrega duma medalha de bons serviços. Não se limitou à lhaneza do seu trato este simples episódio. Embora interessante, referi-o, simplesmente, ao correr da pena. O que valeu a escolha de Margarida Vilela para tema desta conversa, foi a lembrança da incomparável assistência que a sua bondade e os seus serviços gratuitos prestaram à Associação de Bombeiros do Peso da Régua durante largos anos, enquanto o motor não substituiu a besta na tracção dos veículos.

Toca a incêndio e imediatamente se abria a porta da sua alquilaria, para dar passagem a cavalos e cocheiros que puxavam o “Carro Grande”, para onde as chamas irrompessem. Falo novamente nas tragédias de Lamego e Mesão Frio. Em qualquer, marcaram presença meritória. Todavia, nada se disse, nada se fez, nada se escreveu a enaltecer a tamanha colaboração. Dir-se-ia que a sua ajuda não representava mais que obrigação, embora nós tenhamos obrigações maiores a cumprir e não cumpramos.

A negligência e o esquecimento roubam ao coração o sentido da gratidão. E bem ingratos foram os bombeiros dessa época para essa senhora. Não venho falar de reparações. Não defendo consagrações extemporâneas, aos centos nos tempos decorrentes. Nada me dizem. Queixo-me, simplesmente, de, através da sua vida, não lhe ter sido dirigida uma palavra de agradecimento que, pelo menos, fosse testemunho de alto apreço à colaboração que lhes prestou, enquanto pôde.

Extremamente modesta, nunca de tal se queixou. Julgo que, silenciosamente, perdoou esse estranho ostracismo.

Tal atitude, confirma, exuberantemente, as altas qualidades que a  exornavam.

Portanto, estas palavras são como pálidas pétalas de saudade, que lanço sobre a sua grata memória.  
- Alberto Valente, publicado no jornal  “Vida por Vida” de Março  de 1970

Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo AlmeidaEdição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Uma Parada de Bombeiros

Tenho aqui à minha frente uma pequena medalha alusiva a um acontecimento passado no longínquo ano de 1936. Encontrei-a por acaso guardada numa estante do Museu de Araújo Correia, como é assim conhecido o museu dos bombeiros da Régua.

Chamou-me a atenção também por ser um objecto com uma incomum simplicidade estética, embora o seu valor histórico me tenha despertado mais curiosidade.

Antes de aí repousar, como um cadáver que repousa em vala, deve ter sido objecto de culto e um bem precioso que deve ter feito parte do historial do quartel que esteve instalado numa humilde casa, no Cimo da Régua. Se não fosse um objecto de valor histórico, teria tido um destino diferente, não teria chegado com o seu brilho e memória do seu ao nosso tempo.

Por si só, a medalha conta-nos a sua verdadeira história, isto é, revela uma história de uma cerimónia festiva que integrou no, seu programa de actividades, uma Parada de Bombeiros. Como tal, actualmente, embora pareça ter uma função meramente decorativa, ela certifica um reconhecimento público pela participação do Corpo de Bombeiros da Régua.

Pois, era só isto que a medalha me deixava  entrever do seu passado e, assim, justificava a sua existência no museu dos bombeiros da Régua, até que dia questionei o meu amigo Cdte. Álvaro Ribeiros, dos Bombeiros da Cruz Branca que, embora desconhecendo da sua existência, tratou de me encontrar a informação que eu procurava para responder a algumas das minhas dúvidas: Quem organizou esta parada? Os bombeiros de cima ou bombeiros de baixo? Que ruas percorreram? Quantas corporações desfilaram? Como foi a reacção da população que assistiu?

Tempo mais tarde, a preciosa informação veio-me direitinha nas páginas digitalizadas do jornal O Vilarealense, nas edições de 26 de Maio e de 25 de Junho de 1936. A primeira informava que no dia 14 de Junho, desse ano, se realizava a “Parada Solene de Bombeiros com a participação de todas as corporações do distrito” e, na segunda lia-se na notícia Depois das Festas, o seguinte: “Sobre a Parada de Bombeiros, diremos que teve um brilho inexcedível, sendo merecedoras  de todos os elogios as  duas Corporações que a organizaram”.

Quem organizou esta Parada de Bombeiros, pretendeu imitar as primeiras paradas de bombeiros portugueses realizadas com sucesso no Porto e em Lisboa. Era moda os bombeiros organizarem estas iniciativas para o público, de forma a destacar a sua afirmação e importância no seio da sociedade.

Confesso que, depois de partilhar a informação recolhida no velho jornal, não tenho mais nenhuma para satisfazer a curiosidade do leitor mais ávido de conhecer o passado dos bombeiros. Quem a tiver, peço aqui que nos ajude a completar as memórias que evoca esta medalha rara, que vai voltar, outra vez, a ocupar o seu lugar no silêncio do museu dos bombeiros da Régua.

Talvez, a partir de agora, não seja mais observada como uma raridade de um momento de glórias esquecidas na grande história dos Bombeiros da Régua, mas como um verdadeiro e singelo documento que recorda uma inédita Parada de Bombeiros, realizada na cidade de Vila Real, por ocasião das Festas da Cidade de 1936.

