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terça-feira, 21 de agosto de 2012

Uma crónica intemporal - Era em Agosto…

*M. Nogueira Borges
Era em Agosto com as águas deslizando para as hortas, os vinhedos repletos de verde e de doçura, os homens de coletes a tiracolo e sacholas pelos ombros, as mulheres mastigando broa e encolhendo ciúmes, as crianças a jogarem às escondidinhas no adro da capela e nas curvas dos quelhos, os cães e os gatos a barafustarem nos terreiros do casario perseguindo galinhas e garnizés, o bêbedo de sempre arrancado à taberna pelo filho desgostoso ou pela mulher já habituada.

A tarde acabava assim, com o sol a morrer devagarinho por detrás das montanhas, uma fresca macia alegrando as almas, os velhinhos do Asilo a derreterem minutos para a ceia e o médico a abandonar a Casa do Povo.

A menina senta-se ao piano e os seus dedos brancos deslizavam suavemente pelo teclado.

As Rosas da Despida desfolhavam-se em emoções e os sons espalhavam-se pelos corredores e escapuliam-se, serenamente, pelas janelas abertas, flutuando no silêncio da noite como fantasias de crianças. Ecoavam além, nos contrafortes dos montes ou no fundo do vale a quem os antigos chamavam poço do vinho.
Era Agosto e as festas do Socorro anunciavam-se. As ornamentações engalanavam as ruas, os carrinhos e os carrocéis enchiam a Alameda e as iluminações não deixavam sombras para namorar. Quando as lâmpadas desenhavam o campanário da Igreja do Peso muitos olhos se desviavam lá para cima a ver se os Remédios já cintilavam.

Era um tempo em que a perseverança não se excepcionava e a terra cavada com suor dum esforço ancestral tinha uma história feita de lendas e as gentes sonhos sem fim onde se recriavam a habitualidade, se espevitavam futuros, se diversificavam motivações e se engrandeciam espaços.

As Festas do Socorro eram um compasso de espera na roda do tempo e do trabalho, estreias de fatos e vestidos, arranjos de cabelo nos salões da Vila que a Régua ainda não era cidade de nome.

Era a romaria dos desenraizados do litoral em retorno aos almoços de cabrito assado e arroz de forno nas mesas familiares. As estradas enchiam-se de carros e de excursões, os comboios fumegavam na Estação, um mar de gente inundava a princesa do Douro e todos eram conhecidos.

Havia crianças ao carrachol e idosos amparados a bengalas, cantadores de chulas, tocadores de realejos, bombos, ferrinhos e concertinas. Dançava-se no meio das ruas e em todos os cantos onde o pó escondia feições.

Os rapazes sopravam em cornetas de barro, mercavam-se panos, mantas e potes para a vindima, voavam ilusões sobre o murmúrio humano, as gargalhadas estrondeavam, avinhadas, nos tascos e cafés, à mistura com o tilintar dos copos, e as tristezas estavam trancadas nas casas vazias das aldeias em redor.
Era em Agosto e, quando a Senhora do Socorro se passava, no andor florido, por entre alas de bombeiros e anjinhos, a multidão esquecia a profanidade e ajoelhava-se em silêncio de Fé encomendando promessas, gemendo aflições e cantando alegrias. A Senhora a todos sorria numa magnanimidade de ternura e perdão que marejava os olhares dum povo cheio de memórias de sacrifício glosadas por poetas e prosadores.

Era Agosto e as uvas amadureciam à espera dos cestos…
- In  Boletim das Festas de Nossa Senhora do Socorro.


*Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor e poeta do Douro-Portugal. Nasceu no lugar de S. Gonçalo, freguesia de S. João de Lobrigos, concelho de Santa Marta de Penaguião, em 12.10.1943. Faleceu em 27 de Junho de 2012 na cidade de Vila Nova de Gaia. Frequentou o curso de Direito de Coimbra, cumpriu o serviço militar obrigatório em Moçambique, como oficial mil.º e enveredou pela profissão de bancário. Tem colaboração dispersa por diversos jornais, nomeadamente: Notícias (de Lourenço Marques); Diário de Moçambique (Beira), Voz do Zambeze (Quelimane), Diário de Lisboa, República, Gazeta de Coimbra, Noticias do Douro, Miradouro, Arrais e outros. Em 1971 estreou-se com um livro de contos a que chamou "Não Matem A Esperança". (In 'Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses', coordenado por Barroso da Fonte. Manuel Coutinho Nogueira Borges está no Google.
  • Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue.
Clique nas imagens para ampliar. Texto e imagens cedidas pelo Dr. José Alfredo Almeida. Fotos de Miguel Guedes. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012 e em homenagem ao saudoso Amigo MANUEL COUTINHO NOGUEIRA BORGES. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos. 

