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quinta-feira, 8 de maio de 2014

Viagem Inesquecível a Chaves

Esta viagem de comboio, na linha do Corgo, foi há mais de 85 anos…!

Poderia ter sido mais uma, igual a muitas outras, que se fizeram nessa magnifica linha de caminho-de-ferro, mas esta deve ter sido bem diferente. Se bem que não se conheçam os motivos que terão levado os bombeiros da Régua, acompanhados de uma grande comitiva, de irem a Chaves, essa viagem não ficou esquecida no tempo.

Alguém se lembrou de registar os pormenores mais significativos dessa “Excursão à vila de Chaves, promovida pelos bombeiros voluntários da Régua, no dia 19 de Julho de 1925”. Com a intenção de informar a posteridade, ainda escreveu aquela única mensagem numa folha, onde arquivou as melhores cinco fotografias, inesquecíveis tanto para eles como para nós, agora.

Não sabemos com que finalidade os bombeiros da Régua promoveram esta excursão a Chaves. Agradecemos que alguém nos ajude, se para tanto dispuser de elementos capazes. Terá sido uma vigem de lazer? Uma viagem de cortesia à associação flaviense congénere? Quem eram as pessoas que os receberam na estação? Que foram festejar? Um aniversário dos bombeiros de Chaves? Uma inauguração de novo quartel ou de outro melhoramento? Parece haver um segundo estandarte para além do dos Bombeiros da Régua, mas será dos Bombeiros de Chaves? A locomotiva (uma Ensechel E 224) parece estar decorada com elementos alusivos aos bombeiros. Se assim é, poderemos imaginar que tenha sido uma viagem especial, com programa fora do normal.

Uma certeza, talvez mesmo a única: os bombeiros da Régua foram recebidos com toda a pompa e entusiasmo pela população de Chaves. Com o respeito que se impunha, de estandarte bem erguido, os nossos bombeiros desfilaram garbosamente pelas ruas principais, exibindo à frente homens bem conhecidos, como Lourenço Medeiros, mais tarde comandante, e o destemido patrão Álvaro Rodrigues da Silva.
Há viagens de comboio que valem a pena.

Uma delas, se ainda fosse possível, seria a da Linha do Corgo. Quem a fez no tempo dos comboios a vapor, dos velhos “Texas”, como eram carinhosamente conhecidos, teve a última oportunidade de apreciar o percurso de uma das mais bonitas linhas de caminho-de-ferro do nosso país. O traçado entre Vila Real e Chaves encerrou em 1990, o troço entre Régua e Vila Real encontra-se encerrado, por tempo indefinido, desde 2009, para obras de melhoramento.

Os que adquiriram bilhete na estação da Régua para a viagem de 19 de Julho de 1925 fizeram, com certeza, uma viagem inesquecível.

Primeiro, um percurso panorâmico, ao longo de 25 km, da Régua a Vila Real, que serpenteia por entre vinhedos e nos permite a contemplação das águas do Corgo, a correr lá ao fundo do escarpado vale, depois a atracção dos cumes do Marão a encimar as penedias agrestes na linha do horizonte. Depois de Vila Real, onde normalmente a locomotiva se reabastecia de água e carvão, a paisagem completamente diferente da veiga e planalto de Vila Pouca de Aguiar, avistando-se, ao longe, as límpidas águas do Tâmega.

Sem atraso no horário, este comboio especial fez as paragens habituais nos apeadeiros e estações mais importantes. Conhecedor experiente da arquitectura sinuosa da linha, o maquinista aportou “à tabela” à estação de Vidago. Em obediência às instruções do chefe da estação, parou o comboio em linha de estacionamento, como procurasse um tempo perdido, marcado pelo fascínio de uma nova época.

Antes, o comboio tinha feito uma breve pausa no apeadeiro de Zimão. Alguém mais crente no divino recordou a bondade do padre Manuel do Couto, admirado pelo povo da sua humilde terra natal de Telões.

Este missionário distinguia-se pelo atendimento em confissão de quantos a ele recorriam, pelo amor à escrita, pela paixão pelo bem e, muitas vezes, passavam pela sua pessoa maravilhosos e inexplicáveis milagres. Ouviam-se contar relatos dos seus milagres, no meio dos ruídos da composição em andamento, só possíveis num homem, como ele, a caminho da santidade: "O Padre Manuel ia muito prós lados de Chaves pregar. Ia quase sempre numa mula. Mas um dia, não sei porque razão (talvez a mula estivesse doente), resolveu apanhar o comboio na estação de Zimão. Como não tinha dinheiro para o bilhete ( andava sempre sem dinheiro, apesar da família ser rica), o revisor obrigou-o a sair, já ele estava sentado, dentro do comboio. O Padre Manuel, como era obediente, saiu logo para fora. Mas, mal pôs os pés no chão, a máquina deixou de trabalhar. As pessoas que estavam na estação e dentro das carruagens ficaram pasmadas e meio assustadas. Foi então que o Padre Manuel disse ao revisor: Ou me deixais entrar, ou o comboio não sairá da Estação. O revisor olhou para o chefe da estação e para o maquinista. Estavam sem pinta de sangue. O chefe da estação não esperou nem mais um segundo e deu ordem para o Padre Manuel entrar no comboio. O que se segue é que, mal ele pôs os pés na escada do vagão, o comboio começou logo a andar" (texto retirado do http://paradadocorgo.blogs.sapo.pt/).
Na estação de Vidago, a locomotiva parava para um descanso e o maquinista procedia a afinações. Como havia tempo de sobra, os bombeiros, na companhia de ilustres elementos da comitiva, que seguiam nas carruagens de 2ª classe, aproveitaram a frescura do dia para folgarem. Nas redondezas encontraram uma casa de pasto que lhes serviu um delicioso bacalhau frito e um vinho branco à maneira. Saíram acompanhados do fotógrafo de serviço, que não se esqueceu de fotografar a locomotiva, festivamente adornada com ramos de árvores e duas bandeiras, a ganhar fôlego para o resto da viagem. Como estava sol, desceram a alameda ladeada de plátanos até à entrada do majestoso Palace Hotel, único na beleza da sua fachada principal, deslumbravam-se com o parque de vegetação abundante. Ao lado, ficava a estância termal, apreciada pelos poderes curativos das suas águas, bem frequentada de aquistas metódicos nos tratamentos diários e movimentada de turistas do entardecer, perdidos na sombra e na frescura dos arvoredos.

