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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

VIDA POR VIDA: não há maior prova de amor

Quando alguém me diz "aquele é bombeiro", o primeiro julgamento que faço é este: "se é bombeiro, é boa pessoa ".

Na verdade, as primeiras palavras que ocorrem ao espírito ao pensar nos bombeiros são "vida por vida", devido naturalmente ao facto de ser um slogan comum entre as corporações de bombeiros, que se dedicam a salvar o próximo, arriscando a própria vida, se necessário for, em favor de outrem.

O bombeiro encontra-se no quadro da minha memória num lugar de destaque, porque realiza um serviço de alto risco no apoio à comunidade em situação de acidente ou de incêndio.

Recordo alguns vizinhos meus que eram bombeiros e que, quando tocava a sirene, corriam pela rua fora para o quartel, para irem acudir aos que estavam envolvidos em chamas, a lutar para se salvarem a si, aos seus familiares e aos seus bens do fogo devorador que em pouco tempo pode reduzir tudo a cinzas.

Recordo-me do tempo em que era criança e vivia na travessa da Rua da Alegria, lá no fundo, junto à Avenida Marginal João Franco. Presto homenagem aqui ao Quim Laranja e ao Zé Pinto, que Deus tenha em Sua Santa Morada por todos os bons serviços e sacrifícios que fizeram ao longo da sua longa carreira de Bombeiros Voluntários da Régua. Muitas vezes os vi a correr pelo nosso quelho abaixo e logo tinham de enfrentar a íngreme subida da Rua da Alegria, conhecida também por Rua General Alves Pedrosa. Quando depois vivia na Rua dos Camilos, que tem o nome do meu pai, talvez o único com esse nome, eu via um número maior de bombeiros de todas as idades a deixar os empregos e a correr, rua fora, para o quartel, respondendo à chamada da sirene.

Quando o Dr. José Alfredo Almeida um dia destes fez questão de, pessoalmente, me mostrar o Museu dos Bombeiros, fiquei surpreendido ao encontrar um quadro onde estava assinalado o número de badaladas necessárias, do sino da capela do Cruzeiro, para dar a conhecer à Régua a rua onde estava a acontecer o incêndio, pois foi o sino a primeira sirene usada pelos bombeiros voluntários da nossa terra. Claro que me surpreendi, embora não estivesse longe da minha memória o costume de falar do toque de sinos a rebate, a apelar à ajuda do povo na luta contra um incêndio, ou para outro acontecimento relevante. É um costume que ainda está nas nossas memórias, pelo menos nas aldeias por onde passei como pároco entre os anos 80 e 2003: Sedielos, Vinhós, Vila Marim e Cidadelhe.

No dito museu, encontrei também a fotografia do padrinho do meu pai, que foi um dos comandantes desta nobre associação, Camilo Guedes Castelo Branco, e por aqui percebi porque o meu pai era Camilo. No verão de 2011, por ocasião de um batizado dum descendente, pude retribuir àquele comandante o gesto que teve para com o meu pai, pois quando me apercebi estava na qualidade de sacerdote a abrir as portas da Igreja a uma criança, filho do Sr. José Luís Castelo Branco, com quinta em Remostias, em cuja capela foi realizado o ato litúrgico, o que foi para mim motivo de grande alegria.

O slogan "vida por vida" recorda-me aquele bombeiro João Figueiredo, o João dos Óculos, que deu a sua vida, aqui na Régua, no ano em que eu tinha apenas dois anos de idade, em 1953, no incêndio do edifício da Casa Viúva Lopes. Recorda-me todos os oito bombeiros que este ano de 2013 deram a vida pelos seus semelhantes. Recorda-me todos os que no mundo inteiro já deram a vida pela mesma causa.

"Vida por vida" lembra-me ainda o maior de todos os bombeiros que deu a vida por todos nós, homens, e para nossa salvação, Jesus Cristo, homem e Deus verdadeiro, modelo de todos os bombeiros, que, sendo Deus, se fez homem e desceu do Céu para dar a vida por toda a humanidade condenada a perder-se eternamente no fogo do inferno, onde há choro e ranger de dentes.

Esta instituição recorda-me o meu querido avô paterno, que me levava muitas vezes na sua camioneta de aluguer para muitas terras. Um dia em que eu estava em cima dela na avenida João Franco, vi ao longe o pronto-socorro a tocar a sirene e baixei-me para diminuir a sensação aflitiva que me causava.