terça-feira, 1 de novembro de 2011

41º Congresso dos Bombeiros Portugueses

O 41º Congresso da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), reunido na Régua entre 28 e 30 de Outubro, escolheu o comandante Jaime Marta Soares para liderar a confederação até final de 2014 e, a uma só voz, vencedores e vencidos apelaram à unidade no momento difícil que as associações de bombeiros atravessam.

O comandante Jaime Marta Soares venceu as eleições com 375 votos contra os 298 arrecadados por Joaquim Rebelo Marinho. Marta Soares é actualmente o presidente da mesa de congressos da LBP, presidente da Federação de Bombeiros do Distrito de Coimbra e comandante dos Bombeiros Voluntários de Vila Nova de Poiares. Joaquim Rebelo Marinho é vogal da direcção da Escola Nacional de Bombeiros, por indicação da LBP, presidente da Federação de Bombeiros do Distrito de Viseu e presidente da assembleia-geral da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Satão.
Este encontro com mais oitocentos participantes foi uma disputa eleitoral mas, depois disso, constituiu uma jornada de apelo à unidade perante as gravíssimas dificuldades por que os bombeiros portugueses estão a passar. De tal modo, que a sobrevivência de muitas associações começa já a estar em causa.

No cerne da questão está o transporte programado de doentes e as decisões ou demissões unilaterais do Ministério da Saúde de incumprimento do acordo estabelecido com a LBP nesse domínio e que, em primeira instância está a coarctar aos cidadãos o direito de aceder a esse transporte. A queda abrupta dos pedidos de transporte com a consequente quebra de receitas, em média superior a 50 por cento, está na origem da difícil situação financeira vivida pelas associações e corpo de bombeiros. Essa situação teve já como consequência imediata o despedimento de muitos colaboradores dos bombeiros que asseguravam o transporte de doentes.
No decorrer do congresso foi também sublinhada a urgência de um modelo de financiamento dos bombeiros que substitua o modelo actual provisório e desfasado já que , inclusive, os seus valores não são actualizados há quatro anos e os custos do dia a dia não têm parado de crescer.

No âmbito do sistema de protecção civil, do congresso saiu reforçada a vontade dos bombeiros de, participando nesse sistema, poderem ter uma direcção autónoma como todos os restantes agentes da protecção civil.

A sessão de abertura do congresso decorreu nos paços do concelho de Peso da Régua com a presença do secretário de Estado da Protecção Civil, Filipe Lobo de Ávila, enquanto a sessão de encerramento, realizada no pavilhão multiusos municipal, foi presidida pelo ministro da Administração Interna, Miguel Macedo. No decurso desta sessão procedeu-se à atribuição da Fénix de Honra ao Provedor da LBP, comandante Fernando Vilaça.

De destaque no programa deste Congresso foi também a apresentação do livro “Memórias dos Bombeiros do Peso da Régua”, da autoria do Dr. José Alfredo Almeida, presidente da AHBV do Peso da Régua e da Federação dos Bombeiros de Vila Real, apresentado no belíssimo salão nobre da Casa do Douro, pelo padre Vitor Melicias, que elogiou o trabalho do autor e qualidade da obra, pelo enaltecimento do colectivo de acontecimentos ímpares na vida de uma associação/corpo de bombeiros com 131 anos de história.
No final, decorreu um desfile apeado e motorizado de cariz temático que permitiu conhecer as várias valências e tipos de missões e socorro prestados pelas associações de bombeiros do distrito de Vila Real. Associaram-se também ao desfile diversos guiões de federações distritais e associações e corpo de bombeiros de outras zonas do país.
- Peso da Régua, 1 de Novembro de 2011

Clique  nas imagem acima para ampliar. Imagens de Francisco Ferreira/Foto Baía. Texto e imagens cedidas pelo colaborador deste blogue, Dr. José Alfredo Almeida. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2011.
Retalhos do desfile apeado e motorizado de cariz temático das associações de bombeiros do distrito de Vila Real
(Clique nas imagens para ampliar)
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41º CONGRESSO DOS BOMBEIROS PORTUGUESES
A Régua foi a Capital dos Bombeiros de Portugal
Jornal "Arrais", quinta-feira, 03 de Novembro de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Era uma vez um comboio...