O ambiente romântico do lugar inspirou a veia poética dos mais sensíveis, donde nasceram quadras de amor dedicados às namoradas. Desconheço se esses versos chegaram às mãos e ao coração das amadas, mas muitos anos mais tarde, alguém se encarregou de lhes desvendar a intimidade para todos nós, dando-se ao cuidado de os publicar nos jornais, hoje esquecidos.
O saudoso jornal dos bombeiros, “Vida por Vida”, foi o periódico escolhido por Horácio Moura Lopes, reguense por adopção, poeta sem livros editados, autor de escritos dispersos pelos jornais da época, para nos dar a conhecer o seu poema “A Luz Que Me Roubaste”:

“Não cesso de dizer a toda a gente
Que o fogo dos teus olhos me cegou:
Onde não me julgares, eu lá estou,
Ceguinho, com o meu bordão à frente.

Há preces em minha alma que pecou
Ao ver-te graciosa, docemente…
Em ti, o “não” fugiu e o “sim” não mente,
Entre nós a amizade já findou.

Não me escrevas, te peço, mais missivas
Para um cego as propostas são altivas.
Hoje, já não te devo interessar.
Mas, se por mim passares, tem cuidado…

A tua voz em timbre modulado
Pode bem minha luz recuperar!”

Como passageiro acidental desta viagem de comboio, fico maravilhado a reler os dois últimos versos, que revelam a pureza dos afectos do poeta à mulher. Emocionam-me como se eu pudesse sentir a sua dor antiga. O amor, sempre o amor, com as suas desilusões e as suas mágoas, tornam as pessoas mais frágeis.

Descubro, por mero acaso, que os versos do poeta Horácio Moura Lopes eram destinados a uma mulher de quem se apaixonou por toda a vida, até ao último dia. Deveria dizer melhor, a paixão mantêm-se na eternidade. Essa mulher acabou por ser muito importante na infância do autor destas linhas. Foi sua primeira professora. A Dona Esmeralda, como eu a conheci sempre, era uma educadora exigente, culta e rigorosa, que ensinou, numa velha escola primária, as primeiras letras e os caminhos da vida, começando por um lugar muito pequenino, como são as Caldas do Moledo.

Não podiam ficar mais tempo parados na estação de Vidago. Como a vida nunca pára, a viagem deste comboio tinha de continuar até ao destino, até à vila de Chaves, onde ia terminar em festa e em alegria. A distância a percorrer era ainda longa. Na marcha lenta do comboio, seriam precisas mais de duas horas de viagem e de conversas para o desembarque dos bombeiros e dos passageiros que os acompanhavam. Na gare da estação, mesmo antes de o fotógrafo fazer as imagens que iam ficar para a História, uma grande multidão de pessoas felizes havia de aguardar os forasteiros reguenses. Iriam viver um momento único, uma recepção de primeira, uma festa de esfuziante alegria, organizada para homenagear os heróicos bombeiros da Régua.
“Senhores passageiros, o comboio vai partir……” anuncia, em voz rouca e dolente, o chefe da estação de Vidago, aprumado num coçado fato cinzento, de apito e a bandeira de serviço na mão. Sente-se já o calor de um verão que se anuncia quente, a descer pelas montanhas verdejantes. A velha locomotiva dá o último silvo, deixando à sua volta uma negra nuvem de fumo e para trás a magia poética de um lugar eterno, onde havemos de regressar.

Com o comboio em movimento, aproveitemos esta vigem na linha do Corgo até ao fim, pela memória daqueles que tiveram o prazer de a fazer. Não tardará nada que este comboio chegue à estação Chaves. A partir desse momento, não deixem de continuar a sonhar porque a vida não será mais a mesma.

Afinal, nos nossos dias, não se pode repetir uma viagem de comboio na linha Corgo, como a que os bombeiros da Régua fizeram em 1925. Limitamo-nos a viajar nessas filigranas de carvão, pela linhas imaginárias da nostalgia, com a paragem nas estações e apeadeiros de memórias fugazes, percorrendo os lugares e as paisagens que, desde as nossas origens, fazem parte dos mapas da nossa geografia sentimental.
- Peso da Régua, Março de 2010, J A Almeida.
(Clique nas imagens acima para ampliar)
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Também pode ler aqui "Viagem Inesquecível a Chaves"
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
VIAGEM INESQUECÍVEL A CHAVES

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A CHEIA DO RIO DOURO DE 1962

Uma bela imagem da grande cheia do rio Douro de 1962 nas principais ruas da cidade de Peso da Régua.

Nela se nota a grandeza e a intensidade desta cheia ao verem-se dois barcos a “navegar” no conhecido “Passeio Alto”, ao fim da rua Custódio José Vieira (também conhecida por Rua das Vareiras) e as águas do rio a inundarem o princípio da Rua da Ferreirinha, com alguns bombeiros da Régua por perto, onde ao centro de destaca um dos nossos grandes quarteleiros, o conhecido e saudoso Zé Pinto, a ajudarem em trabalhos de retirada bens e pessoas das suas casas.

Na nossa cidade, são consideradas cheias grandes as que inundam a Avenida João Franco (que esta à cota a 58 m), implicando uma subida do nível do rio em 13 metros de altura (caudal a 6 000 m3/s).

Na Régua, essa cheia do rio de 1962, a segunda maior do séculoXX, (a maior cheia é de 1909 com um caudal de 16.700 m3/s) atingiu um caudal de 15.700 m3/s (cota 67,7 m), o equivalente a 23 metros de altura para além do nível médio do leito normal.

Da grande aflição, com “horas de angústia” e “horas de terror”, vividas pelos reguenses nessa cheia do rio, temos um emocionante e doloroso relato feito nas páginas do jornal “Vida Por Vida”.

“Ainda não seriam 19 horas do primeiro dia do ano de 1962, quando os nossos bombeiros começaram a ser solicitados para prestarem o seu auxílio a diversas famílias que na nossa zona ribeirinha estavam a ser molestadas pela subida do rio Douro.