Ao pensar nos bombeiros penso também no meu pai, que é o sócio número 1956, desde 1994, e saúdo todos os sócios desta associação e peço a Deus o eterno descanso para todos os que já partiram deste mundo e fizeram parte desta bendita obra que em boa hora nasceu na nossa cidade. Que Deus a todos recompense segundo a Sua promessa: “tudo o que fizerdes a um dos mais pequeninos dos meus irmãos foi a mim que o fizestes”.

"Vida por vida" recorda-me todos os que deram a vida por esta associação, empregando-a nos serviços que prestaram, no tempo que concederam, nos bens que partilharam, nas bençãos que fizeram descer sobre esta benemérita e centenária instituição. Uma vez aqui, não posso deixar de lembrar todos os sacerdotes que a abençoaram em nome de Deus. Recordo com particular afeto o Reverendo Dr. Avelino Branco, que tive a alegria de ver numa das fotos do arquivo desta casa, e que foi Pároco desta freguesia de S.Faustino do Peso da Régua no tempo em que fui para o Seminário de Vila Real e a quem dei o último abraço em Fátima, no pavilhão do Seminário da Consolata, pouco tempo antes de ele ir para o Céu.

"Vida por vida" recorda-me a referência que Jesus faz no Evangelho quando diz que não há maior prova de amor do que dar a vida por um amigo. Ele, quando ainda éramos pecadores e seus inimigos, deu a vida por nós, por isso tem autoridade para nos dizer: amai os vossos inimigos, abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus e que faz chover sobre justos e injustos.

Finalmente, a minha homenagem vai para um dos maiores, o comandante Carlos Cardoso, que o Senhor levou para si há relativamente pouco tempo. Conheci-o um pouco mais de perto, visitei muitas vezes a sua casa e a sua família, laços de amizade e fé ligavam as nossas famílias, deixou-me um valoroso testemunho de fé. Ele foi um dos católicos mais empenhados desta nossa comunidade, pois estava bem alicerçado em Jesus Cristo. Uma vez convertido num curso de cristandade, nunca mais abandonou a Jesus; pelo contrário, Jesus era toda a sua razão de ser, de viver e sofrer, aceitou cristãmente o sofrimento e adormeceu tranquilamente, confiando e esperando em Cristo e na Sua promessa de vida eterna feliz para todos os que crêem Nele.

Bem hajam todos os que deram, dão e hão de dar a vida nas pequenas e grandes coisas desta benemérita e centenária instituição, que Deus vos sirva em Sua Glória como vós servistes e amastes os vossos irmãos.
- Padre Zeferino de Almeida Barros. Em 17 de Setembro de 2013, Memória de São Roberto Belarmino, Bispo e doutor da Igreja. (Actualizado em Novembro de 2013)

Clique  na imagem para ampliar. Texto e imagm cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2013. Actualizado em Novembro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Bombeiros… Progressistas

Quanto mais conheço do passado da Associação dos Bombeiros da Régua, mais aprendo sobre a História da Régua. Entre a história de uma secular instituição e a de uma cidade cruzaram-se pessoas e registaram-se acontecimentos marcantes socialmente que, em cada época, teceram a mentalidade da sociedade reguense. Podia dizer-se que pela história da Associação de Bombeiros da Régua se faz parte da História da nossa terra, seja ela política, associativa, económica ou social.

Vejamos elucidativo exemplo que prova como um simples relatório de contas, apresentado pela gerência dos bombeiros aos associados, pode revelar como e em que medida os soldados da paz eram apoiados pela sua autarquia. Recuemos, então, até ao ano de 1903, ao tempo da monarquia, para se entender o que se passou de invulgar para as contas dos bombeiros apresentarem um resultado deficitário, o que muito preocupou os directores e associados mais assíduos, reunidos em assembleia-geral. Quem sabe de assuntos de contabilidade percebe que da comparação entre os números das receitas e os das despesas se retiram conclusões do rigor de uma boa ou errada gestão. Se o resultado final dá saldo positivo, tudo está bem e ninguém vem reclamar.

Se o resultado é negativo, recomenda que se apurem as razões por que se fizeram mais gastos ou então, se foi caso disso, porque falharam os proventos.

