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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

As Caldas do Moledo da nossa nostalgia...

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As águas das Termas das Caldas do Moledo são conhecidas desde há muito tempo. A elas se refere o celebre médico do reino, nascido em Mirandela, Dr. Francisco da Fonseca Henriques, no seu famoso livrinho "Aquilégio Medicinal", Lisboa Occidental, 1726, pág.24, onde nos garante que "no concelho de Penaguião, (...) ha umas Caldas suphureas, que curão os achaques frios de nervos, debilidades de juntas, vertigens, convulsões, e finalmente todos os os mais achaques...".

Pode assim dizer-se que a quantidade de banhistas oriundas de todos os pontos do país procuravam as Termas de Caldas do Moledo, "a fim de tratarem dos seus padecimentos", o que está retratado neste velho postal como uma simpática recepção a banhistas, e nos faz recuar aos seus momentos áureos, talvez a inicios do século XX, ainda durante a monarquia.

A vida social nas Termas das Caldas do Moledo era muito intensa no período balnear, "comboios especiais saiam da Régua às 9 horas, parando em todas as confluências de caminhos, exclusivamente para transporte de aquistas a desembarcar no cais privativo sobre o Palacte. Daí o comboio regressava à estação das Caldas do Moledo donde pelas 11.30 horas voltava ao cais para recolha e recondução dos mesmos passageiros". Um casino mandado pela Ferreirinha, vários hotéis - O Grande Hotel, O Hotel Vilhena e o Peti Hotel - "muitas casas para aquistas", três capelas particulares, uma farmácia, um talho, uma casa de artigos fotográficos, várias sapatarias, alfaiates, funileiros, relojoeiro, barbeiros, mercearias e estabelecimento de fazendas brancas, estação de telégrafo postal, estação dos caminhos de ferro, mercado diário na época balnear, aguardavam os aquistas para os servir e lhes proporcionar uma agradável estadia num lugar servido por uma paisagem fantástica e um clima ameno.
- Colaboração de J. A. Almeida para "Escritos do Douro" em Dezembro de 2010.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Viagem Inesquecível a Chaves

Esta viagem de comboio, na linha do Corgo, foi há mais de 85 anos…!

Poderia ter sido mais uma, igual a muitas outras, que se fizeram nessa magnifica linha de caminho-de-ferro, mas esta deve ter sido bem diferente. Se bem que não se conheçam os motivos que terão levado os bombeiros da Régua, acompanhados de uma grande comitiva, de irem a Chaves, essa viagem não ficou esquecida no tempo.

Alguém se lembrou de registar os pormenores mais significativos dessa “Excursão à vila de Chaves, promovida pelos bombeiros voluntários da Régua, no dia 19 de Julho de 1925”. Com a intenção de informar a posteridade, ainda escreveu aquela única mensagem numa folha, onde arquivou as melhores cinco fotografias, inesquecíveis tanto para eles como para nós, agora.

Não sabemos com que finalidade os bombeiros da Régua promoveram esta excursão a Chaves. Agradecemos que alguém nos ajude, se para tanto dispuser de elementos capazes. Terá sido uma vigem de lazer? Uma viagem de cortesia à associação flaviense congénere? Quem eram as pessoas que os receberam na estação? Que foram festejar? Um aniversário dos bombeiros de Chaves? Uma inauguração de novo quartel ou de outro melhoramento? Parece haver um segundo estandarte para além do dos Bombeiros da Régua, mas será dos Bombeiros de Chaves? A locomotiva (uma Ensechel E 224) parece estar decorada com elementos alusivos aos bombeiros. Se assim é, poderemos imaginar que tenha sido uma viagem especial, com programa fora do normal.

Uma certeza, talvez mesmo a única: os bombeiros da Régua foram recebidos com toda a pompa e entusiasmo pela população de Chaves. Com o respeito que se impunha, de estandarte bem erguido, os nossos bombeiros desfilaram garbosamente pelas ruas principais, exibindo à frente homens bem conhecidos, como Lourenço Medeiros, mais tarde comandante, e o destemido patrão Álvaro Rodrigues da Silva.
Há viagens de comboio que valem a pena.

Uma delas, se ainda fosse possível, seria a da Linha do Corgo. Quem a fez no tempo dos comboios a vapor, dos velhos “Texas”, como eram carinhosamente conhecidos, teve a última oportunidade de apreciar o percurso de uma das mais bonitas linhas de caminho-de-ferro do nosso país. O traçado entre Vila Real e Chaves encerrou em 1990, o troço entre Régua e Vila Real encontra-se encerrado, por tempo indefinido, desde 2009, para obras de melhoramento.

Os que adquiriram bilhete na estação da Régua para a viagem de 19 de Julho de 1925 fizeram, com certeza, uma viagem inesquecível.

Primeiro, um percurso panorâmico, ao longo de 25 km, da Régua a Vila Real, que serpenteia por entre vinhedos e nos permite a contemplação das águas do Corgo, a correr lá ao fundo do escarpado vale, depois a atracção dos cumes do Marão a encimar as penedias agrestes na linha do horizonte. Depois de Vila Real, onde normalmente a locomotiva se reabastecia de água e carvão, a paisagem completamente diferente da veiga e planalto de Vila Pouca de Aguiar, avistando-se, ao longe, as límpidas águas do Tâmega.

