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quinta-feira, 18 de abril de 2013

Retalhos da net - OS ENCANTOS DO DOURO

Há cerca de 2 anos comecei a deslocar-me com regularidade à cidade da Régua, para desenvolver as acções inerentes à organização do Congresso Nacional da Liga dos Bombeiros Portugueses, realizado nesta cidade em Outubro de 2011. Nestas deslocações tive oportunidade de descobrir os encantos desta cidade e do Douro.

Para esta descoberta contribuiu o meu amigo José Alfredo Almeida, na ocasião Presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua e da Federação de Bombeiros de Vila Real. Na verdade devo-lhe a ele os vários roteiros que fiz por essas terras de sonho, onde a harmonia do rio Douro com as encostas verdejantes que o ladeiam nos fascina os olhos e ilumina a alma.

Com frequência recebo fotos da Régua, tiradas pelo José Alfredo com a câmara do seu Telemóvel, em várias horas do dia e em situações climatéricas diferenciadas.

São fotos, como a que insiro neste texto, que revelam um talento muito particular para a arte da fotografia, uma vez que, com um suporte limitado, o José Alfredo consegue documentar a privilegiada beleza de uma região, que a UNESCO reconheceu como perola universal, ao classifica-la como Património da Humanidade.

Sinto necessidade de programar umas férias nestes lugares, que me conquistaram de forma singular. Sinto necessidade de me deter em contemplação sobre as imagens que as fotos do José Alfredo me revelam. Sinto necessidade de reviver a emoção que esta região fantástica do nosso país me provoca, pela mensagem de vida que ela representa. Quero lá voltar!
- Postado por Duarte Caldeira às 09:00 - 18/04/2013 em 'Repórter Caldeira'.
Clique na imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Abril de 2013. Transcrição do blogue "Repórter Caldeira". Todos os direitos reservados. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

sábado, 3 de novembro de 2012

Retalhos da net - Era uma vez um combóio lá pelo Douro...

Transcrição - Out 27 18:00 

Estações Esquecidas em Vila Pouca de Aguiar

A Casa da Cultura de Vila Pouca de Aguiar acolherá, entre sábado 27 de Outubro e 25 de Novembro, a exposição Estações Esquecidas – 125 anos da Linha do Tua, com fotografia e vídeo de Sílvia Gonçalves.
Esta coleção permitirá fruir da riqueza natural da linha ferroviária do Tua e abrir espaço à reflexão sobre o seu futuro, num momento em que parte significativa do percurso se encontra desativada.

A relação intrínseca entre a natureza da exposição e a história do edifício da Casa da Cultura, antiga estação da Linha do Corgo, constituirá o mote para a tertúlia de inauguração de Estações Esquecidas – 125 anos da Linha do Tua. A iniciativa, marcada para sábado 27 de Outubro, pelas 18 horas, visa resgatar Memórias da Linha do Corgo, histórias de partidas e chegadas, peripécias e romances na antiga estação ferroviária de Vila Pouca de Aguiar.

Os participantes da tertúlia estão convidados a contribuir, com fotografias, documentos ou objetos relacionados com a Linha do Corgo, para a exposição permanente que está a ser desenvolvida, para a Casa da Cultura, pela VitAguiar, EM.
- Redacção

Clique  na imagem para ampliar. Imagem e texto do site do " @tual - Diário do Alto Tâmega e Barroso trenscritos e editados para este blogue com a devida vénia - Sugestão de Carlos Pinheiro e José Alfredo Almeida. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Retalhos da net - ROGAS DO DOURO

Transcrição - Opinião | 17-10-2012
ROGAS DO DOURO Por Jorge Almeida
Vinham de longe de terras altas e serranas. Vinham de longe em busca de esperança e sustento. Vinham com a alegria na alma, mas também com a dureza nos rostos de trabalho sofrido. As rogas do Douro da minha meninice.

O rogador marcava o passo e o ritmo daquele encontro, daquele trabalho anual, daquele teatro de vida sem guião, daquele contrato com o sagrado. O tocador de concertina alegrava a malta, fazia bailar a mocidade, aligeirava o peso dos cestos de verga cheios até ao cimo.

Ainda as moçoilas mal cantarolavam as primeiras modinhas serranas ao ritmo das tesouradas, já os homens preparavam as suas trouxas para acartar as preciosas uvas por caminhos e veredas, por longas distâncias, até ao armazém. Filas de 15-20 homens com o tocador à cabeça e o rogador na retaguarda, palmilhavam muito até ao lagar, as vezes que fossem necessárias, para que a lagarada se realizasse nesse mesmo dia.

Homens e mulheres devotados a um trabalho ritualizado, como se fosse uma compulsão, como se fosse um destino, como se fosse um chamamento divino. A Rosa, a Toninha, a sra. Amélia, bem como o sr. Rui e o Faustino nunca falhavam. Vinham todos os anos e prometiam fidelidade para os próximos. Com o sr. António Borgas, o rogador, vieram sempre. E incentivam o sr. Zé do Rancho a juntar-se ao grupo, esse grande tocador de concertina. Com ele, era uma alegria. Todo o dia a cantarolar.

À noite, a voz de comando tudo dominava. Esquerdo, direito, um, dois, esquerdo, direito, um, dois, como um disco riscado e prolongado, até ao esmagamento total das uvas e o ondular do mosto, sinal do lagar estar completamente cortado. Era então dada a voz da liberdade e, mais uma vez ao som da melodiosa concertina, homens e mulheres davam largas à sua alegria, dançavam e confraternizavam com mais um pé de dança, desta vez bem imerso no divino mosto.

E, mais tarde…. corpos cansados, entorpecidos e quase sonâmbulos, precipitavam-se para os cardenhos, onde do real se fazia fantasia, onde os sonhos se encarregavam de renovar a esperança de corpos martirizados, e onde o imaginário projetava um outro dia, com menos sofrimento e menos exploração.