No caso que apontamos, o problema esteve do lado das receitas, que diminuíram, ao contrário do que seria esperado. Diz esse relatório – frisa bem - que  “este defficit foi determinado exclusivamente, pelo facto de a câmara municipal se negar a dar o subsidio com que, desde muito, vinham auxiliando a associação”.

Quem governava a câmara municipal, há mais de treze anos, era o partido regenerador, representado então pelo Dr. Júlio Vasques - ilustre Paladino do Douro -, com o partido progressista, do advogado Dr. Manuel da Costa Pinto, muito activo na oposição.

Aquela decisão política não deixou de ser duramente contestada pelos directores da instituição, os quais não entendiam que estivesse orçamentada uma verba de 50.000 réis para o serviço de incêndio e, como aquele relatório menciona, “essa quantia não fosse entregue à Associação, visto não haver aqui outro serviço de incêndios, além do dos voluntários”. Os directores dos bombeiros recorreram dessa decisão camarária, mas a vereação ignorou a pretensão dos bombeiros, sem sequer dar uma razão para suprimir o apoio à sua actividade.

O que terá levado o presidente da câmara, Dr. Júlio Vasques, um experiente político, a retirar o subsídio aos bombeiros voluntários, que prestavam um verdadeiro serviço público à sociedade reguense, não se entendeu - nem hoje se entende - muito bem. Parece que as leis de atribuições municipais, à data, não obrigariam a câmara municipal a financiar o serviço de extinção de incêndios, entregue à responsabilidade de ser assegurado pelos bombeiros voluntários. Se a autarquia reguense, como muitas outras no país, tinha optado por não organizar um serviço municipal de socorro para evitar gastos elevados ao erário público, tinha a obrigação de garantir um apoio mínimo para manter em regular funcionamento a missão humanitária atribuída aos bombeiros voluntários.

Na imprensa local, os contornos deste conflito da câmara municipal com a Associação de Bombeiros assumiam uma rivalidade política partidária. Os regeneradores acusavam os Bombeiros da Régua de estarem na sua maioria filiados no partido progressista. Sendo verdade, não seria motivo para serem prejudicados, mesmo que os líderes principais fossem politicamente progressistas, como Joaquim Souza Pinto, Francisco Lopes da Silva, João Alves Barreto e o benquisto capelão, Padre Manuel Lacerda. O bissemanário O Douro, em diversos números, serviu de porta-voz destes directores que fizeram críticas contundentes ao presidente da câmara:

“ O Sr. Julio Vasques perdeu um excellente ocasião de estar calado – em relação aos bombeiros, já se sabe. Devia ser coherente. Já que os esbulhou do subsidio que tão necessário lhe era para continuarem a exercer, sem dificuldades, a missao honrorrisima que se imposeram, para compra de material indispensável ao seu serviço e para custeio das despesas mais ou menos avultadas que fazem quasi sempre na vila e nas povoações próximas…

(…) O garoto podia dar à sua pedrada aplicação mais justa. Jogasse-a contra os vereadores, que faria nisso uma boa acção, castigando-os da brutalidade que cometteram em eliminar do orçamento camarário a verba com que o municipio vinha subsidiando há muito aquella prestante corporaçao. Politica? O garoto não sabe o que diz. Os bombeiros não fazem politica partidaria. São contra a câmara, porque esta os melindrou sem motivo plausível, deixando de subsidiar a associação. Que importa que a maior parte d`elles estejam filiados no partido progressista, se, quando se tracta de serviço, nunca fazem a distinção entre progressistas e regeneradores, e a todos acodem com a mesma solicitude e boa vontade?”

“Agora que os regeneradores regoenses estão prestes a serem escorraçados do seu último reducto – a câmara municipal - vamos relembrar alguns agravos que elles nos fizeram durante o seu longo e escandaloso mandato.”

(…) Dias depois, a mesma câmara, allegando que na Associação de bombeiros voluntários prevalecem os progressistas, resolveu supprimir do seu orçamento o subsidio com que o município auxiliava, desde muito, aquela benemérita corporação, ficando esta em risco de acabar por falta de recursos.”

Aos nossos olhos, aquelas críticas, mais do que tudo, revelam a discordância duma decisão política – hoje designada de politicamente incorrecta. Os bombeiros não eram opositores políticos dos regeneradores e, como salientaram, estavam contra a câmara municipal por terem sido melindrados sem motivo plausível.