Desde essa hora, nunca mais os nossos bombeiros tiveram um minuto de descanso e o auge da tragédia veio a verificar-se perto da noite, pois cada vez mais era superior o número de pedidos, que os nossos briosos Soldados da Paz eram impotentes para poderem atender. Duas vezes e com angústia se ouviu o toque da sirene para alertar toda a população e os trabalhos iam sempre decorrendo debaixo de um temporal e da um preocupação constante.

Os telefonemas sucediam-se para diversos locais a pedir informações sobre os aumentos verificados no caudal do nosso rio e todas as notícias eram o mais assustadoras que se podiam imaginar.

Cônscio da gravidade da situação, eis que o Comando da Corporação delibera pedir a colaboração das Corporações vizinhas (…) surgiram já no meio da manhã do dia 2 de Janeiro e o seu trabalho também não poderá ser esquecido. Vila Real, Lamego e Armamar, nos diversos locais onde trabalharam, deixaram a certeza de que estavam connosco e só havia um fim: salvar as vidas e haveres de tantos reguenses que se encontravam em perigo.

Tão cedo não se apagará da memória de todos nós tão grave tragédia que, felizmente, não teve a registar qualquer perda de vidas. (…) há a realçar a valentia dos infatigáveis bombeiros que, já na noite desse segundo dia, com risco das suas próprias vidas, salvaram diversos homens numa casa na Rua da Alegria, um casal de velhinhos no Salgueiral, e de morte certa, duas famílias no Juncal de Baixo, pois que estas, após terem sido retiradas, viam as suas pobres casas serem arrasadas pela fúria crescente do rio douro”.
Estes são os maus momentos das páginas do nosso rio Douro, que ciclicamente se repetem, mas que de volta às suas margens, que crescem por belos e imponentes socalcos de vinhas, se torna num dos elementos mais belos do espaço cénico da cidade de Peso da Régua.
- Peso da Régua, Março de 2009, José Alfredo Almeida.*
*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras actividades (onde se inclui fotografia), escrevendo crónicas que registam neste blogue, no seu blogue "Pátria Pequena" e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, textos de escritores e poetas do Douro, além de fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.

Outros textos sobre os "Bombeiros Voluntários do Peso da Régua" e sua História:
  • O Baptismo do Marçal - Aqui!
  • Um discurso do Dr. Camilo de Araújo Correia - Aqui!
  • Um momento alto da vida do comandante Carlos dos Santos (1959-1990) - Aqui!
  • Os Bombeiros do Peso da Régua e... o seu menino - Aqui!
  • Os Bombeiros da Régua em Coimbra, 1940-50 - Aqui!
  • Os Bombeiros da Velha Guarda do Peso da Régua - Aqui!
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Janeiro de 2014. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Actualização em Janeiro de 2-14. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Um ilustre benemérito

Do ilustre benemérito senhor António José Rodrigues guardo eu uma primeira imagem que me ficou já remota, já delida pelos anos que passaram. Nesses recuados tempos, teria eu uns seis ou sete anos, entrei com meus pais no estabelecimento comercial do senhor António José Rodrigues, conhecido no meio pela alcunha de Mumu. Ainda hoje tal epíteto me escapa ao entendimento e também me escapa, ou já não me lembra, qual a peça ou artigo que meus pais foram ali comprar. Seria uma peça de riscado ou fazenda, seria pano-cru ou seria apenas uma meia dúzia de botões? Não sei… O que sei é que a loja do Mumu se situava no enfiamento da rua dos Camilos e um pouco adiante da Pensão Douro.

A bem dizer, situava-se muito perto da estação de comboios. Toda a clientela que viesse às compras à Régua e que ali se apeasse dos comboios ou das camionetas de carreira, tinha por perto a loja do Mumu.

Quando há muitos anos ali entrei, levado pela mão de meus pais, a loja pareceu-me algo modesta, um tudo nada envolvida de soturnidade mas, ainda assim, bem rica de prateleiras, com um variado mostruário de tecidos e fazendas. Ao tempo, foi essa a impressão que me marcou e da qual me lembro.

Também me lembro que, às tantas, uma frase ou um dito do senhor Rodrigues fez com que meu pai risse uma boa gargalhada mas, por qualquer minha distracção infantil, não dei tento do gracejo ou da galhofa, sei lá se de alguma malandrice.

Mas, no correr dos anos, sei que o comércio do senhor Rodrigues era comércio de boa nomeada, boa aceitação e boa freguesia. Ali se vendiam variados tecidos e fazendas, chitas e riscados, xailes e camisolas, cobertores e atoalhados, colchetes e botões. A metro ou à dúzia, tudo era, modo de dizer, um ver se te avias. E a verdade é que o senhor Rodrigues, anos a fio, lavrou nesse comércio as raízes do seu trabalho e do seu desafogado viver.

Digamos, portanto, que tal negócio não lhe foi desventuroso. Digamos ainda que o senhor Rodrigues fazia todos os dias uma boa caminhada desde a residência, no Senhor dos Aflitos, até à sua loja de comércio.

É crível que, passo a passo, num relance de olhos, visse e sopesasse também o negócio dos outros, fosse o chamariz das montras, as particularidades de um amplo balcão ou até o deslumbramento diante da cintilação do oiro e da prata no mercado das ourivesarias. De caminho, era ainda a louvação dos bons-dias e boas-tardes dadas aos passantes e convizinhos. E, se calhar, o senhor Rodrigues ia congeminando sobre o deve e haver dos seus negócios, como quem deita contas à vida. Contas feitas, era como se um fogo de bem-querer e bem- fazer lhe incendiasse o espírito e abrisse os caminhos do humanitarismo. Por acréscimo, o senhor Rodrigues ficou milionário da solidariedade e da benemerência, afeiçoada à honrada e luminosa repartição dos bens.

Eu, a fazer fé nos desígnios deste mundo, direi que, por vezes, as riquezas podem ser muito pobres e miserandas. Tais riquezas, se geradas por uma ambição desmedida e pela cainheza do entesoiramento podem desfazer-se num monte de cinzas e num rescaldo de escombros a céu aberto. Podem ter, afinal, estes acabamentos, estes inesperados desatinos.

Em jeito de conclusão direi que o benemérito António José Rodrigues legou grande parte dos seus bens à Santa Casa da Misericórdia e, principalmente, à corporação dos Bombeiros Voluntários.