Dias de sol a sol, calendários sem domingos e feriados, céus sem borrasca ou tempestade. O palco das vindimas do Douro de há algumas décadas.

E hoje… tudo mudou. Os tempos são outros.

As estradas que passaram a serpentear toda e qualquer vinha, as máquinas de vinificação que, na maior parte das situações, dispensam a pisa humana, a rapidez das comunicações, a nova sistematização do terreno, e mesmo, os novos sistemas de embardamento. A técnica fez evoluir a apanha, o transporte e a vinificação. Tudo mais fácil, mais cómodo e digamos, mesmo, mais rentável. Empregadores e empregados têm hoje a tarefa mais facilitada.

Mas… hoje é tudo mais frio e diferente. As rogas foram substituídas por empreiteiros agrícolas. A presença do pessoal circunscreve-se a 8 horas de trabalho. Não há animação, as refeições são curtas e frugais, a relação com o proprietário é ligeira ou inexistente. Tudo se resume a uma máquina de trabalho produtiva e quase impessoal. Quase não há nomes, muito menos famílias e outras referências.

E ao fim da tarde, comprimidos em carros, carrinhas e carretas, eles aí vão, apressados e desconsolados, tristes e sorumbáticos, com ganas de estrada, ansiosos por chegar a suas terras, e porventura ressonar com mais uma novela da TV.

Clique nas imagens para ampliar. Imagem acima retirada e editada da net via http://dourovintagefotos.fotosblogue.com/25/. Texto/recorte do jornal "Notícias de Vila Real", edição de 17/10/2012.  Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Outubro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos. 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Retalhos da net: A INACABADA LINHA FÉRREA DE LAMEGO À RÉGUA

TranscriçãoOs efeitos da Segunda Guerra Mundial foram marcados em Portugal com uma certa instabilidade política e social, havendo constantes mudanças governamentais até 1926, sentindo-se os reflexos  nos Ministérios da Agricultura, Comércio e Indústria.
O caminho de ferro construido até então, destinado também a quebrar o isolamento a populações de localidades ermas, foi um dos veículos pelos quais muitos jovens imigraram com destino ao Litoral e grandes urbes, onde depositavam  a esperança dum emprego condigno e melhor qualidade de vida.
O êxodo dos jovens e da mão de obra do interior atingiu proporções preocupantes.
A crise, atingindo a manutenção das vias férreas, proporcionou em simultâneo a circulação automóvel, já que, também a rede de estradas nacionais proporcionava fluxos rodoviários às principais cidades do País.
A verdade é que na consequência do mal estar politico e económico vivido em Portugal até 1926, os caminhos de ferro não foram actualizados, não houve a manutenção devida, o material circulante estava ultrapassado, e era evidente uma instabilidade na instituição CP.
A comercialização e acessibilidade aos veículos automóveis, criou nas directrizes políticas, investimentos na rede viária, ficando para segundo plano a implementação e execução de nocas linhas de ferro.
Uma atitude inversa nos planos dos governos em relação às acessibilidades, ao interior, neste caso, à região do Douro, originando então neste território uma progressiva letargia em rentabilizar e manter todas as estruturas férreas construidas até então e paragem dos projectos e trabalhos duma nova linha no Douro Sul.
Seria a linha férrea Régua-Vila Franca das Naves, projecto cuja rentabilidade económica acabou por se questionar quando, se iniciaram os trabalhos entre Régua e Lamego e pouco depois pararam por motivos institucionais, económicos e políticos.
As características técnicas subjacentes ao traçado da linha, designadamente no que se refere ao declive máximo que as máquinas de então conseguiam vencer, exigiam que esta linha férrea possuísse um percurso muito ondulante.
A linha nascia na Régua, atravessava o rio Douro através de uma nova ponte de pedra construida então, mais à frente continuava numa outra ponte sobre o rio Varosa e, seguindo um traçado que se aproximava de Cambres chegava a Lamego até ao local onde hoje se situa o Palácio de Justiça e a central de Camionagem.
Os carris, foram entretanto transportados para o cais da Régua, e nesta precisa fase final dos trabalhos, por directrizes superiores, a obra em causa foi
considerada economicamente inviável, e então abandonada.
É claro que um dos grandes responsável por esta decisão foi a concorrência movida então pela camionagem para o mesmo trajecto.
Poucos anos depois quando os executivos competentes se afrontaram com a ruina em que
se encontrava a velha ponte em ferro da Régua, transformaram a abandonada ponte ferroviária para o tráfego rodoviário, alargando o seu tabuleiro.
Alguns troços foram adaptados ao tráfego rodoviário, mas a maioria do circuito permacece em bom estado.
Foram as políticas a priveligiar o litoral, a falta de estratégias turísticas tão importantes e de louvar neste território de Portugal, e com a mais valia nos tempos de hoje em rentabilizar turisticamente as linhas férreas aferentes ao Douro, que provocaram o desacelaramento e desenvolvimento deste interior, tornando-o pobre e descapitalizado.
Surge recentemente o turismo do Douro com a navegabilidade turística deste rio.
É importante que as zonas adstritas do Douro Norte e Douro Sul sejam divulgadas e façam parte dos roteiros turísticos de milhares de pessoas que anualmente visitam esta zona do País
  • Sobre comboios neste blogue !
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Transcrição de texto e imagens 'daqui'. Permitidos copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue somente com a citação da origem/autores/créditos. 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Retalhos da net: DORMIR NA RÉGUA...

"T'ás maluco? Vais dormir à Régua? 'Ninguém' dorme na Régua!". Foi esta a reação quase insomníca, de ontem à tarde, assumida por um vila-realense empedernido, quando lhe anunciei que, por uns dias, ia ficar num hotel da Régua, para acompanhar uma missão da UNESCO que vai avaliar da compatibilidade da construção de uma barragem na foz do Tua com o estatuto de "património mundial" do Alto Douro Vinhateiro.

