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terça-feira, 10 de maio de 2011

RECORDANDO…

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António Guedes

O Quartel dos Bombeiros Voluntários da Régua encontrava-se pessimamente instalado no rés-do-chão de uma velha e acabada casa, situada num local imprópria, não só devido à pouca largura da rua como, ainda, pelo trânsito intenso e continuo que por ela passava.

De facto, na estrangulada rua dos Camilos, quase na confluência com a rua Serpa Pinto, tornava-se extremamente difícil e, por vezes, perigosa a saída das viaturas, as quais eram forçadas a executar lentas e arreliadoras manobras para entrarem ou saírem do quartel. Por vezes produziam-se “engarrafamentos” de trânsito, que davam lugar a aborrecidos atrasos e que eram causados por condutores repontões, que se insurgiam contra nós, atribuindo-nos a culpa do que sucedia.

Era uma arrelia, uma constante dor de cabeça.

Em vista disso, a direcção e o Comando da Corporação concluíram que eram absolutamente necessário, para se acabar com aquele inferno, construir um quartel, embora modesto, mais situado num local amplo e apropriado, no centro da vila. Essa resolução veio precisamente ao encontro dos desejos do Corpo Activo, que se comprometeu (e cumpriu briosamente), a trabalhar para esse seu tão grande anseio se concretizasse.

Jaime Guedes, ao tempo presidente da Direcção dos Bombeiros e simultaneamente vereador da Câmara Municipal, aproveitou essa feliz oportunidade e falou sobre o assunto, com os restantes vereadores – Dr. Mário Bernardes Pereira, Capitão Afonso Alves de Araújo, Alberto Gonçalves Martinho e Dr. Abel Duarte Teixeira de Araújo -  e solicitou-lhe a sua concordância no pedido que em breve iria fazer à Câmara Municipal.

De facto, numa das primeiras sessões realizadas, ele apresentou uma proposta, na qual solicitava que o município adquirisse e entregasse aos bombeiros um pequeno prédio, situado na Av. Sebastião Ramires, onde em tempos esteve instalada a Associação de Socorros Mútuos 1.º de Maio, e terrenos anexos, afim dos Bombeiros Voluntários ali construírem o quartel de que tanto careciam.

Essa proposta foi aprovada por unanimidade, demonstrando a vereação, por essa forma, a sua simpatia pela velha e gloriosa Corporação que, há perto de um século serve a Régua e os concelhos limítrofes.

Mas, Jaime Guedes, não deixou arrefecer o entusiasmo do momento, numa outra proposta, que igualmente foi aprovada, solicitou a concessão, aos Bombeiros, de um subsidio de cinquenta mil escudos, destinado a custear as primeiras despesas da construção do tanto desejado quartel.

Estava dado o primeiro e gigantesco passo para a concretização do grande e sublime sonho que a nós, velhos bombeiros, há muito nos embalava.

Jaime Guedes, filho de bombeiro e irmão de bombeiros, iniciou imediatamente as necessárias demarches, destinadas a levar a cabo essa grande obra, que hoje constitui um motivo de orgulho para a gente da Régua – e que é o modelar quartel dos seus bombeiros.

A planta do prédio foi imediatamente executada pelo distinto arquitecto Oliveira Ferreira, autor do projecto da capela do Asilo José Vasques Osório, e a empreitada da obra adjudicada ao mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira, reguense de gema e artista admirável, que burilava a cantaria com primor, o mesmo enlevo e carinho como que as nossas lindas minhotas consagram às suas artísticas e primorosas rendas de bilros.

A sua proposta foi, muito sensivelmente, a mais baixa que se recebeu.

Já o prédio estava muito adiantado quando se constatou, com enorme surpresa e desgosto, que havia errado o orçamento que figurava na sua proposta e que, nessas circunstâncias, não poderia concluir a obra pela qual tanto se interessava e tanto o envaidecia.

Tornou-se taciturno e pouco falador, notando-se nele um grande cansaço e uma constante tranquilidade.

Restavam-lhe, pois, duas alternativas:

A primeira, que muito a amigável e sinceramente lhe foi sugerida pela própria Direcção dos Bombeiros, era que parasse imediatamente com a obra e que se tranquilizasse, pois nada lhe seria exigido, - sugestão essa que terminantemente rejeitou;

E a segunda – que ele seguiu sem vacilar – foi concluir a obra, vendendo ou hipotecando os seus modestos bens, para poder cumprir com a sua palavra.

E não houve forças humanas que o demovessem, que o fizessem mudar de ideias.

E assim terminou a obra.

Sabe Deus com que desgosto, com que sacrifício esse homem, já velho e cansado, nessa altura, se despojou de um pequeno património (que levara a vida inteira a construir) para poder cumprir com a sua palavra.

Eram desta têmpera, os homens daquele tempo!

Faleceu decorridos poucos anos.

E a velha Corporação, comovidamente, acompanhou-o ao cemitério.

Foi um verdadeiro Homem, um carácter.

E foi, sobretudo uma grande lição!

