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terça-feira, 21 de agosto de 2012

Uma crónica intemporal - Era em Agosto…

*M. Nogueira Borges
Era em Agosto com as águas deslizando para as hortas, os vinhedos repletos de verde e de doçura, os homens de coletes a tiracolo e sacholas pelos ombros, as mulheres mastigando broa e encolhendo ciúmes, as crianças a jogarem às escondidinhas no adro da capela e nas curvas dos quelhos, os cães e os gatos a barafustarem nos terreiros do casario perseguindo galinhas e garnizés, o bêbedo de sempre arrancado à taberna pelo filho desgostoso ou pela mulher já habituada.

A tarde acabava assim, com o sol a morrer devagarinho por detrás das montanhas, uma fresca macia alegrando as almas, os velhinhos do Asilo a derreterem minutos para a ceia e o médico a abandonar a Casa do Povo.

A menina senta-se ao piano e os seus dedos brancos deslizavam suavemente pelo teclado.

As Rosas da Despida desfolhavam-se em emoções e os sons espalhavam-se pelos corredores e escapuliam-se, serenamente, pelas janelas abertas, flutuando no silêncio da noite como fantasias de crianças. Ecoavam além, nos contrafortes dos montes ou no fundo do vale a quem os antigos chamavam poço do vinho.
Era Agosto e as festas do Socorro anunciavam-se. As ornamentações engalanavam as ruas, os carrinhos e os carrocéis enchiam a Alameda e as iluminações não deixavam sombras para namorar. Quando as lâmpadas desenhavam o campanário da Igreja do Peso muitos olhos se desviavam lá para cima a ver se os Remédios já cintilavam.

Era um tempo em que a perseverança não se excepcionava e a terra cavada com suor dum esforço ancestral tinha uma história feita de lendas e as gentes sonhos sem fim onde se recriavam a habitualidade, se espevitavam futuros, se diversificavam motivações e se engrandeciam espaços.

As Festas do Socorro eram um compasso de espera na roda do tempo e do trabalho, estreias de fatos e vestidos, arranjos de cabelo nos salões da Vila que a Régua ainda não era cidade de nome.

Era a romaria dos desenraizados do litoral em retorno aos almoços de cabrito assado e arroz de forno nas mesas familiares. As estradas enchiam-se de carros e de excursões, os comboios fumegavam na Estação, um mar de gente inundava a princesa do Douro e todos eram conhecidos.

Havia crianças ao carrachol e idosos amparados a bengalas, cantadores de chulas, tocadores de realejos, bombos, ferrinhos e concertinas. Dançava-se no meio das ruas e em todos os cantos onde o pó escondia feições.

Os rapazes sopravam em cornetas de barro, mercavam-se panos, mantas e potes para a vindima, voavam ilusões sobre o murmúrio humano, as gargalhadas estrondeavam, avinhadas, nos tascos e cafés, à mistura com o tilintar dos copos, e as tristezas estavam trancadas nas casas vazias das aldeias em redor.
Era em Agosto e, quando a Senhora do Socorro se passava, no andor florido, por entre alas de bombeiros e anjinhos, a multidão esquecia a profanidade e ajoelhava-se em silêncio de Fé encomendando promessas, gemendo aflições e cantando alegrias. A Senhora a todos sorria numa magnanimidade de ternura e perdão que marejava os olhares dum povo cheio de memórias de sacrifício glosadas por poetas e prosadores.

Era Agosto e as uvas amadureciam à espera dos cestos…
- In  Boletim das Festas de Nossa Senhora do Socorro.


*Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor e poeta do Douro-Portugal. Nasceu no lugar de S. Gonçalo, freguesia de S. João de Lobrigos, concelho de Santa Marta de Penaguião, em 12.10.1943. Faleceu em 27 de Junho de 2012 na cidade de Vila Nova de Gaia. Frequentou o curso de Direito de Coimbra, cumpriu o serviço militar obrigatório em Moçambique, como oficial mil.º e enveredou pela profissão de bancário. Tem colaboração dispersa por diversos jornais, nomeadamente: Notícias (de Lourenço Marques); Diário de Moçambique (Beira), Voz do Zambeze (Quelimane), Diário de Lisboa, República, Gazeta de Coimbra, Noticias do Douro, Miradouro, Arrais e outros. Em 1971 estreou-se com um livro de contos a que chamou "Não Matem A Esperança". (In 'Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses', coordenado por Barroso da Fonte. Manuel Coutinho Nogueira Borges está no Google.
  • Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue.
Clique nas imagens para ampliar. Texto e imagens cedidas pelo Dr. José Alfredo Almeida. Fotos de Miguel Guedes. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012 e em homenagem ao saudoso Amigo MANUEL COUTINHO NOGUEIRA BORGES. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos. 

sábado, 4 de abril de 2009

Os Bombeiros no Largo da Estação.

(Clique na imagem para ampliar)

Magnifica imagem de um dia de festivo para os “soldados da paz” da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, que comemorava o seu 75º aniversário, no dia 28 de Novembro de 1955.

Esta imagem é o rosto de uma cidade num tempo da sua história, que aqui mostra o Largo da Estação, um espaço de grandes referência para a vida da cidade do Peso da Régua, o verdadeiro e ainda actual “interface” de comunicações, o lugar das partidas e chegadas das pessoas e mercadorias ligadas ao vinho e à vinha, donde os passageiros partiam em camionetas para outros destinos das Beiras, Trás-os-Montes e Alto-Douro.

Do olhar sobre a imagem ficamos com a beleza do edifício da estação de caminho de ferro e o seu imponente cais de mercadorias, uma rara peça de arquitectura, a ser hoje utilizada para espaços de lazer e restauração, onde o comboio da linha do Douro (1873-1887) chegou em 1879, sendo considerado uma revolução social, económica e humana (se todas fossem assim…) para a região a duriense. Ainda ficamos atentos com a nostalgia dos comboios parados na bela linha do Corgo, um soberbo troço de 25 km, entre montanhas e socalcos do Douro património da humanidade, até Vila Real, inaugurada em 1906 e encerrada em 25 de Março de 2009 (!!!) para se realizarem obras de segurança. Ao fundo da rua, um olhar para a grande casa comercial “Viúva Lopes” com o telhado e paredes consumidas pelo grande incêndio que a atingiu em 1953.

Mas, o nosso olhar na imagem fica preso no grandioso desfile do Corpo de Bombeiros de Peso da Régua, onde estão incorporados bombeiros de associações amigas convidadas, com uma numerosa assistência a ver e apoiá-los, e ainda os carros de fogos que se usavam no tempo, que hoje pela sua fantástica beleza nos fazem sonhar e gostar ainda mais dos nossos soldados da paz. Algumas dessas relíquias, esses carros que povoaram memórias e brincadeiras de infância, os quais podemos ver guardados nos museus dos bombeiros.

Este aniversário de “Bodas de Diamante” da Associação teve um vasto programa de festejos, destacando-se a publicação de uma revista comemorativa, com a colaboração especial do escritor João de Araújo Correia, que escreveu um soneto em memória do bombeiro João dos Óculos, assinalava uma nova fase de crescimento e de modernidade quer em infra-estruturas quer em equipamentos, tudo conseguido por uma Direcção sabiamente dirigida pelo ilustre e prestigiado advogado, Dr. Júlio Vilela e um Corpo de Bombeiros sob a orientação do grande comandante Lourenço Pinto Medeiros (1949-1959).

Para melhor conhecermos esta fase da vida da associação, os seus primeiros setenta e cinco anos de existência, os momentos de sacrifícios e anseios, em que venceu a determinação de todos, transcrevemos um interessante texto assinado pelo Dr. Júlio Vilela, em nome da Direcção, onde diz o seguinte:

“Agradecemos, profundamente sensibilizados, o carinho e o amparo dispensados à velhinha e prestigiosa instituição que temos a honra de representar.