Por natureza identitária, um vila-realense que se preze não gosta da Régua, melhor, "ignora" a Régua, da mesma forma que se "irrita" com essa "irrelevância" regional que é Chaves. Para um cidadão de Vila Real, a sua cidade é um fenómeno isolado, porque entende que Trás-os-Montes (e o Alto Douro) apenas pode, e deve, ser representado pela sua ímpar urbe. E isto não se discute, por mais modesto que um vila-realense possa e queira ser. Há Vila Real e, depois, só há, para lá do Marão, o Porto. E é tudo! É claro que, um pouco mais "lá para cima", há, mas já bem depois, uma "coisa" a que se chama Bragança (e, de caminho, Mirandela e Macedo, além de umas adjacências onde "não se vai", a não ser a caminho de Espanha). Mas tudo isso já é muito "diferente".

A Régua esteve situada a 29 km de Vila Real (hoje já é bem menos), pela "estrada velha", que passava por Santa Marta e cujas curvas nos causavam enjoos infantis. Em alternativa, fazia-se quase uma hora de viagem, pela velha linha férrea do Corgo, para ir aí apanhar, até aos anos 60 (quando a camionagem do Cabanelas nos passou a fazer enjoar pelo Marão), o comboio para o Porto. Mais tarde, a Régua ficou um pouco mais próxima, quando se ia pela encosta contrária, por Nogueira. Mas vamos ser justos: por que diabo um vila-realense ia à Régua? Para nada, a menos que fosse para passar para Viseu, ou para ir a à Senhora dos Remédios a Lamego, num assomo de romaria. Ou, como experiência etnológica, se decidisse passar por lá para comprar rebuçados, às mulheres aventaladas à porta da estação e fotografar a mais pequena barbearia do mundo (que deixo a imagem, ontem registada). Às vezes, em fins de semana invernosos, também se passava pela Régua para "ver" as cheias, quando o Douro, antes das barragens (já estou a fazer política "unescal", como notaram), alagava a marginal.

Nós, em Vila Real, o que é que conhecíamos da Régua? Praticamente, só as "pequenas". Por um excedente de produção de qualidade que nunca ninguém soube explicar, a Régua enviava para Vila Real, para estudar, algumas das mais bonitas garotas que o liceu Camilo Castelo Branco alguma vez teve (e que olhos, senhores!). Os irmãos ou os primos desse "pequename", assumindo uma espécie de "template" automobilístico, vinham sempre à "Bila" de NSU, que traziam aos ralis, às gincanas ou apenas, como dizíamos, para "armar aos cágados", à porta da Gomes, em dias de circuito, a aquecer ruidosamente os escapes. Por essas e por outras é que eu, durante anos, quase que me convenci que, na Régua, não era "gente" quem não andasse de NSU, como se por aí estivesse estabelecido o principal consumo mundial dessas viaturas. "For the record", convém dizer que essas simpáticas colegas vinham cuidadosamente "policiadas" por uma austera (mas muito competente) professora de matemática reguense, a Dona Raquel. Ah! e por falar em policiamento, é também muito importante recordar aqui os "polícias da Régua", tidos como dos mais rigorosos da região, sempre de farta bigodaça e pança proeminente, os quais, dizia-se, eram ferozes a derimir questiúnculas pesadas na zona do Peso (a Régua chamava-se, ou chama-se ainda, nunca percebi bem onde o debate toponímico ficou, Peso da Régua), onde, dizia-se, os ciganos imperavam. "É pior que um polícia da Régua!" era uma frase que, por décadas, se ouvia em Vila Real, para designar alguém com mau feitio. E da Régua chegava, pela voz melodiosa de Carlos Ruela, a "Rádio Alto Douro", para despeito vila-realense, onde imperava um deserto radiofónico.

Muito mais tarde, fomos "descobrindo" que a Régua também tinha, além do vinho do Porto (ninguém, nessa altura, bebia vinho do Porto, confessemos!, salvo no Natal, casamentos e batizados), o Douro e a sua beleza natural, a qual, lamento ter de dizê-lo, nunca contribuiu muito para melhorar a imagem da (agora) cidade, que é um eterno objeto arquitetónico sem grande interesse, com pontes e viadutos a mais. Da Régua vamos ouvindo ainda, SIClicamente, nas televisões, os protestos às 13 ou às 20 horas (horas oficiais dos protestos, no Portugal contemporâneo) dos produtores de vinho da região, sempre cuidadosamente filmados em frente ao "estadonovense" edifício da Casa do Douro, com lavradores querendo mais "benefício" (o conceito demoraria algum tempo a explicar aqui) e, claro, apoios do Estado.

Mas, atenção!, na Régua, ou perto dela, comeu-se quase sempre bastante bem (e este bloguista não é indiferente ao tema, como é sabido). Mais recentemente, ia-se ao "Douro In", agora vai-se ao "Castas e Pratos" (fui lá ontem e foi um jantar soberbo!), sito nos velhos armazéns da estação ferroviária. Mais longe, lá para a Folgosa, o Rui Paula continua a dar cartas no "DOC" (depois de as ter dado no "Cepa Torta", em Alijó, e mesmo mantendo o "DOP", junto à Bolsa do Porto). Para uma experiência um pouco mais "radical", porque terá de se defrontar inevitavelmente com o mau feitio do dono da casa, e sempre avisando com antecedência, vá-se pelo cabrito à "Repentina", já fora de portas. E, para melhor discutir a barragem que por aqui nos traz, poder-se-ia acabar a tarde no "Calça Curta", bem junto à velha estação do Tua.