Acabou seus dias acamado num quarto particular do hospital da Régua, quarto que ficava mesmo defronte da sala de partos, ali onde se definiam as linhas de toda uma Vida por Vida, ali onde a religiosa Irmã Maria foi parteira de todos os meus filhos.

Eu, já licenciado em medicina, pude visitar o senhor Rodrigues uma ou outra vez e pude ver que tinha diante de mim um cavalheiro já de certa idade, com uns dizeres modestos e suaves, como que à espera do fim. Ao lado, sobre a mesinha de cabeceira, sobressaía uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, encimada pelo fino recorte duma coroa de prata.

Essa imagem foi doada à Irmã Maria em reconhecimento pelos serviços de enfermagem prestados ao senhor Rodrigues mas ela bem sabia do meu gosto por antiguidades e velharias, com particular apetência pela arte sacra. Por isso, alguns dias passados, não estranhei que me entregasse a imagem da Nossa Senhora da Conceição, recatadamente enfiada num saquito de plástico.

E assim, por linhas travessas, salvo seja, a benemerência do senhor António José Rodrigues chegou até mim.
- Peso da Régua, 30 de Julho de 2013, Manuel Braz de Magalhães.
  • Também neste blogue em 7 DE DEZEMBRO DE 2009 - O benemérito António José Rodrigues por  J. A. Almeida.
  • Publicado no semanário regional "O Arrais", edição de 7 de Agosto de 2013:

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2013. Texo e imagens cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Também publicado no jornal semanário "O Arrais", edição de 07 de Agosto de 2013, Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O HÁBITO E OS MONGES - O Edifício e os Bombeiros da Régua

(Imagem do "Escritos do Douro" publicada em SEGUNDA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2012 - 132º. aniversário da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua)

Nas minhas deslocações  profissionais e de lazer, tenho visitado – como a maioria dos leitores – diversas vilas e cidades. Para além de Tribunais, Museus, Igrejas, Câmaras, Hospitais etc., etc. são de notória utilidade pública os Quartéis dos Bombeiros.

Há quartéis e quartéis. Conhecem-se quartéis dos soldados da paz que têm o aspecto dum Armazém no rés-do-chão para aparcamento de viaturas e telecomunicações e dum exíguo 1º Andar para serviço administrativo, reuniões da direcção e salão nobre. Conhecem-se terras de iguais ou de maiores dimensões que a Régua mas não têm um Quartel igual ou semelhante. Não vou nomear nenhuma dessas terras por respeito à solidariedade, ao voluntariado e ao bem-fazer, apanágio a todos os bombeiros. Mas, é fácil ajuizar que há poucos Edifícios (dos Bombeiros) no nosso país, com o belo desenho e amplo espaço (cada vez menor no rés-do-chão) do Quartel Delfim Ferreira, na Av. Dr. Antão de Carvalho, na Régua. O Hábito (entenda-se por Edifício) com uma fachada principal granítica bem concebida e ornamentada, suficientemente iluminado e arejado por janelas com padieiras de cantaria, destaca-se na arquitectura da cidade.

Os Bombeiros reguenses e demais Equipa (os Monges) trabalham esforçadamente para servirem, o melhor possível, a Comunidade. Há tempos recebi do Dr. J. Alfredo Almeida uma fotografia histórica que documenta uma das fases da construção; por este meio, lha agradeço. Mas a riqueza e beleza do Edifício não se limitam ao exterior. São extensivas ao seu interior.

O rés-do-chão acolhe: central de comunicações, balneários, sanitários, 8 ambulâncias para doentes (5 de socorro e 3 de transporte), 5 viaturas de combate a incêndios (3 a fogos urbanos e duas a florestais), 2 barcos de socorro a náufragos com uma carrinha de mergulhadores, 1 carro de desencarceramento e ambulância do INEM.

No 1º andar ficam instalados a sala de reuniões da direcção, o salão nobre, a secretaria, gabinete e bar. Ainda aí fica o museu da Corporação denominado “Museu João de Araújo Correia” com uma exposição permanente dum acervo numeroso de peças: antiga bomba extintora braçal, motobombas, extintores, macas antigas, condecorações, prémios, prendas, fotografias, diplomas, bandeiras, estandartes, galhardetes, medalhas, a sineta de Canelas etc. etc. que despertam a curiosidade de visitantes, coleccionadores e são motivo de admiração doutras associações de bombeiros.
(Imagem do "Escritos do Douro" publicada em QUARTA-FEIRA, 4 DE NOVEMBRO DE 2009 - O Quartel dos Bombeiros da Régua - Notas para a sua história)

No 2º andar situam-se a biblioteca, gabinetes, sala de reuniões e formação, e camaratas. Noutras ocasiões, o 2º Andar teve um dinamismo cultural apreciável. Antes da existência da Biblioteca Municipal, ele serviu de alimento espiritual à sociedade da Régua e arredores com o funcionamento activo da biblioteca. Houve um tempo de inactividade, mas tal não lhe retira o merecimento. Muito boa gente leu e estudou nesse Salão ou levou emprestados para casa: jornais, revistas e livros da Biblioteca cujo patrono é Maximiano Lemos. Apesar deste ilustre reguense ser um santo não conseguiu o milagre do regresso de almas fugitivas ao espaço que baptizou. Quanto aos “Monges” (Bombeiros, Comando e Direcção) que há para dizer? Que são donos da protecção civil nas seguintes áreas: saúde, incêndios e acidentes (nas vias e no rio) no perímetro do concelho do Peso da Régua. Nunca é demais lembrar a sua formação na emergência pré-hospitalar e a sua preparação no socorro dos doentes que transportam aos hospitais e centros de saúde. Nos incêndios florestais os Bombeiros respondem também aos apelos do Centro Distrital de Vila Real de Operações de Socorro (CDOS).

O corpo de Bombeiros da Régua, entre voluntários e profissionais, ronda os 80, sendo estes cerca de 20. Tenho conhecimento da atenção que dispensam ao cidadão comum prestando-lhes uma ajuda de cinco estrelas. Se “o hábito não faz o monge” como diz o ditado, neste caso o hábito faz parte do monge. A grandeza e a nobreza do Edifício (o Hábito) de uma Associação de Bombeiros das mais antiga do país (28-11-1880), têm sido bem interpretadas pelos Soldados da Paz, Comandante e Direcção (os Monges), pois, prestando, dedicadamente, os seus imprescindíveis serviços sabem honrar os pergaminhos da memória e da história do concelho do Peso da Régua.