Sem atraso no horário, este comboio especial fez as paragens habituais nos apeadeiros e estações mais importantes. Conhecedor experiente da arquitectura sinuosa da linha, o maquinista aportou “à tabela” à estação de Vidago. Em obediência às instruções do chefe da estação, parou o comboio em linha de estacionamento, como procurasse um tempo perdido, marcado pelo fascínio de uma nova época.

Antes, o comboio tinha feito uma breve pausa no apeadeiro de Zimão. Alguém mais crente no divino recordou a bondade do padre Manuel do Couto, admirado pelo povo da sua humilde terra natal de Telões.

Este missionário distinguia-se pelo atendimento em confissão de quantos a ele recorriam, pelo amor à escrita, pela paixão pelo bem e, muitas vezes, passavam pela sua pessoa maravilhosos e inexplicáveis milagres. Ouviam-se contar relatos dos seus milagres, no meio dos ruídos da composição em andamento, só possíveis num homem, como ele, a caminho da santidade: "O Padre Manuel ia muito prós lados de Chaves pregar. Ia quase sempre numa mula. Mas um dia, não sei porque razão (talvez a mula estivesse doente), resolveu apanhar o comboio na estação de Zimão. Como não tinha dinheiro para o bilhete ( andava sempre sem dinheiro, apesar da família ser rica), o revisor obrigou-o a sair, já ele estava sentado, dentro do comboio. O Padre Manuel, como era obediente, saiu logo para fora. Mas, mal pôs os pés no chão, a máquina deixou de trabalhar. As pessoas que estavam na estação e dentro das carruagens ficaram pasmadas e meio assustadas. Foi então que o Padre Manuel disse ao revisor: Ou me deixais entrar, ou o comboio não sairá da Estação. O revisor olhou para o chefe da estação e para o maquinista. Estavam sem pinta de sangue. O chefe da estação não esperou nem mais um segundo e deu ordem para o Padre Manuel entrar no comboio. O que se segue é que, mal ele pôs os pés na escada do vagão, o comboio começou logo a andar" (texto retirado do http://paradadocorgo.blogs.sapo.pt/).
Na estação de Vidago, a locomotiva parava para um descanso e o maquinista procedia a afinações. Como havia tempo de sobra, os bombeiros, na companhia de ilustres elementos da comitiva, que seguiam nas carruagens de 2ª classe, aproveitaram a frescura do dia para folgarem. Nas redondezas encontraram uma casa de pasto que lhes serviu um delicioso bacalhau frito e um vinho branco à maneira. Saíram acompanhados do fotógrafo de serviço, que não se esqueceu de fotografar a locomotiva, festivamente adornada com ramos de árvores e duas bandeiras, a ganhar fôlego para o resto da viagem. Como estava sol, desceram a alameda ladeada de plátanos até à entrada do majestoso Palace Hotel, único na beleza da sua fachada principal, deslumbravam-se com o parque de vegetação abundante. Ao lado, ficava a estância termal, apreciada pelos poderes curativos das suas águas, bem frequentada de aquistas metódicos nos tratamentos diários e movimentada de turistas do entardecer, perdidos na sombra e na frescura dos arvoredos.

O ambiente romântico do lugar inspirou a veia poética dos mais sensíveis, donde nasceram quadras de amor dedicados às namoradas. Desconheço se esses versos chegaram às mãos e ao coração das amadas, mas muitos anos mais tarde, alguém se encarregou de lhes desvendar a intimidade para todos nós, dando-se ao cuidado de os publicar nos jornais, hoje esquecidos.
O saudoso jornal dos bombeiros, “Vida por Vida”, foi o periódico escolhido por Horácio Moura Lopes, reguense por adopção, poeta sem livros editados, autor de escritos dispersos pelos jornais da época, para nos dar a conhecer o seu poema “A Luz Que Me Roubaste”:

“Não cesso de dizer a toda a gente
Que o fogo dos teus olhos me cegou:
Onde não me julgares, eu lá estou,
Ceguinho, com o meu bordão à frente.

Há preces em minha alma que pecou
Ao ver-te graciosa, docemente…
Em ti, o “não” fugiu e o “sim” não mente,
Entre nós a amizade já findou.

Não me escrevas, te peço, mais missivas
Para um cego as propostas são altivas.
Hoje, já não te devo interessar.
Mas, se por mim passares, tem cuidado…

A tua voz em timbre modulado
Pode bem minha luz recuperar!”

Como passageiro acidental desta viagem de comboio, fico maravilhado a reler os dois últimos versos, que revelam a pureza dos afectos do poeta à mulher. Emocionam-me como se eu pudesse sentir a sua dor antiga. O amor, sempre o amor, com as suas desilusões e as suas mágoas, tornam as pessoas mais frágeis.