Eu sou um vila-realense atípico: sempre achei alguma graça à Régua. E hoje vou cá dormir, pensando (sem nostalgias, garanto!) no que será feito das belas reguenses do meu tempo. Boa noite!
Clique nas imagens para ampliar. Imagem e texto do blogue "duas ou três coisas", com a devida vénia. Sugestão do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue sómente com a citação da origem/autores/créditos.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Retalhos da net: Douro - O paraíso esquecido e as histórias que moram lá

- Transcrição de "VISÃO" - 30 de Agosto de 2012:
Reportagem
Douro: O paraíso esquecido e as histórias que moram lá
À margem das excursões turísticas, a região Património da Humanidade ainda guarda memórias, figuras e sabores que atestam o seu caráter genuíno, resistente e sentimental. A VISÃO desta semana propõe-lhe uma viagem aos segredos, dores e alegrias do vale encantado.

Diz-se que quando um galo canta em Barca d'Alva é ouvido em três distritos e dois países. A ponte Sarmento Rodrigues une Bragança e Guarda. A província de Salamanca eleva-se ali ao pé. É aqui que o Douro cai, por fim, nos braços portugueses depois de namoriscar margens ibéricas desde Miranda. Do miradouro do Alto da Sapinha, vê-se tudo isto, mais as águias, imperiais, planando. O resto imagina-se. Visto de perto, este prodígio de homens sobre a natureza árida também encerra fantasmas. Quem diria? Uma estação de comboios, das mais belas que o rio beijou, está entregue a fatalismos e memórias de lua-de-mel. Pelas ruas, homens sonâmbulos ruminam conversas mortas. Esplanadas cansam-se da babugem aos novos cavalos de Troia do rio, cruzeiros a abarrotar de turistas rapinando a paisagem com olhares gulosos, mas apenas isso. "Chegam, entram ou saem dos autocarros, e seguem viagem. É negócio que não deixa um cêntimo nestas terras", lamenta-se Mário dos Anjos, testemunha diária de rebanhos excursionistas com karaokes de Malhão a bordo.

Não se vive dos olhos pasmados ou espantos que vêm e vão.

Oriundo de Vilar de Amargo, o feitor da Quinta da Batoca tem um pretérito imperfeito a bailar na boca. As terras que, do alto de Ligares, piscam o olho a Barca d'Alva significavam tudo para ele. A quinta, das maiores do Douro, "era um jardim perfumado, de vinhas, olivais e amendoeiras", gerando cobiças e atiçando invejas. O escritor Guerra Junqueiro, proprietário, conquistou-a, a palmo, à aridez e pedra rude, mas também à manha e astúcia de uns quantos. Com prosa bruta inscreveu na paisagem um poema visual, de enlevos homéricos. Deixou versos pela casa, esboçados na cal, que agora se vão descascando e apagando como recordações ténues. "Plantou a maioria das oliveiras e ainda se dedicava a partir miolo de amêndoa na varanda, ao serão", conta, de ouvir, Mário dos Anjos.

A casa está trancada há décadas. A fundação que leva o nome daquele que zurziu o sarrafo na monarquia e no povo "resignado" bem tentou abrir portas a residências artísticas, inspirando exuberâncias literárias ou da mesma espécie. Nada feito, sentenciaram os poderes de Estado e a penúria autárquica. Mágoas que nem o restauro dos cardenhos, a apanha da azeitona ou os cachos que Mário leva ao Porto conseguiram apagar.

O LAGAR, TRADIÇÃO REQUINTADA
Longe vão os tempos dos "parranas engravatados" que surripiavam a região e Eugénio de Andrade imortalizou. A cada época a sua moldura pacóvia. Por estes dias, o Douro, domesticado na sua fúria secular de águas livres, deixa-se ir na corrente de elitismos vistosos e manias sensaboronas, resignado a cenário de flirts turísticos sem consequência, mas muito na moda. Se não desaguarem à porta de Cristina Gomes, ali para Escalhão, em Figueira de Castelo Rodrigo, ela até agradece. "Isto é para saborear." O Lagar saiu-lhe do pelo e do coração, não é pasto de excursão.

A empresária agrícola deixou a capital quando a asma da filha recomendou a pureza das raízes. À doença foi um ar que lhe deu e veio a vontade de fincar, de vez, os pés na terra. Com o empenho do marido, Pedro Rocha, restaurou, a partir de ruínas, o lagar dos avós. "Para mim, isto não é um restaurante, é um lugar de afetos", assegura.

Ali, o muro dos antepassados recuperado. Aqui, um trilho antigo, alfaia de madeira e lâmina aguçada, a servir de balcão, no qual repousa um exemplar de Sente e Descobre, guia turístico de Figueira, o mais falado de quantos são editados por estas bandas. Autoria de Daniel Gil, que lançou a ideia dos roteiros a partir d'A Viagem do Elefante, de Saramago, ou não tivesse a odisseia literária do paquiderme Salomão deixado fundo rasto no Douro e mais além.

Pela mão do amigo ou iniciativa própria, Cristina calcorreou casas e lares de terceira idade da região à cata de receitas ancestrais, dadas como perdidas. O pão de trigo chega agora das aldeias. O azeite respeita saberes e sabores rurais de outrora, por isso o polvo à Lagar pode vir à mesa, a boiar. A horta é da época, respeita os ciclos naturais. Queijos, fumeiros e enchidos têm o rótulo da geografia sentimental. A maioria dos vinhos exibe o selo da região demarcada do Douro. Pode ser um Carm, branco, de 2011, ou um tinto Vale de Pios, 2008, ali mesmo, de Escalhão.