Completa ela agora setenta e cinco anos de existência.

Despida de recursos, a sua vida, tão longa quão prestimosa, é uma soma infindável de dedicações, esforços e sacrifícios.

No entanto, desde o punhado de homens generosos que a fundou e constituiu o seu primeiro Corpo Activo até àqueles que hoje a servem, um pensamento e uma preocupação tomaram o espírito de todos: torná-la cada vez maior e mais eficiente.

Depois de beneficiada com o apetrechamento essencial correspondente à sua importância e às modernas exigências dos serviços de incêndios, inaugura ela, neste momento, o Novo Quartel, primeira e mais premente fase de acabamento do seu edifício-sede, ainda há bem pouco reduzido a um esqueleto que, embora se avizinhasse como projecto de obra grandiosa, era por muitos considerado como a forma definitiva de um sonho.

O sonho, porém, tornou-se dia a dia em realidade, se bem que penosamente.

É outra soma de novas dedicações, novos esforços e sacrifícios irão completar.

A AHBV do Peso Régua sabe, entretanto, e porque julgar continuar a merecer o auxílio de todos, que tal soma vai, mais uma vez, verificar-se”.

Assim, fica-se a saber que a mais bela casa dos bombeiros portugueses, “obra grandiosa” que hoje admiramos, desenhada em 1930, pelo arquitecto portuense Oliveira Ferreira, demorou mais de 20 anos a sair do seu inicial “esqueleto”, caso não fosse essa “soma infindável” de dedicações e sacrifícios de homens bons e generosos, cujos nomes esta Associação terá de escrever em letras de ouro na sua já longa história.

E um deles será sempre, o do Dr. Júlio Vilela.
- Peso da Régua, Março de 2009, José Alfredo Almeida.

- Outros textos publicados sobre os Bombeiros Voluntários de Peso da Régua e sua História:

  • A Tragédia de Riobom - Aqui!
  • Manuel Maria de Magalhães: O Primeiro Comandante... - Aqui!
  • A Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!
  • A cheia do rio Douro de 1962 - Aqui!
  • O Baptismo do Marçal - Aqui!
  • Um discurso do Dr. Camilo de Araújo Correia - Aqui!
  • Um momento alto da vida do comandante Carlos dos Santos (1959-1990) - Aqui!
  • Os Bombeiros do Peso da Régua e... o seu menino - Aqui!
  • Os Bombeiros da Régua em Coimbra, 1940-50 - Aqui!
  • Os Bombeiros da Velha Guarda do Peso da Régua - Aqui!

- Link's:

  • Portal dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua (no Sapo) - Aqui!
  • Novo portal dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!
  • Exposição Virtual dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!
  • A Peso da Régua de nossas raízes - Aqui!

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Retalhos da net: Douro - O paraíso esquecido e as histórias que moram lá

- Transcrição de "VISÃO" - 30 de Agosto de 2012:
Reportagem
Douro: O paraíso esquecido e as histórias que moram lá
À margem das excursões turísticas, a região Património da Humanidade ainda guarda memórias, figuras e sabores que atestam o seu caráter genuíno, resistente e sentimental. A VISÃO desta semana propõe-lhe uma viagem aos segredos, dores e alegrias do vale encantado.

Diz-se que quando um galo canta em Barca d'Alva é ouvido em três distritos e dois países. A ponte Sarmento Rodrigues une Bragança e Guarda. A província de Salamanca eleva-se ali ao pé. É aqui que o Douro cai, por fim, nos braços portugueses depois de namoriscar margens ibéricas desde Miranda. Do miradouro do Alto da Sapinha, vê-se tudo isto, mais as águias, imperiais, planando. O resto imagina-se. Visto de perto, este prodígio de homens sobre a natureza árida também encerra fantasmas. Quem diria? Uma estação de comboios, das mais belas que o rio beijou, está entregue a fatalismos e memórias de lua-de-mel. Pelas ruas, homens sonâmbulos ruminam conversas mortas. Esplanadas cansam-se da babugem aos novos cavalos de Troia do rio, cruzeiros a abarrotar de turistas rapinando a paisagem com olhares gulosos, mas apenas isso. "Chegam, entram ou saem dos autocarros, e seguem viagem. É negócio que não deixa um cêntimo nestas terras", lamenta-se Mário dos Anjos, testemunha diária de rebanhos excursionistas com karaokes de Malhão a bordo.

Não se vive dos olhos pasmados ou espantos que vêm e vão.

Oriundo de Vilar de Amargo, o feitor da Quinta da Batoca tem um pretérito imperfeito a bailar na boca. As terras que, do alto de Ligares, piscam o olho a Barca d'Alva significavam tudo para ele. A quinta, das maiores do Douro, "era um jardim perfumado, de vinhas, olivais e amendoeiras", gerando cobiças e atiçando invejas. O escritor Guerra Junqueiro, proprietário, conquistou-a, a palmo, à aridez e pedra rude, mas também à manha e astúcia de uns quantos. Com prosa bruta inscreveu na paisagem um poema visual, de enlevos homéricos. Deixou versos pela casa, esboçados na cal, que agora se vão descascando e apagando como recordações ténues. "Plantou a maioria das oliveiras e ainda se dedicava a partir miolo de amêndoa na varanda, ao serão", conta, de ouvir, Mário dos Anjos.

A casa está trancada há décadas. A fundação que leva o nome daquele que zurziu o sarrafo na monarquia e no povo "resignado" bem tentou abrir portas a residências artísticas, inspirando exuberâncias literárias ou da mesma espécie. Nada feito, sentenciaram os poderes de Estado e a penúria autárquica. Mágoas que nem o restauro dos cardenhos, a apanha da azeitona ou os cachos que Mário leva ao Porto conseguiram apagar.

O LAGAR, TRADIÇÃO REQUINTADA
Longe vão os tempos dos "parranas engravatados" que surripiavam a região e Eugénio de Andrade imortalizou. A cada época a sua moldura pacóvia. Por estes dias, o Douro, domesticado na sua fúria secular de águas livres, deixa-se ir na corrente de elitismos vistosos e manias sensaboronas, resignado a cenário de flirts turísticos sem consequência, mas muito na moda. Se não desaguarem à porta de Cristina Gomes, ali para Escalhão, em Figueira de Castelo Rodrigo, ela até agradece. "Isto é para saborear." O Lagar saiu-lhe do pelo e do coração, não é pasto de excursão.

A empresária agrícola deixou a capital quando a asma da filha recomendou a pureza das raízes. À doença foi um ar que lhe deu e veio a vontade de fincar, de vez, os pés na terra. Com o empenho do marido, Pedro Rocha, restaurou, a partir de ruínas, o lagar dos avós. "Para mim, isto não é um restaurante, é um lugar de afetos", assegura.

Ali, o muro dos antepassados recuperado. Aqui, um trilho antigo, alfaia de madeira e lâmina aguçada, a servir de balcão, no qual repousa um exemplar de Sente e Descobre, guia turístico de Figueira, o mais falado de quantos são editados por estas bandas. Autoria de Daniel Gil, que lançou a ideia dos roteiros a partir d'A Viagem do Elefante, de Saramago, ou não tivesse a odisseia literária do paquiderme Salomão deixado fundo rasto no Douro e mais além.

Pela mão do amigo ou iniciativa própria, Cristina calcorreou casas e lares de terceira idade da região à cata de receitas ancestrais, dadas como perdidas. O pão de trigo chega agora das aldeias. O azeite respeita saberes e sabores rurais de outrora, por isso o polvo à Lagar pode vir à mesa, a boiar. A horta é da época, respeita os ciclos naturais. Queijos, fumeiros e enchidos têm o rótulo da geografia sentimental. A maioria dos vinhos exibe o selo da região demarcada do Douro. Pode ser um Carm, branco, de 2011, ou um tinto Vale de Pios, 2008, ali mesmo, de Escalhão.