Descubro, por mero acaso, que os versos do poeta Horácio Moura Lopes eram destinados a uma mulher de quem se apaixonou por toda a vida, até ao último dia. Deveria dizer melhor, a paixão mantêm-se na eternidade. Essa mulher acabou por ser muito importante na infância do autor destas linhas. Foi sua primeira professora. A Dona Esmeralda, como eu a conheci sempre, era uma educadora exigente, culta e rigorosa, que ensinou, numa velha escola primária, as primeiras letras e os caminhos da vida, começando por um lugar muito pequenino, como são as Caldas do Moledo.

Não podiam ficar mais tempo parados na estação de Vidago. Como a vida nunca pára, a viagem deste comboio tinha de continuar até ao destino, até à vila de Chaves, onde ia terminar em festa e em alegria. A distância a percorrer era ainda longa. Na marcha lenta do comboio, seriam precisas mais de duas horas de viagem e de conversas para o desembarque dos bombeiros e dos passageiros que os acompanhavam. Na gare da estação, mesmo antes de o fotógrafo fazer as imagens que iam ficar para a História, uma grande multidão de pessoas felizes havia de aguardar os forasteiros reguenses. Iriam viver um momento único, uma recepção de primeira, uma festa de esfuziante alegria, organizada para homenagear os heróicos bombeiros da Régua.
“Senhores passageiros, o comboio vai partir……” anuncia, em voz rouca e dolente, o chefe da estação de Vidago, aprumado num coçado fato cinzento, de apito e a bandeira de serviço na mão. Sente-se já o calor de um verão que se anuncia quente, a descer pelas montanhas verdejantes. A velha locomotiva dá o último silvo, deixando à sua volta uma negra nuvem de fumo e para trás a magia poética de um lugar eterno, onde havemos de regressar.

Com o comboio em movimento, aproveitemos esta vigem na linha do Corgo até ao fim, pela memória daqueles que tiveram o prazer de a fazer. Não tardará nada que este comboio chegue à estação Chaves. A partir desse momento, não deixem de continuar a sonhar porque a vida não será mais a mesma.

Afinal, nos nossos dias, não se pode repetir uma viagem de comboio na linha Corgo, como a que os bombeiros da Régua fizeram em 1925. Limitamo-nos a viajar nessas filigranas de carvão, pela linhas imaginárias da nostalgia, com a paragem nas estações e apeadeiros de memórias fugazes, percorrendo os lugares e as paisagens que, desde as nossas origens, fazem parte dos mapas da nossa geografia sentimental.
- Peso da Régua, Março de 2010, J A Almeida.
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Também pode ler aqui "Viagem Inesquecível a Chaves"
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VIAGEM INESQUECÍVEL A CHAVES

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Era uma vez um COMBOIO HISTÓRICO ?


Douro: CP põe em causa continuidade do Comboio Histórico
14:36 Quarta feira, 19 de outubro de 2011

Peso da Régua, 19 out (Lusa) -- A CP ameaça com o fim do Comboio Histórico no Douro caso não encontre parceiros para ajudar a financiar este serviço que, este ano, custou 150.000 euros, disse hoje à Agência Lusa fonte da empresa.
Durante o verão, a velha locomotiva a vapor percorreu os 46 quilómetros que separam o Peso da Régua do Tua (concelho de Carrazeda de Ansiães), numa viagem que tem como paisagem predominante o rio Douro, as vinhas que são Património Mundial da UNESCO e que atrai centenas de turistas a este território.
Ana Portela, diretora de Relações Institucionais e Comunicação da CP, referiu que é a empresa que suporta a totalidade do custo desta operação, incluindo o investimento na preparação do material circulante para cada campanha. A locomotiva a vapor, dadas as suas características, tem que ser objeto de uma intervenção de fundo todos os anos.
Fonte - "Expresso"

Comboio Histórico do Douro pode chegar ao fim

Por: Redacção / IPL  |  19- 10- 2011  15: 22
A CP, Comboios de Portugal, ameaça pôr fim ao Comboio Histórico no Douro caso não encontre parceiros para financiar o serviço que em 2011 custou 150 mil euros, avança a Lusa.

A directora de Relações Institucionais e Comunicação da CP, Ana Portela, indicou que é a empresa que suporta a totalidade do custo da actividade do comboio, incluindo o investimento na preparação do material circulante para cada campanha. A locomotiva a vapor tem de ser objecto de uma intervenção de fundo todos os anos e a sua continuidade está agora em causa. 

«Caso não exista possibilidade de o viabilizar, quer através de parcerias com instituições ligadas ao Turismo do Douro, quer através de entidades privadas, a CP não poderá continuar a suportar os prejuízos que dele decorrem», confessou Ana Portela. 

Durante o Verão, o Comboio Histórico percorreu os 46 quilómetros que separam o Peso da Régua do Tua (concelho de Carrazeda de Ansiães), numa viagem que tem como paisagem predominante o rio Douro, as vinhas que são Património Mundial da UNESCO e que atrai centenas de turistas a este território.

De acordo com Ana Portela, o resultado da exploração do comboio é negativo embora tenha apresentado uma significativa melhoria em 2011, cerca de 60 mil euros negativos, em comparação a 2010, 110 mil euros negativos.