Digo inédita Parada de Bombeiros, mas deveria dizer a única que aconteceu na capital do nosso “reino maravilhoso”, o que prova a ousadia dos bombeiros de Vila Real, que foram capazes de se unirem e de mostrarem à sociedade a sua força e o seu exemplo de altruísmo, generosidade e de verdadeiro serviço público.

Uma Parada de Bombeiros que fez história, se bem que tenha ficado até hoje esquecida, mas que será sempre uma admirável realização dos bombeiros transmontanos - durienses.

Toda esta história, devo dizer, me conta a medalha que já não tenho diante de mim. Voltou ao seu museu para  refazer uma nova página da  História dos Bombeiros da Régua.
- José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Dezembro de 2012.

*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registam neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Janeiro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Também publicado no semanário regional 'O Arrais', edição de 9 de Janeiro de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Heitor Gama

Ser bombeiro faz parte do imaginário de qualquer criança, mesmo antes de aprender a ler, fazer contas e de desenhar. Nas brincadeiras, os mais novos gostam de se imaginar como bombeiros. Para cada missão fardam-se a rigor e entram pelo quartel adentro aos primeiros toques da sirene. E de lá saem no pronto-socorro, empolgados para conseguirem salvar vidas em perigo. Se for necessário tanto combatem o mais pequenino como combatem o maior e o mais temível incêndio, arriscando mesmo a sua vida.

As crianças vestem a farda de bombeiro como se vestissem a farda de um dos seus heróis. Nunca pensam numa qualquer recompensa ou receber uma medalha. Apenas querem imitar os verdadeiros bombeiros e, seguindo os seus exemplos, crescerem como homens altruístas, corajosos e generosos. Quem não ouviu da boca de uma criança esta frase: “Quando eu for grande… quero ser bombeiro!”.

Como todas as crianças, o Heitor Gama deve ter sonhado ser bombeiro. Mas, se nunca sonhou ser bombeiro, deve ter ouvido ao avô materno algumas histórias relacionadas com os bombeiros, a sua coragem, o seu altruísmo e a sua abnegação. E, com esse seu avô que foi um antigo director da Associação, deve ter presenciado os aprumados desfiles dos bombeiros, ao som estridente de uma fanfarra, em direcção ao Jardim do Cruzeiro, onde paravam e, perfilados em continência, colocavam um ramo de flores diante da estátua ao Comandante Afonso Soares.
Mas, o Heitor Gama guarda do tempo da sua infância um desenho numa folha A4 que traça com fiel rigor os aspectos de uma cerimónia em que os bombeiros homenagearam o seu avô, a título póstumo, pela sua dedicação à causa ao voluntariado.

Não conhecia aquela sua preciosidade infantil, com um traço rudimentar e inocente, mas cheio de ternura e generosidade, que muito me sensibilizou quando mo mostrou. Olhando para as figurinhas por aí retratadas, recordei a cerimónia de homenagem e de gratidão ao seu avô Heitor Gama, que aconteceu no Largo da Igreja Matriz, no dia 28 de Novembro de 1999, no 119º Aniversário da Associação.

O desenho para mim estava perfeito, fazia-me recordar, sem a ajuda de nenhuma fotografia para comparar, o rosto tímido da criança de nove anos, debruçada sobre o carro de fogo nos braços do Comandante Manuel Gouveia, ansiosa por destapar uma placa de metal gravada com o nome do avô. Bastou-me olhar para o desenho para compreender que as simpáticas figurinhas que saiam seu desenho, se identificavam com pessoas que ali compareceram para testemunhar o acontecimento. A começar pelo próprio, que se auto-retratou acompanhado pelo seu  pai e a avó, que seguiam com atenção o que ali faziam o velho  Comandante, os bombeiros de machado em punho e, por fim, o senhor padre  a benzer o carro com a  água benta.
Mais tarde, reparei que naquele desenho faltava a presença de uma figurinha, do presidente da direcção…! Melhor dito, faltava a minha pessoa. Mas, não estranhei que tivesse passado despercebido. O mais certo era que não soubesse que também existiam bombeiros sem farda.

Ora, o seu avô tinha sido um grande bombeiro sem farda, um director zeloso, dedicado, rigoroso em tudo o que fazia, que, durante muitos anos, serviu, mesmo com sacrifício para a sua vida pessoal, uma causa de interesse público. Não tive a sorte de conhecer o senhor Heitor Gama, antigo funcionário administrativo da Casa do Douro, mas coube a mim fazer-lhe a devida e merecida homenagem. Quem, hoje, ainda o recorda, elogia-o como um cidadão exemplar e um abnegado director que, em tempos de grandes dificuldades, muito se dedicou à vida da associação e do seu Corpo de Bombeiros.

No verão passado, o jovem Heitor Gama entrou, mais uma vez, no majestoso Quartel Delfim Ferreira para representar, num palco improvisado, com os alunos da Universidade Sénior da Régua, a belíssima e inteligente peça de teatro D. Antónia - Uma Mulher Fora do Seu Tempo. Como não podia deixar de ser, lembrou-se que o seu avô tinha sido também um bombeiro sem farda, um director que muito contribuíra que qualquer missão dos soldados da paz fosse bem desempenhada.

Desta vez, envergando a velha farda que pertenceu ao primeiro Comandante, Manuel Maria de Magalhães, compreendeu que os voluntários, quer usem ou não uma farda, são necessários para apagar todos os fogos... ou socorrer em qualquer tragédia da vida.

