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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Um ilustre benemérito

Do ilustre benemérito senhor António José Rodrigues guardo eu uma primeira imagem que me ficou já remota, já delida pelos anos que passaram. Nesses recuados tempos, teria eu uns seis ou sete anos, entrei com meus pais no estabelecimento comercial do senhor António José Rodrigues, conhecido no meio pela alcunha de Mumu. Ainda hoje tal epíteto me escapa ao entendimento e também me escapa, ou já não me lembra, qual a peça ou artigo que meus pais foram ali comprar. Seria uma peça de riscado ou fazenda, seria pano-cru ou seria apenas uma meia dúzia de botões? Não sei… O que sei é que a loja do Mumu se situava no enfiamento da rua dos Camilos e um pouco adiante da Pensão Douro.

A bem dizer, situava-se muito perto da estação de comboios. Toda a clientela que viesse às compras à Régua e que ali se apeasse dos comboios ou das camionetas de carreira, tinha por perto a loja do Mumu.

Quando há muitos anos ali entrei, levado pela mão de meus pais, a loja pareceu-me algo modesta, um tudo nada envolvida de soturnidade mas, ainda assim, bem rica de prateleiras, com um variado mostruário de tecidos e fazendas. Ao tempo, foi essa a impressão que me marcou e da qual me lembro.

Também me lembro que, às tantas, uma frase ou um dito do senhor Rodrigues fez com que meu pai risse uma boa gargalhada mas, por qualquer minha distracção infantil, não dei tento do gracejo ou da galhofa, sei lá se de alguma malandrice.

Mas, no correr dos anos, sei que o comércio do senhor Rodrigues era comércio de boa nomeada, boa aceitação e boa freguesia. Ali se vendiam variados tecidos e fazendas, chitas e riscados, xailes e camisolas, cobertores e atoalhados, colchetes e botões. A metro ou à dúzia, tudo era, modo de dizer, um ver se te avias. E a verdade é que o senhor Rodrigues, anos a fio, lavrou nesse comércio as raízes do seu trabalho e do seu desafogado viver.

Digamos, portanto, que tal negócio não lhe foi desventuroso. Digamos ainda que o senhor Rodrigues fazia todos os dias uma boa caminhada desde a residência, no Senhor dos Aflitos, até à sua loja de comércio.

É crível que, passo a passo, num relance de olhos, visse e sopesasse também o negócio dos outros, fosse o chamariz das montras, as particularidades de um amplo balcão ou até o deslumbramento diante da cintilação do oiro e da prata no mercado das ourivesarias. De caminho, era ainda a louvação dos bons-dias e boas-tardes dadas aos passantes e convizinhos. E, se calhar, o senhor Rodrigues ia congeminando sobre o deve e haver dos seus negócios, como quem deita contas à vida. Contas feitas, era como se um fogo de bem-querer e bem- fazer lhe incendiasse o espírito e abrisse os caminhos do humanitarismo. Por acréscimo, o senhor Rodrigues ficou milionário da solidariedade e da benemerência, afeiçoada à honrada e luminosa repartição dos bens.

Eu, a fazer fé nos desígnios deste mundo, direi que, por vezes, as riquezas podem ser muito pobres e miserandas. Tais riquezas, se geradas por uma ambição desmedida e pela cainheza do entesoiramento podem desfazer-se num monte de cinzas e num rescaldo de escombros a céu aberto. Podem ter, afinal, estes acabamentos, estes inesperados desatinos.

Em jeito de conclusão direi que o benemérito António José Rodrigues legou grande parte dos seus bens à Santa Casa da Misericórdia e, principalmente, à corporação dos Bombeiros Voluntários.

Acabou seus dias acamado num quarto particular do hospital da Régua, quarto que ficava mesmo defronte da sala de partos, ali onde se definiam as linhas de toda uma Vida por Vida, ali onde a religiosa Irmã Maria foi parteira de todos os meus filhos.

Eu, já licenciado em medicina, pude visitar o senhor Rodrigues uma ou outra vez e pude ver que tinha diante de mim um cavalheiro já de certa idade, com uns dizeres modestos e suaves, como que à espera do fim. Ao lado, sobre a mesinha de cabeceira, sobressaía uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, encimada pelo fino recorte duma coroa de prata.

Essa imagem foi doada à Irmã Maria em reconhecimento pelos serviços de enfermagem prestados ao senhor Rodrigues mas ela bem sabia do meu gosto por antiguidades e velharias, com particular apetência pela arte sacra. Por isso, alguns dias passados, não estranhei que me entregasse a imagem da Nossa Senhora da Conceição, recatadamente enfiada num saquito de plástico.

E assim, por linhas travessas, salvo seja, a benemerência do senhor António José Rodrigues chegou até mim.
- Peso da Régua, 30 de Julho de 2013, Manuel Braz de Magalhães.
  • Também neste blogue em 7 DE DEZEMBRO DE 2009 - O benemérito António José Rodrigues por  J. A. Almeida.
  • Publicado no semanário regional "O Arrais", edição de 7 de Agosto de 2013:

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2013. Texo e imagens cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Também publicado no jornal semanário "O Arrais", edição de 07 de Agosto de 2013, Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sábado, 23 de janeiro de 2010

O jornal “Vida por Vida”

Começava a 1 de Agosto de 1956: “Aqui tem o primeiro número do boletim dos Bombeiros da Régua. A ideia de o realizar vem sendo amadurecida há longos meses para que, uma vez saído do prelo não viéssemos a arrepender do seu carácter. Ao princípio era nosso intento fazer dele apenas um mensageiro das actividades da corporação junto dos sócios. Mas, pensando melhor, concluímos que a escassez do assunto viria fatalmente transformá-lo em publicação monótona. (…) Tomando neste aspecto, o Boletim apenas dará vulto aos acontecimentos que dele necessitem para beneficio da Régua, reflectindo-os sem os desvirtuar. Desta maneira, não haverá espaço para tribunas alheias ao aspecto que vimos focando. (…) incluiremos sempre que seja, possível uma página de sabor literário. Um conto, uma crónica ou uma biografia, jamais estragaram um serão…”

Eram estas as primeiras palavras do editorial, intitulado “Certidão de Nascimento”, do número um do jornal “Vida por Vida”, que nesse ano passava a ser publicado como o órgão oficial da AHBV do Peso da Régua, com o objectivo de servir de elo de ligação dos bombeiros aos seus associados e benfeitores.