Os novos números devem-se a um «enorme esforço que a empresa tem desenvolvido no sentido de procurar reduzir os custos associados, sem prejudicar a qualidade e atractividade do produto», referiu.

«Não é possível, nem racional, do ponto de vista da gestão, num cenário de redução de oferta a nível nacional de serviços de transporte às populações, suportar este nível de prejuízos num produto que não pode ser considerado como essencial à actividade da empresa, que é a de dar resposta às necessidades de mobilidade dos cidadãos, apesar de todo o seu valor patrimonial e histórico», frisou.

Em 2011, viajaram no comboio 2.270 pessoas, o que representa uma média de 206 passageiros por viagem (a capacidade total é de 250). Em 2010, viajaram 1.639 clientes.

O presidente da Câmara da Régua, Nuno Gonçalves, já lamentou o facto de se estar «a pôr em causa a continuidade» do Comboio Histórico, um serviço que diz que é «diferenciado» e que dá uma «importante capacidade de atractividade e de competitividade» à região.

«Era importante que alguém pudesse ver aqui uma actividade com retorno. O meu desejo é que alguém possa ver aí uma forma de intensificar a actividade que o comboio turístico tinha na região», confessou.
Fonte - TVI

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Retalhos da net: A desprezada, abandonada e vandalizada LINHA DO CORGO

Imagem "Estação de Vila Real" de "Aventar". Clique para ampliar.
In Notícias de Vila Real - 22/08/2012 - A Linha do Corgo, que durante anos fez a ligação entre a Régua e Chaves, foi encerrada. Caminhos-de-ferro, estações e todas as infra-estruturas de apoio estão agora deixadas ao abandono. Em Vila Real, o cenário é igual a tantos outros, mas agora chegou a vez de esta estação ser vandalizada.

A degradação abunda quando num acto de recordar se caminha junto àquilo que em tempos foram os carris que diariamente transportava pessoas, animais e bens. As linhas dos caminhos-de-ferro foram o motor de desenvolvimento para aldeias mais recônditas, foram o que as tirou do isolamento e permitiu às populações saírem de suas casas e conhecerem o “mundo”. Agora e em pleno século XXI muitas dessas aldeias, em tempos isoladas mas que com os caminhos-de-ferro passaram a ter vida, voltaram agora a ficar como estavam há muitos anos atrás. 

Mas se o isolamento dos mais desfavorecidos pouco importa aos sucessivos governos, pelo menos devia interessar-lhes o património e os anos de investimento que agora foram deixados ao abandono. 

A Estação dos Caminhos de Ferro de Vila Real situa-se numa zona bastante movimentada da cidade. Uma zona apetecida e com valor histórico, mas nem isso impediu que as suas janelas e portas fossem arrombadas e partidas, num acto de vandalismo em que a destruição por puro prazer nos parece a única motivação. 

O centenário edifício da estação está entregue a uma associação cujo fim é o turismo, no entanto, e ao que pudemos verificar no local, o que por lá acontece é tudo menos turístico.

Problema levantado em assembleia
Na penúltima edição da Assembleia Municipal de Vila Real, um deputado do Partido Social Democrata (PSD) e outro do Bloco de Esquerda (BE) levantaram a questão do abandono a que a estação estava sujeita. Já na altura, há cerca de três meses, estes dois deputados temiam pela segurança da estação. Sem nada ser feito, o pior veio mesmo acontecer. 

As portas e janelas que estão voltadas para a antiga linha estão destruídas, fechaduras arrombadas, vidros partidos. A instalação eléctrica foi, na sua maioria, destruída ou roubada, e agora Joaquim Barreira Gonçalves, deputado da assembleia e Chefe de Divisão da Cultura e Turismo da autarquia, que alertou para esta questão, teme “que haja um incêndio que destrua a infra-estrutura”. 

As preocupações do deputado vão mais longe. Em declarações ao NVR, o responsável referiu que nas instalações encontra-se “material considerado museológico, como um armário que pertenceu ao chefe da estação, e que facilmente pode ser roubado ou destruído”.

Na altura da penúltima assembleia, os deputados reivindicaram tomadas de posição para que a Estação fosse recuperada, mas nada foi feito. No entanto, Barreira Gonçalves, reforçou essa tomada de posição: “devem ser tomadas atitudes para que a estação seja recuperada. Ela está em boas condições”, deixando ainda em cima da mesa um dos possíveis destinos para o edifício devoluto: “podia ser alvitrada para a estação de camionagem, visto que na zona dos carris existe imenso espaço para os autocarros”, disse. 