Antigo ferroviário oferece-se para recolocar os carris na Linha do Corgo.
(Jornal de Noticias, Vila Real, Sta Marta de Penaguião, 31 de Outubro de 2011)
Aos 82 anos, o antigo ferroviário José Pinto Mourinha quer ir ajudar, e de graça, a recolocar os carris da Linha do Corgo só para ver passar de novo o comboio entre Régua e Vila Real.
Este octogenário juntou-se às cerca de 50 pessoas que participaram este domingo, em Alvações do Corgo, município de Santa Marta de Penaguião, para debaterem o "Presente e o Futuro", numa iniciativa promovida pelo Movimento Cívico pela Linha do Corgo (MCLC).
O Plano Estratégico de Transportes do Governo prevê a desactivação da Linha do Corgo, entre Peso da Régua e Vila Real, que actualmente se encontra com circulação suspensa.
Encerrada desde Março de 2009 pelo anterior governo, que alegou razões de segurança, a linha que ligava a Régua a Vila Real deveria ter sido alvo de um investimento de 23,4 milhões de euros em obras de reparação e reabrir até ao final de 2010.
As obras pararam após o desmantelamento dos carris, ficando no lugar da linha férrea uma estrada de terra batida.
José Pinto Mourinha foi chefe de distrito da CP. Em 1984, chefiou uma equipa de 45 homens na requalificação da Linha do Corgo até Chaves. Poucos meses depois assistiu ao encerramento de Vila Real para cima.
"Reparámos a linha bem reparada e depois fecham-na. Tanto dinheiro que nós gastámos a meter carris", salientou o antigo ferroviário.
Primeiro até Chaves, mais tarde em toda a extensão. Por isso agora, José Pinto afirmou que "tornava para lá" e "de graça" para ajudar a montar os carris de novo nesta via estreita.
Ao lado, Luciano Sousa Lucas garantiu que ajudava até porque agora é obrigado a viajar no autocarro que substituiu o comboio, um meio que transporte que considerou mais "perigoso" por causa da estrada estreita.
O MCLC lançou uma petição em defesa do regresso do comboio a esta via já em 2012. O objectivo da petição é atingir as quatro mil assinaturas, número mínimo para levar a petição a debate na Assembleia da República.
Daniel Conde, do MCLC, defendeu a reactivação da linha, mas com um comboio moderno que ande entre 50 a 80 quilómetros e com horários que sirvam as populações.
"Neste país só não há dinheiro para o que não se quer. Só nos estudos do TGV já se gastaram 116 milhões de euros e não há nada no terreno", sublinhou.
Este responsável apelou às populações locais para se juntarem e lutarem para Linha do Corgo.
O presidente da Câmara de Santa Marta de Penaguião, o socialista Francisco Ribeiro, participou neste debate até porque considera que o encerramento definitivo da linha uma "notícia muito triste". No entanto, referiu que ainda não teve qualquer comunicação oficial sobre este assunto.
As preocupações do presidente aumentaram por causa dos rumores de que a CP se prepara para acabar com o transporte rodoviário, alternativo ao ferroviário, o que, na sua opinião, se tornará "num drama complicadíssimo" que deixará a população de Alvações do Corgo "completamente abandonada".
Não há transporte público que ligue esta freguesia à sede do concelho e a maior parte da população, trabalhadores e estudantes, deslocam-se para a Régua ou Vila Real.
Em representação da Câmara da Régua, o vereador Mário Montes referiu que as autarquias "foram claramente levadas" na questão da Linha do Corgo e salientou a disponibilidade para lutar e protestar.
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Era uma vez um COMBOIO HISTÓRICO ?

Recortes - RÉGUA, antes... RÉGUA, depois...


(Clique na imagem para ampliar)
Peso da Régua - Rua dos Camilos

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Hospital D. LUIZ I - Um hospital moribundo ?


Hospital D. LUIZ I - Um hospital moribundo ?
HOMENS de palavra - Precisam-se !!!


ÚLTIMA HORA | 11-10-2011
Hospital da Régua encerra mesmo
O ministério da Saúde informou os deputados do PS, eleitos por Vila Real, que o Hospital da Régua irá mesmo encerrar. O seu fecho está previsto no plano de reestruturação do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD), na sequência da abertura do hospital de Lamego.