Luís Sottomayor, enólogo da Casa Ferreirinha, gosta de chamar ao Lagar a sua cantina. Ao espírito gourmet ou lá o que é, Cristina contrapôs uma ementa em iPad, feita de "tradição requintada". A evidência come-se com os olhos: onde outros rubricam design gastronómico e estrangeirismos pomposos num prato ratado, Cristina exibe mimos de avós em fartas travessas de barro, a fazer jus aos nomes suculentos: tirinhas de porco preto com molho de laranja, cacho de vitela com migas de tomate, lagarada de bacalhau. O doce de ovos com batata é um hino à sabedoria caseira. De "comer e chorar por mais", frase que, por acaso, também dá nome a uma sobremesa de amêndoa de enfeitiçar paladares. Até a morcela doce de Escalhão, com mel e canela, "que já ninguém fazia", renasceu aqui.

ALMENDRA, DOCE E ORGULHOSA
A esta mesa pantagruélica senta-se Alfredo Mendes, décadas de escrita batucada num jornalismo de sabor literário, por vezes devedor de mostos e partilhas gustativas. Ainda cachopo, rumou a Leça da Palmeira levando a aldeia com ele, por dentro dele. Outros o fizeram, por necessidade ou aventura. Almendra, em Vila Nova de Foz Coa, é território de pergaminhos vários, com gravuras rupestres à distância de um rabisco, casas aristocratas e romaria sem igual em todo o Douro, a Senhora do Campo. Ali se teceu o que viria a ser a Lusomundo, a partir da vivenda da família Bordalo. Ali ainda se tricotam episódios da envergadura de Romeu e Julieta, com enredo na Casa dos Caldeiras, onde donzela mal-amada traiu o temido doutor da terra e se enamorou de rapaz do povo. Em tenra idade, ali foi parar Maximino de Sousa, o famoso padre Max, de esquerdas, assassinado à bomba nas fervuras do pós-revolução. "Não vás para padre. És bonitinho e depois as pequenas vão andar atrás de ti", rogava-lhe, sem sucesso, Sezira Ivone, que recorda o catraio que ali fez a instrução primária, bondoso.

Alfredo dedicou anos ao garimpo das alcunhas e dizeres do torrão natal, devolvendo à terra "códigos que nos uniam a todos, carregados de afeto e distinção, fruto de laços harmoniosos e de sangue". Do mapa do tesouro fazem parte mais de três mil termos, condimentados por influências castelhanas, francesas e árabes, e encontrados, até, nas obras de Jorge Amado e Machado de Assis. Em breve, a Câmara de Foz Coa editará este levantamento, ilustrado a partir de precioso arquivo fotográfico, cuidado com saudade por almendrenses como João Varges, radicado no Brasil. As páginas lavram honra e posteridade à Cabra Manhosa, ao Mata-a-Morte, ao Cai-lo-Cú, ao à Puta Gaga, mas também ao Caldo Enchebre ou às Balulas. Não se pense que a empreitada é coisa arcaica, pois não passaram muitos anos desde que um conservador do registo predial viu as cartas para Almendra serem devolvidas à procedência por nelas não constar a alcunha do destinatário.

Freguesia de destino marcado por partidas e chegadas, coube a Jorge Ribeiro e Valerie Censier encontrar aqui a terra a que chamam sua. Ela francesa, artista plástica. Ele de Gondomar, músico, ator e homem de mil ofícios, com percurso certificado pelas portas que abril abriu, onde, cantava-se, a seiva de uma espera tornou tudo mais urgente. Cansados da vida de estrada, Valerie e Jorge assentaram arraiais na vila duriense, depois de viagens ao desatino. Vegetarianos, nem os trajes nem a postura vagamente hippie desencadearam estigmas ou maldições ciciadas. "Fomos acarinhados desde o início. Trouxemos ideias novas, mas absorvemos o espírito da terra", reconhece Jorge.

O casal cuidou da autoestima das gentes da terra e povoados da região. Voluntariou-se para atividades socioterapêuticas junto de crianças e jovens das terras do Coa e organizou caminhadas, vindimas, sessões de ioga, passeios de burro, dignificando natureza e tradições. "Quando acontece algo novo, as pessoas ficam ansiosas", diz Valerie, que agora quer fazer pão em forno antigo. Jorge, esse, já andou no restauro de pombais e aprendeu com os velhotes as artes da enxertia, da poda e das apanhas. É vê-lo animando aldeias, comunidades agrícolas. Qual saltimbanco, carrega às costas espetáculos para crianças e adultos, com reportório e itinerários inspirados na musicoterapia, na pedagogia curativa e socioterapia. Nas horas que nunca sobram é vê-lo vestido de homem paleolítico nas atividades teatrais do Museu do Coa ou em diálogos pessoanos. Lá para finais de setembro aparecerá em Serralves a puxar um burro com livros. "É um espetáculo para crianças. Até o asno pode ser difusor de cultura."

A GUARDIÃ DE LENDAS
Ao final de uma destas manhãs tórridas do Douro, na outra margem do rio, no concelho de Carrazeda, Flora Teixeira já havia recebido nove notificações no Facebook. Deitara-se tarde na véspera: falara com filhos e netos, radicados em Moçambique, pelo Skype.

Levantara-se cedo. Antiga catequista, agradeceu aos céus mais um dia na terra e foi "mata-bichar", não sem antes sintonizar a Ansiães FM, a cujos discos pedidos não falha. Na mesa, repousam, rabiscados a letra redonda, os próximos poemas e artigos sobre as tarefas rurais de antigamente, que publica no jornal da terra, da Associação Cultural e Recreativa de Pombal de Ansiães. A aldeia, onde sobram pouco mais de cem almas, tem tradições teatrais desde 1927 e, no passado, tomou-se de brios na luta contra o analfabetismo.

Os habitantes vivem ainda a ressaca do festival de artes, realizado há semanas. Flora deu um workshop de sabão biológico e andou numa azáfama para acolher artistas, todos com alimento e teto garantido, ano após ano, nas casas dos anfitriões. Aos 82 anos, esta antiga tecedeira e ex-emigrante em África não falta a uma aula de ginástica e mantém a agenda preenchida com atividades onde canta, dança e representa. "Não sei o que é o tédio nem o isolamento", assume, de sorriso aberto. Há uns anos, a filha enviou-lhe, pelo correio, um computador portátil. "Para a melhor mãe do mundo, que nunca se esquece de saber e aprender", escreveu. E ela aprendeu.

O escritor Alexandre Perafita imortalizou-a no património imaterial da região. Flora herdou do avô a veia de narradora. É guardiã de lendas. "Para cima de três dúzias!" Histórias da peste em Pombal ou de mulheres que sonharam com ouro numa fraga que vai contando às crianças, nas escolas. "Sempre inventei monólogos e variedades." Das visitas despede-se de copo em riste, com presunto e queijo "para fazer a boca ao vinho", que é generoso ou fino, diz-se por aqui, com propriedade e acerto. "Não sejam pessimistas, toquem a vida para a frente", brinda.

PAI CALVO, CEMITÉRIO DE XISTO
José Pinto bem gostaria de dizer o mesmo, mas deixaram-lhe uma herança de pedra. Era esse o nome do filme baseado na saga duriense dos romances de Alves Redol, cuja rodagem, nos anos 1990, esteve prevista para Pai Calvo, aldeia fantasma, de xisto, em Armamar. "Ainda andaram aqui uns meses, prometendo que o filme ajudaria à reconstrução da aldeia. Mas depois a empresa faliu e eu fiquei a arder em 600 contos", conta este proprietário de afamada quinta.