Notas:

1-Este texto faz parte das memórias de António Guedes, antigo chefe dos bombeiros voluntários do Peso da Régua, que foram publicadas no jornal O Arrais, na década dos anos 70 e 80.  

2- É mais um importante contributo para se conhecer melhor a nossa História do Quartel dos Bombeiros da Régua. Vale a pena atentar no exemplo do mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira. Para ler e meditar com muita atenção…

- Matéria e imagem enviadas por nosso Amigo e colaborador Dr. José Alfredo Almeida para "Escritos do Douro" em Maio de 2011.
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Recordando...
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 28 de Abril de 2011
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Recordando...

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Em tempo de festas de Nossa Senhora do Socorro na Régua: Recordando...

A casa onde nasci e vivi até os meus 10 ou 12 anos, situava-se na principal rua da Régua. Própriamente na Rua dos Camilos. Quando se aproximava o mês de Agosto já o meu espírito em mais nada pensava senão nas festas em honra de Nossa Senhora do Socorro. Era tudo que de mais belo existia para mim. E, então, quando os ornamentadores iniciavam a sua tarefa, abrindo buracos nas ruas para colocar os mastros, jamais largava as varandas de onde assistia a todos esses trabalhos e que eram, afinal, o início de tudo que se iria realizar. Acompanhava tudo de princípio ao fim. Nada descurava. Os arcos, com os desenhos alusivos e algo que se ligasse com a Régua, as bandeiras que flutuavam ao vento no cimo dos mastros, vermelhas, verdes, azuis, amarelas e outras cores.

Depois era a iluminação que surgia de noite e dava à minha rua um aspecto radioso, que me deixava uma alegria intensa. Por minha vontade ficava ali, na varanda, toda a noite. Era preciso que a minha saudosa Mãe me obrigasse a ir para a cama.

Mas, de manhã, corria logo para o meu “posto”. Dali via passar, depois, as bandas de música, os gigantones e cabeçudos.

Naqueles dias, mesmo com o intenso calor que se fazia sentir, o movimento de forasteiros era enorme.

Ainda não existiam tantos veículos motorizados como hoje. Os forasteiros Juntavam-se em grupos e, acompanhados de bombos, ferrinhos e outros instrumentos, davam largas à sua alegria, cantando e dançando.

A maior parte trazia os seus cestos merendeiros à cabeça, pelo menos no dia do arraiai do rio, onde procuravam o melhor lugar para comerem o seu bocado de carneiro assado e arroz de forno, e onde não faltava a boa “pinga”.

O “nosso rio”, nesses tempos, era diferente. Havia areais por onde se podiam espalhar à vontade milhares de pessoas. Os barcos, como o da Felisbela , levavam de um lado para o outro os que gostavam de ir para “Além-Douro”.

As barracas de melancia e de melões faziam sempre bom negócio. Regateava-se o preço e a qualidade, mas tudo se vendia.

Entretanto anoitecia e as bandas de música, nos seus coretos, faziam-se ouvir e toda aquela gente dançava e bailava!

Tudo era animado e tudo apenas terminava quando era lançada a última partida de fogo do ar e aquático. E diga-se que o fogo escolhido era sempre dos melhores pirotécnicos do norte do país. Eram horas e horas de encanto e pode afirmar-se que arraial como o da Régua era difícil de igualar.

Tudo isso se efectuava após a “Procissão” ter percorrido as principais ruas da então vila e que saía em triunfo da igreja Matriz.

E se deixei para o fim este número da Festa, é porque, para mim, era um “sonho” tudo o que meus o!hos presenciavam. Os andores, os anjinhos eram a coisa mais brilhante a que assistia. Da varanda da minha casa assistia àquele cortejo maravilhoso.

E minha Mãe ia-me indicando o que representava cada uma das figuras que crianças, já a vislumbrarem no seu rosto o cansaço e o calor de tão longo trajecto, apresentavam. Surgia, finalmente, o andor com a Nossa Senhora do Socorro, Toda a gente se ajoelhava.

Olhos cheios de lágrimas se viam em muitas das pessoas. Mãos erguidas dirigidas em direcção a quem parecia sorrir e deitar um olhar de amor aos que lhe faziam os seus pedidos, lançavam as suas preces.

E minha saudosa mãe também chorava e as lágrimas corriam-lhe pelas suas faces. Só hoje compreendo porque choravam as pessoas quando Nossa Senhora do Socorro surgia ali mesmo, num andor repleto de flores.

E só hoje compreendo porque, já no fim duma vida em que estarei perto da Eternidade, também as lágrimas se soltam de meus olhos, lembrando entes queridos desaparecidos, lembrando o sofrimento de tantos. Que Nossa Senhora do Socorro nos abençoe, nos perdoe das nossas faltas. Como tudo era diferente nos meus tempos de criança!...
- Por Jaime Ferraz Rodrigues Gabão** – In Boletim das Festas de Nossa Senhora do Socorro de 1991. Texto gentilemente cedido por J. A. Almeida-Régua.

**Jaime Ferraz Rodrigues Gabão nasceu na cidade de Peso da Régua em 13 de Abril de 1924. Faleceu a 18 de Junho de 1992.