Teve como primeiro director o Dr. Camilo de Araújo Correia. Depois dele, por se ter retirado pelos seus afazeres de médico, seguiram-lhe nessa função o Dr. Júlio Vilela, Alfredo Baptista, Dr. Vieira de Castro e o Dr. Aires Querubim Meneses.

O seu aparecimento deve-se a uma ideia de Alfredo Baptista, dinâmico e empenhado director, que exerceu vários cargos na Direcção liderada pelo Dr. Júlio Vilela. A ele se deve a ideia e, sobretudo, o muito trabalho para que o jornal vingasse nos seus primeiros anos de vida. Publicou-se entre 1956 e 1974. Tinha distribuição gratuita entre os associados, amigos e benfeitores e todas as associações humanitárias de bombeiros a nível nacional.

Ao longo de 18 anos, o “Vida por Vida” saía uma vez por mês e, em momentos especiais, fez suplementos de assuntos importantes. Era composto e impresso nas oficinas gráficas da Imprensa do Douro.

Teve uma longevidade ainda razoável parta as dificuldades que atravessou. Apenas as circunstâncias históricas impediram-no de atingir a maturidade. Mas, em vida criou fortes raízes na massa associativa, benfeitores e admiradores. Sendo os seus responsáveis amadores, foi graças ao seu esforço e sacrifício que, conhecendo a realidade, conseguiram ter uma vitória sobre o tempo. Se em cada ano saíam doze números do “Vida por Vida” em cada número venciam as dificuldades sem número. Além de que, os textos publicados tinham de ser visados previamente pela censura.

No terceiro aniversário do jornal, o director resumia o seu bom estado, ao dizer de forma humorada que “nascido de um sonho, tem sido este jornalzinho uma espécie de filho enfermiço de quantos o amparam. Da sua educação se encarregam desinteressadamente os colaboradores, com as suas roupas de menino pobre, mas limpinho, sem tem preocupado o brio dos tipógrafos; comerciantes e beneméritos têm conseguido todos os meses dar-lhe força para sair à rua”. Com este espírito de missão e colaboração a saída do jornal era bem sucedida.

Não admira que o “Vida por Vida” tenha sido um dos boletins que prestava melhor informação sobre a actividade dos bombeiros e da causa do voluntariado. Nas suas quatro páginas, tratavam-se de assuntos de interesse nacional, destacam-se as orientações dos congressos, as festas dos aniversários, as obras no quartel, a aquisição de novos equipamentos, a ocorrências dos sinistros mais graves e as cheias no rio Douro, e de assuntos de carácter técnico. Havia ainda lugar para os assuntos citadinos e para as crónicas e histórias literárias. Tinha vários e prestigiados colaboradores, como Dr. Manuel Braz Magalhães, os jornalistas Rogério Reis e Manuel António, os escritores João Bigotte Chorão e Cruz Malpique, o poeta Adolfo Leitão, o Comandante Carlos Cardoso, Manuel Montezinho, António Rodrigues Coutinho, Alberto Valente, Manuel Blanco Pires, Prof. Eurico Patrício e muitos mais.

Entre essa plêiade de nomes, salientava-se o médico e grande escritor reguense João de Araújo Correia. A secção literária era quase da sua responsabilidade. Escrevia a “Enfermaria do Idioma” para ensinar o uso correcto da língua portuguesa, que assinava com o pseudónimo de Constâncio de Carvalho e as deliciosas crónicas, sobre diversos temas da vida e da história local, mais tarde editadas no livro”Pátria Pequena”.

O escritor duriense na introdução ao seu livro, publicado pela Imprensa do Douro, em 1977, não esqueceu a importância do “Vida por Vida”, ao lembrar a tristeza que sentiu com o seu desaparecimento:

“As notas que constituem este livro foram publicadas quase todas sem o meu nome no boletim Vida por Vida.


Mas que é lá isso do boletim Vida por Vida? Responderei a esta pergunta, que o menos curioso das letras me faça, dizendo que o boletim Vida por Vida foi órgão da quase secular Associação Humanitária dos Bombeiros do Peso da Régua.


Publicou-se entre 1956 e 1974 Depois, deu-lhe o tranglomanglo. Morreu em flor. Não chegou a dar fruto.


Chama-se o tranglomanglo ao mau-olhado das bruxas e duendes, seja o que for de maligno, que não deixe ir vante, nos meios pequeninos, qualquer iniciativa útil ao comum. Nesta vila do Peso da Régua, tem assento e quartel esse mau privilégio. Sopra a qualquer lamparina acesa de oratório intelectual.


Compare-se com uma luzinha o boletim Vida por Vida. Veio o tranglomanglo, com boca de raia e pernas de rã, abafou-lhe! Deu-lhe o ar – como se diz, entre comadres, quando se fala de sopro ruim, inimigo do bem e da claridade.

As notas que lancei no Vida por Vida foram variações de temas gratos à minha índole. As menos doces foram setas de papel disparadas pelo meu arco sempre insofrido, contra fealdades e vícios de cunho provinciano. Pouco adiantei com os disparos, porque as setas foram de papel. Mas, sosseguei o arco e a mim me sosseguei no fim de cada arremesso.

Impôs-me a obrigação de publicar este livro uma senhora que aprecia quanto escrevo.

(…)

Não é nebuloso o título do livro, A minha Pátria Pequena é a vila e o concelho do Peso da Régua. Aqui nasci, aqui vivo e aqui morrerei sem espírito provinciano. Sinto-me livre de semelhante espírito, que até nas cidades é empecilho do homem.”



