Mostrar mensagens com a etiqueta Alberto Valente. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Alberto Valente. Mostrar todas as mensagens

domingo, 10 de março de 2013

Divagando - MARGARIDA VILELA

Conheci a viúva Vilela: D. Margarida. Convivemos e dormi, largo tempo, sob as suas telhas. Reguense castiça, de palavra rude e alma branca, morreu aos 93 anos e há mais de quarenta. Poucos, portanto, se lembram dela. Vejo apenas, recordá-la, anualmente, no cemitério desta vila, seu sobrinho José Maria, com flores e luzes, no dia de Fiéis Defuntos. Todavia, esta senhora, estabelecida na Régua, com prestimosa alquilaria, marcou uma época servindo os transportes públicos com uma frota de óptimos carros, tirados por cavalos que adquiria nas afamadas feiras de Salamanca. No fim do século, foi a Régua visitada por D. Luís I. Pôs à disposição de sua Majestade, para seu transporte, carros, cavalos e cocheiros; e, tão bem se houveram no cumprimento da missão, que lhes valeu sincero elogio do Rei e a entrega duma medalha de bons serviços. Não se limitou à lhaneza do seu trato este simples episódio. Embora interessante, referi-o, simplesmente, ao correr da pena. O que valeu a escolha de Margarida Vilela para tema desta conversa, foi a lembrança da incomparável assistência que a sua bondade e os seus serviços gratuitos prestaram à Associação de Bombeiros do Peso da Régua durante largos anos, enquanto o motor não substituiu a besta na tracção dos veículos.

Toca a incêndio e imediatamente se abria a porta da sua alquilaria, para dar passagem a cavalos e cocheiros que puxavam o “Carro Grande”, para onde as chamas irrompessem. Falo novamente nas tragédias de Lamego e Mesão Frio. Em qualquer, marcaram presença meritória. Todavia, nada se disse, nada se fez, nada se escreveu a enaltecer a tamanha colaboração. Dir-se-ia que a sua ajuda não representava mais que obrigação, embora nós tenhamos obrigações maiores a cumprir e não cumpramos.

A negligência e o esquecimento roubam ao coração o sentido da gratidão. E bem ingratos foram os bombeiros dessa época para essa senhora. Não venho falar de reparações. Não defendo consagrações extemporâneas, aos centos nos tempos decorrentes. Nada me dizem. Queixo-me, simplesmente, de, através da sua vida, não lhe ter sido dirigida uma palavra de agradecimento que, pelo menos, fosse testemunho de alto apreço à colaboração que lhes prestou, enquanto pôde.

Extremamente modesta, nunca de tal se queixou. Julgo que, silenciosamente, perdoou esse estranho ostracismo.

Tal atitude, confirma, exuberantemente, as altas qualidades que a  exornavam.

Portanto, estas palavras são como pálidas pétalas de saudade, que lanço sobre a sua grata memória.  
- Alberto Valente, publicado no jornal  “Vida por Vida” de Março  de 1970

Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo AlmeidaEdição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Penso que não!