O Hábito e os Monges constituem um riquíssimo tesouro a preservar.
Nota: Como se depreende da leitura, este artigo não trata da Edificação “Sala Museu – Bombeiros Voluntários – Peso da Régua”, sita em frente da sede da Junta de Freguesia da Régua.

- Peso da Régua, 19/5/2013, M. J. Martins de Freitas.


Clique  nas imagens para ampliar. Imagens e texto editados para este blogue. Sugestão de texto do Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Maio de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O Pai da Fanfarra

Sr. Presidente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua escrevo-lhe estas linhas com o objetivo de colaborar na sua obra de pesquisa histórica sobre os nossos bombeiros, obra que vem sendo complementada pelo muito que já fez em prol do seu património cada vez mais rico, quer material quer socialmente.

Esta narrativa corresponde á vida de um amigo, bombeiro, de nome António Jacinto Dias, o fundador da nossa Fanfarra, também conhecido pelo “homem do campo do Sport Clube da Régua”.

Natural de Fontelas, António Dias viveu a sua juventude no Peso da Régua. Ingressou no comércio, na firma Viúva Luís Vicente e Rodrigues, onde eu também me iniciei em abril de 1941. Foi para mim um conselheiro e um exemplo, pelo seu comportamento, quer profissional quer pessoal. Ficámos amigos.

Pouco depois de casar com a querida “Mariazinha”, António Dias, já com fama profissional, foi convidado para ir trabalhar para uma das melhores lojas de Sá da Bandeira, no Porto, a Casa Omega, onde se destacou pela sua postura e saber.

Após doze anos, regressou à sua terra para fundar, com seu irmão José Dias, os Armazéns do Mercado, uma inovação, na época, para a Régua. Cidadão ativo construiu a sua casa e a sua vida ao serviço da comunidade e tornou-se depressa conhecido pelo “homem do campo”, em prol dos seus trabalhos de voluntariado no campo do Sport Clube.

É em 1977 que surge a oportunidade de eu lhe manifestar o meu apreço e admiração convidando-o para fazer parte da minha direção, nos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua. Mostrou-se desde logo interessado em criar uma fanfarra e, após a recolha de informações necessárias para o efeito (apoio dos Bombeiros de Coimbrões, em Vila nova de Gaia), conseguimos realizar o seu sonho. Ele próprio arranjou um donativo – as galochas das majorettes – através da Sapataria Porto. Nos primeiros ensaios, ainda veio um maestro de Vila Real, mas depressa António Dias tomou as rédeas do grupo e a Fanfarra dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua galgou o distrito e começou a ser convidada para variadas festas, ganhando fama e prestígio.

Só a falta de saúde lhe veio toldar a felicidade que então sentia. Vítima de uma doença que acabaria por ser fatal, esteve cerca de dois anos em tratamento, acompanhado pelo seu médico – Doutor Adelino Adolfo do Hospital de S. João do Porto – que se deslocava periodicamente à Régua para lhe ministrar um remédio que na altura vinha da América. O pai da nossa Fanfarra morreu nos meus braços, no dia que havíamos planeado fazer um passeio a Chaves, por seu especial desejo.

O seu funeral confirmou a homenagem merecida de todos os seus amigos e conterrâneos. A presença dos nossos bombeiros e especialmente dos elementos da Fanfarra foi um momento inesquecível de emoções e homenagem verdadeiramente sentida.

Aqui quero deixar a minha gratidão ao amigo e também ao homem que serviu a sua terra com dignidade e amor.

Ele ficará sempre na memória dos nossos Bombeiros como o “Pai da Fanfarra”.

Porto, 30 de Outubro de 2012,
- António Bernardo Pereira - Antigo Presidente da Direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros do Peso da Régua.
Clique  nas imagens para ampliar. Texto e imagens originais cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Na inauguração do monumento a Afonso Soares

Discurso de  Alberto de Almendra Valente
“Afonso Soares era a encarnação viva de cidadania”