Quer dizer, os bombeiros, como é de ver, estavam contra o Dr. Júlio Vasques, que terá recorrido a uma estratégia política de fazer pressão, no sentido de conquistar correligionários e, dessa forma, aumentar o número de apoiantes do partido regenerador. Não se compreende que um autarca, no seu perfeito juízo, retire sem explicação o financiamento devido à única organização de socorro que tem no seu concelho e, assim, ponha em perigo vidas e bens.

Sabe-se que o Dr. Júlio Vasques nunca foi um cidadão consensual entre os seus contemporâneos, mesmo no grupo dos Paladinos do Douro, onde algumas das suas intervenções não mereceram um aplauso unânime dos seus pares. E, no exercício das funções de presidente de câmara da Régua, a sua gestão foi sempre muito contestada pelos opositores e pela Associação de Bombeiros.

Mas, se esta sua decisão política, sempre polémica e discutida, não serve para lhe diminuir o prestígio e notoriedade que alcançou como um paladino activamente empenhado na defesa do Douro e dos interesses da viticultura, não deixou de ser incompreensível para aqueles bombeiros que, no espírito da sua missão humanitária, só queriam cumprir com dignidade um lema universal: Vida por Vida. 
- José Alfredo Almeida*, Presidente da Direcção da AHBV do Peso da Régua
Peso da Régua, Outubro de 2012



*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registam neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Outubro de 2012. Actualizado em 1 de Novembro de 2013. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 31 de Outubro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

domingo, 10 de março de 2013

Divagando - MARGARIDA VILELA

Conheci a viúva Vilela: D. Margarida. Convivemos e dormi, largo tempo, sob as suas telhas. Reguense castiça, de palavra rude e alma branca, morreu aos 93 anos e há mais de quarenta. Poucos, portanto, se lembram dela. Vejo apenas, recordá-la, anualmente, no cemitério desta vila, seu sobrinho José Maria, com flores e luzes, no dia de Fiéis Defuntos. Todavia, esta senhora, estabelecida na Régua, com prestimosa alquilaria, marcou uma época servindo os transportes públicos com uma frota de óptimos carros, tirados por cavalos que adquiria nas afamadas feiras de Salamanca. No fim do século, foi a Régua visitada por D. Luís I. Pôs à disposição de sua Majestade, para seu transporte, carros, cavalos e cocheiros; e, tão bem se houveram no cumprimento da missão, que lhes valeu sincero elogio do Rei e a entrega duma medalha de bons serviços. Não se limitou à lhaneza do seu trato este simples episódio. Embora interessante, referi-o, simplesmente, ao correr da pena. O que valeu a escolha de Margarida Vilela para tema desta conversa, foi a lembrança da incomparável assistência que a sua bondade e os seus serviços gratuitos prestaram à Associação de Bombeiros do Peso da Régua durante largos anos, enquanto o motor não substituiu a besta na tracção dos veículos.

Toca a incêndio e imediatamente se abria a porta da sua alquilaria, para dar passagem a cavalos e cocheiros que puxavam o “Carro Grande”, para onde as chamas irrompessem. Falo novamente nas tragédias de Lamego e Mesão Frio. Em qualquer, marcaram presença meritória. Todavia, nada se disse, nada se fez, nada se escreveu a enaltecer a tamanha colaboração. Dir-se-ia que a sua ajuda não representava mais que obrigação, embora nós tenhamos obrigações maiores a cumprir e não cumpramos.

A negligência e o esquecimento roubam ao coração o sentido da gratidão. E bem ingratos foram os bombeiros dessa época para essa senhora. Não venho falar de reparações. Não defendo consagrações extemporâneas, aos centos nos tempos decorrentes. Nada me dizem. Queixo-me, simplesmente, de, através da sua vida, não lhe ter sido dirigida uma palavra de agradecimento que, pelo menos, fosse testemunho de alto apreço à colaboração que lhes prestou, enquanto pôde.

Extremamente modesta, nunca de tal se queixou. Julgo que, silenciosamente, perdoou esse estranho ostracismo.

Tal atitude, confirma, exuberantemente, as altas qualidades que a  exornavam.