Luís Sottomayor, enólogo da Casa Ferreirinha, gosta de chamar ao Lagar a sua cantina. Ao espírito gourmet ou lá o que é, Cristina contrapôs uma ementa em iPad, feita de "tradição requintada". A evidência come-se com os olhos: onde outros rubricam design gastronómico e estrangeirismos pomposos num prato ratado, Cristina exibe mimos de avós em fartas travessas de barro, a fazer jus aos nomes suculentos: tirinhas de porco preto com molho de laranja, cacho de vitela com migas de tomate, lagarada de bacalhau. O doce de ovos com batata é um hino à sabedoria caseira. De "comer e chorar por mais", frase que, por acaso, também dá nome a uma sobremesa de amêndoa de enfeitiçar paladares. Até a morcela doce de Escalhão, com mel e canela, "que já ninguém fazia", renasceu aqui.

ALMENDRA, DOCE E ORGULHOSA
A esta mesa pantagruélica senta-se Alfredo Mendes, décadas de escrita batucada num jornalismo de sabor literário, por vezes devedor de mostos e partilhas gustativas. Ainda cachopo, rumou a Leça da Palmeira levando a aldeia com ele, por dentro dele. Outros o fizeram, por necessidade ou aventura. Almendra, em Vila Nova de Foz Coa, é território de pergaminhos vários, com gravuras rupestres à distância de um rabisco, casas aristocratas e romaria sem igual em todo o Douro, a Senhora do Campo. Ali se teceu o que viria a ser a Lusomundo, a partir da vivenda da família Bordalo. Ali ainda se tricotam episódios da envergadura de Romeu e Julieta, com enredo na Casa dos Caldeiras, onde donzela mal-amada traiu o temido doutor da terra e se enamorou de rapaz do povo. Em tenra idade, ali foi parar Maximino de Sousa, o famoso padre Max, de esquerdas, assassinado à bomba nas fervuras do pós-revolução. "Não vás para padre. És bonitinho e depois as pequenas vão andar atrás de ti", rogava-lhe, sem sucesso, Sezira Ivone, que recorda o catraio que ali fez a instrução primária, bondoso.

Alfredo dedicou anos ao garimpo das alcunhas e dizeres do torrão natal, devolvendo à terra "códigos que nos uniam a todos, carregados de afeto e distinção, fruto de laços harmoniosos e de sangue". Do mapa do tesouro fazem parte mais de três mil termos, condimentados por influências castelhanas, francesas e árabes, e encontrados, até, nas obras de Jorge Amado e Machado de Assis. Em breve, a Câmara de Foz Coa editará este levantamento, ilustrado a partir de precioso arquivo fotográfico, cuidado com saudade por almendrenses como João Varges, radicado no Brasil. As páginas lavram honra e posteridade à Cabra Manhosa, ao Mata-a-Morte, ao Cai-lo-Cú, ao à Puta Gaga, mas também ao Caldo Enchebre ou às Balulas. Não se pense que a empreitada é coisa arcaica, pois não passaram muitos anos desde que um conservador do registo predial viu as cartas para Almendra serem devolvidas à procedência por nelas não constar a alcunha do destinatário.

Freguesia de destino marcado por partidas e chegadas, coube a Jorge Ribeiro e Valerie Censier encontrar aqui a terra a que chamam sua. Ela francesa, artista plástica. Ele de Gondomar, músico, ator e homem de mil ofícios, com percurso certificado pelas portas que abril abriu, onde, cantava-se, a seiva de uma espera tornou tudo mais urgente. Cansados da vida de estrada, Valerie e Jorge assentaram arraiais na vila duriense, depois de viagens ao desatino. Vegetarianos, nem os trajes nem a postura vagamente hippie desencadearam estigmas ou maldições ciciadas. "Fomos acarinhados desde o início. Trouxemos ideias novas, mas absorvemos o espírito da terra", reconhece Jorge.

O casal cuidou da autoestima das gentes da terra e povoados da região. Voluntariou-se para atividades socioterapêuticas junto de crianças e jovens das terras do Coa e organizou caminhadas, vindimas, sessões de ioga, passeios de burro, dignificando natureza e tradições. "Quando acontece algo novo, as pessoas ficam ansiosas", diz Valerie, que agora quer fazer pão em forno antigo. Jorge, esse, já andou no restauro de pombais e aprendeu com os velhotes as artes da enxertia, da poda e das apanhas. É vê-lo animando aldeias, comunidades agrícolas. Qual saltimbanco, carrega às costas espetáculos para crianças e adultos, com reportório e itinerários inspirados na musicoterapia, na pedagogia curativa e socioterapia. Nas horas que nunca sobram é vê-lo vestido de homem paleolítico nas atividades teatrais do Museu do Coa ou em diálogos pessoanos. Lá para finais de setembro aparecerá em Serralves a puxar um burro com livros. "É um espetáculo para crianças. Até o asno pode ser difusor de cultura."

A GUARDIÃ DE LENDAS
Ao final de uma destas manhãs tórridas do Douro, na outra margem do rio, no concelho de Carrazeda, Flora Teixeira já havia recebido nove notificações no Facebook. Deitara-se tarde na véspera: falara com filhos e netos, radicados em Moçambique, pelo Skype.

Levantara-se cedo. Antiga catequista, agradeceu aos céus mais um dia na terra e foi "mata-bichar", não sem antes sintonizar a Ansiães FM, a cujos discos pedidos não falha. Na mesa, repousam, rabiscados a letra redonda, os próximos poemas e artigos sobre as tarefas rurais de antigamente, que publica no jornal da terra, da Associação Cultural e Recreativa de Pombal de Ansiães. A aldeia, onde sobram pouco mais de cem almas, tem tradições teatrais desde 1927 e, no passado, tomou-se de brios na luta contra o analfabetismo.