A aldeia sofreu com a razia da filoxera, praga que, no final do séc. XVIII, transformou o Douro num cemitério de fragas e gentes, túmulos gravados nas encostas, desesperos atirados ao rio ou suspensos num laço fúnebre de corda. Desde 1930 que não se vislumbra vivalma naqueles carreiros onde repousam 13 casas e lagares, três delas compradas por José Pinto. "Desbastei o mato bravo, arranjei telhados, pus isto à vista." Chamam-lhe "o dono de Pai Calvo" e vagueia horas por ali, entre sonho e alucinação. "Não perdi a esperança de recuperar a aldeia para turismo rural ou museu. É uma questão de honra à memória familiar e de gerações", desabafa, de voz embargada.

A história do Douro está cheia de penitências carregadas entre flores bravas e penedos. Cansaços que, desafiando a natureza esquiva e encostas íngremes, vindimaram, do granito e do xisto, néctares dos céus, empoleirados em vidas precárias. O radioso resultado vê-se, como em nenhum outro lugar, do miradouro da Casa Redonda, na Quinta das Carvalhas, no Pinhão, propriedade da Real Companhia Velha. Dez minutos a subir, em círculo. As nuvens quase tocam a cabeça. O esplendor duriense pode ser apreciado, num ângulo de 360 graus, durante uma das atividades da quinta, do enoturismo à observação de aves.

O Douro anda, entretanto, obstinado em acasalar com a modernidade. Ora agasalhando um ripanço perigoso e sem freio, ora prenhe de rebeldia e inovações. Nos últimos anos, o Pôpa Vinho Doce tinto e o levíssimo Rufete, feito a partir de castas mal-amadas, beliscaram novos e desconfiados apetites. Maria do Céu é mais doces, mas pagou, em invejas e mentalidade retorcida, a fatura da sua magia.

Em Remostias, no Peso da Régua, a Doces do Céu impôs-se pelo saber, os produtos da terra e a lambarice, "mas não à custa destes turistas estrangeiros que aparecem por aqui e regressam com a barriga cheia de paisagem". As Régulas, de avelã, ovos moles e massa folhada, são uma dedicatória à sua terra. As Penaguiotas, pecado de ovos, é tributo aos de Santa Marta. As natas e os lacinhos não têm explicação, nem precisam. Já as Ferreirinhas são diamantes de chocolate, chila, amêndoa, uvas passas e vinho do Porto e trazem água no bico. Homenagem a D. Antónia Ferreirinha, mulher brava do Douro, "mas também uma forma de perpetuar, com doçura, a memória das mulheres da região, cujo destino era ter um bando de filhos, 15 ou 20, fazer o caldo à noite e aturar pancada dos maridos. E olhe que ainda há disto", lamenta-se ela.

AQUI NASCEU O 'VINHO CHEIRANTE'
Na margem esquerda, com vista para o casario estilo pato-bravo da Régua, João Azeredo também anda a matutar nas invejas que uma recente descoberta originou e que ameaça revolucionar a historiografia do Douro. Segundo um estudo do investigador Altino Cardoso, a publicar pela Universidade do Porto, a secular Casa dos Varais ocupa o território onde, em 1142, os monges de Cister iniciaram a produção do "vinho cheirante de Lamego" a partir de castas da Borgonha, para usar nas missas, que viria a ser posteriormente denominado Vinho do Porto. "Comprova-o um documento do Mosteiro de São João de Tarouca. A data, um ano antes da fundação da nacionalidade, até arrepia!", confessa o proprietário da quinta que receberá este legado.

João Azeredo foi apanhado de surpresa. A princípio desconfiado, rendeu-se às evidências. "É uma grande responsabilidade, para mim e para a região. Mas vem sustentar uma convicção pessoal: o Vinho do Porto não é apenas obra de ingleses, da D. Antónia, do Barão de Forrester ou do Marquês de Pombal, como pretendem fazer crer. Foi obra de gente mais simples e humilde", acentua. A Casa dos Varais já tinha sido pioneira no turismo de habitação, mesmo enfrentando resistências familiares. João abandonou o Porto nos anos 1980, deixando para trás a escola agrícola, e evitando o esfarelar da herança familiar. Transformou lagares, melhorou a qualidade das castas, apostou na comercialização. Na Casa dos Varais, manteve-se Maria Rosa, raro património duriense da safra de antigas cozinhas e encantamentos de levar ao lume, devidamente comprovados no arroz de pato e na doçaria. João também põe o avental, mas apenas nas ocasiões em que, fazendo uso do seu único segredo gastronómico, confeciona a Truta do Monge. "É fumada em barrica de vinho do Porto e leva sete ou oito horas a preparar", refere, orgulhoso.

Da janela da sala de jantar, ainda atordoado com os efeitos da novidade recente, repousa o olhar nas águas do Douro e medita nos tortuosos caminhos da região. "Assustam-me os projetos tipo elefante branco. Corremos o risco de replicar a Régua", medonho exemplo estético planeado de costas para o rio e "casas de banho viradas para fora", como lhe chamou D. Duarte Pio de Bragança. "O Douro é tradição, origem, genuinidade", acode Ernestina, a esposa. Ele concorda: "Os projetos e as modas não podem ignorar o rosto humano desta região."

'GANCHINHO' E O RIO CANSADO
Em Baião, a uma hora do Porto, o Douro já vai cansado, antes do encontro com o mar. Já não é bem um rio, esta bacia de águas serenas. "É mais um penico", lamenta Adriano Mouta, 73 anos, um dos últimos barqueiros vivos, imortalizados em Porto Manso, por Alves Redol. Estamos entre a terra do romance e a Pala. Nascido em Porto Antigo, do lado de Cinfães, Adriano mergulhou nas águas outrora matreiras para enganar a fome. "Tinha nove anos. Quando fiz a comunhão, levei sapatilhas emprestadas e mal segurava as calças", conta, enquanto se prepara para matar saudades do tempo em que era apenas Ganchinho, catraio travesso, filho de Joaquim Ruço, corajoso arrais da região.

Para Adriano foram dias e noites, por vezes de "nagalho à cabeça, todo nu", nadando desde Aregos, ou a domar rabelos com 70 pipas, Cockburn, Ramos Pinto, "por aí fora". Em Melres, já as ditas iam mais leves, aliviadas de litros de vinho fino, por conta de um crédito de misérias. Fez exame de quarta classe, com distinção. Disseram-lhe que escrevesse a Salazar. Um amigo embelezou o rascunho. "Acrescente 'A Bem da Nação'", recomendou o padre, influente. Adriano empregou-se na ferrovia, entre Lisboa e Porto. A vida passou-a a ver comboios, nas oficinas. Quando voltou ao Douro, de vez, encontrou-o transtornado, enjaulado em nome de futuros risonhos que poucos viram. Depois, veio o Lúcio, trasladado para o Douro, "que engoliu quanto peixe bom havia: escalo, boga, barbo. Agora só sai peixe mole, esfarelado. Nunca mais comi nada destas águas."

Adriano guarda o Douro dentro de si. Caudais de súplicas e desânimos, mas onde homens e mulheres foram erguidos ao tamanho de gigantes por sonharem com presépios acima do nível das águas. "Foi uma vida tirana. Mas se me tirassem o Douro dos olhos, matava-me logo aqui."