Em resposta a um pedido de esclarecimentos dos deputados Rui Santos e Pedro Silva Pereira, o ministério da Saúde adianta que a “avaliação desta situação está a ser objecto de estudo no âmbito do processo de reorganização da rede hospitalar” que se prevê ficar concluído até ao final deste ano.

O mesmo ministério informou que o encerramento do Hospital D. Luís I, no Peso da Régua foi elaborado em articulação com a Administração Regional do Norte (ARS Norte).

Fonte - http://www.noticiasdevilareal.com/noticias/index.php?action=getDetalhe&id=11529
11 de Outubro de 2011
Hospital D. Luiz I não encerra
Ministério da Saúde reassume
Em resposta aos Deputados do PS - Círculo de Vila Real, o Ministério da Saúde informou que o Plano de Reestruturação do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, elaborado em articulação com a Administração Regional de Saúde do Norte, previa o encerramento do Hospital D. Luiz I. Este Plano de Reestruturação não vincula o actual Governo, o qual tem em curso um  "processo de reorganização da rede hospitalar", mantendo, por isso, a situação do Hospital D. Luiz I em análise.
Esta indefinição conduziu a nova tomada de posição por parte do Executivo Municipal reguense que, com carácter de urgência, reuniu segunda-feira, 3 de Outubro, com o Secretário de Estado da Saúde. O Ministério da Saúde reassumiu a garantia de que o Hospital não irá encerrar.
Recorde-se que essa garantia havia sido assumida a 14 de Setembro, pelo Secretário de Estado da Saúde, Manuel Ferreira Teixeira e posteriormente reiterada pelo Ministro da Saúde, Paulo Macedo, em sequência da defesa interposta pelo Município do Peso da Régua da manutenção em funcionamento do Hospital D. Luiz I, sob risco do encerramento representar um grave prejuízo para os cerca de 50 mil utentes desta unidade hospitalar.
O processo de reorganização da rede hospitalar deverá estar concluído até Dezembro de 2011, com garantia de empenhamento por parte do Ministério da Saúde em encontrar uma solução capaz de responder às necessidades da população reguense.
Este comunicado cumpre o dever de informar os utentes do Hospital D. Luiz I, relativamente ao compromisso assumido pelo Governo português e, simultaneamente, assegurar-lhes que  o  Executivo Municipal reguense continuará a trabalhar no sentido de ter asseguradas no Concelho  as melhores condições possíveis em matéria de cuidados de saúde.
Posto isto, o Município do Peso da Régua aguardará com serenidade, sem qualquer outro comentário adicional, a definição do papel final do Hospital D. Luiz I no contexto do Centro Hospitalar Trás-os-Montes e Alto Douro.

Fonte - Câmara Municipal de Peso da Régua

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Sino de Canelas

Quiseram os bombeiros da Régua ter o seu museu quando, no dia 28 de Novembro de 1980, faziam 100 anos de existência. Quiseram e, com o esforço de alguns directores, entre eles destacou-se o Prof. Pedro Macedo, antigos bombeiros, amigos e benfeitores da associação, conseguiram que a ideia do Comandante Cardoso se tornasse uma realidade. Escolheram uma sala no último andar do Quartel Delfim Ferreira para preservarem as suas memórias que começavam a ser perdidas e esquecidas.

Encontrado o lugar certo, arrumaram os primeiros os materiais de socorro, um carro de tracção humana usado nos primórdios da corporação. As moto-bombas que perderam a potência, apesar de parecerem outra vez novas. As agulhetas que apagaram fogos urbanos e florestais, ao lado de outras ferramentas. As fardas, os capacetes, botas e as aricas já sem uso. Os primeiros estandartes, bastante desbotados. Outros materiais que serviram para apagar fogos urbanos e florestais. Há manequins para mostrar como eram os primeiros uniformes utilizados pelos gloriosos bombeiros do passado século e pela sua fanfarra. Uma maca, muito gasta e quase a desfazer-se na lona e nas dobradiças, para transportar dos doentes infectados pela gripe “pneumónica” de 1918.