Por agora, e sem solução à vista, resta esperar que os actos de vandalismo não continuem a destruir o património vila-realense, e que uma resposta a este problema chegue rapidamente. 
- Sara Alves

Vídeo da Linha do Corgo. Viagem numa automotora de série 9500 da CP, numa manhã de Primavera, entre a Régua e Vila Real.
  • Sobre comboios neste blogue !
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Permitidos copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue somente com a citação da origem/autores/créditos. 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Era uma vez um COMBOIO HISTÓRICO ? A desprezada LINHA DO CORGO

Se você já construiu castelos no ar, não tenha vergonha deles. Estão onde devem estar. Agora, dê-lhes alicerces.Henry David Thoreau
Imagem original daqui - Mais sobre a Linha do Corgo neste blogue
Segundo a Wikipédia, "a Linha do Corgo é uma linha de caminho-de-ferro desactivada, que unia as localidades de Chaves e Régua, em Portugal; foi inaugurada em 1 de Abril de 1910, com a chegada do comboio a Vila Real, e concluída a 28 de Agosto de 1921, com a chegada a Chaves.
Clique nas imagens acima para ampliar
Carta Aberta: Hipocrisia do Conselho de Administração da CP
Fui recentemente confrontado, não sem algum choque, pesem embora anos de experiência como utente e como cidadão a respeito do modus operandi da CP, com uma notícia que dava conta da tentativa desta – galantemente gorada – em vender o Comboio Histórico de Via Estreita do Corgo para um qualquer museu no estrangeiro. Jacques Daffis, Vice-presidente da FEDECRAIL (Federação Europeia das Associações de Caminhos-de-Ferro Turísticos), com o qual tive já o prazer de trocar algumas impressões sobre a Linha do Tua, foi responsável por indagar junto do próprio Museu Ferroviário Nacional se este tinha conhecimento da tentativa trapalhona de venda da CP deste material único, os quais, mesmo apesar de terem interposto um pedido de cedência deste material, não haviam sido informados. Segundo o próprio, “Essa proposta pareceu-nos escandalosa, porque o material em via métrica português é raro e é uma composição que está em bom estado“. Ao que se apurou, uma porta-voz da CP terá tentado justificar esta trapalhada da seguinte forma: “Podendo haver interesse por alguma companhia ferroviária na sua colocação ao serviço para fins turísticos, a CP fez uma primeira auscultação do mercado para verificar a existência de eventuais interessados”. E é aqui que eu entro: tem graça, a mim ninguém me perguntou nada. À margem da minha actividade no Movimento Cívico pela Linha do Tua, do qual sou co-fundador, participei na 1ª edição do concurso nacional de empreendedorismo denominado “Realiza o teu Sonho”, da autoria e responsabilidade da associação Acredita Portugal. O projecto que levei a concurso teve o sugestivo nome de “Turismo Ferroviário na Linha do Tua”, e ficou em 3º lugar, entre centenas de projectos admitidos a concurso (vide http://www.acreditaportugal.pt/realiza-o-teu-sonho1/sumario-dos-projectos.php). Após receber o galardão em Julho de 2010, indaguei imediatamente o Conselho de Administração (CA) da CP sobre a sua disponibilidade e amabilidade em me receberem em reunião, para lhes poder ser apresentado o meu projecto, uma vez que tinha como ponto fulcral a cedência ou venda do mesmíssimo material histórico de que estamos a tratar nesta carta. Em correio electrónico de 1 de Outubro desse ano, a secretária do Vogal Dr. Nuno Moreira, do CA da CP, fazia-me chegar a deliberação deste membro da cúpula da arruinada empresa pública: Como é do seu conhecimento a Linha do Tua encontra-se interdita à circulação ferroviária. Nesse contexto, o projecto apresentado de exploração do comboio a vapor de via estreita na referida linha é inviável enquanto se mantiverem as actuais restrições, que, sendo alteradas, permitirão uma reavaliação do projecto. Não contente com esta desculpa esfarrapada, remeti novo pedido de audiência a 3 de Março de 2011, do qual não obtive ainda qualquer resposta. Como noticiou e muito bem o jornalista autor da peça pela qual soube desta ignomínia, só na França, Reino Unido e Alemanha, o turismo ferroviário emprega quase quatro mil pessoas, e rende anualmente 174 milhões de euros, por vezes em vias-férreas recuperadas de décadas de ruína com a ajuda de mão-de-obra voluntária. Convém ainda referir que algumas destas jóias industriais, paisagísticas e humanas, desenrolam-se em traçados de distância inferior a 16 km, que é aquela de que a Linha do Tua dispõe actualmente para circulações ferroviárias, entre o Cachão e Carvalhais, fora os 20 km entre a Brunheda e o Cachão – à espera de uma decisão advinda da barragem do Tua – e os 76 km amputados entre Carvalhais e Bragança em 1992, que incluem por exemplo o cume ferroviário português em Santa Comba de Rossas. Portugal possui 2 serviços turísticos ferroviários apenas, ambos no troço Régua – Pocinho, o mais ameaçado de extermínio na Linha do Douro. Entre os países francófonos da Europa, são 70 as empresas de exploração ferroviária turística, e na Espanha só a FEVE – maior operadora de Via Estreita do país de nuestros hermanos – conta com quase 10 destes serviços, de entre os quais 2 são comboios de luxo com programas de uma semana inteira. No País de Gales, o pequeno/grande projecto e exemplo de empreendedorismo e civismo da Welsh Highland Railway foi responsável por recuperar uma Via Estreita cuja linha há décadas havia desaparecido, graças a apoios comunitários, mas também a mecenas e voluntários de todos os quadrantes sociais; emprega 65 funcionários, gera anualmente 15 milhões de libras esterlinas de receitas para a economia local, e criou 350 postos de trabalho indirectos na região. A sua extensão é de 40 km – da Brunheda a Carvalhais, na Linha do Tua, são 37 km. No País Basco, existe uma automotora Allan em exibição que circulou anos a fio nas Linhas do Tua e do Vouga, para além de uma locomotiva a vapor que faz serviços turísticos, gratificantemente apelidada de “Portuguesa”; na Suíça, o comboio histórico do Vale do Jura circula com outra locomotiva a vapor que cruzou a orografia trasmontana décadas a fio; nos Andes, as “Xepas” – automotoras que serviram nas Linhas do Tua e do Corgo – escalam montanhas de emoções únicas; na África subsaariana, as mais potentes locomotivas diesel de Via Estreita que circularam em Portugal (1.000 cavalos de potência), sendo a Linha do Tua a última via que serviram, rebocam pobres carruagens apinhadas de gente; recentemente, outra locomotiva a vapor de Via Estreita foi desmantelada e levada do Pocinho para a Alemanha para restauro, enquanto as fantásticas carruagens italianas “Napolitanas” apodrecem com displicência no Tua, e o museu ferroviário de Bragança segue com mais de 10 anos de encerramento. Na qualidade de cidadão português trapaceado e negligenciado por um Conselho de Administração que esbanja nesciamente todos os anos o meu dinheiro de impostos, e que prefere ver material histórico ferroviário de Via Estreita exposto em museus estrangeiros, a rebocar comboios turísticos ou de passageiros no estrangeiro, ou a apodrecer e a cair aos pedaços em linhas de resguardo ou escondidos da vista em cocheiras espalhadas pelo país a fora, venho por este meio exigir uma satisfação. De quem, tanto faz, desde que tenha a vergonha e a decência de dar a cara por 30 anos de extermínio e escárnio do nosso património ferroviário de Via Estreita PORTUGUÊS, e explicar como é que é possível que certos gestores e governantes clamem por iniciativas privadas, quando ao mesmo tempo tecem todos os esforços e ardis por castrar todas elas sem um pingo de decência, honra patriótica, ou pura e simples vergonha na cara.
Mirandela, 12 de Janeiro de 2012
Daniel Conde
(MCLC)