"Ex. mas  Autoridades Eclesiásticas, Militares e Civis, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Delegou em mim a Ex.ma Comissão do Monumento a Afonso Soares, a alta missão, de nesta ocasião transcendentemente espiritual para a gente da Régua, proferir algumas palavras sobre o digno homenageado.
Agradeço, desvanecido, a honra que me quiseram dar, sobretudo manifestamente conhecido como é, que, em meios a tantos títulos ilustre, não hesitaram em rejeitar o brilho da palavra de muitos, para dar preferência a elemento que, somente, poderia igualá-los, pondo o coração a falar. Aceitei porque estou sempre pronto a todo o serviço que me ordenem em prol desta sagrada terra, mas antes, rogo a Deus que lhes perdoe o mau gosto de preferência, que poderá resultar brutalmente para a sua generosidade, visto que os olhos do meu espírito se negam, por vezes, a colaborar nestas lidas, mergulhando-me, quando menos espero numa treva horrível.
Fujo quando posso a trabalhos que exijam cogitações, estudos ou confrontos, receando ser obreiro da Torre de Babel, vencido quando menos se previa!
De resto, a luz da minha exigência foi sempre de camarada e brilho e de intensidade, e paz, portanto de uma surpresa clara.
Ex.ma Comissão:
Parafraseando Vergílio: Falta-me força para apreciar jóia de tão pouco puro quilate!
Eis o que valho. Todavia, como sou, aqui estou às ordens de V. Excias!
Senhoras e Senhores...
No remanso do seu lar, pequeno e humilde, se fez e cresceu  a grande figura que a colaboração de muitos, aproveitada por dois, manterá eternamente neste formoso recanto, como Reguense de Lei.
Alma Angelical!
Amigo Extraordinário!
Nunca sua boca se abria que não fosse para aconselhar ou ensinar, ou para numa linguagem pessoalíssima, nos deliciar com as mais interessantes narrações.
Tinha no olhar a expressão dulcíssima do sol que aquece e ilumina a alma dos desgraçados!
Afonso Soares era a encarnação viva de cidadania; e dispunha sensibilidade tão fina que parecia animar todas as imagens que o cercavam.
Nos últimos anos da sua vida e à medida que a decrepitude lhe diminuía a estatura, ia-se agigantando, progressivamente, e de modo tal que chegava a convencer já detentor de expressão, palavra e olhar de ser pairando alto, na vizinhança do Senhor!
Escreveu a História da Régua: Trabalho honesto e perfeito, fruto de estudo e observação, ao longo dos anos, e realizando em meio ingrato, como o nosso, onde correntes acentuadamente comerciais e agrícolas, consomem todas energias aos seus habitantes.
Desempenhou, com mestria, vários cargos e, alguns, de manifesta responsabilidade.
Comandou os bombeiros, dirigiu jornais, havendo-se sempre como homem de equilíbrio e irrepreensível.
Como pintor, marcou admiravelmente.
E, como já em tempos afirmei, não creou escola. Tão modesto nunca realizou “salões”. Seu nome não transpôs fronteiras, nem, tampouco, sua terra deixou.
Valasquez, Murrillo e tantos outros, ganharam asas e procuraram grandes centros de arte, onde se agigantaram.
Todavia, Afonso Soares, seguiu a trajetória de grandes mentalidades Universais, que dispensam escola para se manifestarem génios!
Essa expressão magnífica de mármore e bronze, que passa a ser um padrão de glória da nossa terra, esse grito de arte, concebido por um homem que legará à Pátria Portuguesa uma obra imortal, mostrará aos que passarem, o interesse, o carinho que merecem aos reguenses os triunfos dos seus filhos!
Fez vibrar, de lés- a-lés, quem se interessa pelas nobres manifestações do espírito, numa hora de conturbação demoníaca, que tudo parece subverter!
Ó Régua, Régua! Coração das montanhas doiradas, trono esplendoroso do Vinho do Porto, altar de Nossa Senhora do Socorro, doce lar dos meus filhos, ninho dos meus amigos! Acabas de escrever mais uma das famosas páginas da História que Afonso Soares principiou!
Que a lição sirva de exemplo a quantos se propuseram à direcção da tua vida, dos teus anseios, para que os vindouros possam dizer-se filhos da terra mais rica e bela do Universo.  
- Peso da Régua, 17 de Abril de 1950

Notas: A cópia deste discurso foi cedida pelo Senhor José Stuart Torrie, Cônsul Honorário em Rouen, na França, um dos netos de Afonso Soares. Também nos cedeu várias fotografias, alguns registos biográficos da família e dos descendentes de Afonso Soares, um precioso recorte da notícia do jornal “Primeiro de Janeiro” (com a informação alusiva à inauguração do monumento da autoria do escultor Henrique Moreira), cópia de outros discursos manuscritos e alguns comentários dactilografados sobre o cidadão, jornalista, artista, escritor, autor da História da Vila e do Concelho do Peso da Régua e inesquecível Comandante dos Bombeiros da Régua.
Sobre a inauguração do monumento à memória de Afonso Soares destaca-se da notícia publicada pelo extinto diário portuense ainda o seguinte: “A comissão que tomou a feliz iniciativa da erecção do monumento, era constituída pelos antigos alunos da sua escola de pintura, Srs. António Teixeira e Armindo Mesquita. Nas cerimónias realizadas, colaborou a Associação de Bombeiros, de cujo corpo activo Afonso Soares foi também digno comandante. Essas cerimónias foram as seguintes: Romagem ao cemitério; Missa na Igreja Matriz, bênção e baptismo das 2 novas viaturas da Associação de Bombeiros. O pronto-socorro de que foi “madrinha” a Sr.ª Zélia Fernandes de Carvalho, senhora ilustre e bondosa, viúva do importante proprietário Sr. António Fernandes e irmã do prestigioso duriense que foi o Dr. Antão Fernandes de Carvalho, recebeu o nome de “Santo António”. A ambulância, de que foi «madrinha» a Sr.ª D. Maria da Conceição Soares Torrie, em representação da Sr.ª D. Maria Estefânia Monteiro Guedes, recebeu o nome de “Santa Maria”, em homenagem à mãe do benemérito Sr. Feliciano Monteiro Guedes.
Organizou-se depois um grande cortejo, em que se incorporaram bombeiros, escuteiros da Régua e de Godim, autoridades, representantes dos organismos locais, etc., cortejo que acompanhado de uma banda de música se dirigiu ao pequeno jardim do Cruzeiro, onde se fez a inauguração do monumento que se encontrava coberto pelos estandartes de várias agremiações, cujos emblemas obedeceram ao desenham do artista notável que o homenageado foi. Estavam presentes as suas filhas, Sras. D. Fausta Soares Osório de Almeida e D. Maria da Conceição Soares Torrie e netos Sr. José Afonso Soares Osório de Almeida e meninos José e Isabel Maria Soares Torrie. Por parte da comissão promotora, usou da palavra o Sr. António Teixeira, tendo-se seguido o Sr. Alberto Almendra Valente. Após a inauguração, a corporação de Bombeiros desfilou em continência, tendo as filhas e os netos de Afonso Soares recebido os cumprimentos”.

Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de texto e imagens de JASA (José Alfredo Almeida) para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012. Texto também publicado na edição do semanário regional "O Arrais" de 21 de Junho de 2012. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Bombeiros Voluntários do Peso da Régua - Os Estatutos da Associação

(Estatutos de 1880 - Clique na imagem para ampliar)

Os Estatutos da Associação
                 - Dos primeiros aos actuais

Não se perdeu a acta da reunião em que os vinte e sete cidadãos, constituídos numa Comissão Instaladora da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, discutiram e aprovaram os primeiros estatutos e regulamento do corpo de bombeiros.

Essa acta que fomos encontrar nos arquivos do Governo Civil de Vila Real, permite-nos conhecer alguns dos pormenores que levaram à fundação da Associação.

Por esse documento, sabemos que essa reunião teve lugar na casa da extinta Associação Comercial da Régua que se situava na Rua da Boavista – a actual Rua Serpa Pinto -  no dia 25 de Junho de 1880. E, que estiveram presentes os sócios fundadores e o Excelentíssimo Doutor Joaquim Claudino de Morais, advogado e, ao tempo, Presidente de Câmara Municipal da Régua. Encontrava-se naquela assembleia como presidente da comissão que tinha elaborado o projecto de estatutos da associação e regulamento do corpo de bombeiros.