De seguida reuniram-se os documentos históricos: a cópia da carta do rei D. Luís I, a atribuir o título de “Real Associação”, o livro dos primeiros estatutos, o regulamento do Corpo de Bombeiros e a inscrição dos sócios-contribuintes, o livro das primeiras actas, as medalhas, os crachás e os diplomas que mostram o mérito, o valor e a coragem de homens que se dedicaram de corpo a alma à causa do voluntariado e muitas fotografias, de todos os comandantes, bombeiros que se elevaram na sua acção ou que sacrificaram a vida para salvarem a de outros, de viagens e encontros com camaradas de outras corporações, de directores e de ilustres beneméritos que, muitas vezes, contribuíram com os seus bens para que a Associação pudesse permanecer no tempo como uma garantia de protecção e de socorro.
Em 1983, o museu já recheado de muitas peças de valor e, devidamente organizado para receber condignamente os seus visitantes, era baptizado com o nome de “ Dr. João Araújo Correia”, em homenagem ao escritor reguense, desde criança um íntimo e entusiasta admirador dos bombeiros, como comprovam as suas cónicas de recordações.

Este museu não preserva só a memória dos bombeiros. Ele preserva outras memórias e expõe objectos que fizeram a história de outras instituições, algumas já desaparecidas, como o Orfeão Reguense, que ao longo do tempo, se relacionaram com os bombeiros, pela dedicação de amizades, ajudas mútuas e realização de acções conjuntas, no âmbito do bem –fazer social e de solidariedade. E, se calhar para surpresa de muitos, guarda alguns preciosos objectos que se relacionam com episódios da história do concelho do Peso da Régua, como é o caso de um pequeno sino fundido em bronze que tem esta inscrição: "CÂMARA MUNICIPAL DE CANELAS/1852".

Esta relíquia pode-se observar no museu dos bombeiros da Régua. Esta está conservada e arrumada num suporte, entre as demais peças que os bombeiros se serviram nas suas intermináveis missões de socorro. Parece que o sino naquele local se confunde com a própria história e as memórias dos bombeiros, mas não é verdade, já que tem algo que o distingue. Até podia ser confundido se, alguma vez, fosse posto no telhado do quartel e se os toques do sino tivessem convocado para actos heróicos os bombeiros, na falta da ruidosa sirene. Era assim, que o escritor reguense o imaginava a servir: "Quem quiser ver esse pedaço de bronze deverá subir à cobertura da nossa casa, como quem diz ao telhado do nosso quartel. Substituirá a sereia quando a sereia emudecer."

Mas, este sino tem uma grande história para se conhecer, que muito poucos aprenderam na escola. Pertenceu ao edifício da ex-câmara de Canelas, quando era esta terra era a sede de concelho que veio a ser extinto em 1853. Depois da sua anexação ao concelho da Régua, o sino foi confiado aos seus bombeiros, na convicção de que no quartel poderia ter uma nova utilidade pública. O escritor João de Araújo Correia, no livro “Pátria Pequena”, conta na crónica “Uma relíquia”, mais pormenores relativos a este sino. É ele que assegura que sua função inicial era a de convocar os vereadores do executivo municipal. Extinto nas reformas administrativas o concelho de Canelas, destruído o edifício da câmara, o sino ficou abandonado à sua sorte, até que alguém o levou para os bombeiros da Régua. Conta também o escritor que, anteriormente, o sino tinha sido usado pela população para avisar da invasão de inimigo que lhe ameaçava a liberdade e a soberania. Este sino, lembra o escritor que "deu o rebate de Franceses à vista, nas lombas de Além-Douro, em 1808. Fez fugir, no primeiro repente, os povos alarmados pela ruim fama do invasor Loison”.
O sino de Canelas está ligado, desta maneira, à história da segunda invasão francesa, na sua incursão pelo norte do Douro, durante a passagem pela Régua das tropas comandadas pelo General Loison, conhecido por “Maneta”, quando se preparava para atravessar o rio Douro. Um acontecimento histórico que, apesar do sofrimento e terror vividos, honra o carácter e os valores pátrios de um povo. A recepção ao invasor foi marcada pela uma resistência notável, com um emboscada montada no lugar do Santinho, no Salgueiral. Sem armamento e com o recurso ao arremesso de pedras, os populares conseguiram parar a coluna das tropas – com perto de 2.000 soldados - e causar ferimentos e a morte em alguns homens. Na reacção, o cruel e sanguinário “Maneta” repeliu a rebeldia com o cerco da Régua e castigou uma população civil, indefesa militarmente, com severas represálias. Pelo que, na manhã de 22 Junho de 1808, as tropas francesas atacaram a vila com canhões de artilharia, a que “se seguiu um assalto e as violências consequentes perpetradas contra os pouco habitantes encontrados, ocorrência que a imaginação popular aumentou, e foi noticia que aterrou e indignou o país”, como relatou o General Carlos Azeredo em livro recentemente editado.
Na verdade, este saque causou as primeiras vítimas das invasões francesas na Régua, que provocou a morte de, pelo menos, 15 pessoas e, em muitas outras, o roubo e a destruição dos seus poucos haveres. Em reforço destas memórias, vale a pena relembrar o que o historiador Vasco Pulido Valente descreveu, no seu interessante livro “Ir pró Maneta”, sobre o saque da Régua:

“Loison saiu de Almeida a 17 de Junho. A 20, chegou a Lamego, que se rendeu imediatamente. A 21 atravessou o Douro próximo da Régua, em direcção a Mesão Frio (...). Quando, porém pretendeu continuar para Amarante e penetrou nas montanhas, foi para assistir ao fim do que tinha sido, até ali, o passeio militar francês em Portugal. Uma considerável força de paisanos, religiosos e quatro dúzias de fidalgos e oficiais (...) investiu contra os flancos e a retaguarda da coluna de Loison. (...)

Loison sofreu baixas significativas. (...)

Impedido de prosseguir, Loison recuou para a Régua, constantemente embaraçado pelas guerrilhas. Perto da Régua e, depois, na travessia do Douro para Lamego, o ataque intensificou-se e os franceses sustentaram de novo pesadas perdas em homens e material. Pela primeira vez, os “gloriosos conquistadores da Europa” fugiam. E fugiam diante de uns milhares de paisanos, com paus e piques e a rara espingarda raramente nas mãos de vocações naturais, como a do frade dominicano José de Jesus Maria, o “frade branco” que depressa se celebrizou pela sua infalível pontaria e a impressionante quantidade de soldados inimigos de que piedosamente aliviou a pátria martirizada.
Perante a inesperada eficácia da rebelião, Loison adoptou, quase como reflexo, a única estratégia coerente de contra-guerrilha: as represálias maciças sobre a população civil. Na impossibilidade de encontrar e bater os insurrectos, que esta escondia e apoiava, a única alternativa lógica (embora não exactamente moral) consistia em obrigá-la a mudar de campo, pagando largamente em vidas e em bens portugueses qualquer gesto contra o ocupante. (...)

À eleição destes métodos, no futuro banais, de sufocar o levantamento, e não à sua crueldade privada, deve o “maneta” Loison (não tinha um braço) a sua presente má reputação, como também por causa deles a locução “ir para o maneta” se fixou perenemente na língua. A campanha repressiva abriu, logo após a primeira derrota dos invasores, com o saque da Régua e, em toda a sua longa retirada para a fortaleza de Almeida, a coluna (que “diminuía a cada passo”) queimou searas, casas, celeiros, matou homens, mulheres, crianças e velhos (...)”

O sino de Canelas não é só um pedaço de bronze. Tem um significado e uma lição singular da história da Régua, de um passado que urge evocar como exemplo de cidadania da população reguense que, com as suas próprias mãos, ousou enfrentar um invasor tão implacável e mortífero, absolutamente imbatível aos olhos de civis desarmados e impotentes, mas orgulhos e destemidos na defesa do seu país. Ainda bem que se encontra no Museu dos Bombeiros - Museu Dr. João de Araújo Correia - que mais do que servir para contemplar o passado, ambiciona nos 130 anos de existência da associação, ser um lugar para o exercício de uma memória, com os olhos postos nos desafios do futuro.
- Colaboração de José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Agosto de 2010.
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O Sino de Canelas no "Arrais"

Poderá ampliar para "tela inteira" (full screen) utilizando as "ferramentas" disponíveis no "box" acima.
(Link - http://embedit.in/qXFCyqLWOL - Arquivo em formato "pdf".)

  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua de onde é natural e de figuras marcantes do Douro.

sábado, 15 de maio de 2010

Largo do Cruzeiro

Se não são inéditas, pelo menos são desconhecidas para muitos estas fotografias de António Teixeira, que assinalam o 38º aniversário da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, comemorado em 28 de Novembro de 1918, com a realização de um exercício de fogo e salvamento, no jardim do Largo do Cruzeiro, publicadas pela prestigiada revista “Ilustração Portuguesa”.

São fotografias raras que completam uma informação escassa e sem documentos nos seus arquivos, mas que despertam a atenção para um período interessante da história dos bombeiros da Régua.