O “Vida por Vida” também não passou despercebido no seio dos bombeiros. Com a devida atenção foi lido de norte a sul do país e mesmo nas ex-colónias portuguesas. Chegou a ter um número elevado de fiéis de leitores, que faziam chegar os seus comentários elogiosos. Através dele, os bombeiros da Régua serviam-se para mostrar a sua imagem de modernidade e de afirmação como um dos melhores e mais e mais eficientes corpos de bombeiros do norte, preparado e instruído pelo Comandante Carlos Cardoso.

O jornal “Vida por Vida” atingiu rapidamente prestígio e notoriedade. O Comandante Manuel Augusto Rodrigues de Amorim, dos Bombeiros Voluntários de Arrifana, apresentou no Congresso dos Bombeiros Portugueses, realizado em Matosinhos (1966), uma proposta para a atribuição de uma Medalha de Ouro, da Liga dos Bombeiros Portugueses, para o jornal. De forma inédita, e pela primeira vez, a magna assembleia aprovava-a por unanimidade e, assim, manifestava o reconhecimento e a importância dos órgãos de comunicação oficiais dos bombeiros portugueses.

Em 1969, o colaborador Rogério Reis expressou num dos seus brilhantes artigos a ideia de que “está por fazer a antologia dos melhores trechos aqui publicados mas não se pode ter-se uma visão exacta do Alto Douro e dos seus problemas sem se atender aos depoimentos neles arquivados”. Na verdade, temos que concordar que “pelas singelas colunas desfilaram mestres da cultura e do bairrismo, como das missões humanitárias que estão na essência dos bombeiros” e ficaram registados diversos “depoimentos aliás sinceríssimos de quem viveu e sofreu o drama das aspirações das criaturas, da economia e de tudo o que interessa a uma causa afinal comum.”

Nos nossos dias, o “Vida por Vida” revela-se um documento histórico com interesse para queira conhecer um pouco melhor a sociedade reguense nas últimas décadas do passado século. A moderna história da Régua não pode dispensar a consulta deste periódico dos bombeiros da Régua. O investigador atento vai descobrir que o fluir da vida da associação se cruzou com alguns dos principais acontecimentos que mudaram os horizontes da cidade e do concelho nos seus aspectos sociais, culturais e humanitários, onde se revelaram cidadãos exemplares com uma especial atitude abnegada e de cidadania, que procuraram valorizar a sua sociedade do tempo, na construção de futuro melhor para todos.
- Peso da Régua, Janeiro de 2010, J. A. Almeida.
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sábado, 19 de dezembro de 2009

História do Bairro dos Bombeiros - Do sonho à realidade


A AHBV do Peso da Régua é, desde 1986, proprietária de um bairro de habitação social – num total de 30 fogos - construído para as famílias dos seus bombeiros voluntários, que integram o quadro do corpo activo.

O bairro dos bombeiros da Régua, como um equipamento de cariz social, complementar aos fins da associação deve ser caso inédito país. Em certa medida, a sua construção é mais um bom exemplo da ambição dos projectos sustentáveis que, durante a sua centenária existência, a associação tem materializado, engrandecendo o seu historial.

A história da construção do bairro dos bombeiros esteve marcada por muitas contrariedades e vicissitudes. Com o esforço e a determinação de muitos e bons dirigentes ultrapassaram-se todas as barreiras e dificuldades. A sua edificação começou como um sonho. A persistência humana tornou-o numa realidade.

Contribuíram para a construção do bairro muitos protagonistas e, sem quaisquer dúvidas, uns exerceram um papel mais decisivo e influente. De uma maneira especial, todos foram audaciosos para realizarem esta magnifica obra, apesar dos inesperados contratempos, mas que serviu para elevar a condição dos bombeiros.

Como obra de grande dimensão, é normal que se tenha iniciado num mandato social e se tenha prologado pelos imediatos, já com novos dirigentes. Sem se desconsiderar o papel individual de certos directores, um empreendimento como este, quando tudo não corre de feição, como foi o caso, terá de ser considerado um feito colectivo, de muitas vontades e de pessoas que, num ou noutro momento da obra, deixam as suas marcas. Os seus testemunhos evidenciam que acreditaram na afirmação e vitalidade da associação, acrescentando-lhe um património importante e valioso.

A ideia da construção do bairro dos bombeiros surgiu no seio da Direcção do Dr. Júlio Vilela (1954-1963). Em confidência com o senhor Noel de Magalhães – que integrou essa direcção - ficamos a saber que as primeiras tentativas para se fazer o “nosso bairro” sucederam nos mandatos do saudoso advogado reguense.

Em 1960, o Dr. Júlio Vilela solicitou ao Ministro do Interior um pedido de comparticipação para a construção do bairro. A resposta veio negativa, dando conhecimento “ser impossível dar satisfação aos desejos dessa Direcção”. Apesar de tudo, a sua Direcção não desistiu e recorreu ao outro ministério governamental para ter apoio, lembrando que: “não querendo nós descurar o assunto, ousamos vir novamente á presença de V. Excia para solicitar que o nosso pedido vem há a ter viabilidade, pois só no Ministério das Corporações nós esperamos o amparo para a realização desse sonho que se há-de tornar realidade.”

Desta vez, foi conseguido o apoio do governo para financiar. Chegam a ser disponibilizadas pequenas verbas para comparticipar a obra. O terreno, onde deveriam ser erigidos os 32 fogos, estava escolhido. O projecto de construção das casas encontrava-se também em conclusão, sendo o seu desenho desvendado no jornal “Vida por Vida”. Apenas faltava negociar um empréstimo na Caixa Geral de Depósitos, o qual não deve ter sido deferido e, assim esta obra, não se chegou a iniciar-se com os seus primeiros sonhadores.

Se era forte e determinada a convicção desses directores ela não se perdia nos mandatos das direcções imediatas que elegem a construção do bairro o principal objectivo quer nos orçamentos quer nos planos de actividades.