Os habitantes vivem ainda a ressaca do festival de artes, realizado há semanas. Flora deu um workshop de sabão biológico e andou numa azáfama para acolher artistas, todos com alimento e teto garantido, ano após ano, nas casas dos anfitriões. Aos 82 anos, esta antiga tecedeira e ex-emigrante em África não falta a uma aula de ginástica e mantém a agenda preenchida com atividades onde canta, dança e representa. "Não sei o que é o tédio nem o isolamento", assume, de sorriso aberto. Há uns anos, a filha enviou-lhe, pelo correio, um computador portátil. "Para a melhor mãe do mundo, que nunca se esquece de saber e aprender", escreveu. E ela aprendeu.

O escritor Alexandre Perafita imortalizou-a no património imaterial da região. Flora herdou do avô a veia de narradora. É guardiã de lendas. "Para cima de três dúzias!" Histórias da peste em Pombal ou de mulheres que sonharam com ouro numa fraga que vai contando às crianças, nas escolas. "Sempre inventei monólogos e variedades." Das visitas despede-se de copo em riste, com presunto e queijo "para fazer a boca ao vinho", que é generoso ou fino, diz-se por aqui, com propriedade e acerto. "Não sejam pessimistas, toquem a vida para a frente", brinda.

PAI CALVO, CEMITÉRIO DE XISTO
José Pinto bem gostaria de dizer o mesmo, mas deixaram-lhe uma herança de pedra. Era esse o nome do filme baseado na saga duriense dos romances de Alves Redol, cuja rodagem, nos anos 1990, esteve prevista para Pai Calvo, aldeia fantasma, de xisto, em Armamar. "Ainda andaram aqui uns meses, prometendo que o filme ajudaria à reconstrução da aldeia. Mas depois a empresa faliu e eu fiquei a arder em 600 contos", conta este proprietário de afamada quinta.

A aldeia sofreu com a razia da filoxera, praga que, no final do séc. XVIII, transformou o Douro num cemitério de fragas e gentes, túmulos gravados nas encostas, desesperos atirados ao rio ou suspensos num laço fúnebre de corda. Desde 1930 que não se vislumbra vivalma naqueles carreiros onde repousam 13 casas e lagares, três delas compradas por José Pinto. "Desbastei o mato bravo, arranjei telhados, pus isto à vista." Chamam-lhe "o dono de Pai Calvo" e vagueia horas por ali, entre sonho e alucinação. "Não perdi a esperança de recuperar a aldeia para turismo rural ou museu. É uma questão de honra à memória familiar e de gerações", desabafa, de voz embargada.

A história do Douro está cheia de penitências carregadas entre flores bravas e penedos. Cansaços que, desafiando a natureza esquiva e encostas íngremes, vindimaram, do granito e do xisto, néctares dos céus, empoleirados em vidas precárias. O radioso resultado vê-se, como em nenhum outro lugar, do miradouro da Casa Redonda, na Quinta das Carvalhas, no Pinhão, propriedade da Real Companhia Velha. Dez minutos a subir, em círculo. As nuvens quase tocam a cabeça. O esplendor duriense pode ser apreciado, num ângulo de 360 graus, durante uma das atividades da quinta, do enoturismo à observação de aves.

O Douro anda, entretanto, obstinado em acasalar com a modernidade. Ora agasalhando um ripanço perigoso e sem freio, ora prenhe de rebeldia e inovações. Nos últimos anos, o Pôpa Vinho Doce tinto e o levíssimo Rufete, feito a partir de castas mal-amadas, beliscaram novos e desconfiados apetites. Maria do Céu é mais doces, mas pagou, em invejas e mentalidade retorcida, a fatura da sua magia.

Em Remostias, no Peso da Régua, a Doces do Céu impôs-se pelo saber, os produtos da terra e a lambarice, "mas não à custa destes turistas estrangeiros que aparecem por aqui e regressam com a barriga cheia de paisagem". As Régulas, de avelã, ovos moles e massa folhada, são uma dedicatória à sua terra. As Penaguiotas, pecado de ovos, é tributo aos de Santa Marta. As natas e os lacinhos não têm explicação, nem precisam. Já as Ferreirinhas são diamantes de chocolate, chila, amêndoa, uvas passas e vinho do Porto e trazem água no bico. Homenagem a D. Antónia Ferreirinha, mulher brava do Douro, "mas também uma forma de perpetuar, com doçura, a memória das mulheres da região, cujo destino era ter um bando de filhos, 15 ou 20, fazer o caldo à noite e aturar pancada dos maridos. E olhe que ainda há disto", lamenta-se ela.

AQUI NASCEU O 'VINHO CHEIRANTE'
Na margem esquerda, com vista para o casario estilo pato-bravo da Régua, João Azeredo também anda a matutar nas invejas que uma recente descoberta originou e que ameaça revolucionar a historiografia do Douro. Segundo um estudo do investigador Altino Cardoso, a publicar pela Universidade do Porto, a secular Casa dos Varais ocupa o território onde, em 1142, os monges de Cister iniciaram a produção do "vinho cheirante de Lamego" a partir de castas da Borgonha, para usar nas missas, que viria a ser posteriormente denominado Vinho do Porto. "Comprova-o um documento do Mosteiro de São João de Tarouca. A data, um ano antes da fundação da nacionalidade, até arrepia!", confessa o proprietário da quinta que receberá este legado.

João Azeredo foi apanhado de surpresa. A princípio desconfiado, rendeu-se às evidências. "É uma grande responsabilidade, para mim e para a região. Mas vem sustentar uma convicção pessoal: o Vinho do Porto não é apenas obra de ingleses, da D. Antónia, do Barão de Forrester ou do Marquês de Pombal, como pretendem fazer crer. Foi obra de gente mais simples e humilde", acentua. A Casa dos Varais já tinha sido pioneira no turismo de habitação, mesmo enfrentando resistências familiares. João abandonou o Porto nos anos 1980, deixando para trás a escola agrícola, e evitando o esfarelar da herança familiar. Transformou lagares, melhorou a qualidade das castas, apostou na comercialização. Na Casa dos Varais, manteve-se Maria Rosa, raro património duriense da safra de antigas cozinhas e encantamentos de levar ao lume, devidamente comprovados no arroz de pato e na doçaria. João também põe o avental, mas apenas nas ocasiões em que, fazendo uso do seu único segredo gastronómico, confeciona a Truta do Monge. "É fumada em barrica de vinho do Porto e leva sete ou oito horas a preparar", refere, orgulhoso.