Sem que tenha seguido o exemplo do seu avô, o Heitor Gama, pelo teatro, conseguiu ser um bombeiro. Talvez, um dia mais tarde, ao se lembrar também da farda que usou, possa ainda dizer: “Quando eu for grande… não quero esquecer-me de que fui criança e… um bombeiro da Régua”.
E assim nunca esquecerá o exemplo cívico do seu avô, o bom cidadão reguense Heitor Gama, um bombeiro sem farda.

- José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Dezembro de 2012
*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registam neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.


Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Dezembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS", edição de 5 de Dezembro de 2012. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

BOMBEIROS DA RÉGUA UMA REFERÊNCIA NA PROTECÇÃO CIVIL DO DISTRITO DE VILA REAL

Quando me solicitaram que no âmbito das minhas funções de Comandante Operacional Distrital (CODIS) do distrito de Vila Real da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), e portanto com responsabilidade operacional sobre os Corpos de Bombeiros (CB’s) do distrito, relatasse a vivência deste Comando Distrital com o trabalho dos bombeiros do Peso da Régua, senti desde logo que a tarefa não se iria afigurar fácil, porquanto falamos do CB mais antigo deste distrito (fundado em 28.11.1880) e um dos mais antigos do país, que por todo o seu passado de serviço público às populações do concelho do Peso da Régua, do distrito de Vila Real e do país, é uma referência para todos quantos servem na causa da protecção e socorro.

Vivi e vivo, desde que me conheço, ligado aos bombeiros. Sem nunca ter sido bombeiro, passei toda a minha infância e juventude nos bombeiros da Cruz Verde de Vila Real. Neste convívio, tive oportunidade de ir conhecendo os bombeiros do distrito e desde sempre ouvi os maiores elogios aos bombeiros do Peso da Régua.

Concluídos os meus estudos académicos na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e tendo estagiado na área dos fogos florestais, iniciei o meu percurso profissional na Circunscrição Florestal de Trás-os-Montes na área da protecção florestal e dos fogos florestais, e pude, como coordenador do Sector de Fogos Florestais, trabalhar em variados momentos com os bombeiros do distrito e também, naturalmente, com os bombeiros do Peso da Régua, constatando sempre, estar perante um conjunto de homens e mulheres que honravam a sua farda, a sua associação e a causa dos bombeiros de Portugal.
Chegado ao Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Vila Real, por inerência das funções que desempenho, tive de conhecer aprofundadamente as Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários (AHBV’s) do distrito e particularmente os seus CB’s.

Tenho tido a oportunidade de confirmar as informações anteriormente obtidas. A AHBV do Peso da Régua e o seu CB são de facto uma referência distrital na área da protecção e socorro. Pela sua organização, dedicação, empenho e espírito de missão, pela sua capacidade operacional, estão entre os CB’s, em que principalmente assenta a estrutura de protecção civil do distrito.

A sua área de actuação, em que predomina a influência do rio Douro, torna particularmente relevante as intervenções de protecção e socorro em meio aquático. Num momento em que o trafego marítimo de embarcações turísticas no rio Douro tem tido acrescentos significativos e que mais investimentos em embarcações de passageiros se anunciam e concretizam, é relevante para a imagem da região do Douro, que se quer afirmar no contexto turístico nacional e internacional, a oferta de condições de segurança a todos os que a visitam.
Estão entre essas condições de segurança, naturalmente, a existência de um CB numa das localidades de referência turística do rio Douro como é a cidade do Peso da Régua, dotada de equipamentos de socorro actualizados e sobretudo, de homens e mulheres bem preparados, treinados e formados para prestar o socorro às populações que servem.

Tem sido a formação e o treino operacional uma das áreas de forte atenção deste Comando Distrital, em particular a formação dos bombeiros do distrito, porque só salva que sabe. Tem sido também esse o trabalho desenvolvido ao longo dos últimos anos pelo CB do Peso da Régua, que desde cedo entendeu ser a área da formação e treino operacional essencial na actividade do CB, nomeadamente o socorro em meio aquático, diferenciador deste CB relativamente aos demais, e uma especialidade técnica que importa desenvolver e aperfeiçoar, face às situações de socorro com que hoje, cada vez mais, se confrontam os bombeiros do Peso da Régua. São disso exemplo as operações de protecção civil desenvolvidas pelo CB do Peso da Régua quando das cheias que sazonalmente ocorrem na cidade do Peso da Régua, nos resgates aquáticos a vitimas de afogamento e no socorro a embarcações acidentadas no curso do rio Douro.

Mas não se circunscreve a actividade operacional do CB ao meio aquático. Toda a actividade de protecção e socorro desenvolvida é efectuada com elevado sentido de responsabilidade e profissionalismo, quer seja na emergência pré-hospitalar, no combate a incêndios urbanos e florestais ou no apoio às actividades socioculturais do concelho.

Merece contudo destaque, no âmbito da actividade de protecção civil do distrito de Vila Real, o empenho anual no combate aos incêndios florestais que assolam a região e o país.

Entre os diversos riscos que afectam o distrito, o risco de incêndio florestal é aquele que mais fortemente condiciona a segurança e a economia do distrito. Não estando este risco entre os principais riscos que afectam o concelho do Peso da Régua, não significa contudo menor empenho do seu CB no combate a este fenómeno. Ele constitui-se como a reserva estratégia de apoio e reforço às ocorrências que se registam por todo o território distrital e mesmo nacional.