Sabe-se, contudo, que para os bombeiros da Régua, os primeiros anos da sua afirmação não foram fáceis. Conhecem-se as dificuldades para manterem em actividade um corpo de bombeiros, não pela falta de voluntários, mas sobretudo devido à falta de apoios dos poderes públicos. O dinheiro era escasso, não chegava para pagar as rendas do quartel, nem tão pouco para a reparação das bombas de incêndio. Os bombeiros tinham de comprar as suas fardas e acessórios de trabalho e, quando algum tinha de abandonar, a direcção da associação adquiria esses equipamentos por um valor simbólico. Mas, apesar das constantes adversidades que enfrentaram, esses homens persistiram em levar em frente o sonho do Comandante Manuel Maria de Magalhães e o decorrer do tempo, trouxe-lhes a coroação de todo o esforço e dedicação em vitórias e glórias. Esses generosos homens nunca deixaram de mostrar a sua determinação e de afirmar a importância de uma organização de socorro que a população reguense admirava e a que dava o seu prestimoso auxílio.

Em 28 de Novembro de 1918, a população reguense mostrava que estava ao lado dos seus bombeiros voluntários, em quem acreditavam e com quem sabia poder contar nos momentos de tragédia. Não surpreenderá ninguém que, nessa altura, estivesse uma grande multidão no Jardim do Largo do Cruzeiro, a assistir ao exercícios dos bombeiros, que se encontravam a simular o combate a um incêndio urbano, com o material que possuíam, as escadas de lanços e de ganchos e, para o tornar mais real, levaram o carro de tracção humana, carregado com as mangueiras.
A escolha de um edifício com grande volumetria implicava maior abundância de pessoal e de material, para poder efectuar uma demonstração da capacidade operacional dos bombeiros de Peso da Régua. As escadas proporcionavam exercícios ritmados, orientados por comandos de voz ou por silvos de apito. Era momento privilegiado para evidenciar a destreza e a disciplina de execução, dando a conhecer à população a preparação dos seus homens e despertando a confiança que neles podia depositar. Aliás, era esse o objectivo pensado pelo comandante Afonso Soares.

Os bombeiros da Régua começavam a ter fama de corajosos. Desde a fundação da associação que homens competentes, inteligentes e dedicados à causa humanitária ambicionavam torná-la uma organização prestigiada, capaz de cumprir os seus objectivos de socorro e protecção, propostos nos primeiros estatutos.

Daí que a revista “Ilustração Portuguesa” tenha feito a notícia do evento em tom elogioso para os bombeiros voluntários da Régua: “É uma das melhores organizações de província a dos bombeiros voluntários da Régua, a cuja corporação pertencem indivíduos de todas as classes que só têm uma aspiração – arriscarem a sua vida para salvarem a alheia.

E disto tem dado inúmeras provas em muitos sinistros que têm acontecido, merecendo louvores de toda a população da vila, que lhes tributa admiração.”

Estas imagens são ainda um documento valioso que nos mostra o ambiente circundante de um lugar público da cidade, as memórias do Jardim do Largo Cruzeiro que, apesar das alterações profundas que fizeram no seu desenho, permanece como uma referência histórica e sentimental na paisagem urbana.

Elas testemunham também o carácter público do lugar de lazer, passeio e convívio de crianças e jovens, que deveria encher de gente nos dias de celebração religiosa, na Capela do Senhor do Cruzeiro, situada nas suas imediações.

O jardim do Largo Cruzeiro não passava de um modesto espaço, despido de adornos, povoado de pequenas árvores e servido de iluminação eléctrica. No conjunto, não aparece a Capela do Senhor do Cruzeiro, mas sobressai um edifício grande, austero, de fachada branca, varanda e janelas amplas. Durante muitos anos, funcionou nesse prédio um estabelecimento escolar para rapazes, o Colégio de Santa Teresinha. Até há pouco tempo, esteve aberto um moderno salão de chá, em estilo sóbrio, que conquistou fama e clientela nas últimas gerações de reguenses, por ser um espaço que proporcionava inesperados encontros, amores eternos e outros acontecimentos felizes e inesquecíveis.