Estabelecem-se, em 1970, negociações com a Casa do Douro e a Direcção que tem como seu presidente o Dr. José Lopes Vieira de Castro (1968-1971) formalizava a compra de uma parcela de terreno, com área de 5.000 m2, na rua Dr. António de Almeida, destinada à construção do bairro. Está dado um grande passo para o surgir da obra. O seu início aguarda melhor momento e directores mobilizados em reiniciarem todo este processo.

Em 1974, a Direcção liderada pelo Dr. Aires Querubim (1972-1980) toma a decisão de escrever ao Fundo de Fomento de Habitação - Delegação do Norte, a pedir-lhe apoio para a concretização da obra e, mostrando trabalho, envia-lhe um fundamentado estudo do levantamento do terreno. Esse organismo público conclui pela “viabilidade e utilidade da realização da obra”. De seguida, deslocavam-se à Régua os seus técnicos para procederem ao estudo da implantação e se encarregarem de elaborar o projecto para a “construção de 30 fogos da espécie T-3e T-4”.

Executado o projecto, a direcção do Dr. Aires Querubim promove um concurso para a “construção do conjunto habitacional dos Bombeiros da Régua”. Na sessão de abertura das propostas, realizada no dia 23 de Setembro de 1978, no Salão Nobre da Câmara Municipal da Régua, fica-se a saber que concorrem ao concurso duas empresas com sede na Régua. São elas a “Construtora do Douro, Lda.” e a firma “José Ermida Lopes & Irmão, Lda.”, que apresentam, respectivamente, o valor de 29.876.355$40 e de 28.875.053$50. Decidida uma reclamaçã, a direcção da associação adjudicava à construção da obra, em razão do valor mais baixo, à firma “José Ermida Lopes & Irmão, Lda.”.

Após contactos a nível político, a direcção consegue um financiamento para a obra no Fundo de Fomento de Habitação. A autorização pertenceu ao Secretario de Estado da Habitação e Urbanismo, Casimiro António Pires, que a faz publicar num Aviso – Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1980 - a “conceder aos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua uma comparticipação de 30.0000$00 destinada à obra de construção de trinta fogos.”

Em 3 de Setembro de 1980 será outorgado o contrato de empreitada. Assinava-o em nome da associação o secretário Manuel Pinto Dias Montezinho, um director zeloso, competente e atarefado a substituir Aires Querubim, empossado Governador Civil do Distrito de Vila Real, em 14 de Fevereiro de 1980. Nesse contrato, ficava estabelecido na cláusula sexta que o prazo para conclusão da obra era de 24 meses, contados da assinatura do auto de consignação. Lavrado e assinado o auto de consignação em 1 de Outubro de 1980, iniciam-se os trabalhos de empreitada. Ainda com pouco obra executada – foram apenas pagos cinco auto de medição - os trabalhos paravam no dia 2 de Novembro de 1981, retirando a empresa construtora os seus operários, materiais e as máquinas.

No dia 18 de Novembro de 1981, o fiscal da obra, o Eng. José Manuel Correia Rodrigues dava aos directores da associação uma má noticia, ao informar que “prevê-se que os trabalhos não sejam reiniciados dado que parece estar iminente um processo de falência do empreiteiro”. A sua previsão viria a verificar-se. A nova direcção, presidida pelo senhor António Bernardo Pereira (1982-1983) ficava com um problema grave nas mãos para resolver na justiça. Com as obras paradas, em Janeiro de 1982, a sua direcção apresenta no Tribunal Judicial da Régua uma “Notificação Judicial Avulsa” contra a empresa construtora, a participar-lhe “que rescinde o aludido contrato de empreitada por culpa unicamente imputável à requerida”.

A notificação judicial não teve oposição. Para efeitos da posse administrativa, no dia 13 de Janeiro desse ano, era feita a medição da obra executada e a relação do material existente. Esteve presente pelo Fundo Fomento de Habitação, o Eng. Defensor de Castro e pela associação, o presidente de direcção, António Bernardo Pereira, o secretário Júlio Alfredo Mota e o fiscal da obra, não se fazendo representar da construtora. Como se esperava, a empresa de construção entra em processo de falência. O Dr. Martins de Freitas, em 22 de Abril de 1982, informava a direcção dessa situação. Sendo este advogado nomeado administrador da falência, pedia que o informassem se os créditos que aquela dizia ter a receber da associação pela obra adjudicada correspondiam à verdade. A direcção respondia negativamente, ao fazer constar que "como as entregas que esta associação fez à referenciada totalizam 4.440.320$00, resultam daí um crédito a nosso favor de 2.320.454$00, cujo pagamento desde já reclamamos."

Estando a ser resolvidos problemas jurídicos com a seguradora Aliança Seguradora para reaver a caução, o que o advogado Dr. Araújo Correia consegue receber, a direcção de António Bernardo Pereira não deixa a obra parada. Com o apoio do Fundo de Fomento de Habitação prepara o programa para um “concurso ilimitado para a arrematação da empreitada de conclusão da construção”. Aberto por anúncio em 13 de Janeiro de 1983, o prazo para a apresentação das propostas decorreu até ao dia 2 de Fevereiro desse ano. Concorre a empresa de construção “Eusébios & Filhos, Lda.”, apresentando um valor de 45.000.000$00. Assinado o auto de adjudicação em 11 de Março desse ano, recomeçam as obras de conclusão do bairro.

Eleita uma nova direcção, dirigida pelo Dr. José Luís Andrade (1984-1987) que acaba por receber uma mão cheia de problemas. Apesar de terminada a empreitada, constatava-se que faltavam fazer obras de acabamentos e facturas da empreitada para pagar, tornando-se necessário recorrer a um empréstimo. Concluídas as obras, no dia 22 de Janeiro de 1986, este director entregava na Repartição de Finanças a declaração, por ele assinada, para a inscrição na matriz do bairro. Deveria começar o processo de entrega das casas que faziam falta às famílias de bombeiros a viverem em situações desconfortáveis. Mas, tal não aconteceu neste mandato. Mantém-se trinta casas desabitadas durante três anos.