Anualmente, vários são os momentos em que os bombeiros da Régua são mobilizados para constituírem grupos de combate com outros CB do distrito para, deslocando-se por todo o território distrital e nacional, ajudarem, com a sua dedicação, esforço e empenho, a salvaguardar as vidas e o património das nossas populações.
Tendo sido este espirito de voluntariado, de prontidão operacional e de permanente disponibilidade, aliado à competência técnica adquirida com a formação e o treino, que fazem desde CB uma referência para os demais e que todos apreciam acolher quando em apoio às operações de protecção civil.

São estas características que têm enobrecido a instituição e que fazem dela uma referência, particularmente no concelho do Peso da Régua, tão intrincada que é a relação da comunidade Reguense com os seus bombeiros, ao ponto de ser esta associação uma referência no grau de benemerência que os seus cidadãos a ela dedicam, conferindo-lhe a tranquilidade económico-financeira para continuar a prestar o socorro às suas populações.

Assim, tem também procurado este Comando Distrital e os serviços públicos de tutela dos bombeiros, corresponder com os necessários apoios à actividade dos CB’s, e em particular à AHBV do Peso da Régua, sendo exemplo o apoio através do QREN nas obras de beneficiação do seu quartel de bombeiros, o apoio na aquisição de equipamentos operacionais e de segurança para bombeiros e a atempada transferência de financiamentos contratualizados.

Estamos pois perante uma instituição que importa acarinhar, enaltecer e apoiar, que assenta o seu percurso histórico em nobres valores humanos que a conduziram ao presente e que, continuando a cultivá-los, a conduzirá a um promissor futuro.
- Carlos Silva, CODIS de Vila Real






Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 13 de Setembro de 2012. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue sómente com a citação da origem/autores/créditos.

sábado, 15 de setembro de 2012

A MISSÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS

Em data recente, perguntaram a um rapazinho de cinco anos:

- Queres ser bombeiro?

E ele respondeu:

- Não, isso não dá dinheiro.

Este curto diálogo e mais perguntas formuladas são o mote da minha reflexão. Quem falou com aquele rapazinho aproveitou para lhe ensinar o que incumbe aos pais e aos professores. Tentou explicar-lhe que o ser Bombeiro é uma honra e a maior dádiva dum cidadão ao seu semelhante. O petiz só muito mais tarde perceberá, na realidade, o voluntariado dos soldados da Paz. Só muito mais tarde compreenderá os propósitos do lema “Vida por Vida”. A tenra idade do garoto ditou outras perguntas numa linguagem simples:

- Sabes quem apaga os incêndios nas casas e nas matas?

- Sabes quem ajuda nos acidentes da estrada e conduz os sinistrados ao hospital?

- Sabes quem é chamado ao rio Douro para salvar as pessoas?

- Sabes quem leva os velhinhos e os doentes às transfusões de sangue?

A rapidez das questões embaciou o olhar da criança e tornou-a pálida. Ao fim das quatro ela já tremia como varas verdes!
A conversa teve de parar para não lhe causar incómodo. O interlocutor (o adulto que perguntava) ainda acrescentou:

- Um dia serás um jovem e depois um homem e hás-de perceber, o que significa para um Bombeiro, o valor da solidariedade, do voluntariado, da amizade, do amor aos outros e, por último, da oferta da própria vida!

O menino – que desconhecia, naturalmente, a profundidade destas últimas palavras – foi-se recompondo da palidez e das tremuras e o olhar foi-lhe restituído.

Este caso leva-me a crer que a sociedade actual se materializou definitivamente. E que o homem, assediado pela televisão e pelas novas tecnologias, vai ficando nu dos valores elementares.
A família tem o dever de educar a criança para os valores da entre-ajuda, da solidariedade, da disponibilidade e do amor ao próximo, entre muitos mais. A escola, como complemento da educação familiar, tem a tarefa de promover a prática desses valores. É conhecida a máxima latina: primum vivere, deinde philosophari (primeiro viver, depois filosofar). Obviamente que após acautelar o seu sustento, o homem deve procurar realizar o seu fim último na terra que é ser feliz. Ora, no dar e no dar-se aos seus iguais há, seguramente, muita felicidade.

- Peso da Régua, 23/8/2012, M. J. Martins de Freitas

Clique nas imagens para ampliar. Texto e imagens cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 26 de Setembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos.   

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua - As melhores imagens da sua História

Combate a incêndios em sentido figurado
"As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas..."
- Ruy Belo,Oh as casas as casas as casas


José Alfredo Almeida tem nas suas crónicas no Arrais tirado do esquecimento, e do pó do tempo, histórias exemplares de bombeiros. É de todo conveniente que as gerações novas conheçam o passado. Há uma tendência hoje em dia talvez mais forte do que nunca de passar uma esponja sobre o que nos antecede e correm o risco, os desprevenidos, de julgarem que estão a cada alvorada a assistir ao próprio acto da Criação.

Por essa razão sigo com prazer o seu exemplo, mas noutra área, a da habitação social, supondo que é possível encontrar entre bombeiros e habitação social um nexo que os aproxime mesmo sem recorrer ao fósforo.