Clique nas imagens para ampliar. Imagens e textos da revista "VISÃO", com a devida vénia. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue sómente com a citação da origem/autores/créditos.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Retalhos da net: A INACABADA LINHA FÉRREA DE LAMEGO À RÉGUA

TranscriçãoOs efeitos da Segunda Guerra Mundial foram marcados em Portugal com uma certa instabilidade política e social, havendo constantes mudanças governamentais até 1926, sentindo-se os reflexos  nos Ministérios da Agricultura, Comércio e Indústria.
O caminho de ferro construido até então, destinado também a quebrar o isolamento a populações de localidades ermas, foi um dos veículos pelos quais muitos jovens imigraram com destino ao Litoral e grandes urbes, onde depositavam  a esperança dum emprego condigno e melhor qualidade de vida.
O êxodo dos jovens e da mão de obra do interior atingiu proporções preocupantes.
A crise, atingindo a manutenção das vias férreas, proporcionou em simultâneo a circulação automóvel, já que, também a rede de estradas nacionais proporcionava fluxos rodoviários às principais cidades do País.
A verdade é que na consequência do mal estar politico e económico vivido em Portugal até 1926, os caminhos de ferro não foram actualizados, não houve a manutenção devida, o material circulante estava ultrapassado, e era evidente uma instabilidade na instituição CP.
A comercialização e acessibilidade aos veículos automóveis, criou nas directrizes políticas, investimentos na rede viária, ficando para segundo plano a implementação e execução de nocas linhas de ferro.
Uma atitude inversa nos planos dos governos em relação às acessibilidades, ao interior, neste caso, à região do Douro, originando então neste território uma progressiva letargia em rentabilizar e manter todas as estruturas férreas construidas até então e paragem dos projectos e trabalhos duma nova linha no Douro Sul.
Seria a linha férrea Régua-Vila Franca das Naves, projecto cuja rentabilidade económica acabou por se questionar quando, se iniciaram os trabalhos entre Régua e Lamego e pouco depois pararam por motivos institucionais, económicos e políticos.
As características técnicas subjacentes ao traçado da linha, designadamente no que se refere ao declive máximo que as máquinas de então conseguiam vencer, exigiam que esta linha férrea possuísse um percurso muito ondulante.
A linha nascia na Régua, atravessava o rio Douro através de uma nova ponte de pedra construida então, mais à frente continuava numa outra ponte sobre o rio Varosa e, seguindo um traçado que se aproximava de Cambres chegava a Lamego até ao local onde hoje se situa o Palácio de Justiça e a central de Camionagem.
Os carris, foram entretanto transportados para o cais da Régua, e nesta precisa fase final dos trabalhos, por directrizes superiores, a obra em causa foi
considerada economicamente inviável, e então abandonada.
É claro que um dos grandes responsável por esta decisão foi a concorrência movida então pela camionagem para o mesmo trajecto.
Poucos anos depois quando os executivos competentes se afrontaram com a ruina em que
se encontrava a velha ponte em ferro da Régua, transformaram a abandonada ponte ferroviária para o tráfego rodoviário, alargando o seu tabuleiro.
Alguns troços foram adaptados ao tráfego rodoviário, mas a maioria do circuito permacece em bom estado.
Foram as políticas a priveligiar o litoral, a falta de estratégias turísticas tão importantes e de louvar neste território de Portugal, e com a mais valia nos tempos de hoje em rentabilizar turisticamente as linhas férreas aferentes ao Douro, que provocaram o desacelaramento e desenvolvimento deste interior, tornando-o pobre e descapitalizado.
Surge recentemente o turismo do Douro com a navegabilidade turística deste rio.
É importante que as zonas adstritas do Douro Norte e Douro Sul sejam divulgadas e façam parte dos roteiros turísticos de milhares de pessoas que anualmente visitam esta zona do País
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Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Transcrição de texto e imagens 'daqui'. Permitidos copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue somente com a citação da origem/autores/créditos. 

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A Vila da Régua em 1916

Aqui está retratada uma vila da Régua de um passado recente - ano de 1916- que faz ter saudades...!

Nesse tempo, a vila era uma urbe importante e a grandiosa como escreveu Júlio Vilela, na revista ilustração Portuguesa, que destacava a boa qualidade de vida para os seus habitantes, ao referir que tinha: "um caminho de ferro com um movimento espantoso (... ) pode ufanar-se de possuir água canalizada; iluminação eléctrica esplêndida; um bom hospital; uma Associação de Bombeiros Voluntários que é modelar, um edifício camarário (...), um asilo para velhos e, prestes, a inaugurar o "Asilo José Vasques Osório", para a infância dos dois sexos, obra verdadeiramente grandiosa".
Passado quase um século a Régua perdeu quase tudo. Se há água e luz em abundância, já lhe falta um hospital e os comboios na velha estação perderam movimento e a importância de um transporte moderno e rápido. O edifico camarário foi reabilitado e está mais funcional aos seus munícipes. O Asilo José Vasques Osório, agora nas mãos da Santa Casa da Misericórdia, continua a ser uma generosa casa de solidariedade para crianças desprotegidas. E, finalmente, a Associação dos Bombeiros Voluntários... continua sempre modelar. Um exemplo de força invencível para a população reguense que serve com magníficos bombeiros. Com os 130 anos de existência, encontra-se a requalificar todo o interior do belo quartel, desenhado pela mãos do prestigiado Arquitecto Oliveira Ferreira, com obras de beneficiação de vulto e prepara-se para realizar, em finais de Outubro de 2011, com com toda a pompa e circunstância, o 41º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses.
-  Colaboração de J. A. Almeida* para "Escritos do Douro" em Janeiro de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Cartas de Longe: Um pouco mais da Régua - Rebuçados, Antão de Carvalho, Barão de Forrester e a Santa Casa

Um pouco da história dos Rebuçados da Régua
 Olha o rebuçado da Régua... ... Levem o rebuçado da Régua... ... !

Quem chega à Régua de combóio, ou pela sua bonita e centenária Estação dos Caminhos de Ferro, imediatamente a seguir ao ranger das carruagens anunciando a paragem, inevitavelmente, ouve um apelo único de vozes de mulheres de sotaque tipicamente duriense:

- Olha ó rebuçado da Régua, levem rebuçados da Régua
- Ó meu amor não vai uma saquinha ?...

De bata branca e lenço da mesma cor, colocado de forma característica na cabeça, lá estão, ainda hoje, as rebuçadeiras da Régua no Largo e na Gare da Estação, vendendo ao forasteiro que chega ou ao patrício que parte, este ex-libris gastronômico da cidade.

Rebuçadeira é uma profissão que se imagina tão antiga quanto a iguaria, contudo não há ao certo uma data exacta para a origem do fenômeno e do negócio, da mesma forma que cada rebuçadeira guarda o seu segredo de confecção como sendo o tesouro da sua vida.

Os rebuçados da Régua são também centenários, segundo o testemunho de Ermelinda Mesquita - a "Ermelinda Rebuçadeira" - uma das mais antigas e carismáticas rebuçadeiras da Régua, famosa pelos aromas dos seus rebuçados, e que na esmerada cozinha onde tudo acontece, foi deixando as mãos trabalhar e a saudade recordar...

- ...Do que se sabe, primeiro, os rebuçados começaram por ser vendidos nas festas locais e das redondezas; havia dois vendedores muito conhecidos - o "Prosa" e o "Cândido Rebuçadeiro" - e talvez só depois tudo tenha começado".

Aprendiz de D. Maria Adelaide, a Ermelinda Rebuçadeira começou bem cedo, na década de 40, no característico restaurante da gare da Estação...

- À hora dos comboios éramos quatro moças de bata verde (na altura era assim) - uma vendia água em bilha, que custava nessa altura 15 tostões; outra vendia em cantarinha, a copo, e outra ainda andava com o tabuleiro dos caramelos, das bolachas e da fruta, e a última vendia os nossos rebuçados da Régua - 3 pacotes 5$00. Já lá vai muito ano... concluiu a D. Ermelinda com a nostalgia de uma profissão de que se orgulha, apesar de um percurso de vida difícil e marcado no olhar e nas mãos enrugadas de tanto moirejar, mas não sem, entretanto, falar de dentro, recordando...
- Era uma juventude maravilhosa... foram os melhores tempos da minha vida... aos Sábados e Domingos era a correria para o baile dos Bombeiros."...

