mas são tão frágeis as pobres casas..."
- Ruy Belo,Oh as casas as casas as casas
José Alfredo Almeida tem nas suas crónicas no Arrais tirado do esquecimento, e do pó do tempo, histórias exemplares de bombeiros. É de todo conveniente que as gerações novas conheçam o passado. Há uma tendência hoje em dia talvez mais forte do que nunca de passar uma esponja sobre o que nos antecede e correm o risco, os desprevenidos, de julgarem que estão a cada alvorada a assistir ao próprio acto da Criação.
Por essa razão sigo com prazer o seu exemplo, mas noutra área, a da habitação social, supondo que é possível encontrar entre bombeiros e habitação social um nexo que os aproxime mesmo sem recorrer ao fósforo.
Com prazer o faço, também em nome de uma amizade fundada em trabalhos conjuntos a partir de finais dos anos 90, início do sec. XXI, José Alfredo Almeida, então Vereador da Câmara Municipal da Régua, pelo meu lado, responsabilidades na Direcção do Norte do IGAPHE – Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, entidade proprietária do Bairro das Alagoas, o Bairro Verde. O Bairro Verde tem muita história, boa e má, como todas as entidades humanas. Neste artigo serve de elo entre o anfitrião e o hóspede.
Actualmente, José Alfredo Almeida é dirigente dos Bombeiros da Régua. Eu, na situação de reforma. Ora, este aparentemente divergente estatuto pessoal, guio-o como pastor que, para poder conversar com outro pastor, conduz o rebanho a terreno comum.
Dou um primeiro passo: lembro que, à época dos nossos trabalhos conjuntos, a que me reporto, meados dos anos 90 em diante, havia um novo Governo. O IGAPHE, por estatuto, tinha como finalidade a gestão e alienação dos seus fogos, e chegara a um impasse. A mistura, nos mesmos condomínios, de fogos vendidos com não vendidos, a exígua percentagem de alienação, tornava quase impraticável a gestão do património, tanto mais que o Instituto, uma emanação do antigo Fundo de Fomento da Habitação, fora concebido, do ponto de vista dos recursos do seu quadro de pessoal, para as finalidades acima referidas: recolha das rendas, alienação dos fogos, obras de conservação. O apoio aos moradores e sua integração social nunca estiveram estatuídos. Existia, em suma, um património gigantesco, difícil de gerir, condomínios por constituir, uma dívida de rendas considerável, falta de pessoal que pudesse abarcar uma tão vasta propriedade. Em 1996, as direcções regionais e a própria presidência do Instituto haviam concluído, e diziam-no abertamente: há um impasse na gestão e é preciso tomar medidas sérias.
A direcção regional do Norte do IGAPHE foi pioneira nas novas formas de actuar, a então apelidada Operação Arco-Íris, que o novo Conselho Directivo gizou em traços largos, para romper o isolamento em que se achava face aos moradores e às instituições locais e poder gerir racionalmente o património construído. Muitas Câmaras Municipais queixavam-se de o Instituto ter para com elas uma atitude pouco amistosa. Algumas instituições diziam mais: que o Instituto era um muro.
Chegado aqui, faço um pequeno desvio, que é outro ponto de encontro com José Alfredo Almeida: as direcções regionais do IGAPHE, designadamente a do Norte, entenderam à época que deviam agir como “bombeiros” a apagar incêndios, em sentido figurado, no Património Habitacional. Tal como quando os bombeiros se queixam do desmazelo nos matos e floresta que potencia ignições constantes no tempo seco, assim, nós, no IGAPHE, nos abalançámos a atacar o desmazelo, quer dizer, a não adequação das finalidades do Instituto ao estado real do património e dos seus utentes. Na ausência de recursos em pessoal, o IGAPHE começou a valer-se de parcerias, nomeadamente com a Segurança Social (Projectos de Luta Contra a Pobreza) e outras entidades públicas ou semi-públicas, um pouco como quando populares e militares acorrem, além dos bombeiros, a uma emergência de fogo. Era, a traço grosso, a Operação Arco-Íris.
Se naquela altura José Alfredo Almeida não era bombeiro, queria sê-lo o IGAPHE a apagar os incêndios sociais que existiam nas Alagoas e em muitos outros locais da sua alçada. O tempo, esse prestidigitador, lança-nos pontes. Éramos nós bombeiros em sentido figurado, é-o agora José Alfredo Almeida em sentido literal. Entretanto o IGAPHE desapareceu na voragem das infindáveis reestruturações dos místicos do reformismo, uma subespécie da piromania e da fundição, podem crer: onde quer que vejam duas coisas, logo a querem apenas uma.