Com prazer o faço, também em nome de uma amizade fundada em trabalhos conjuntos a partir de finais dos anos 90, início do sec. XXI, José Alfredo Almeida, então Vereador da Câmara Municipal da Régua, pelo meu lado, responsabilidades na Direcção do Norte do IGAPHE – Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, entidade proprietária do Bairro das Alagoas, o Bairro Verde. O Bairro Verde tem muita história, boa e má, como todas as entidades humanas. Neste artigo serve de elo entre o anfitrião e o hóspede.

E logo aqui registo o que para muitos parecerá insólito: aquando da sua construção, o bairro das Alagoas era cobiçado pelas classes médias da Régua, que depois o rejeitaram. Imediatamente deste exemplo concreto se vê o modo caprichoso como o tempo procede e manipula os seus objectos. Primeiro, a fase idílica de bairro apetecido, depois, a sua veemente rejeição. Hoje, após a requalificação, com uma maior aceitação social do que a dos anos 90. Com os seus quês, todavia. Mas não posso nesta ocasião deixar de assinalar esta nota com relevo especial para o país interior votado ao abandono, a de que o Estado é essencial para poder haver políticas de território sem o que veremos esta contínua hemorragia em que se encontra há décadas, acabando por atingir todo o corpo nacional.


Actualmente, José Alfredo Almeida é dirigente dos Bombeiros da Régua. Eu, na situação de reforma. Ora, este aparentemente divergente estatuto pessoal, guio-o como pastor que, para poder conversar com outro pastor, conduz o rebanho a terreno comum.
Dou um primeiro passo: lembro que, à época dos nossos trabalhos conjuntos, a que me reporto, meados dos anos 90 em diante, havia um novo Governo. O IGAPHE, por estatuto, tinha como finalidade a gestão e alienação dos seus fogos, e chegara a um impasse. A mistura, nos mesmos condomínios, de fogos vendidos com não vendidos, a exígua percentagem de alienação, tornava quase impraticável a gestão do património, tanto mais que o Instituto, uma emanação do antigo Fundo de Fomento da Habitação, fora concebido, do ponto de vista dos recursos do seu quadro de pessoal, para as finalidades acima referidas: recolha das rendas, alienação dos fogos, obras de conservação. O apoio aos moradores e sua integração social nunca estiveram estatuídos. Existia, em suma, um património gigantesco, difícil de gerir, condomínios por constituir, uma dívida de rendas considerável, falta de pessoal que pudesse abarcar uma tão vasta propriedade. Em 1996, as direcções regionais e a própria presidência do Instituto haviam concluído, e diziam-no abertamente: há um impasse na gestão e é preciso tomar medidas sérias.

A direcção regional do Norte do IGAPHE foi pioneira nas novas formas de actuar, a então apelidada Operação Arco-Íris, que o novo Conselho Directivo gizou em traços largos, para romper o isolamento em que se achava face aos moradores e às instituições locais e poder gerir racionalmente o património construído. Muitas Câmaras Municipais queixavam-se de o Instituto ter para com elas uma atitude pouco amistosa. Algumas instituições diziam mais: que o Instituto era um muro.
Chegado aqui, faço um pequeno desvio, que é outro ponto de encontro com José Alfredo Almeida: as direcções regionais do IGAPHE, designadamente a do Norte, entenderam à época que deviam agir como “bombeiros” a apagar incêndios, em sentido figurado, no Património Habitacional. Tal como quando os bombeiros se queixam do desmazelo nos matos e floresta que potencia ignições constantes no tempo seco, assim, nós, no IGAPHE, nos abalançámos a atacar o desmazelo, quer dizer, a não adequação das finalidades do Instituto ao estado real do património e dos seus utentes. Na ausência de recursos em pessoal, o IGAPHE começou a valer-se de parcerias, nomeadamente com a Segurança Social (Projectos de Luta Contra a Pobreza) e outras entidades públicas ou semi-públicas, um pouco como quando populares e militares acorrem, além dos bombeiros, a uma emergência de fogo. Era, a traço grosso, a Operação Arco-Íris.

Se naquela altura José Alfredo Almeida não era bombeiro, queria sê-lo o IGAPHE a apagar os incêndios sociais que existiam nas Alagoas e em muitos outros locais da sua alçada. O tempo, esse prestidigitador, lança-nos pontes. Éramos nós bombeiros em sentido figurado, é-o agora José Alfredo Almeida em sentido literal. Entretanto o IGAPHE desapareceu na voragem das infindáveis reestruturações dos místicos do reformismo, uma subespécie da piromania e da fundição, podem crer: onde quer que vejam duas coisas, logo a querem apenas uma.


O que então se fez e pretendeu fazer acabou por esbarrar em visões limitadas do que devem ser os deveres do Estado, acabando por morrer. Na Régua, até certo ponto, deu-se excepção. Mercê de uma confluência de trabalhos e acasos, tornou-se possível obter um financiamento europeu, substancial, para o Bairro das Alagoas.