Depois de o açúcar em ponto com duas cascas de limão e...( o tal segredo) ter passado para a branca pedra de mármore untada com margarina, e daí para o plástico esticado na mesa, ainda a ferver, as mãos, indiferentes à dor, vão cortando os rebuçadso um a um, rápida e habilmente, para depois os embrulhar em forma de autênticos laçarotes que saem das mãos desta senhora, que chegou a ensinar muitas outras da atual geração de rebuçadeiras.

- Hum, que delícia, comentamos, com privilégio de saborear o primeiro a desembrulhar!
- E então diga lá que agora não ficava bem um cálicezinho de vinho fino, ou do Porto?

E rematou, para concluir:

- Ó menino, não leva uma saquinha ...?"
- Villa Regula - Março de 1999 - Texto de José Braga Amaral.

 Figuras Ilustres da Régua
Antão de Carvalho e a criação da Casa do Douro

Em 1931, a lavoura duriense passa mais uma vez por momentos difíceis, não conseguindo controlar o preço do seu vinho, que cai constantemente, e esperando-se a todo o momento uma situação de ruptura.

Era preciso criar um organismo associativo que não só defendesse o vinho e a região, mas também os promovesse.

Aconteceu então que um conjunto de ações foram levadas a cabo por homens destemidos e de muito mérito, como: Carlos Amorim, Joaquim Carvalhais, Dr. Bonifácio da Costa, Dr. Antão Fernandes de Carvalho, Eng. Artur Castilho, estes dois últimos com a responsabilidade de fazerem o "Estatuto do Douro", que viria a ser alterado pelo governo.

Fez-se então um contraprojecto, mais uma vez não só da responsabilidade do Dr. Antão Fernandes de Carvalho, como também do Dr. Camilo Bernardes Pereira e do Eng. José da Costa Lima, e que viria a ser aceite.

E foi assim que, em 19 de Novembro de 1932, o governo, aceitando esse novo projeto do Estatuto do Douro, fez publicar o decreto-lei nº 21883 criando a Federação Sindical dos Viticultores da Região do Douro, hoje Casa do Douro.

A Casa do Douro e esta região demarcada muito devem a homens como o Dr. Antão Fernandes de Carvalho, que com o seu saber, carácter e influência muito contribuíram para a sua criação.

Nasceu no ano de 1871, no lugar de Vila Seca, freguesia de Poiares e concelho de Peso da Régua.

Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra e ocupou lugares de destaque como o de deputado, Presidente da Comissão de Viticultura da Região do Douro, Presidente da Câmara do Peso da Régua, Secretário do Estado do Comércio, sub-Secretário do Estado da Presidência, Ministro da Agricultura, do Comércio e Pescas e outros cargos que seria fastidioso aqui referir.

Veio a falecer em 1948.

Morreu o homem, mas ficou a obra...bem-haja.

Citando Carlos Amorim: "A sua figura máscula, hercúlea, bem vincada, à beira do grande edifício, é como que uma sentinela, sempre firme no seu posto, a vigiar e a guardar."
- In Villa Regula - Março de 2000 - texto de Marco Aurélio Peixoto

O Barão de Forrester

O Barão de Forrester, de nome Joseph James Forrester, nasceu em Hull, na Escócia, a 21 de Maio de 1809.

Veio a falecer, vítima de um acidente de barco, no Cachão da Valeira, em Maio de 1861.

Chegou a Portugal em l830 e dedicou-se desde muito cedo à carreira comercial, ajudado nesse tempo por um tio, grande comerciante na cidade do Porto.

Tornou-se num homem distinto, de grande cultura, deixando-nos uma extensa obra bibliográfica. Também foi poeta, desenhista e aguarelista.

Além do inúmeros mapas da região demarcada, ele foi o autor do importante mapa "O Douro Português", traçando o curso deste rio desde a fronteira espanhola até à foz. Este excepcional trabalho fez com que o governo lhe atribuísse o título de Barão, honraria pela primeira vez atribuída a um estrangeiro.

Como nesse tempo o acesso para o Douro era difícil, mandou construir um barco do gênero rabelo, ricamente decorado e apetrechado, onde oferecia jantares aos seus amigos. A tripulação era muito bem remunerada e magnificamente uniformizada.

Quando se encontrava hóspede de D. Antónia Adelaide Ferreira, veio a encontrar a morte no barco em que se fazia transportar numa viagem de recreio, voltando-se, no traiçoeiro ponto do Cachão da Valeira.

Socorridos por outro barco, salvaram-se todos menos o referido barão, uma criada e um criado.

Dizem que D. Antónia se salvou graças aos seus vestidos, que se comportaram como um perfeito balão, e o barão se afogou porque levava na sua faixa uma quantidade apreciável de moedas em oiro.

Morreu e ficou sepultado no lugar que mais o impressionava, chegando a desenhá-lo por duas vezes. Foi uma perda irreparável.
- In Villa Regula - Dezembro de 1999 - Texto de Marco Aurélio Peixoto.

Santa Casa da Misericórdia do Peso da Régua
A solidariedade por uma vida mais digna
A Santa Casa da Misericórdia da Régua foi criada em Fevereiro de 1928. Ao longo dos tempos viveu fases de grandes carências, mas nos últimos anos cresceu a olhos vistos e atualmente possui uma série de serviços bem organizados e que respondem a praticamente todas as necessidades dos que procuram a sua ajuda.

Gente de todas as idades vem a esta casa em busca de solidariedade e companhia ou para viver em tranqüilidade os dias que lhe restam.

A Santa Casa da Misericórdia possui um centro infantil, freqüentado por 35 crianças dos três meses aos três anos, e um centro de educação pré-escolar com 75 crianças, entre os três e os seis anos. Para além disso, tem ainda salas de apoio ao ensino básico frequentadas por 64 crianças.

A Santa Casa da Misericórdia da Régua alberga, em regime de internato, cerca de 30 jovens com idades compreendidas entre os dois e os 33 anos. A maior parte delas cresceram aqui. Têm uma vida igual a todas as outras jovens e frequentam a escola. João Pereira, provedor desta casa, afirma que "há duas jovens a frequentar cursos superiores e todas elas, desde que o seu comportamento e a sua capacidade o permitam, vão ter essa oportunidade".

SOLIDARIEDADE E LIBERDADE - À partida, a Santa Casa da Misericórdia alberga os jovens até aos 18 anos. Depois, a maior parte delas arranja emprego ou casa-se e segue o seu rumo. De vez em quando regressam para fazer umavisita, recordar velhos tempos e partilhar memórias com a nova família.

No caso de terem dificuldades, as jovens podem continuar a contar com o apoio desta casa.

João Pereira afirma que todas as jovens que vivem na Santa Casa da Misericórdia da Régua estão integradas na sociedade reguense, apesar de uma grande parte delas virem de outras terras, "talvez porque não há na região instituições deste género e porque esta casa já adquiriu um estatuto especial. Toda a gente reconhece a capacidade desta casa na educação e no acompanhamento das jovens", diz João Pereira. Na Santa Casa da Misericórdia da Régua, as jovens têm liberdade para participar em atividades desportivas e culturais noutras instituições e associações da cidade, "para que sintam e saibam que são iguais a todas as outras". Algumas praticam voleibol no Clube de Caça e Pesca, outras praticam dança e algumas estão integradas em grupos da igreja. "No dia 24 de Julho (1999) estiveram todas no estádio Nacional a ajudar a compor o logotipo humano de candidatura de Portugal ao Europeu 2004", conta João Pereira.