Portanto, estas palavras são como pálidas pétalas de saudade, que lanço sobre a sua grata memória.  
- Alberto Valente, publicado no jornal  “Vida por Vida” de Março  de 1970

Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo AlmeidaEdição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

RECORDANDO… Uma Excursão a Vigo

O tempo corre, voa, passa, mas as recordações perduram, fazendo reviver nitidamente na nossa retina factos passados há muitos e muitos anos, como este que vou citar:

As corporações dos Bombeiros Voluntários do Porto e da Régua, a primeira instalada, ao tempo, nuns antigos casarões da Rua do Bonjardim, a que pomposamente denominavam Pátio do Paraíso, e a desta vila num prédio do Largo dos Aviadores, resolveram aceder ao convite, feito por determinada individualidade de Vigo, para uma visita àquela linda e hospitaleira cidade galega.

Dias decorridos, estava designada a data da largada, ficando os Voluntários do Porto de esperar os seus camaradas da Régua na Estação de Ermesinde, de onde seguiriam em comboio especial.

Os bombeiros da velha guarda, com os quais ainda tive a ventura de acamaradar – Afonso Soares, Camilo Guedes, Joaquim de Sousa Pinto, Lourenço Medeiros, Luís Maria da Cunha Ilharco, José Vicente Ferreira da Cunha, João Pinto Cardoso, Justino Lopes Nogueira, Aires Saldanha, José Maria de Almeida, João da Silva Bonifácio (pai), e tantos outros, no desejo, muito de louvar, de que a Corporação «fizesse figura», chegaram à minuciosidade de encomendarem, para toda a Corporação, apurados e elegantes sapatos de verniz.

A azáfama, no Quartel, era enorme. Limpavam-se metais, poliam-se machados, etc.,etc.

E então, no dia aprazado, a Corporação seguiu na sua máxima força, sendo acompanhada pelos seus médicos e farmacêutico privativos e pelo seu Capelão, padre Manuel Lacerda de Oliveira Borges.

No dia da partida, a Régua em peso e com o seu Peso, acompanharam à estação aqueles valorosos soldados da paz, sempre dispostos, desinteressadamente, a sacrificar-se em prol do seu semelhante.

À chegada a Vigo tiveram uma recepção apoteótica, sendo recebidos no Ajuntamiento pelo respectivo alcaide, que lhes deu as boas-vindas numa sessão solene a que assistiram as mais altas individualidades daquela cidade e elevado número de Senhoras da alta sociedade.

A seguir foi rezada uma missa campal na vasta praça de Camões, à qual assistiu toda a guarnição militar, entidades oficiais e muitíssimo povo, e que foi celebrada pelo Capelão dos nossos Bombeiros, padre Manuel de Lacerda.

Seguiu-se o almoço oficial, primorosamente servido. E ao café, antes de se efectuar a renhida e deslumbrante «batalha de flores», e quando se comentava a forma primorosa como tudo estava a decorrer, o bombeiro nº 26, João Pinto Cardoso, conhecido por «João Latas», (talvez pelo motivo de ser latoeiro), teve este desabafo:

- A única coisa que admirei, porque nunca o julguei tão inteligente, foi a facilidade com que o nosso padre Manuel leu o latim espanhol, precisamente com o mesmo «à vontade» como lê o latim português, na missa do Cruzeiro.

Autêntico!

Rebentou uma estrondosa gargalhada que fez estremecer a casa e que deixou o 26 de boca aberta, pois não atinava com o motivo de tão estranha e, no seu entender, tão injustificada e despropositada risota.

A esta excursão juntou-se um numeroso grupo de reguenses, do qual fazia parte o Adolfo Rodriguéz Pauman, de nacionalidade espanhola, que já havia sido bombeiro e há muitos anos residia nesta vila, onde possuía uma relojoaria na Rua João de Lemos, precisamente na casa onde actualmente está instalado o estabelecimento do Butagaz, que faz esquina com a Rua da Companhia.

E como constasse do programa, no segundo dia da estadia em Vigo, um passeio ao Monte de Santa Luzia, de onde se disfruta, em deslumbrante panorama, a sua linda baía, com a povoação de Cangas, lá ao longe, a encerrar o cenário, todos trataram de arranjar meio de transporte, que consistia, naquele tempo, em velhas e estafadas tipóias, tiradas por parelhas de esqueléticas pilecas.

Ora, na que transportava Camilo Guedes, Joaquim de Sousa Pinto e outros, também tomou lugar o Adolfo Pauman, o qual, com as suas compridas e responsáveis barbas brancas, mais parecia um velho patriarca das Índias do que um mero excursionista.