Linha do Corgo - Documentário realizado pela BBC no ano de 1962. 

sábado, 9 de junho de 2012

E por falar em comboios... Uma maravilhosa viagem na Linha do Corgo

Para quem gosta de viajar no tempo, deixo o extracto de um texto de 1909, de Domingos Ramos, publicado na “Ilustração Transmontana”, que nos descreve uma maravilhosa viagem na Linha do Corgo:

“…Quem desembarca na Regoa e entra no comboio para as Pedras Salgadas, ao começar a subir as alterosas ravinas que o Corgo sulcou experimenta uma sensação de bem-estar, de admiração e alegria que lhe suggestiona qualquer coisa nova e inesperada. O comboio, n'um balouçar que tem o seu quê de berço, embala a gente sem o sentir e lá vae perfurando panoramas cada vez mais diversos e mais bellos. Aqui apparece-nos a graça gentil d'uma horta viridente, acolá a severidade de lombas elevadas, pináculos agudíssimos;  aquilo que a phylloxera não devastou e queimou como raio e a coragem e o aprumo do proprietário ressuscitou, apresenta-se-nos em amphitheatros, que outr'ora tanta riqueza demonstrava; a imponência dos castanheiros, o avelludado dos pinheiros, o rendilhado dos sabugueiros e o assetinado do amaldiçoado tabaco vêem substituir na rapidez do caminhar aquela magica cultura, para nos surgir ao collear um meandro do rio.
Os casaes alvejam ao sol, e os campanários das freguezias, uns no alto dos outeiros e outros no fundo dos valles, parecem ao longe bandos de pombas espavoridas pelo silvo da machina.
Chega-se a Carrazedo e alli a visualidade é de mágica thetral: não nos parece real o que vêmos, mas sim um sonho! Parado na gare, o comboio espera pelo descendente; ei-lo que foge por sobre a nossa cabeça e precipita-se, desgrenhando a pluma de fumo sobre aquelle que o espera; de repente esconde-se, reapparece, descendo sempre até que se approximam.
Prosegue-se em direcção a Villa Real… faltam minutos para a vermos.

Ninguém, por mais força imaginativa de que disponha, é capaz de affirmar que não excedeu toda a sua expectativa o maravilhoso sonho que vê realizado.

É impossível descrever-se.