UM OMBRO AMIGO - Dentro de casa, todas estas jovens têm o apoio e a ajuda que necessitam, tanto nos estudos como na sua vida pessoal. Ao fim da tarde uma explicadora dedica-se a tirar as dúvidas que ficaram daquele dia de escola, para que todas tenham sucesso nos estudos. E no provedor, sabem que têm um ombro amigo para pôr questões e pedir conselhos sobre tudo. João Pereira está, atualmente, empenhado em conseguir o apoio técnico de uma psicóloga para estas jovens, porque, afirma: "estão na idade da rebeldia, que é perfeitamente natural, e queremos dar-lhes o acompanhamento que merecem se precisarem". Mas orgulha-se do fato de as jovens da Santa Casa da Misericórdia da Régua, rebeldes ou não, terem um comportamento exemplar e nunca terem criado problemas graves.

UM ESTÍMULO PARA OS IDOSOS - Os idosos têm na Santa casa da Misericórdia um abrigo e um estímulo a uma vida útil e saudável. Em regime de internato vivem aqui atualmente 60 idosos e freqüentam o Centro de Dia 10.

A lotação está esgotada, como acontece nas restantes faixas etárias, e há uma lista de espera de mais de 100 idosos para serem acolhidos por esta casa. Aqui, a ocupação dos tempos livres dos idosos está garantida. A maior parte das mulheres dedica-se à execução de rendas e bordados, há quem tenha uma paixão e um talento especial para artesanato e há quem goste de trabalhar e cultivar a terra. Os trabalhos que produzem são exibidos e vendidos em diversas exposições na cidade, para ajudar a pagar as excursões que realizam.

Já foram a Fátima, a S Salvador do Mundo, à Senhora da Lapa e deram um passeio de barco com o apoio do Instituto de Navegabilidade do Douro e da Câmara Municipal. "É uma forma de sentirem que estão capazes e que podem ser úteis", diz João Pereira.

Muitos destes idosos também ocupam os tempos livres em passeios pela cidade e regressam à hora das refeições. Deste modo, mantêm-se integrados na sociedade e preservam os amigos.

CENTRO RENAL - Nos últimos anos, a Santa Casa da Misericórdia da Régua melhorou as suas instalações e os seus serviços. Várias obras foram levadas a cabo com o apoio da Segurança Social, nomeadamente a criação do lar de idosos e a melhoria das condições da sede. Algumas ações legadas por D. Antónia Adelaide Ferreira, conhecida como a "Ferreirinha" e que foi a grande benemérita desta casa, também contribuiram para o investimento.

Para além disso foi ainda construido um prédio de rendimento com dois pisos. No primeiro estão habitações alugadas a casais de idosos com maiores possibilidades financeiras. No rés-do-chão, a Santa casa da Misericórdia fundou um centro renal, inaugurado em Junho passado (1999). "Entendemos que a nossa função não se deve limitar ao apoio a jovens e idosos, mas também aos carenciados em termos de saúde" , explica João Pereira. Por enquanto, o centro renal está a funcionar parcialmente e apenas com doentes da região de Viseu., mas brevemente a população do distrito de Vila Real vai poder contar com este Centro para os seus tratamentos.

MELHORES CONDIÇÕES - Para os próximos tempos, a Santa casa da Misericórdia da Régua tem projetos cujo objetivo é a melhoria crescente das condições de trabalho e de quem aqui vive. Para as crianças está em vista a contratação de um animador desportivo e cultural, a construção de um parque infantil coberto no espaço exterior da casa e a criação de campos de mini-basquete, voleibol e andebol. Além disso, está em projeto a criação de uma biblioteca. Mas os projetos vão mais longe. Um dos edifícios desta casa, contíguo à sede, está a beneficiar da remodelação de todo o seu interior, com vista a melhorar as instalações. João Pereira explica que o edifício "já está velho e além disso as jovens internas, ali alojadas, não tinham privacidade, dormiam em quartos de oito". Quando as obras estiverem terminadas, vai haver um quarto para cada duas jovens, com casa-de-banho privativa, aquecimento e ar-condicionado. Com a remodelação deste edifício vão ser melhoradas também as instalações da secretaria, lavanderia, salão nobre, gabinete da provedoria, cozinha e sala de jantar.

Com o apoio do Instituto do Emprego e da Formação Profissional de Vila Real foi possível arrancar com uma ação destinada a auxiliares de educação das crianças. O primeiro módulo já se concluiu e está agora a decorrer outro até Junho do ano 2000. Estão 15 funcionários da Santa Casa da Misericórdia e cinco de outras instituições amigas e vizinhas a freqüentar esta ação de formação. Posteriormente, vai arrancar um outro módulo para as funcionárias que lidam com os idosos.
- In Villa Regula de Dezembro de 1999 - Texto de Olga Magalhães.

Nota - Face ao tempo passado desde a publicação desta reportagem, fatos, datas, pessoas e acontecimentos poderão ter-se sucedido e alterado. Assim pedimos vossa compreensão, porque o importante é levar ao mundo que a Régua, além do Marão, do vinho, do rio Douro, de suas belezas geográficas e seu povo trabalhador e hospitaleiro, também sabe educar e respeitar as crianças menos favorecidas e acolher e minimizar a solidão de seus idosos. Bem hajam todos que exercem alguma função na Santa Casa da Misericordia da Régua.
- J. Luis Gabão
(Clique nas imagens acima para ampliar. Transferência de arquivos dos sitios "Peso da Régua/Pemba" que serão desativados em breve)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Apeadeiros da minha infância... LOIVOS

Quando, de Pereiro de Agrações (terra de minha saudosa Mãe, D. Nair Gabão) , transpúnhamos serras, em férias escolares, a pé ou de burrico até Loivos (ou vice-versa), em busca do comboio para a Régua...

Lamentando a tal cruel e moderna 'extinção' que não se condói com a MEMÓRIA, nem com o que é belo, útil e de obrigação preservar, transcrevo:

""Loivos foi extinta em 2013, no âmbito de uma reforma administrativa nacional, tendo sido agregada à freguesia de Póvoa de Agrações, para formar uma nova freguesia denominada União das Freguesias de Loivos e Póvoa de Agrações da qual é a sede Chaves.
A foto editada, pertence a um antigo apeadeiro, isto é, a uma estação de comboios secundária. Isto serve para elucidar algumas pessoas que têm total desconhecimento de tal Estação. Segundo versões de populares, esta estação ficou mais desviada da Aldeia de Loivos, devido às influências das gentes de Vidago, que não queriam que a estação ficasse muito longe de Vidago, e assim, como Loivos era uma aldeia de grandes dimensões e comercializava muitos produtos agrícolas, esta estação ficou entre Loivos e Oura, vê-se claramente que a linha teve que ter muitas alterações e muitas curvas, para que pudesse chegar a Vidago.""""
- Fontes de texto e imagens - Arquivos de Jaime L. Gabão, Wikipédia e blogue "Engenheiros do Riso.

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Janeiro de 2014. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores.

sábado, 3 de novembro de 2012

Retalhos da net - Era uma vez um combóio lá pelo Douro...

Transcrição - Out 27 18:00 

Estações Esquecidas em Vila Pouca de Aguiar

A Casa da Cultura de Vila Pouca de Aguiar acolherá, entre sábado 27 de Outubro e 25 de Novembro, a exposição Estações Esquecidas – 125 anos da Linha do Tua, com fotografia e vídeo de Sílvia Gonçalves.
Esta coleção permitirá fruir da riqueza natural da linha ferroviária do Tua e abrir espaço à reflexão sobre o seu futuro, num momento em que parte significativa do percurso se encontra desativada.

A relação intrínseca entre a natureza da exposição e a história do edifício da Casa da Cultura, antiga estação da Linha do Corgo, constituirá o mote para a tertúlia de inauguração de Estações Esquecidas – 125 anos da Linha do Tua. A iniciativa, marcada para sábado 27 de Outubro, pelas 18 horas, visa resgatar Memórias da Linha do Corgo, histórias de partidas e chegadas, peripécias e romances na antiga estação ferroviária de Vila Pouca de Aguiar.