O que então se fez e pretendeu fazer acabou por esbarrar em visões limitadas do que devem ser os deveres do Estado, acabando por morrer. Na Régua, até certo ponto, deu-se excepção. Mercê de uma confluência de trabalhos e acasos, tornou-se possível obter um financiamento europeu, substancial, para o Bairro das Alagoas.
O que então se fez e pretendeu fazer acabou por esbarrar em visões limitadas do que devem ser os deveres do Estado, acabando por morrer. Na Régua, até certo ponto, deu-se excepção. Mercê de uma confluência de trabalhos e acasos, tornou-se possível obter um financiamento europeu, substancial, para o Bairro das Alagoas.
Convém registar que muito do que acontece, bom ou mau, longe de ser o resultado de proverbiais racionalidades, é o acaso que promove com a sua roleta. O Bairro das Alagoas ter-se transformado num caso particularmente difícil para o IGAPHE, um bairro de que o Instituto a certa altura perdeu o quase completo controlo, deu origem a trabalhos materiais e sociais de emergência, seja da Segurança Social, seja da Câmara Municipal, seja do próprio IGAPHE. Entre as várias iniciativas, uma delas foi a de um estudo monográfico encomendado, em parceria, pelo IGAPHE e pela Segurança Social (Vila Real), investigando e registando os trabalhos de campo em torno do bairro desde 1992 ("A Intervenção num Bairro Social – o caso do bairro das Alagoas", Porto, 2001, M.J. Afonso). Enfim, o Bairro pôde beneficiar de uma candidatura a fundos europeus (EFTA - Velhos Guetos, Novas Centralidades) que obteve vencimento, sendo um dos argumentos importantes para ter sido aprovada, a existência dessa monografia, a qual nem por sombras teve esse propósito. Um feliz acaso bem aproveitado.
Daqui saúdo e lembro os “bombeiros” sociais dos antigos Projectos de Luta Contra a Pobreza: Projecto Bairro verde – Um Projecto Esperança e o Projecto “Douro d’Oiro”, e com eles, a Drª. Maria José Tinoco, a Drª Eugénia Santos, a Drª. Maria José Lambéria, o animador sócio-cultural Sr. Fernando Ribeiro ou, do lado do IGAPHE, o entusiasmo e apoio do Dr. Branco Lima nos Intercâmbios Culturais e Desportivos inter-bairros, de jovens e crianças, sempre com o aval do Eng.º António Teles, então director da IGAPHE/Norte.
Perdoem-me os que aqui eventualmente não registe (esperando que alguém o possa fazer completando esta falha) mas, na verdade, tenho esperança de haver vontade de voltar a juntar numa evocação reguense muitos dos que partilharam essas experiências precursoras dos anos 90. Agora, que nos encontramos num tempo de empobrecimento oficial, ganha muita razão de ser tal evocação, quando não invocação.
Em recente visita às Alagoas, na companhia de um amigo, antigo colega do IGAPHE, e profundo conhecedor do Bairro, o eng. Diomar Santos, pareceu-nos lobrigar alguns sinais de alerta. Temos para nós, parafraseando António Sérgio, que podendo poupar na obra da pedra morta para poder gastar nas pedras vivas será sempre o mais avisado. A já extensa história do Bairro, pequena parcela de Portugal, isso mesmo mostra.
Em recente visita às Alagoas, na companhia de um amigo, antigo colega do IGAPHE, e profundo conhecedor do Bairro, o eng. Diomar Santos, pareceu-nos lobrigar alguns sinais de alerta. Temos para nós, parafraseando António Sérgio, que podendo poupar na obra da pedra morta para poder gastar nas pedras vivas será sempre o mais avisado. A já extensa história do Bairro, pequena parcela de Portugal, isso mesmo mostra.
Com este sentido no imaterial e no tempo que, se os derruba, também cria laços e pontes, feche-se a crónica.
- Ricardo Lima, Porto, Julho de 2012
Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de texto e imagens feita pelo Dr. José Alfredo Almeida (Jasa). Publicado também no jornal semanário regional "Arrais" em 26 de Julho de 2012. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2012. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos.
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