Gaba-se o céu de Itália, especialmente o de Capri, porque imprime à paisagem um tom de lilaz em todo o ambiente; pois ao vislumbrar  a casaria, amparada pela magestade do Marão, se o Sol bate em cheio no kaleidoscópio da vila, parece-nos tudo banhado em cor de rosa a evaporar-se deante de nós.
É ampla a entrada para a villa pela Avenida do Caminho de Ferro.
Lá em baixo o Corgo ferve por entre as penedias e lá vae até ao Douro… …”.
- Domingos Ramos, “Ilustração Transmontana”, 1909

Clique nas imagem para ampliar. Sugestão de texto e imagens de JASA (José Alfredo Almeida) para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Retalhos da net: Luz - Da Régua ao Pocinho


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Blogue "Jacarandá" - DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012

Na linha de caminho-de-ferro, da Régua para o Pocinho. Nesta última estação, o caminho-de-ferro termina. Já não vai até Barca d’Alva, muito menos até Espanha. É a Linha do Norte, que começa no Porto, em S. Bento ou na Campanhã, e ia até Espanha, recebendo ainda passageiros das linhas “afluentes” do Tâmega, do Corgo, do Tua e do Sabor, todas fechadas, condenadas, abandonadas e destruídas. É uma das mais belas linhas de comboio do mundo, com dezenas de quilómetros à beira do Douro, por vezes a meia dúzia de degraus ou poucos metros do rio. Traçada entre vales e vinhas, serviu, durante um século, gente e mercadoria e sobretudo vinho e materiais para a vinha. Afastou os barcos rabelos, foi afastada pelos camiões e pela estrada. Em qualquer parte do mundo, pelo menos nos países civilizados onde houvesse linhas de caminho-de-ferro como estas, sobretudo as do Douro e do Tua, tudo seria feito, em nome da cultura, da qualidade de vida, do turismo decente, da história, da decência, do ambiente e da estética, para que fossem preservadas. Não é assim entre nós! Triste sina!
  • Sobre comboios do DOURO (neste blogue)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Recortes da net: Era uma vez um COMBOIO HISTÓRICO ? - A Linha do Tua

Do Blog "Memórias... e outras coisas... BRAGANÇA" - Filme documentário de Jorge Pelicano sobre a linha do Tua.

«Pare, escute, olhe» é um filme documentário de Jorge Pelicano sobre a linha do Tua, cuja antestreia ocorreu em Mirandela a que assistimos. Foi vencedor de sete prémios nacionais e está disponível em DVD de 30 minutos, mas tem gravações de duas horas.

O guião pega na causa da linha do TUA, em que se retrata bem alguns políticos troca-tintas. Começa na grande manifestação de 1992 com a supressão do comboio entre Mirandela e Bragança, para desembocar na grande barragem do Tua. Esta poderia ser desdobrada em duas ou três e poupava-se a jóia da engenharia ferroviária portuguesa do século XIX, com um potencial de desenvolvimento imenso que seria posto a render em qualquer país desenvolvido.

Pelo que se tem divulgado Mirandela com este filme seria de inteira justiça que a Assembleia Municipal de Mirandela, registasse para o Jorge Pelicano um «Muito Obrigado».

A mítica linha, em bitola reduzida, e o comboio quase faziam parar o relógio do tempo. Neste momento, era importante registar no terreno a sua memória, pelo que desafiamos os municípios ribeirinhos (Mirandela, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, Murça e Alijó) a traçarem um «trilho pedestre Linha do Tua» intermunicipal (também para BTT).

Sugerimos, ainda, ao Município de Mirandela que faça um núcleo museológico da linha do Tua, com um misto de espólio de material ferroviário, fotografias antigas e com suporte digital. Ao museu poder-se-ia chamar «Memória das Terras de Mirandela».
- Por: Jorge Lage, in jornal.netbila.net
Publicada por Hengerinaques em Terça-feira, Novembro 06, 2012
"Pare, Escute, Olhe" de Jorge Pelicano, vencedor de 7 prémios nacionais, incluindo Melhor Documentário Português no DocLisboa 09, agora numa edição dupla de DVD. Mais de duas horas de extras, onde se inclui imagens antigas da linha ferroviária do Tua, mini-documentários sobre a ferrovia, making of, banda sonora original, fotos, entre outros.
- Disponível para venda na FNAC, El Corte Inglês e em http://coagret.wordpress.com/
  • Alguns post's neste blogue sobre os históricos e tradicionais comboios do Douro em vias de desaparecerem.
Clique na imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2012. Transcrição do Blog "Memórias... e outras coisas... BRAGANÇA". Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.  

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A CHEIA DE 1909

Por António Guedes*


Tinha eu 15 anos.

Mas evoco essa tragé­dia com a mesma exactidão, a mesma nitidez e veracidade como se ela tivesse ocorrido há dois ou três dias.

Decorria um inverno inclemente, chuvoso e frio. 

A água caía a cântaros, noite e dia, sem interrupção, sem a mais pequena “aberta”, já desde meados de Outubro.

Rios e ribeiros transbordaram e lameiros transformaram-se em verdadeiros e perigosos lagos de água barrenta.

Os jornaleiros, que há já mui­tas semanas não podiam tra­balhar, devido ao mau tempo, vieram para a rua, com as suas mulheres e filhos, estender a mão à caridade pública. Era um qua­dro negro e horrível, de miséria e fome, que nos comovia, con­frangendo-nos a alma e humede­cendo-nos os olhos.

Da Barca d'Alva chegavam continuamente notícias alarman­tes, aterradoras, acerca da espec­tacular subida do rio Douro, e na margem ribeirinha todos os habitantes trataram de levar para lo­cal acautelado os seus modestos' haveres. Mas não tiveram tem­po de retirar tudo porque o rio, numa arrancada súbita, tudo invadiu, instalando-se na Avenida João Franco, onde estacionou cerca de vinte e quatro horas, como que a restaurar as forças para nova e mais terrível e pavorosa arrancada.