Uma nova direcção sai das eleições, tendo à frente o professor Fernando de Almeida (1987-1990). Sem mais demoras, encarrega-se de finalmente entregar as casas aos bombeiros mais necessitados. A ele se fica a dever o trabalho de organizar os pedidos de inscrição, celebrar os contratos de arrendamento, estabelecer o valor das rendas - no regime apoiado e com uma bonificação para os bombeiros - e seleccionar as primeiras famílias.

Estava concretizado mais um sonho dos bombeiros da Régua. Demorou mais algum tempo a tornar-se visível, sobretudo aos olhos dos que nunca acreditaram. Não sei o que eles disseram - nem interessa - mas nas páginas da história da associação ficava escrito o esforço de muitos directores – aqui recordados - que tinham conseguido erigir no “coração da cidade”, cinco prédios de habitação social, para morada das famílias dos bombeiros.
- Peso da Régua, Dezembro de 2009, J. A. Almeida.
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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A bomba de incêndio de 1873


Depois da criação, em 1868, de uma companhia bombeiros voluntários em Lisboa que, em 1880, se transformou na primeira associação dos bombeiros voluntários a ser formalmente instituída em Portugal, é fundada nesse ano a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua.

Nos termos dos estatutos, a nova associação destinava-se a “socorrer os habitantes desta vila e das povoações limítrofes por ocasião dos incêndios, ou suas consequências” e que “para esse fim organizará uma companhia de incêndios composta de sócios activos ou de trabalho e também dos auxiliares munida dos materiais necessários.”

Preparou e organizou a sua constituição uma “Comissão Instaladora”, composta por vinte e seis proeminentes reguenses que teve, como principal responsável, o escrivão de direito, Manuel Maria de Magalhães. Coube a todos esses homens a gloriosa missão de redigirem os estatutos da associação, compostos de 44 artigos, e um regulamento interno de 31 artigos para os sócios activos. Discutidos e aprovados numa assembleia-geral, realizada a 25 de Julho de 1880, os estatutos são de seguida aprovados pelo Dr. José Ayres Lopes, Governador Civil substituto do Distrito de Vila Real, por Alvará de 12 de Agosto de 1880.

Em 25 de Setembro de 1880, Manuel Maria de Magalhães convocava os associados para as primeiras eleições dos órgãos sociais: “Tenho a honra de convidar V. Excia para no dia 31 pelas 11 horas da manhã, comparecer na casa extinta Associação Comercial, na Rua da Boa Vista, a fim de se proceder à eleição a que se refere o nº1 do artº 22 dos estatutos das Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua”. Eleitos os dirigentes da nova associação, a sua posse foi efectuada a 7 de Novembro desse mesmo ano, sendo a primeira Direcção constituída por estas sete ilustres pessoas:

  • Presidente da Direcção: José Braz Fernandes
  • Vice-Presidente: João Guedes Frias
  • Tesoureiro: João Botelho
  • 1º Secretário: Francisco de Assis de Carvalho
  • 2º Secretario: António Joaquim de Oliveira Ramos
  • Fiscal da Companhia: Joaquim Pereira de Matos
  • Comandante: Manuel Maria de Magalhães

Essa Direcção entendeu por bem escolher o dia 28 de Novembro para proceder à inauguração da associação. Os festejos realizaram-se, pelas 10.00 horas da manhã, na casa da extinta Associação Comercial, que se situava na rua da Boavista. No convite dirigido aos sócios activos, manuscrito e assinado pelo Comandante Manuel Maria de Magalhães e demais sócios fundadores, estava referido que aqueles deveriam comparecer “devidamente fardados, para dali se dirigirem em forma à Igreja Matriz a assistirem a uma missa que há-de celebrar-se para comemorar o acto da inauguração e a bênção das bombas.”

Esta era a primeira cerimónia pública dos bombeiros da Régua à população reguense. E, como tal, ficou como data que hoje se celebra para comemorar os aniversários da associação.

A então vila da Régua acompanhava o que se passava nas principais cidades do país, onde o movimento associativo ligado aos bombeiros voluntários se afirmava como um novo modelo organizativo para o combate aos incêndios.

A Câmara Municipal da Régua, para cumprir as leis administrativas (1842 e 1878), que lhe cometiam as incumbências de “organizar serviços ordinários ou extraordinários para extinção de incêndios” e de fazer os regulamentos policiais “para a limpeza das chaminés e fornos, e o serviço para a extinção de incêndios e contra inundações”, foi uma das primeiras a tomar a decisão em 1873 de apetrechar-se com material de incêndio, adquirindo duas bombas de incêndio.

Não tendo o executivo tomado a resolução de criar um corpo de bombeiros municipais, permitia que esse material fosse usado por qualquer pessoa, mesmo sem o saber manusear, para fazer a extinção dos frequentes e cada vez maiores incêndios urbanos que aconteciam nos armazéns de vinhos. Só que nestas circunstâncias, o socorro prestado não era o mais eficaz nas “ocasiões que a maior actividade e perícia nunca foram de mais.”

De forma que, conhecendo os riscos e os perigos, a Câmara Municipal da Régua tenha feito de imediato a entrega desse material de incêndios ao primeiros bombeiros voluntários para eles, com regras e mais técnica, combaterem o flagelo dos fogos.

Assim, pode dizer-se que a bomba de incêndios de 1973 foi o primeiro pronto de socorros a ser utilizado pelos bombeiros da Régua.

No livro a “História da Vila e Concelho do Peso da Régua”, o seu autor José Afonso de Oliveira Soares - veio a ser comandante dos bombeiros após o falecimento de Manuel Maria de Magalhães - descreve as diligências para a compra das primeiras bombas de incêndio e as movimentações de reguenses com vontade de formarem uma “companhia de incêndios”, constituída por voluntários, assunto que merece ser lembrado:

“Outras associações de recreio se criaram durante o período de 1874 a 1880.Todas, porém, de vida efémera. Neste último ano fundou-se a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua.