Iniciada a sessão pelo presidente da Comissão Instaladora, Manuel Maria de Magalhães que tinha a secretariar José Joaquim Pereira Soares dos Santos, foi ouvido o Dr. Claudino – como era conhecido - que se escusou de fazer comentários sobre  documentos  e, como  não podia participar, “pediu para ser dispensado em razão dos seus muitos afazeres, protestando auxiliar a instituição tão civilizadora, humanitária e útil em tudo o que estivesse ao seu alcance, tanto como particular como na qualidade de presidente de câmara deste concelho”.

Lido o projecto dos estatutos da Associação, composto por 44 artigos, pelo sócio fundador António Roberto Pinto, foi colocado à discussão e não havendo quem pedisse a palavra, foi posto à votação, primeiro na generalidade e, depois, na especialidade, tendo sido aprovado, por unanimidade, apesar de esse facto não ter sido registado na referida acta. O mesmo se passou quanto à discussão e a aprovação do regulamento do Corpo de Bombeiros, também aprovado por unanimidade.
 (Edital dos Estatutos - Clique na imagem para ampliar)

Cumpridas as formalidades, os estatutos e o regulamento foram enviados ao Governo Civil de Vila Real que, nos termos das leis administrativas em vigor, deu a sua aprovação pelo Alvará de 12 de Agosto de 1880, assinado pelo Dr. José Ayres Lopes, Governador Civil Substituto de Vila Real.

Vale a pena destacar alguns dos aspectos dos primeiros estatutos da Associação.

A)   Dos Fins
No artº1 estava consagrado socorrer os habitantes desta vila e das povoações limítrofes por ocasião dos incêndios ou suas consequências.

Artº4 acrescenta que pode ser recreativa, havendo casa de leitura, bilhares e mais jogos lícitos, quando as circunstâncias do cofre o permitam.

B)   Da Categoria de Sócios
Estavam previstas quatro categorias: sócios honorários, contribuintes, activos ou de trabalho e auxiliares.

Os sócios honorários eram os que pela sua posição social ou pelos serviços que tenham prestado à associação for conferida essa honra. Estes não são obrigados ao pagamento de da jóia ou quota mensal, porém tem a obrigação moral de correrem para o desenvolvimento da Associação empenhando para isso todo o seu valimento. Sob proposta da Direcção ou de qualquer sócio deviam ser eleitos em Assembleia –Geral.

Ficaram, desde logo, nomeados sócios honorários desta associação: O Governador Civil de Vila Real, O Deputado do Circulo, o Administrador do Concelho, o Presidente da Câmara Municipal, o Abade da freguesia e todos os Comandantes ou Chefes das associações desta natureza.

Os contribuintes eram os que não podiam trabalhar na extinção dos incêndios e que prestam auxílio pecuniário, o qual consistia na quantia de 500 reis pela admissão e na quota mensal de 200 reis. Estes eram propostos por outros sócios e eram aprovados pela Direcção.

Os sócios activos ou de trabalho eram os que faziam parte da Companhia de Incêndios, mas que tinham atribuições marcadas no respectivo regulamento. Estes sócios eram nomeados pelo Comandante, segundo o seu número e graduação.

Os sócios auxiliares eram os que, não tendo residência na Régua, podiam prestar auxílio à Companhia de incêndios aos serviços que lhe sejam indicados pelo Comandante. Estes eram nomeados pelo Comandante.
(Estatutos de 1935 - Clique na imagem para ampliar)

C)  Da admissão de sócio
Podiam fazer parte da associação todas as pessoas de ambos os sexos, tanto nacionais como estrangeiros, sendo que os menores precisavam de autorização dos seus pais ou tutores e as mulheres casadas de autorização de seus maridos.

D)   Dos deveres e direitos
Os sócios activos e os contribuintes eram elegíveis para todos os cargos sociais.

Os sócios activos não pagavam mensalidade nem jóia, mas tinham o dever de se fardarem à sua custa.

E)    Da competência dos órgãos sociais
A Assembleia-geral residia o poder supremo da Associação que era a reunião dos sócios honorários, activos e contribuintes. A esta competia eleger bianualmente, por escrutino secreto, entre os candidatos ao exercício dos órgãos socais, discutir e votar os relatórios e pareceres Da Direcção, Conselho Fiscal ou Comissões Especiais e conhecer e tratar de qualquer assunto de interesse da Associação.

A Direcção, composta de um presidente, um vice-presidente, primeiro e segundo secretários, tesoureiro, do primeiro comandante e do fiscal da Companhia, devendo, pelo menos três membros pertencer à classe dos sócios contribuintes, competia-lhe fazer cumprir os estatutos, deliberações da Assembleia e todos os regulamentos da Companhia, estando obrigada a prestar anualmente à Assembleia Geral as contas da sua gerência.

Ao Conselho Fiscal, composto por cinco membros, cabia examinar as contas prestadas pela Direcção e dar o seu parecer sobre o relatório de gerência.

F)    Das penas disciplinares
As penas aplicadas aos sócios activos e auxiliares seriam aplicadas nos termos do regulamento, não podendo a pena de multa exceder a quantia de 1000 reis por cada transgressão.

G)  Da dissolução da Associação
A Associação não podia ser dissolvida a não ser por dois terços da Assembleia-geral. E sendo essa a deliberação, quaisquer fundos da Associação reverteriam em beneficio da família de qualquer sócio activo que houvesse sido vitima de algum incêndio ou se tivesse inutilizado ou se estivessem em precárias circunstancias e, quando isso não se verificasse, entrariam para o fundo do Hospital D. Luís I.
(Estatutos de 1989 - Clique na imagem para ampliar)

Os estatutos permaneceram inalterados até 1935. Mas, em 19 de Outubro de 1892, uma comissão presidida pelos director José Joaquim Pereira Soares dos Santos, Camilo Guedes, Padre Manuel de Lacerda Oliveira Borges e o Comandante Manuel Maria de Magalhães apresentava em reunião à direcção um projecto de reforma que foi aprovado por unanimidade, “depois de alguma discussão e algumas emendas”. Competia aos associados em Assembleia–geral fazer a aprovação final, o que não chegou a acontecer na sessão realizada em 14 de Novembro de 1892, tendo sido a discussão para nova reunião, que nunca veio a acontecer. Surgiram várias demissões do órgão directivo, o que poderão explicar o desinteresse para concluir a reforma estatutária. Porém, um novo regulamento para os Sócios Activos – hoje equivalente ao Corpo de Bombeiro – seria aprovado na Assembleia-geral realizada em 6 de Março de 1893.