Ficou justo, com o cocheiro, que o custo da passagem, por pessoa (e só ida), seria de uma peseta (um preço exageradíssimo, para aquela época).

Este contou os passageiros, já depois de instalados no carro, e à chegada a Santa Luzia voltou a contá-los.

Não sei como o tipo fez essa contagem. O que é certo é que, irritadíssimo, disse para os seus fregueses:

- Falta uno.

E não houve forma de o convencerem do contrário.
Depois de muito barafustar, e como não pudesse ser compreendido pela rapidez e indignação com que falava, alguém disse ao Adolfo que, como espanhol, se entendesse com ele.

Este, com muito bons modos, fez-lhe ver que estava enganado e que talvez, por equívoco, também se tivesse incluído na conta.

Traga Deus Bom Tempo!

O galego, vermelho de cólera, puxa de una cochila do tamanho de uma espada de cavalaria e disse para o amedrontado Adolfo, que tremia como se tivesse maleitas:

- Cala hombre. Usted no habla más palabra, su portuguesito duna figa (fazendo o gesto de lhe cravar o navalhão no bandulho).

Há tantos anos que o pobre relojoeiro vivia em Portugal que perdera, por completo, o sotaque espanhol, sendo julgado português.

E tiveram de lhe pagar a importância relativa «ao outro passageiro», que nunca existiu, sob pena do maldito galego os transformar em picado.

Soube-se, depois, que esse tipo era useiro e vezeiro na prática dessas proezas, principalmente quando se tratava de estrangeiros.

E levou a dele avante, aquele estafermo.
…………………………………………………………………………………………………………
Passou-se isto há muitos anos!

Já todos desapareceram do número dos vivos.

Bons tempos! E que saudades!
- António Guedes Castelo Branco - (antigo Chefe dos BV da Régua). Publicado no jornal Vida por Vida, de Março/Abril de 1971.
Clique na imagem para ampliar. Texto de António Guedes Castelo Branco publicado no jornal Vida por Vida, de Março/Abril de 1971. Imagem e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo AlmeidaEdição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Fevereiro de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Biblioteca de Maximiano Lemos


João de Araújo Correia

A biblioteca de Maximiano Lemos, inaugurada em 1960, ao comemorar-se o primeiro centenário do seu ilustre patrono, vai ser enriquecida, no próximo Novembro, com uma valiosa colecção de livros oferecidos pela benemérita Fundação Calouste Gulbenkian. Diremos, para ser precisos, que vai funcionar, dentro da Biblioteca de Maximiano Lemos uma das bibliotecas fixas de Fundação Gulbenkian.

Queremos crer que as duas bibliotecas não briguem uma com a outra, antes se auxiliem e completem. A de Maximiano Lemos é livraria pobre e livraria velha, herdeira da primitiva estante dos Bombeiros e acrescida de alguma oferta particular. Mas, sempre conterá, como velha, embora pobre, alguma espécie rara, útil a estudiosos ou bibliófilos. A da Fundação, constituída por livros em barba e todos em folha, será útil ao comum dos leitores. Será própria para os desbravar e lhes estimular o gosto de leitura.

Uns e outros livros deverão acautelar-se de inúteis desvios. Não falta quem se aproprie de livro alheio só para o ter ou deixar perder, nanja para o ler e se instruir com ele. É como se cultivasse a arte de tirar por tirar.

Ninguém deve esquecer, aqui na Régua, o que aconteceu à antiga biblioteca municipal, fundada pelo Dr. Claudino de Morais no século passado. Quando, em 1935, houve incêndio nos Paços de Concelho, já os livros tinham desaparecido. Oxalá não suceda o mesmo aos livros da Biblioteca de Maximiano Lemos, agora enriquecida com a inestimável oferta da Fundação Gulbenkian.
Se há livros que podem emprestar-se para leitura domiciliária, outros há que não devem sair para longe da vista do bibliotecário. São livros raros, insubstituíveis.

Em todos as bibliotecas, há regulamento que protege os livros. Não falte na Biblioteca de Maximiano Lemos. É indispensável que não falte e que se cumpra. Só assim haverá quem ofereça à Biblioteca livros preciosos, colecções de jornais e até manuscritos.