Havendo nesta vila tantos armazéns de vinhos que serviam de depósitos de aguardente, principalmente nas ocasiões da vindima, muito era para estranhar que os reguenses se conservassem por tanto tempo desprevenidos de utensílios para cuidarem a qualquer incêndio que por fatalidade se desse. Assim havida pensado já a municipalidade de 1843 que, em sessão de 7 de Janeiro, dirigiu uma representação à câmara dos deputados pedindo uma bomba para apagar os incêndios. Apesar de tudo, parece que só desde que um prédio, na Rua Nova, foi devorado completamente pelas chamas, é que lhes incutiu o receio de grandes perigos; e, julgando-se de vez em quando entre vulcões que lhes podiam vomitar desgraças e danos consideráveis, jamais esqueceram que era preciso prevenirem-se contra eles. Contudo, ainda só de tempos a tempos, e talvez quando algum incêndio se manifestava, é que eles de novo tentavam prover-se de material necessário para o serviço de extinção.

Em 13 de Março de 1858, constando à câmara que as companhias de seguros, com agencia nesta vila, manifestaram desejos de ter nela um estabelecimento de bombeiros, deliberou – porque o governo de sua majestade não lhe concedesse privilégios para poder organizar uma companhia de incêndios - propor-lhes o arbítrio de fornecerem uma bomba de grande força, no gosto moderno, e duas bombas de mão, ou o seu valor, ficando a seu cargo o cuidado de organizar, pelos meios ao alcance, uma companhia de incêndios. Nesta conformidade oficiou, em 13 de Abril, às companhias Equidade, Garantia e Segurança, para saber se sim ou não forneceriam as bombas, para inaugurar a sua instalação no dia de núpcias de D. Pedro V.

Ignora-se a resposta que as companhias lhe deram. Sabe-se, porém, que a câmara nada conseguiu, porque, decorridos dois anos (1860) esta, por falta de meios, de novo convidou as companhias de seguros a concorrem para um estabelecimento de bombas.

Baldadas foram, por espaço de trinta anos aproximadamente, as fracas diligências dispensadas ao assunto de tanta importância. Só depois de um incêndio que se manifestou num armazém da rua Bandeira para a rua da Alegria, sobre um tonel de vinte pipas de aguardente, foi que os reguenses mediram bem o perigo que a todo o momento corriam e simples casualidades podiam atiçar. A essa terrível explosão valeu a admirável temeridade de um tanoeiro desta vila, chamado Manuel Pinto de Souza, conhecido por Manuel do Terreiro, que se arrojou a escalar a vasilha para lhe afastar as chamas de sobre o batoque, que ele melhor apertou. Avolumando desde então a ideia da necessidade de estarem prevenidos de material para casos idênticos, apareceu enfim uma vereação em 1873, que fez a aquisição de uma bomba e de um carro de material que aquartelou na rua de Medreiros, em armazém pertencente a Manuel de Oliveira Lemos.

Tendo, porém, o material, a câmara não organizou companhia para dele fazer uso. Pondo à disposição do povo, a quem sobrou sempre coragem e actividade para acorrer a todas as desgraças, não se lembrou que aquele maquinismo só poderia servir de estorvo em ocasiões que a maior actividade e perícia nunca foram de mais. Em vista disso sugeriu aos habitantes a ideia da organização de um corpo de bombeiros voluntários, ao qual se entregasse o material municipal. Esta lembrança, abraçada pela mocidade reguense, fez com que em 16 de Julho de 1880 vários indivíduos se dirigissem à câmara a fazer-lhe saber que tendo há muito em mente a realização de uma companhia de bombeiros voluntários, haviam resolvidos nomear uma comissão para formular os estatutos e regulamento para ela; e, que, constando-lhes que se queria organizar uma outra companhia, lhe pediam para, se tal se desse com o fim de obter as bombas municipais, lhe indeferisse.

(…)

Constituídos os primeiros em associação, a câmara acedeu agradavelmente aos seus desejos, e, em 26 de Novembro do mesmo ano, fez-lhe a entrega de todo o material que possuía para serviço de extinção de incêndios sob condições de parte a parte estabelecidas. Esta associação, intitulou-se de Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua”.
- Peso da Régua, Dezembro de 2009, J. A. Almeida.




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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O benemérito António José Rodrigues



“Quem não vive para servir não serve para viver”
(Teresa de Calcutá)

Em 31 de Outubro de 1956, o Dr. Júlio Vilela - presidente da direcção da AHBV do Peso da Régua - e os directores Noel de Magalhães e Alfredo Baptista e o 2º Comandante António Guedes – o autor memórias dos bombeiros da Régua - acompanharam numa visita às instalações do edifício sede dos bombeiros, o Senhor António José Rodrigues – carinhosamente chamado por “Mumu”- um simpático ancião e um generoso benemérito, a quem mostravam o andamento das obras no primeiro piso do edifício-sede, na parte projectada para ser um majestoso Salão Nobre, onde se realizassem as reuniões dos associados e as cerimónias oficiais.

No percurso sinuoso, com mais de um século de história, com momentos de dificuldades financeiras, os bombeiros da Régua podiam destacar o contributo de muitas pessoas que, desde a sua fundação até ao presente, os ajudaram com donativos, viaturas e equipamentos, de forma desinteressada e altruísta. Se tivessem de evocar os benfeitores que fizeram doações seriam muitos nomes que teriam de louvar e dignificar a sua atitude como verdadeiro exemplo cívico para a sociedade.

Sobreviveram os sacrifícios, a adversidades e a grandes e complicados obstáculos os bombeiros da Régua para nunca desistirem da sua missão. Com coragem e determinação venceram todas as contrariedades. Cada uma delas foi entendida sempre como um desafio e um estímulo para se fazerem mais e melhor, tornarem a associação mais eficiente e cada vez maior, na fidelidade aos princípios que inspiram a sua fundação.

Foram grandes os entraves para terem uma infra-estrutura condigna para exercerem seu trabalho e guardarem os seus equipamentos e veículos como, em 1930, aconteceu ao iniciarem a construção do quartel. Tiveram de passar 25 anos para que esse sonho se tornasse real. Só foi possível aguentarem uma espera tão longa devido à persistência dos briosos soldados da paz, directores, associados e, sem dúvida, esses anjos salvadores que tem o nome de beneméritos. Se os bombeiros da Régua estão instalados num dos edifícios mais emblemáticos da cidade, não restam dúvidas que o devem, em parte, à ajuda de um velho e generoso reguense, o senhor António José Rodrigues, ou como lhe chamavam, o “Mumu”.