Da janela da sala de jantar, ainda atordoado com os efeitos da novidade recente, repousa o olhar nas águas do Douro e medita nos tortuosos caminhos da região. "Assustam-me os projetos tipo elefante branco. Corremos o risco de replicar a Régua", medonho exemplo estético planeado de costas para o rio e "casas de banho viradas para fora", como lhe chamou D. Duarte Pio de Bragança. "O Douro é tradição, origem, genuinidade", acode Ernestina, a esposa. Ele concorda: "Os projetos e as modas não podem ignorar o rosto humano desta região."

'GANCHINHO' E O RIO CANSADO
Em Baião, a uma hora do Porto, o Douro já vai cansado, antes do encontro com o mar. Já não é bem um rio, esta bacia de águas serenas. "É mais um penico", lamenta Adriano Mouta, 73 anos, um dos últimos barqueiros vivos, imortalizados em Porto Manso, por Alves Redol. Estamos entre a terra do romance e a Pala. Nascido em Porto Antigo, do lado de Cinfães, Adriano mergulhou nas águas outrora matreiras para enganar a fome. "Tinha nove anos. Quando fiz a comunhão, levei sapatilhas emprestadas e mal segurava as calças", conta, enquanto se prepara para matar saudades do tempo em que era apenas Ganchinho, catraio travesso, filho de Joaquim Ruço, corajoso arrais da região.

Para Adriano foram dias e noites, por vezes de "nagalho à cabeça, todo nu", nadando desde Aregos, ou a domar rabelos com 70 pipas, Cockburn, Ramos Pinto, "por aí fora". Em Melres, já as ditas iam mais leves, aliviadas de litros de vinho fino, por conta de um crédito de misérias. Fez exame de quarta classe, com distinção. Disseram-lhe que escrevesse a Salazar. Um amigo embelezou o rascunho. "Acrescente 'A Bem da Nação'", recomendou o padre, influente. Adriano empregou-se na ferrovia, entre Lisboa e Porto. A vida passou-a a ver comboios, nas oficinas. Quando voltou ao Douro, de vez, encontrou-o transtornado, enjaulado em nome de futuros risonhos que poucos viram. Depois, veio o Lúcio, trasladado para o Douro, "que engoliu quanto peixe bom havia: escalo, boga, barbo. Agora só sai peixe mole, esfarelado. Nunca mais comi nada destas águas."

Adriano guarda o Douro dentro de si. Caudais de súplicas e desânimos, mas onde homens e mulheres foram erguidos ao tamanho de gigantes por sonharem com presépios acima do nível das águas. "Foi uma vida tirana. Mas se me tirassem o Douro dos olhos, matava-me logo aqui."

Clique nas imagens para ampliar. Imagens e textos da revista "VISÃO", com a devida vénia. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue sómente com a citação da origem/autores/créditos.

domingo, 26 de agosto de 2012

Retalhos da net: OS NOSSOS VELHOS...

Transcrição do "Diário de Notícias", 22 de Agosto de 2012 - Querem ausentá-los mas eles não se ausentam. A sociedade coloca-os nos jardins, por inúteis, mas não o são; e recordam-se e fazem correr os rosários das memórias, e martirizam-se com as dores no corpo e as dores na alma, estas as piores de todas elas; são deixados, mesmo que, aparentemente, os não deixem; por vezes desorientam-se e perdem-se nas ruas. Os nossos velhos foram tipógrafos, estradeiros, carpinteiros, construíram prédios e barragens, navios e pontes; as suas mãos tornearam a madeira e furaram as montanhas e montaram os carris e fizeram as vindimas e afagaram-nos e tiveram-nos ao colo, protegem-nos, vigiam-nos, nossos pais, nossos avós. Os nossos velhos.

O polimento secular da bestialidade fizera das relações humanas um traço de civilização. Os celtas atiravam os velhos dos penhascos, porque incómodos, e já não eram precisos. Os laços sociais que se foram estabelecendo não impediram as guerras e as atrocidades inomináveis. A educação e a harmonia de costumes não são dados adquiridos, e o poder de uns sobre outros é um elemento da luta de classes. Os homens são bons, quando novos, apenas porque produzem. Velhos, deitam-nos para o lixo.

A regressão dos sentimentos e das atitudes, impulsionada pelos novos modelos sociais que nos impõem, desemboca em múltiplas incertezas. O desprezo pelos velhos é uma das variantes dessa regressão, que não nos propõe outros valores. E indica que temos de enfrentar um desafio moral delicado, com que seremos, inevitavelmente, confrontados. O conceito de família, tal como o conhecemos, tem sido aniquilado pelas novas leis de valor. Mas estas leis não significam que sejam as melhores. Pelo contrário.

As doutrinas do "mercado" estão a pulverizar o modelo europeu de sociedade, até agora o mais harmonioso porque o mais humanizado. Será preciso redefinir as bases do contrato social?

Deitar os velhos fora, abandoná-los em caricaturas de "lares" ou nos gelados corredores dos hospitais parece característica do tipo de sociedade em formação. Aprender a conhecer é aprender a fazer e a viver em conjunto. Remover os velhos do nosso carinho e dos nossos afectos, é removermo-nos a nós próprios da condição humana. Querem ausentá-los, mas eles não se ausentam. Estão ali, muito mais atentos do que se possa presumir. Eles são a memória de todos, a nossa pessoal memória, e a nossa certeza do que fomos para entendermos o que seremos.