Convém registar que muito do que acontece, bom ou mau, longe de ser o resultado de proverbiais racionalidades, é o acaso que promove com a sua roleta. O Bairro das Alagoas ter-se transformado num caso particularmente difícil para o IGAPHE, um bairro de que o Instituto a certa altura perdeu o quase completo controlo, deu origem a trabalhos materiais e sociais de emergência, seja da Segurança Social, seja da Câmara Municipal, seja do próprio IGAPHE. Entre as várias iniciativas, uma delas foi a de um estudo monográfico encomendado, em parceria, pelo IGAPHE e pela Segurança Social (Vila Real), investigando e registando os trabalhos de campo em torno do bairro desde 1992 ("A Intervenção num Bairro Social – o caso do bairro das Alagoas", Porto, 2001, M.J. Afonso). Enfim, o Bairro pôde beneficiar de uma candidatura a fundos europeus (EFTA - Velhos Guetos, Novas Centralidades) que obteve vencimento, sendo um dos argumentos importantes para ter sido aprovada, a existência dessa monografia, a qual nem por sombras teve esse propósito. Um feliz acaso bem aproveitado.

Daqui saúdo e lembro os “bombeiros” sociais dos antigos Projectos de Luta Contra a Pobreza: Projecto Bairro verde – Um Projecto Esperança e o Projecto “Douro d’Oiro”, e com eles, a Drª. Maria José Tinoco, a Drª Eugénia Santos, a Drª. Maria José Lambéria, o animador sócio-cultural Sr. Fernando Ribeiro ou, do lado do IGAPHE, o entusiasmo e apoio do Dr. Branco Lima nos Intercâmbios Culturais e Desportivos inter-bairros, de jovens e crianças, sempre com o aval do Eng.º António Teles, então director da IGAPHE/Norte.

Perdoem-me os que aqui eventualmente não registe (esperando que alguém o possa fazer completando esta falha) mas, na verdade, tenho esperança de haver vontade de voltar a juntar numa evocação reguense muitos dos que partilharam essas experiências precursoras dos anos 90. Agora, que nos encontramos num tempo de empobrecimento oficial, ganha muita razão de ser tal evocação, quando não invocação.
Em recente visita às Alagoas, na companhia de um amigo, antigo colega do IGAPHE, e profundo conhecedor do Bairro, o eng. Diomar Santos, pareceu-nos lobrigar alguns sinais de alerta. Temos para nós, parafraseando António Sérgio, que podendo poupar na obra da pedra morta para poder gastar nas pedras vivas será sempre o mais avisado. A já extensa história do Bairro, pequena parcela de Portugal, isso mesmo mostra.

Com este sentido no imaterial e no tempo que, se os derruba, também cria laços e pontes, feche-se a crónica.
- Ricardo Lima, Porto, Julho de 2012

Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de texto e imagens feita pelo Dr. José Alfredo Almeida (Jasa). Publicado também no jornal semanário regional "Arrais" em 26 de Julho de 2012. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2012. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos.

terça-feira, 10 de maio de 2011

RECORDANDO…

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António Guedes

O Quartel dos Bombeiros Voluntários da Régua encontrava-se pessimamente instalado no rés-do-chão de uma velha e acabada casa, situada num local imprópria, não só devido à pouca largura da rua como, ainda, pelo trânsito intenso e continuo que por ela passava.

De facto, na estrangulada rua dos Camilos, quase na confluência com a rua Serpa Pinto, tornava-se extremamente difícil e, por vezes, perigosa a saída das viaturas, as quais eram forçadas a executar lentas e arreliadoras manobras para entrarem ou saírem do quartel. Por vezes produziam-se “engarrafamentos” de trânsito, que davam lugar a aborrecidos atrasos e que eram causados por condutores repontões, que se insurgiam contra nós, atribuindo-nos a culpa do que sucedia.

Era uma arrelia, uma constante dor de cabeça.

Em vista disso, a direcção e o Comando da Corporação concluíram que eram absolutamente necessário, para se acabar com aquele inferno, construir um quartel, embora modesto, mais situado num local amplo e apropriado, no centro da vila. Essa resolução veio precisamente ao encontro dos desejos do Corpo Activo, que se comprometeu (e cumpriu briosamente), a trabalhar para esse seu tão grande anseio se concretizasse.

Jaime Guedes, ao tempo presidente da Direcção dos Bombeiros e simultaneamente vereador da Câmara Municipal, aproveitou essa feliz oportunidade e falou sobre o assunto, com os restantes vereadores – Dr. Mário Bernardes Pereira, Capitão Afonso Alves de Araújo, Alberto Gonçalves Martinho e Dr. Abel Duarte Teixeira de Araújo -  e solicitou-lhe a sua concordância no pedido que em breve iria fazer à Câmara Municipal.

De facto, numa das primeiras sessões realizadas, ele apresentou uma proposta, na qual solicitava que o município adquirisse e entregasse aos bombeiros um pequeno prédio, situado na Av. Sebastião Ramires, onde em tempos esteve instalada a Associação de Socorros Mútuos 1.º de Maio, e terrenos anexos, afim dos Bombeiros Voluntários ali construírem o quartel de que tanto careciam.

Essa proposta foi aprovada por unanimidade, demonstrando a vereação, por essa forma, a sua simpatia pela velha e gloriosa Corporação que, há perto de um século serve a Régua e os concelhos limítrofes.

Mas, Jaime Guedes, não deixou arrefecer o entusiasmo do momento, numa outra proposta, que igualmente foi aprovada, solicitou a concessão, aos Bombeiros, de um subsidio de cinquenta mil escudos, destinado a custear as primeiras despesas da construção do tanto desejado quartel.