A generosidade é um sentimento que pode trazer felicidade para sempre, alguém escreveu. Esta citação vem ao encontro do espírito desse benemérito, que para nós é digno, sem desconsideração para os demais, de uma menção especial. Os seus donativos serviram para melhorar o funcionamento e a prestação de serviços dos bombeiros à comunidade com mais qualidade, conforto e segurança.

Foi graças ao “Mumu”, um antigo comerciante de confecções e lanifícios numa loja da Rua dos Camilos - onde hoje está a “Chama Lar” – que os bombeiros da Régua encontraram a ajuda necessária para resolver algumas dificuldades. Em 1955, o seu donativo de 50.000$00 – uma avultada quantia para a época – serviu para que se fizessem as obras que faltavam no quartel.

O senhor António José Rodrigues está esquecido na sua terra. A Régua comercial, como antigo balcão do Largo da Estação até ao Salgueiral, não sabe quem foi o “Mumu”, nem o bem que ele fez. Apenas alguns, o recordam e falam dele com emoção. É o caso de um seu empregado, o senhor Pinto, ainda a exercer o comércio no “Caeiro”, que com ele apreendeu os segredos do negócio, e a velha clientela, gente de um outro tempo, que comprava os riscados e as fazendas no seu estabelecimento comercial.

Os bombeiros da Régua é que não o podem esquecer. Para eles, o “Mumu” foi um homem extraordinário. Sempre os ajudou quando tinham dificuldades. Era, naquele tempo, o principal mecenas. Ao contrário de muitos outros, soube ser generoso e contribuir com parte da sua riqueza para melhorar a vida dos bombeiros. Contribuiu com muito dinheiro. Legou, em testamento, a sua casa de habitação e um armazém de vinhos - neles está a Salsicharia Real e o Restaurante Cacho De Oiro - sitos na Rua D. Branca Martinho, para serem valorizados como património da associação.



No tempo certo, os bombeiros reconheceram gratidão ao seu benemérito. No quartel, o Salão Nobre recebeu o seu nome: “Salão António José Rodrigues”. Ao mesmo tempo, era colocado nesse Salão um seu retrato pintado a óleo. Aconteceu em 3 de Maio de 1957 essa cerimónia. Foi convidado o jovem António Caeiro, afilhado do benemérito, então estudante de direito em Coimbra – recentemente falecido - para descerrar o retrato. A direcção da associação sugeriu ainda que lhe fosse concedida a comenda da Ordem da Benemerência. Aceite pelo Governo como justa tal distinção, o Senhor António José Rodrigues foi condecorado, na Câmara Municipal da Régua, pelo Ministro do Interior, Dr. Trigo de Negreiros, o qual lhe expressou este elogio: "Que o seu exemplo admirável frutifique e que Deus lhe conserve a saúde preciosa para continuar a praticar actos de beleza moral tão grandes como aqueles que vem praticando."

Foi declarado um outro elogio ao senhor António José Rodrigues, no jornal “Vida por Vida”, de 1971, em que o autor, em nome da direcção e do corpo de bombeiros, o considera “o maior benemérito da nossa associação”, do qual transcrevemos a parte seguinte:

"Em, plano extraordinariamente acima dos outros seres que povoam o nosso Universo, o Homem encontra-se neste Mundo para cumprir um destino (…) Talvez o Homem vulgar não se importe, no fim de contas, com estas coisas.

Mas existem, felizmente, outros HOMENS, que pensam e executam à sua maneira - à maneira como todos tinham a obrigação de pensar…Mas o fundamento da sua actuação estará o cumprimento do destino para que fora criado.

Surgem-nos estas ligeiras meditações, a propósito dum facto, deveras notável: a doação dos seus bens imóveis, feita pelo Grande Benemérito, Senhor António José Rodrigues, à nossa Associação.

Deveríamos, por isso mesmo, ter começado por onde afinal acabamos. Mas preferirmos deixar para o fim o verdadeiro significado deste escrito que é o de agradecer Aquele que passou a ser o MAIOR BENERMÉRITO DA NOSSA QUERIDA ASSOCIAÇÃO.

O Senhor António José Rodrigues é credor de toda a nossa admiração, pois ao longo da sua vida tem sabido interpretar o verdadeiro significado da palavra HUMANIDADE. Não tem sido só para esta Casa que as suas generosas dávidas têm sido destinadas. O mesmo vem acontecendo para a Santa Casa da Misericórdia, instituição pela qual, o Senhor António José Rodrigues, nutre o mesmo carinho e mesma admiração.

Ao doar os seus bens à nossa Associação, afirmou tão grande Benemérito: Quero o engrandecimento da nossa Corporação para bem da minha querida Régua.

MUITO OBRIGADO SENHOR ANTÓNIO JOSÉ RODRIGUES. Oxalá que Deus o restitua à vida normal por muitos anos, pois as duas instituições – BOMBEIROS e HOSPITAL - que tanto lhe devem, necessitam da sua caridade – que é grande é sincera."

"A AHBV da Régua nasceu e desenvolveu-se assente em três pilares: o associativismo, o voluntariado e o mecenato. Existe, com identidade própria, numa permanente ligação aos cidadãos”.

Quando se enaltece o exemplo do voluntariado e do associativismo pretende-se motivar as pessoas para o apoio à actividade dos bombeiros. Este é sempre essencial quando os auxílios de quem de direito são poucos ou escasseiam. Com o empenho, boa vontade, espírito de solidariedade, cooperação de pessoas generosas os bombeiros sentem-se mais responsáveis no seu papel social na sua comunidade. Os bombeiros da Régua têm beneficiado muito da generosidade da população, especialmente, de bons beneméritos. É um sinal positivo que favorece a coesão social e dá-nos confiança e uma perspectiva gloriosa nos tempos vindouros.