Extorquem tudo aos velhos, agora, até, por aumento das tarifas nos transportes, a possibilidade de viajar em Lisboa. Não se queixam, mas não afrouxam. Ei-los. Estão aqui e ali. Vou a O'Neill e reproduzo-o: "Velhos, ó meus queridos velhos, / saltem-me para os joelhos: / vamos brincar?"
Sobre o autor do texto - (fonte Wikipédia) - Armando Baptista-Bastos (Lisboa, 27 de Fevereiro de 1934), jornalista e escritor português.
Estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio e no Lycée Français Charles Lepierre, em Lisboa. Iniciou a sua carreira profissional na redacção de O Século passando, de seguida, a subchefe de redacção de O Século Ilustrado. Foi redactor de outros jornais, como O Diário, República, Europeu, Almaque, Seara Nova, Gazeta Musical e Todas as Artes, Época, Sábado e Diário Popular, onde permaceu por duas décadas. Foi correspondente da Agence France-Presse, em Lisboa. Assinou ainda várias colunas no Jornal de Notícias, A Bola, Tempo Livre e, como crítico, colaborou com o Jornal de Letras, Artes e Ideias, o Expresso, o Jornal do Fundão, o Correio do Minho e o Diário Económico. Fundou ainda o semanário O Ponto, periódico que registou uma série de entrevistas semanais. Na rádio leu as suas crónicas, nomeadamente na Antena 1 e na Rádio Comercial. Actualmente é colunista do Diário de Notícias, do Jornal de Negócios e do Jornal do Fundão.
Na televisão deu-se a conhecer como apresentador, na década de 1990, do programa Conversas Secretas na SIC. A convite do jornal Público, realizou uma série de dezasseis entrevistas sob a designação «Onde é que você estava no 25 de Abril?», posteriormente editadas em CD-ROM.
O Cinema na Polémica do Tempo foi o seu primeiro livro de ensaio, publicado em 1959. Em 1969 lançava As Palavras dos Outros.

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Retalhos da net: Luz - Da Régua ao Pocinho


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Blogue "Jacarandá" - DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012

Na linha de caminho-de-ferro, da Régua para o Pocinho. Nesta última estação, o caminho-de-ferro termina. Já não vai até Barca d’Alva, muito menos até Espanha. É a Linha do Norte, que começa no Porto, em S. Bento ou na Campanhã, e ia até Espanha, recebendo ainda passageiros das linhas “afluentes” do Tâmega, do Corgo, do Tua e do Sabor, todas fechadas, condenadas, abandonadas e destruídas. É uma das mais belas linhas de comboio do mundo, com dezenas de quilómetros à beira do Douro, por vezes a meia dúzia de degraus ou poucos metros do rio. Traçada entre vales e vinhas, serviu, durante um século, gente e mercadoria e sobretudo vinho e materiais para a vinha. Afastou os barcos rabelos, foi afastada pelos camiões e pela estrada. Em qualquer parte do mundo, pelo menos nos países civilizados onde houvesse linhas de caminho-de-ferro como estas, sobretudo as do Douro e do Tua, tudo seria feito, em nome da cultura, da qualidade de vida, do turismo decente, da história, da decência, do ambiente e da estética, para que fossem preservadas. Não é assim entre nós! Triste sina!
  • Sobre comboios do DOURO (neste blogue)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Retalhos da net - Tertúlia João de Araújo Correia


SEGUNDA-FEIRA, 18 DE JUNHO DE 2012

Apresentação do n.º 2 da revista “GEIA”
Dia 20 de Junho, quarta-feira, pelas 21h00
na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro, em Vila Real
A revista “GEIA” é o órgão oficial da Tertúlia João de Araújo Correia, sediada na Régua e criada há mais de dez anos com o intuito de preservar a memória do escritor e de divulgar a sua vasta bibliografia.
Da importância do autor de “Sem Método” fala o editorial do presente número: «A obra do autor reguense reflecte, com mestria, realismo, emoção, sobriedade e pitoresco de linguagem, a realidade geográfica e humana da sua região natal e faz eco das suas preocupações sociais, ecologistas, urbanísticas, etnográficas e paisagísticas. Além de outros pontos de interesse, tem ela o condão de nos fazer recuar aos tempos do rio de “mau navegar” e aos usos e costumes de uma ruralidade fértil, de geios, de cestos vindimos, de rogas e lagaradas, da festa da vinha.»

A apresentação, a cargo de Helena Gil e de Hercília Agarez, terá lugar no dia 20 do corrente, quarta-feira, pelas 21h00, na livraria Traga-Mundos em Vila Real.
Venha reavivar a memória deste ilustre escritor e intelectual duriense. Contamos com a sua presença...
Tertúlia João de Araújo Correia
Morada:R. Dr. José Sousa
5050-275 Peso da Régua

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Retalhos da net: Cartas de Ver - O PESO DA REGRA

Sobre a Igreja da Misericórdia do Peso da Régua, um monumento nacional desconhecido:
Clique  nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Maio de 2012. Transcrição de publicação do "O Público.pt". Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos.  
In CEARQ - PAULO VARELA GOMES - pgomes@darq.uc.pt - Licenciado em história pela Universidade Clássica de Lisboa (1978), mestre em história da arte pela Universidade Nova de Lisboa (1988), doutorado em história da arquitectura pela Universidade de Coimbra (1999). Docente do DARQ desde 1991, professor convidado do Dep. Autónomo de Arquitectura da Universidade do Minho desde 2001, docente convidado de outras universidades portuguesas e estrangeiras. A principal área de investigação e publicação tem sido a história da arquitectura e da cultura arquitectónica portuguesa dos séculos XVII e XVIII.