Estava dado o primeiro e gigantesco passo para a concretização do grande e sublime sonho que a nós, velhos bombeiros, há muito nos embalava.

Jaime Guedes, filho de bombeiro e irmão de bombeiros, iniciou imediatamente as necessárias demarches, destinadas a levar a cabo essa grande obra, que hoje constitui um motivo de orgulho para a gente da Régua – e que é o modelar quartel dos seus bombeiros.

A planta do prédio foi imediatamente executada pelo distinto arquitecto Oliveira Ferreira, autor do projecto da capela do Asilo José Vasques Osório, e a empreitada da obra adjudicada ao mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira, reguense de gema e artista admirável, que burilava a cantaria com primor, o mesmo enlevo e carinho como que as nossas lindas minhotas consagram às suas artísticas e primorosas rendas de bilros.

A sua proposta foi, muito sensivelmente, a mais baixa que se recebeu.

Já o prédio estava muito adiantado quando se constatou, com enorme surpresa e desgosto, que havia errado o orçamento que figurava na sua proposta e que, nessas circunstâncias, não poderia concluir a obra pela qual tanto se interessava e tanto o envaidecia.

Tornou-se taciturno e pouco falador, notando-se nele um grande cansaço e uma constante tranquilidade.

Restavam-lhe, pois, duas alternativas:

A primeira, que muito a amigável e sinceramente lhe foi sugerida pela própria Direcção dos Bombeiros, era que parasse imediatamente com a obra e que se tranquilizasse, pois nada lhe seria exigido, - sugestão essa que terminantemente rejeitou;

E a segunda – que ele seguiu sem vacilar – foi concluir a obra, vendendo ou hipotecando os seus modestos bens, para poder cumprir com a sua palavra.

E não houve forças humanas que o demovessem, que o fizessem mudar de ideias.

E assim terminou a obra.

Sabe Deus com que desgosto, com que sacrifício esse homem, já velho e cansado, nessa altura, se despojou de um pequeno património (que levara a vida inteira a construir) para poder cumprir com a sua palavra.

Eram desta têmpera, os homens daquele tempo!

Faleceu decorridos poucos anos.

E a velha Corporação, comovidamente, acompanhou-o ao cemitério.

Foi um verdadeiro Homem, um carácter.

E foi, sobretudo uma grande lição!

Notas:

1-Este texto faz parte das memórias de António Guedes, antigo chefe dos bombeiros voluntários do Peso da Régua, que foram publicadas no jornal O Arrais, na década dos anos 70 e 80.  

2- É mais um importante contributo para se conhecer melhor a nossa História do Quartel dos Bombeiros da Régua. Vale a pena atentar no exemplo do mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira. Para ler e meditar com muita atenção…

- Matéria e imagem enviadas por nosso Amigo e colaborador Dr. José Alfredo Almeida para "Escritos do Douro" em Maio de 2011.
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Jornal "O Arrais", Quinta feira, 28 de Abril de 2011
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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O verão quente… do Comandante Cardoso

É difícil imaginar do que falariam o Comandante Cardoso e o Adjunto de Comando Claudino Clemente, que nesse dia não vestiram as suas impecáveis fardas, enquanto no círculo mais imediato, o Chefe Armindo Almeida, o bombeiro auxiliar motorista António Pereira Araújo – conhecido por Rufino - e o senhor António Pereira, um distinto director da Associação, parecem seguir atentamente o fio dessa conversa.

Sabemos, no entanto, que estava preparado um jantar de confraternização, ao que parece marcado para a esplêndida Estalagem das Caldas do Moledo, uma velha e apreciada casa de turismo de arquitectura sóbria, situada naquele lugar termal, que desapareceu nas chamas de um violento incêndio, na noite de 31 de Maio de 1979. Depois desse grande fogo…. o Moledo começou também desaparecer. Sabemos também que a refeição foi acompanhada com vinho tinto e para a sobremesa, um doce de pudim.

A conversa parece interessante e o Comandante Cardoso mostra a atenção, como se estivesse a escutar um conselho do seu abnegado adjunto, um dos melhores e mais brilhantes bombeiros, alistado a 3 de Maio de 1930 na corporação. Quando o Adjunto Claudino Clemente faleceu, a 11 de Novembro de 1982, deixava também um rol de histórias dos bombeiros do seu tempo…por contar. Agraciado com as medalhas de mérito e de sacrifício, de uma e duas estrelas da Liga dos Bombeiros Portugueses, e a medalha de ouro, de mérito municipal da Câmara da Régua, pela dedicação e competência que sempre demonstrou ao longo de 50 anos de serviço, foi sem dúvida e no dizer dos seus antigos colegas “um homem que nasceu para ser bombeiro”.

Admite-se que Claudino Clemente estivesse a convencer o Comandante Cardoso dos malefícios de uma sua decisão que pensava tomar, à qual pela sua susceptibilidade não seria comentada com os demais bombeiros, para que tudo se resolvesse de forma discreta, com a salvaguarda do bom nome da instituição.

A decisão do Comandante Cardoso seria expressa numa carta dactilografada – recentemente encontrada nos arquivos - que dirigiu ao Presidente da Direcção da Associação, Dr. Aires Querubim de Meneses, a pedir a sua passagem ao quadro honorário que, dito por outras palavras, significava pedir a sua demissão de comandante dos bombeiros.

