Ser bombeiro faz parte do imaginário de qualquer
criança, mesmo antes de aprender a ler, fazer contas e de desenhar. Nas
brincadeiras, os mais novos gostam de se imaginar como bombeiros. Para cada
missão fardam-se a rigor e entram pelo quartel adentro aos primeiros toques da
sirene. E de lá saem no pronto-socorro, empolgados para conseguirem salvar
vidas em perigo. Se for necessário tanto combatem o mais pequenino como
combatem o maior e o mais temível incêndio, arriscando mesmo a sua vida.
As crianças
vestem a farda de bombeiro como se vestissem a farda de um dos seus heróis.
Nunca pensam numa qualquer recompensa ou receber uma medalha. Apenas querem
imitar os verdadeiros bombeiros e, seguindo os seus exemplos, crescerem como
homens altruístas, corajosos e generosos. Quem não ouviu da boca de uma criança
esta frase: “Quando eu for grande… quero ser bombeiro!”.
Como todas as crianças, o Heitor Gama deve ter sonhado
ser bombeiro. Mas, se nunca sonhou ser bombeiro, deve ter ouvido ao avô materno
algumas histórias relacionadas com os bombeiros, a sua
coragem, o seu altruísmo e a sua abnegação. E, com esse seu avô que
foi um antigo director da Associação, deve ter presenciado os aprumados
desfiles dos bombeiros, ao som estridente de uma fanfarra, em direcção ao
Jardim do Cruzeiro, onde paravam e, perfilados em continência, colocavam um
ramo de flores diante da estátua ao Comandante Afonso Soares.
Mas, o Heitor
Gama guarda do tempo da sua infância um desenho numa folha A4 que traça com
fiel rigor os aspectos de uma cerimónia em que os bombeiros homenagearam o seu
avô, a título póstumo, pela sua dedicação à causa ao voluntariado.
Não conhecia aquela
sua preciosidade infantil, com um traço rudimentar e inocente, mas cheio de ternura e
generosidade, que muito me sensibilizou quando mo mostrou. Olhando para as
figurinhas por aí retratadas, recordei a cerimónia de homenagem e de gratidão
ao seu avô Heitor Gama, que aconteceu no Largo da Igreja Matriz, no dia 28 de
Novembro de 1999, no 119º Aniversário da Associação.
O desenho para
mim estava perfeito, fazia-me recordar, sem a
ajuda de nenhuma fotografia para comparar, o rosto tímido da criança de nove
anos, debruçada sobre o carro de fogo nos braços do Comandante Manuel Gouveia,
ansiosa por destapar uma placa de metal gravada com o nome do avô. Bastou-me
olhar para o desenho para compreender que as simpáticas figurinhas que saiam
seu desenho, se identificavam com pessoas que ali compareceram para testemunhar
o acontecimento. A começar pelo próprio, que se auto-retratou acompanhado pelo seu pai e a avó, que seguiam com atenção o que ali faziam o velho Comandante, os bombeiros de machado em punho e,
por fim, o senhor padre a benzer o carro
com a água benta.
Mais tarde, reparei que naquele desenho faltava a
presença de uma figurinha, do presidente da direcção…! Melhor dito, faltava a
minha pessoa. Mas, não estranhei que tivesse passado despercebido. O mais certo
era que não soubesse que também existiam bombeiros
sem farda.
Ora, o seu avô tinha sido um grande bombeiro sem farda, um director zeloso, dedicado, rigoroso em tudo o
que fazia, que, durante muitos anos, serviu,
mesmo com sacrifício para a sua vida pessoal, uma causa de interesse público. Não
tive a sorte de conhecer o senhor Heitor Gama, antigo funcionário
administrativo da Casa do Douro, mas
coube a mim fazer-lhe a devida e merecida homenagem. Quem, hoje, ainda o
recorda, elogia-o como um cidadão exemplar e um abnegado director que, em
tempos de grandes dificuldades, muito se dedicou à vida da associação e do seu
Corpo de Bombeiros.
No verão passado, o jovem Heitor Gama entrou, mais uma vez, no majestoso
Quartel Delfim Ferreira para representar, num palco improvisado, com os alunos
da Universidade Sénior da Régua, a belíssima e inteligente peça de teatro D. Antónia - Uma Mulher Fora do Seu Tempo.
Como não podia deixar de ser, lembrou-se que o seu avô tinha sido também um
bombeiro sem farda, um director que muito contribuíra que qualquer missão dos
soldados da paz fosse bem desempenhada.
Desta vez, envergando a velha farda que pertenceu ao primeiro Comandante, Manuel Maria de Magalhães,
compreendeu que os voluntários, quer usem ou não uma farda, são necessários
para apagar todos os fogos... ou socorrer em qualquer tragédia da vida.
Sem que tenha seguido o exemplo do seu avô, o Heitor Gama, pelo teatro, conseguiu ser um bombeiro. Talvez, um
dia mais tarde, ao se lembrar também da farda que usou, possa ainda dizer: “Quando
eu for grande… não quero esquecer-me de que fui criança e… um bombeiro da
Régua”.
E assim nunca
esquecerá o exemplo cívico do seu avô, o bom cidadão reguense Heitor Gama, um bombeiro sem farda.
- José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Dezembro de 2012
*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registam neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Dezembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS", edição de 5 de Dezembro de 2012. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.
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