A  Direcção, presidida por Roberto Augusto Marinho, decidiu convocar no dia 7 de Maio, uma Assembleia-geral Extraordinária para discutir e aprovar uma alteração parcial.

Na justificação foram apresentados os argumentos seguintes: “que há muito se reconhece a vantagem dos seus Estatutos serem reformados ou alterados, de acordo com as necessidades modernas” e que “ é preciso interessar os elementos oficiais do concelho no sentido que à benemérita Associação lhe não faltem os meios de bem poder desempenhar a sua missão de humanitarismo” e que a reforma “ se impõe neste momento com uma urgência bem merecida” foram alterados os artº 3, 4, paragrafo único do artº 20 e os artº 35, 36 e 48.

Esta alteração parcial foi aprovada pelo Alvará de 18 de Março de 1935, assinado pelo Governador Civil de Vila Real, Horácio Assis Gonçalves. Nesse documento, fez constar que “as referidas alterações estão de harmonia com as disposições legais e se ajustam ao que está preceituado sobre os direitos de reunião e de associação”.

Em nossa opinião, os princípios dessa alteração estatutária revelam-se incongruentes com o escopo associativo, se não forem as circunstâncias políticas e económicas dessa época. Os preceitos alterados, muito embora, possam estar em conformidade com a legislação em vigor, o que duvidamos, não se entendem as razões dos associados terem atribuído à Câmara Municipal da Régua, o poder de tomar a protecção da organização da Associação e ainda a responsabilidade para decidir quanto à sua administração e disciplina. Aquela demissão associativa só pode ser compreendida pelas existências de grandes dificuldades financeiras da Associação.

Em 1966, o regime jurídico estabelecido pelo Código Civil para as pessoas colectivas, impõe que sejam modificados os estatutos em vigor. Na Assembleia -Geral Extraordinária realizada em 7 de Junho de 1969 foram aprovados novos estatutos. Contudo, por razões que desconhecemos, a Direcção não procedeu à alteração pela forma legal exigida, a escritura pública. Por esse motivo, tal alteração dos estatutos não entrou em vigor e, como tal, mantiveram-se os estatutos de 1880.

Em 1989, a Direcção presidida por José Manuel Moura, toma a decisão de elaborar os novos estatutos. Na Assembleia-Geral Extraordinária, realizada em 17 de Novembro de 1989, os associados aprovavam uma reforma global dos estatutos. Passavam a ser compostos por sessenta e um artigos com uma nova redacção que se adaptavam as exigências e as transformações sociais que, entretanto, ocorriam na sociedade. Começaram a produzir efeitos jurídicos desde que passaram a constar da competente escritura pública, outorgada em 26 de Abril de 1990, no Cartório Notarial do Peso da Régua.

Aqueles estatutos, de 1990, regeram a vida associativa até 2009, muito embora começasse a ser sentida pela dinâmica e mais participação em actos eleitorais dos associados quando havia mais de uma lista a concorrer aos órgãos sociais. Com a entrada em vigor da Lei nº 32/2007, de 13 de Agosto, que aprovou um novo regime jurídico das associações humanitárias, esta reforma foi imposta para que fosse feita num máximo prazo de dois anos, de forma os estatutos se adequarem às novas exigências previstas nessa lei.

Cumprindo as formalidades de uma legislação inovadora no sector associativo, a Direcção presidida pelo Dr. José Alfredo Almeida, nomeia uma comissão onde para além de se fazer representar, incluiu a directora Eng. Sónia Coutinho, Francisco Cardoso, Manuel Carlos Osório, Dr. Bruno Miguel Lachado e o Dr. José Alberto Marques, presidente da Mesa da Assembleia-Geral. Na sua tarefa, adoptaram um modelo-tipo de estatutos previamente elaborado pela Liga dos Bombeiros Portugueses. Depois de os adequar às necessidades especificas da Associação, ao condicionalismo da sua génese e matriz histórica, elaboraram uma proposta de alteração total dos estatutos que foi discutida e aprovada, por unanimidade, na Assembleia -Geral Extraordinária, realizada em 12 de Março de 2009.
(Escritura de alteração para os atuais Estatutos- Clique na imagem para ampliar)

Aquela alteração dos estatutos da Associação, compostos de 94 artigos, tornou-se válida e eficaz com a realização da escritura pública, no dia 22 de Junho de 2009, celebrada no Cartório Notarial do Peso da Régua, (cf. previsto no artº5 da citada lei).


São estes Estatutos de 2009, a lei fundamental da Associação que a consagra como uma entidade com vida e uma personalidade própria. São eles que estabelecem ainda todas as regras fundamentais que asseguram aos associados realizar com objectividade e rigor os fins e ideias definidos pelos fundadores e continuar a manter activa e operacional a sua missão principal, a de ser detentora de um Corpo de Bombeiros Voluntários e, muito recentemente, de cinco bombeiros profissionais, integrados numa Equipa de Intervenção Principal. Procurando responder aos desafios do futuro, e as mudanças da sociedade, os associados mantêm vivos, e sempre renovados, os ideais dos fundadores que a constituíram em 1880, para ser uma útil e benemérita Associação.

- Colaboração de J. A. Almeida* - Régua, para "Escritos do Douro" em Maio de 2011.
  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.
Os Estatutos da Associação - Dos primeiros aos actuais - Parte 1
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 2 de Junho de 2011
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
Bombeiros V. do Peso da Régua - Os Estatutos da Associação
Os Estatutos da Associação - Dos primeiros aos actuais - Parte 2
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 9 de Junho de 2011
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
BVPeso da Régua-Os Estatutos da Associação - Dos primeiros aos actuais-Parte 2