A carta tem a data de 24 de Julho de 1975. Redigida:

“ Exmo Senhor :

Presidente da Direcção da AHBV do Peso da Régua

As minhas ocupações profissionais, não me permitem, presentemente, dedicar-me inteiramente à Corporação que comando há mais de 15 anos.

Por tal motivo e nos termos do paragrafo 3º do artigo 5º do Capítulo I – Decreto nº 30 439, venho solicitar a V. Exª e da Exma. Direcção, a minha passagem ao Quadro Honorário, a partir de 3 de Agosto próximo, data em que me considero desligado do serviço e completo 15 anos e 10 meses de doação aos Bombeiros e a todos que precisaram da sua ajuda.

Com os protestos da minha maior consideração e reconhecimento por todas as atenções que sempre me dispensaram, apresento os meus melhores cumprimentos.

O Comandante Carlos Cardoso dos Santos”

Quando se sabe que o pedido de passagem ao quadro honorário nunca se concretizou, a carta não deixa de causar alguma estranheza… e muita perplexidade. Na verdade, por maior que seja o esforço, custa acreditar, ainda hoje, que o motivo invocado pelo Comandante Cardoso, corresponda à verdade. Antes se admite que seja uma justificação diplomática para não revelar a contrariedade sucedida. Ninguém acreditava, que em 1975, o Comandante Cardoso quisesse abandonar os bombeiros, para se dedicar apenas às suas “ocupações profissionais”, na secretaria do Hospital D. Luís I. Sem que fosse conhecida uma explicação verdadeira, continuava envolvida em mistério a sua decisão. A dúvida adensava quando se descobriu que a sua carta tinha ficado esquecida, no meio de papéis inúteis, sem interesse para a história e sem merecer da Direcção uma resposta, o que significava que o assunto tinha morrido ali...!

Mas, para se compreender este momento difícil da sua vida, tornava-se necessário conhecer quais os reais motivos que levaram o Comandante Cardoso a escrever essa carta e, depois, saber o que fez mudar de ideias, de não abdicar o seu lugar de Comandante dos Bombeiros da Régua.
Começamos por enquadrar a carta com os acontecimentos de 1975. De 11 de Março a 25 de Novembro, o país viveu a um ritmo alucinante, num clima entre o apaixonante e o assustador. Ideologias antagónicas e modelos de sociedade divergentes confrontavam-se na rua, contavam-se as espingardas nos quartéis, as greves paralisavam as empresas, os retornados das ex-colónias desembarcavam com poucos haveres, sucediam-se os golpes militares, faziam-se manifestações e comícios a toda a hora e as sedes dos partidos de esquerda eram assaltadas e saqueadas. Foi o verão quente de 1975, um período conturbado, em que o país esteve à beira de uma guerra civil.

Na Régua, o Comandante Cardoso viveu também, de uma outra forma, o verão quente… de 1975. Habituado no seu comando a resolver os problemas e conflitos disciplinares com autoridade, mas sem autoritarismo, não conseguiu evitar um lamentável incidente com um velho bombeiro. Os pormenores da discussão nem interessavam se não lhe tivesse chamado de “fascista”. O uso insulto era corriqueiro, usado por tudo e por nada com e sem conotações politicas. A intenção de o rotular de adepto do Estado Novo não fazia sentido, mas denegria-lhe a sua impoluta conduta cívica. O ambiente social da época, tenso e repleto de ódios políticos, provocava instabilidade no relacionamento pessoal. Ofendido pelo insulto, o Comandante Cardoso sentiu-se indignado, sem vontade de continuar no comando. Depois de se ter aconselhado, tomou a tal inesperada decisão de abandonar, de imediato, o comando dos bombeiros da Régua.

A resposta para outra dúvida é mais simples. O que o fez mudar de ideias, é aquilo que conhecemos da sua vida: a paixão pelos bombeiros. Foi essa paixão que o fez desistir do pedido da sua carta e continuar a comandar os bombeiros até ao limite da idade permitida nos regulamentos, em Março de 1990. Sem ele a comandar, a história da Associação não teria registado um dos importantes e gloriosos momentos, a memorável realização do 24º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses.

Esta carta é um documento raro que se conhece do Comandante Cardoso para aqueles que o admiram como cidadão empenhado e comandante dos bombeiros da Régua, ao longo de 31 anos de serviço. Como bem escreveu, Damas da Silva, no seu livro biografia “O Comandante Carlos Cardoso”, confirma que os testemunhos escritos pelo comandante não abundam.

Se uma simples carta do Comandante Cardoso não ajuda a revelar as lacunas nem os espaços em branco da vida pode, ao menos, permitir avaliar uma das suas decisões mais imprevistas e inesperadas e, sobretudo, compreender melhor a grandeza humana e moral de um “cidadão de medida grande”, como alguém o definiu, para fazer sair da penumbra o que ficou menos iluminado no seu foro íntimo: a sua grande Alma.
- Colaboração de José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Setembro de 2010. Clique nas imagens acima para ampliar.
  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua de onde é natural e de figuras marcantes do Douro.
Jornal "O Arrais", Sexta-Feira, 08 de Outubro de 2010
Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua
O verão quente… do Comandante Cardoso
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O verão quente… do Comandante Cardoso