E assim foi, de facto.

A sua subida rápida veio esta­belecer a confusão e o pavor na tarde do dia vinte e quatro de Dezembro, véspera de Natal. 

Nessa tarde, numa inesperada galopada, inundou totalmente a rua da Ferreirinha, (na qual se situavam os principais estabelecimentos de mercearia, que pouco, ou nada puderam salvar) a rua João de Lemos, até ao local onde agora existem umas escadas que dão acesso ao Adro do Cruzeiro, a rua da Companhia, até ao primeiro degrau do páteo da casa, da Companhia Velha, e parte das ruas da Alegria, Primeiro de Dezembro, etc.


O rio estava um verdadeiro oceano, inchado como uma jibóia e com uma corrente rapidíssima, arrastando árvores, telhados de pequenas casas, pipas, utensílios de armazém, peças de mobília, etc. As laranjas boia­vam aos milhares, e até uma junta de bois, certamente já mortos, seguiam na veloz caminhada da corrente impetuosa do Douro enfurecido.

Tinha meu pai nessa época um jornal intitulado O Dissidente no qual, muito novo, comecei a rabiscar uns artiguelhos, e cuja redacção estava instalada em parte do primeiro andar de um prédio que ainda possuímos na rua Marquês de Pombal, na­quele tempo denominada rua da Companhia. O rio avançava velozmente, tendo, junto à noite, atingindo os primeiros degraus desse prédio.

Chamaram-se a pressa os tipó­grafo, um dos quais era o bom e falecido Teixeirinha,  e, começamos a mudar, a toda a pressa, para o segundo andar, os caixo­tins dos vários tipos, papel, tin­ta, e tudo aquilo que se relacio­nasse com o jornal. Apenas dei­xamos ficar o prelo.

Quando esse serviço se termi­nou, já com água quase pelo joe­lho, subimos para o segundo andar e meu pai que como nós, tomara apenas o pequeno almoço, conseguiu encontrar a lata em que minha mãe guardava o pão e da qual, devido à precipitação da fuga, nem sequer se lembrara. Abençoado esquecimento! 

A seguir encontramos um pequeno barril de escabeche e um saco com figos secos.


Depois destes preciosos acha­dos, resolvemos comer.

Abatidos e encharcados, lá nos sentamos.

Nunca me esqueci dessa ceia: pão com enguias de escabeche e, como sobremesa, figos secos e dois cálices de vinho do Porto.

Minha mãe, minha avó paterna e meu irmão Camilo, ao tempo um rapazinho, refugiaram­-se em casa de meu tio Afonso Soares, que a pôs inteiramente à nossa disposição e que tinha uma entrada também pelo adro do Cruzeiro. Para lá já havia sido transportado meu irmão Jaime, que se encontrava gravemente doente.          

Às quatro horas da manhã um barco, levando a bordo o Presidente da Câmara, Doutor Júlio de Carvalho Vasques e um piquete dos bombeiros, sob o comando do velho chefe Joaquim Maria Leite, lançaram uma escada “crochet” (de ganchos) à sacada da casa e por ela descemos para o barco salvador.

Mas os maus dias continuaram e até se agravaram, devido à absoluta falta de géneros alimen­tícios. Durante dois ou três dias fomos forçados a seguir o regímen vegetariano...

As estradas encontravam-se completamente intransitáveis, de­vido aos enormes desmoronamen­tos de trincheiras e pelo mesmo motivo os comboios que partiam do Porto só chegavam a Mosteirô.

E houve, então, criaturas sem escrúpulos ou compaixão que, à custa da miséria alheia, iam adquirir géneros não sei aonde e vendiam-nos aos infelizes desalo­jados com uma margem de lu­cro de 300% e por vezes até mais, amealhando, com esse chorudo e infame negócio importantes quantias. Que maldita corja!


E toda esta tremenda tragédia, de que também fui vítima, conservo-a tão fixamente gravada na retina e na alma que, por muito que viva, nunca a poderei esquecer.     

* Antigo Chefe dos Bombeiros da Régua
  
NOTAS:

1- Esta crónica de memórias, sobre a cheia de 1909, está publicada no jornal O Arrais. 
2- A fotografia recente é do fotógrafo Miguel Guedes e assinala a  casa sita na Rua da Ferreirinha, na cidade da Régua, onde está colocada uma placa, a marcar o nível que atingiram as águas do rio Douro.
3- Como esta crónica evoca do trabalhos de alguns dos bombeiros da Régua, desse tempo, o retrato que está guardado mo museu da Associação, apresenta o Chefe José Maria Leite, um dos bombeiros fundadores, que comandou essas operações de socorro, na cheia de 1909.  

- Colaboração de J. A. Almeida para "Escritos do Douro" em Janeiro de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar. 

Jornal "O Arrais", Sexta-Feira, 21de Janeiro de 2011
A cheia de 1909
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Cheia de 1909 - Peso da Régua