Mas, o curioso da história é que o edifício que avistamos ao fundo do Jardim do Largo do Cruzeiro, que os bombeiros, em 1918, escolheram para fazer um exercício de demonstração das suas perícias e capacidades de combate ao fogo, acabou por ser destruído, em 2008, por um violento incêndio que deflagrou pela madrugada e os bombeiros não conseguiram dominar, ficando reduzido a cinzas e ruínas.
Em crónica intitulada “A flor (do Adro) desaparecida”, Manuel Igreja expressa as emoções que lhe causou a visão do monte de ruínas lavradas pelas labaredas. É ocasião de relermos as palavras conjugadas a quente:

“Numa destas últimas madrugadas de antes do Natal, a Régua foi sobressaltada com mais um incêndio no seu centro histórico. A sirene dos seus mais que centenários bombeiros voluntários tocou, porque o edifício do antigo colégio de Santa Teresinha tinha pegado fogo. Bem no âmago do seu centro mais antigo em termos de Régua propriamente dita, que Peso é lá encima, no prédio onde estavam instaladas as sedes partidárias e mais um dos mais emblemáticos e mais belos cafés da cidade, a celebre “Flor do Adro”, o lume fazia as suas, assumindo a natureza que lhe é própria, espalhando a destruição que lhe compete em casos semelhantes.

Quando me deparei, de manhã cedo, com o cenário dantesco e desolador, tive pena, senti consternação, e senti um nó na garganta. No tempo em que cheguei à Régua em termos definitivos, o café que está agora destruído estava a dar os seus primeiros passos, depois de instalado e decorado pelo senhor Germano, reguense já desaparecido, e um verdadeiro artista na arte da decoração. Aquele estabelecimento comercial era, vinte e tal anos depois de ter sido concebido, uma verdadeira ode ao bom gosto. O proprietário que poucos anos depois se lhe seguiu, teve igualmente o bom gosto e o bom senso de manter a decoração, e isso é igualmente de louvar. Fosse-se cliente ou frequentador do estabelecimento, o papel que este café teve na cidade é inegável, pois sendo um local público, à semelhança de qualquer outro, era, a seu modo, uma sala de visitas da Régua.

(…)

Mais parece que deu o tranglomango à Régua no que concerne às suas principais ruas, onde não faltam prédios em ruínas, e onde os dedos de uma mão não chegam, para já, para se contar aqueles que o fogo devorou (…). Começa a parecer-se um apetecível pasto para as chamas a Régua que os antigos edificaram.

(…)

Não podemos deixar de sentir que a Régua está a perder lentamente as flores que compõem o ramo da sua história. Desapareceu a “Flor do Adro”, mas essa foi a última. Evitar que a outras flores em forma de edificações aconteça o mesmo, é seguramente impossível. Esperemos contudo que das cinzas, como da Fénix mitológica, renasçam novas e vigorosas flores (…)”

A Régua, no início deste novo século, é uma cidade jovem para se descobrir nos encantos da paisagem dos socalcos das vinhas que a envolvem. Para a conhecer melhor é preciso caminhar pelas ruas principais até à zona alta, olhar as águas serenas do rio navegado por barcos turísticos e os imaginários rabelos, sentir os cheiros da flor das laranjeiras, da esteva e do rosmaninho que, nas vindimas, se misturam com o do mosto dos vinhos, ficar, enfim, até ao entardecer, no café do novo cais fluvial, nos dias cheios de luz e de silêncios que caem sobre o Vale Abraão. Em pensamento, adivinhar os contrastes entre o tradicional e o moderno, o mutável e o intemporal.

A cidade, com origens pombalinas, nasceu e cresceu com a fama e os negócios dos seus vinhos e o trabalho e o amor dos vareiros de Ovar e dos galegos, antepassados povoadores, que lhe deram identidade própria, como ainda nos lembra uma velha cantiga dos tempos dos bisavós: “A Régua era bonita/Se não tivesse dois erros/Passeada de vareiros/Ladrilhada de galegos”. Sem razão, estes erros são antes virtudes dos povos a que os reguenses devem estar agradecidos.
Acredito que não falta tempo para ainda passar pelo jardim do Largo do Cruzeiro. Com calma e tranquilidade, goze a presença dos testemunhos vivos do velho casario caiado de branco, com os beirais a servirem para as andorinhas construírem os ninhos, que faz daquele jardim um universo habitável e poético e, perto da estátua erguida em homenagem ao comandante Afonso Soares, insigne reguense que escreveu a única história da cidade, ouça contar mais evocações do passado dos gloriosos bombeiros da Régua.
- Peso da Régua, Maio de 2010, J. A. Almeida.