Os participantes da tertúlia estão convidados a contribuir, com fotografias, documentos ou objetos relacionados com a Linha do Corgo, para a exposição permanente que está a ser desenvolvida, para a Casa da Cultura, pela VitAguiar, EM.
- Redacção

Clique  na imagem para ampliar. Imagem e texto do site do " @tual - Diário do Alto Tâmega e Barroso trenscritos e editados para este blogue com a devida vénia - Sugestão de Carlos Pinheiro e José Alfredo Almeida. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

BOMBEIRO AO MEU JEITO

De certo modo sempre tive os nossos Bombeiros dentro do meu ser.

Em criança era o saudoso Abílio T. Dias, carinhosamente “Bibi” lá em casa, que mal a sirene soava o seu “chamamento”, logo largava o que quer que fosse que o ocupasse, na pressa de chegar, dizendo para o meu pai:-padrinho está a tocar a sirene…

Quando mais tarde chegava, quantas vezes só no dia seguinte, o ritual de sempre. Ardeu muito, onde foi e muitas mais perguntas que trouxessem algum alívio pela aflição que sempre sentia, como se fossem os meus que estivessem em causa. Se porventura era algum acidente de estrada, relatava-nos os danos das viaturas e a situação clínica dos ocupantes.

O “Bibi”, no seu jeito humilde, mas de muita satisfação e maior orgulho pela farda que garbosamente envergava, era a minha referência em cada desfile, que eu não perdia nunca, pendurado na varanda lá de casa, na Rua dos Camilos.

Na adolescência subi muitas vezes as escadas até lá acima, para ir ao Sr. Marinheira levantar e entregar os primeiros livros, não os escolares, que esses transitavam do meu irmão mais velho. O pingue – pingue também me levou muitas vezes ao Quartel.

Com o primeiro ordenado veio a minha inscrição de associado.

Um dia, já na ternura dos 40, o Sr. Eduardo M. Sebastião convidou-me para fazer parte da lista para a direcção. Ainda não tinha acabado de expor o projecto que tinha em mente e já o meu, claro que sim, o interrompia.

Um convite tão honroso só podia ter aquela resposta.

Ao fim de 6 anos, o amigo Eduardo já com 20 anos de director deu por finda a missão.

O Dr. Alfredo Almeida deu-lhe continuidade e ao convite formulado para que eu continuasse, anui com a mesma alegria e satisfação.

Nesses 12 anos, o apelo das marchas e aprumo da Fanfarra, que me acompanhava desde a 1ª apresentação em 15 de Agosto de 1976, aquando das Festas em Honra de Nª Sª do Socorro, avivou-se.

Como o jeito para os instrumentos musicais era pouco, o meu escape foi assumir a direcção da mesma.

Em muitas cidades, vilas, aldeias do nosso cantinho à beira-mar plantado elevei bem alto o Estandarte e marchei consciente que ia ali o meu Torrão Natal. Quanto orgulho e porque não, vaidade até, ao ouvir à nossa passagem os aplausos e a exclamação, são do Peso da Régua, a que se juntava no final o reconhecimento das Comissões de Festas.

Tínhamos que declinar muitos convites, pois a agenda ficava preenchida de um ano para o outro.

Com os nossos Bombeiros tornei-me ainda mais reguense, ao calcorrear e conhecer todos os cantinhos das nossas freguesias, em angariação de fundos, quando o cofre normalmente vazio, requeria algum fundo de maneio extra para socorrer a tantas necessidades.

Um dia a minha avó nos seus 86 anos, só pedia que a levassem no carro dos Bombeiros.

Não queria ir “fechada” num carro fúnebre. O saudoso Comandante Gouveia e a Direcção fizeram-lhe a vontade. O Buick levou a minha querida avó até à última morada. Vou ficar em dívida o resto da minha vida.

As medalhas de bronze e prata com que me galardoaram aquando dos 5 e 10 anos de bons serviços directivos estão orgulhosamente encaixilhados e expostas na sala de visitas ao lado do meu mais querido legado, os meus filhos.

Aos nossos Bombeiros o meu sincero reconhecimento por me terem permitido pertencer a tão honrosa, altruísta e solidária Instituição.

P S - O bom amigo Dr. Alfredo Almeida, há bem pouco tempo, foi o meu cicerone na cortesia de apreciar as recentes obras de requalificação do Quartel Delfim Ferreira. Uma obra digna de realce e de visita obrigatória.
- Miguel Ribeiro Gonçalves
Ao Dr. Alfredo Almeida                                               
Digmo Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua.

Caro amigo,

Fico-lhe grato pelo apreço que deu ao meu artigo, o que para mim foi uma surpresa.

Eu apenas disse o que penso, pois não aceito que certos críticos, que se calhar nunca sentiram a dor duma queimadura e não sabem distinguir o imaginário duma realidade, venham à praça lançar bocas que apenas servem para desmoralizar aqueles que, estóica e voluntariamente, expõem as suas vidas ao serviço da vida dos outros; mesmo que involuntariamente, cometam erros, que as circunstancias tantas vezes tornam inevitáveis; apagar um incêndio como aqueles a que assistimos pela TV, não é o mesmo que apagar a chama duma vela em dia de aniversário e cuspir nos dedos para apagar o pavio: do lado de cá tudo parece fácil, mas do lado de lá, no terreno, o cenário é real e não imaginário!

O Dr. pede-me que escreva sobre os bombeiros da Régua; porém,  eu não tenho matéria suficiente para o fazer, porque, embora o meu apreço pela instituição, não acompanhei de perto a sua história. Posso, no entanto, informá-lo da razão do meu orgulho por ela, que não é exclusividade minha, mas sim, como sabe, o orgulho de quase toda, senão mesmo toda a população do concelho, desde há muitos anos.

Como sabe, eu era ferroviário. Durante a década de 50 do século passado, era eu então factor de 2ª classe, estava na bifurcação do Corgo, a regular a circulação dos comboios procedentes da linha do Alto Douro e da linha do Corgo com destino à Régua e vice-versa, e a entrada e saída do material circulante de e para as oficinas ali existentes.

Um dia, numa conversa a propósito do incêndio da Casa Viúva Lopes, (ao qual não assisti) com o Manuel Fernandes, um operário (já falecido) que era bombeiro e trabalhava naquelas oficinas, fiquei a saber o prestígio que os bombeiros da Régua ao longo da sua historia  haviam granjeado a nível nacional; prestígio confirmado mais tarde pelo Manuel Montezinho, um dos mais acérrimos defensores da construção do conhecido por “bairro dos bombeiros”, quando era membro da direcção, então presidida pelo senhor Dr. Aires Querubim.

Fiquei entusiasmado, propus-me ser sócio da associação e, salvo o erro, terá sido o Manuel Fernandes a tratar da minha inscrição que, se a memória me não falha, com o número 1025. Não fiz nada de especial; afinal, no seu lema de vida por vida, nunca se sabe se um dia, um bombeiro perde a sua vida, para salvar a minha. E quem diz a minha, diz a de muitos outros.
Ninguém é obrigado a ser sócio da associação. Porém, para com uma instituição de voluntários, cabe-nos o dever moral de, voluntariamente também, contribuirmos para a sua grandeza que analogicamente, contribui para o orgulho da nossa terra, competindo à sua direcção e aos próprios bombeiros, com a sua dedicação, a nobre tarefa de alimentá-lo.

Da Régua, uma a uma, todas as instituições nos têm levada. Porém um dos mais ricos patrimónios desta cidade, é a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso Régua, e essa, ninguém nos pode levar.

Com os melhores cumprimentos, 
- José de Oliveira Guerra, Peso da Régua 05-9-2012
  • Bombeiros da Régua no Google (imagens)
Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 13 de Setembro de 2012. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue sómente com a citação da origem/autores/créditos.