Na Régua, é tradição que falhem todas as iniciativas. Falharam as touradas, as exposições fotográficas, o teatro de amadores, o orfeão, a parada agrícola, os desportos fluviais e até o carnaval inventado pelo Chico Pulga. Tudo falhou, menos a Associação dos Bombeiros Voluntários, fundada em 1880 e de ano para ano, mais florescente.
Da vitalidade da Associação dos Bombeiros fiamos a conservação e o progresso da Biblioteca de Maximiano Lemos. Mas, é indispensável que a Associação seja acompanhada, neste particular, pelos reguenses dados à leitura. Espera-se que espontaneamente se organize o Grupo dos Amigos da Biblioteca de Maximiano Lemos.
- Outubro de 1963
Nota: Esta crónica, inicialmente publicada no extinto jornal “Vida por Vida”,  faz parte do livro Pátria Pequena, editado pela Imprensa do Douro (1977).
Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de texto e imagens feita pelo Dr. José Alfredo Almeida (Jasa). Publicado também no jornal semanário regional "Arrais" em 9 de Agosto de 2012. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Vida por Vida


Manuel Augusto Escaleira

Não é preciso ser angélico para verificar que, no mundo em que vivemos, campeia o ódio, o egoísmo e a inveja. Poderíamos também notar que os homens esquecidos da sua dignidade, são frequentemente um diabo para o seu semelhante.

Por isso, é reconfortante ver os exemplos de doação ao serviço, por parte de um punhado de almas generosas que tudo dão, sem nada esperar em troca. Dos que, com coragem e isenção, se dedicam ao tratamento de obras culturais e à promoção humana nas corporações de bombeiros, nas associações culturais, nos ranchos folclóricos, nos lares da terceira idade, etc. São estes homens que sustêm o mundo e dignificam a espécie humana. Dentre eles destacam-se os Bombeiros Voluntários.

O seu trabalho merece o reconhecimento de rodas as pessoas de carácter e o seu realce nos meios da comunicação social.

Talvez, não seja a pessoa mais indicada para o fazer, mas sinto por estes homens desprendidos, abnegados e corajosos um respeito extraordinário.

Imagino-os numa festa familiar, num convívio de amigos ou durante o sono repousante. Toca a sirene…Eis que correm, como para ganhar um prémio, em direcção ao Quartel. Aí, num ápice, equipam-se e partem.
Vão sem uma palavra de revolta ou um gesto de enfado, para se entregarem totalmente ao trabalho, não pensando na fadiga, nem olhando a perigos.
Quantas vezes não foi a sua chegada pronta que impediu a destruição total dos bens ou a perda de vidas humanas!...

E, quando regressam, cansados, sinto-lhe no rosto sereno, a alegria do dever cumprido. Por tudo isto estes Homens merecem o nosso apreço, compreensão e estima.

Não admira, portanto o entusiasmo que anualmente se gera à volta do Aniversário dos Bombeiros Voluntários da Régua. Os nossos bombeiros completaram o seu 103º Aniversário.

Foi um dia de festa, mais uma festa íntima, como é próprio da família unida. A vila e o concelho do Peso da Régua estão com os seus bombeiros, porque os bombeiros estão com os reguenses.

O seu lema “Vida por vida” exprime toda a coragem e dedicação de que dão provas nos momentos mais difíceis. É este poder anímico, fruto de uma longa tradição, que faz com que esta Benemérita Associação Humanitária continue viva e actuante ao serviço dos habitantes da região. 

Parabéns Briosos Soldados da Paz! Que o exemplo dos vossos antecessores vos animem nos múltiplos trabalhos a que continuareis a ser chamados.

Nota: Esta crónica publicada no jornal “O Arrais”, em 8 de Dezembro de 1983,   constitui para a AHBV do Peso da Régua um documento histórico de inegável valor pelas referências como que o autor, nosso professor de história no ensino secundário, assinalou a passagem do 103º aniversário da nossa intuição humanitária e distinguiu de forma elogiosa e brilhante os homens que mais se distinguem pela prática de valores altruísticos, de coragem e generosidade, os briosos  bombeiros da Régua que, desde 28 de Novembro 1880, seguindo os valores do Comandante Manuel Maria de Magalhães e restantes fundadores,  se afirmam como  uma  referência ética e cultural da sociedade reguense.
VIDA POR VIDA
Jornal "O Arrais", quinta-Feira, 17 de Novembro de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
Bombeiros Voluntários do Peso da Régua - 131 anos de serviço
Clique  nas imagens acima para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida e editadas para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2011.