Alberto Valente

Não sei dizer há quantos anos foi; mas recordo-me bem de que a Associação dos Bombeiros estava instalada no rés-do-chão da casa que foi da viúva Vilela – grande benemérita dos Bombeiros, cuja divida de gratidão nunca lhe foi paga – quando a Direcção desta utilíssima instituição resolveu mandar edificar um prédio em que os bombeiros se instalassem definitivamente. Para tal se dirigiram ao meu saudoso amigo Sr. Pereira da Costa, cujas qualidades pessoais me permito exaltar nestas simples linhas, e lhe pediram bons-ofícios para que seu sobrinho -  o competentíssimo arquitecto Oliveira Ferreira, cuja arte podemos apreciar em alguns prédios que guarnecem a Av. dos Aliados, na cidade do Porto – se encarregasse da feitura do anteprojecto, sem encargos para quem tanto precisava. Meses depois, era esse trabalho patenteado aos olhos dos reguenses e a Direcção dos Bombeiros resolvia a construção. Todavia, não se tendo em conta o custo de tal obra, dotada de ricos pormenores artísticos, e esgotadas as possibilidades financeiras, pára, limitando-se a suportar as intempéries e a companhia das pombas e de corujas que em qualquer canto faziam seus ninhos. Tal fracasso, criou, em volta dos dirigentes que a tinha decidido, um clima de imponderação, quase a tocar as raias da irresponsabilidade. E eram frequentes as censuras, por vezes demasiadamente ásperas, sem respeito – sei lá - pela incontestável certeza de que a bolsa dos reguenses, sempre aberta, seria capaz de concluir obra tão vultuosa, embora produto de sonho atrevido. Um senhor, um dos maiores nos Bombeiros Lisbonenses me disse, uma vez, contemplando-a:  “Uma Associação Humanitária não pode gastar dinheiro em tais luxos”.
…………………………………………………
Rodaram os tempos – mudaram os ventos!...Eis nova plêiade de vontades ao leme dos Bombeiros. Tentam conclui-la Erguem-se-lhe dificuldades de dorsos colossais. Agora, não é a falta de dinheiro que cristaliza a obra. O visto terrível mas convivente de um grande Ministro, sentencia à morte as paredes já erguidas, por falta de resistência, provada matematicamente.

Novo desalento – nova pausa.

Como as ondas do mar, nova vaga de entusiasmo surge, volvidos anos…

O projecto modifica-se: consolidam-se-lhe todas as resistências. A mola dura do bairrismo volta a funcionar. Impulsiona-a a alma de grandes obreiros. Cheios de fé trabalham, lutam, sacrificam-se, imolam-se misticamente na concepção do plano
……………………………………………………………
Lá o vemos, lindo, airoso, altaneiro, em plena Avenida Sebastião Ramires, e pergunto:

Seria um facto tal realização, se a Direcção que a consentiu não tivesse errado o cálculo das possibilidades?
Notas:
1- Esta crónica que é um contributo interessante para a história do Quartel dos Bombeiros da Régua está publicada no boletim “Vida por Vida”, ano XIII- Número 142 de Julho de 1968, antigo órgão oficial  da AHBV do Peso da Régua.

2- O arquitecto Francisco de Oliveira Ferreira nasceu m 25 de Setembro de 1884 e faleceu em 30 de Dezembro de 1957, em Miramar, em Vila Nova de Gaia. Diplomou-se em Arquitectura Civil pela Antiga Academia Portuense de Belas-Artes, onde foi discípulo do Arqt.º José Teixeira Lopes, e de quem foi colaborador no início da carreira profissional. Foi um profissional aplicado e atento às novas correntes arquitectónicas de meados do século XX, nomeadamente à Arte Nova, que conheceu de perto nas muitas viagens realizadas pela Europa. Os seus projectos foram inovadores e marcantes no norte do país, sobretudo na cidade do Porto e de Gaia, entre os quais se pode destacar o Sanatório Marítimo do Norte – Valadares, os Paços do Concelho de Vila Nova de Gaia, o edifício de "A Brasileira", na Rua Sá da Bandeira, no Porto e a Clínica Sanatorial Heliantia, em Miramar.

O Quartel dos Bombeiros da Régua (1929) é obra da sua autoria. Começado em 1930 só foi acabado em 1955, na direcção presidida pelo Dr. Júlio Vilela. Julga-se que este foi o primeiro quartel de bombeiros voluntários no país a ser projectado por um arquitecto e, por isso motivo, é hoje considerada uma interessante peça arquitectónica pela singular beleza da sua fachada. Há quem diga que é a mais bela Casa dos Bombeiros portugueses. Não duvidámos…!

3- O autor da crónica foi associado dos bombeiros da Régua e um dos responsáveis pela Comissão do Monumento que em 17 de Abril de 1950, no Jardim do Cruzeiro, inaugurou um busto em memória do Comandante José Afonso de Oliveira Soares.

- Maio 2011, colaboração de J. A. Almeida para "Escritos do Douro 2011". Clique nas imagens acima para ampliar.
-Penso que não!
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 21 de Abril de 2011
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
- Penso que não! por Alberto Valente