O “Mumu” soube cumprir o melhor destino: serviu durante a sua vida os bombeiros. Evocá-lo é uma forma de hoje se reconhecerem os demais beneméritos que estão bem dentro do coração dos bombeiros da Régua.
- Peso da Régua, Dezembro de 2009, J. A. Almeida.
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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Camilo Guedes Castelo Branco: O Comandante Poeta

Encontramos nesta velha fotografia do fotógrafo Noel de Magalhães figuras proeminentes da história da Régua, nos anos 30 e 40, que se destacaram pela sua intensa actividade cívica, cultural e humanitária. Nesta imagem, cruzamos o nosso olhar com o olhar de alguns dos melhores bombeiros: vemos os “patrões” Gastão Mirandela, António Guedes Castelo Branco, Álvaro Rodrigues da Silva e o Comandante Camilo Guedes Castelo Branco (1930-1949), o Comandante poeta.

Destaca-se de entre eles Camilo Guedes Castelo Branco (1868-1949) nascido e falecido na Régua. Este reguense, uma personalidade ímpar, destacou-se em vários domínios da sociedade. Na história, o seu nome ficou mais conhecido por ter exercido o cargo comandante dos bombeiros. Quem com ele conviveu, como Dr. Mário Bernardes Pereira, antigo presidente de direcção, dizia que a sua presença no quartel, situado então na Rua dos Camilos, criava uma atmosfera de respeito e afectividade. A sua dedicação ao voluntariado era de grande generosidade pelo que sua memória permanece viva. As novas gerações de bombeiros podem não ter saber tudo do seu percurso de vida e dos seus valores cívicos, mas já apreenderam que o seu mérito o eleva a categoria dos mais notáveis bombeiros da Associação. Não há ninguém que não deixe de sentir orgulho e respeito quando observa o seu retrato de comandante, garbosamente fardado, que figura numa das paredes do Museu.

Camilo Guedes Castelo Branco fez-se bombeiro aos 17 anos. Alistou-se no corpo activo em 1 de Maio 1889 e aí se manteve até 1949. Aprendeu com alguns dos notáveis bombeiros e fundadores da Associação e partilhou a amizade e muitas experiências com os comandantes os seus antecessores José Afonso de Oliveira Soares e Joaquim Sousa Pinto. Por vontade própria ficou a comandar os bombeiros até à sua morte. Tinha a provecta idade de 81 anos. O seu grande lema de socorro que ensinava aos seus bombeiros traduzia-se na divisa “Vida por Vida” que ele afirmava assim: “Para se salvar uma criatura de uma morte certa, todos temos a obrigação de sacrificar seja o que for, mesmo que sejamos nós próprios”.

Mas, a sua acção não se ficou apenas pela responsabilidade operacional dos seus bombeiros. Se a Associação não chegou a “morrer”, no início do século passado, deveu-se em muito à sua determinação. Para a manter viva e dinâmica trabalhou muito num momento em que atravessou uma grande crise. Durante os anos de 1910-1920, quando a Associação se encontrava sem meios económicos para manter abertas as portas do quartel, situado no Largo dos Aviadores, não descansou a mobilizou os bombeiros e a sociedade civil, para encontrar garantir a sua sobrevivência. A ideia de criar um grupo cénico composto por bombeiros para fazerem espectáculos de teatro deu resultados positivos. Com as receitas obtidas conseguiu angariar o dinheiro que necessitava e evitou que o Corpo de Bombeiros não fosse extinto e o seu pouco material que tinham devolvido à Câmara Municipal. Outra relevante acção que realizou como comandante foi a de ter montado no Asilo José Vasques Osório, em 1918, um hospital onde os bombeiros da Régua socorriam e prestavam cuidados de saúde aos doentes afectados pela gripe pneumónica.

A partir de certa altura, teve a ajuda dos seus filhos, a quem soube incutir a mesma paixão pelos bombeiros. O Jaime Guedes distinguiu-se como director, chegando a ser presidente da direcção e da assembleia-geral. Defendeu a construção de raiz de um quartel para os bombeiros, o que possível dar início quando fez parte de uma vereação da Câmara Municipal, em 1930, liderada pelo Dr. Mário Bernardes Pereira. O António Guedes sobressaiu como bombeiro, atingido o posto de “patrão”. Lourenço de Almeida Medeiros escolheu para seu 2º Comandante. Deixou o seu testemunho como bombeiro ao escrever as suas memórias que publicou no jornal “O ARRAIS”, evocando factos históricas esquecidos, relatos de incêndios urbanos e a acção de alguns homens coragem.

Mas, este homem distinguiu-se ainda como político, jornalista e escritor, mais dramaturgo e poeta. Como politico foi várias vezes o Administrador do Concelho, nomeado pelo partido republicano. Soube influenciar a vida cultural e política da sociedade do seu tempo pela defesa moderada dos ideais da república (aderiu com o Dr. Antão de Carvalho que foi primeiro presidente de câmara da Régua republicano e Ministro da Agricultura) e fez parte do movimento social de apoio aos ex-combatentes portugueses, sendo o presidente da Junta Patriótica do Norte.

Como dramaturgo, uma sua peça de teatro fez sucesso representada por um grupo de actores amadores. A opereta “As Andorinhas”, musicada por Almeida Saldanha, alcançou êxito onde foi levada a cena, desde o antigo Salão Recreativo, na Régua, até ao Teatro Sá da Bandeira, no Porto. Apreciada pelos reguenses chegou a ser representada por três gerações: avós, pais e netos, “sempre com muito brio e entusiasmo, como se passassem uns aos outros um testemunho de ouro”.

Fez jornalismo numa época difícil, de tumultos, motins e muita agitação social na região duriense. Fundou e dirigiu os jornais “A Folha”, “O Dissidente” e “Cinco de Outubro”. Nas páginas dos dois últimos, os paladinos Douro escreverem artigos de opinião a reclamarem uma solução para os problemas dos viticultores durienses. Parece que os tempos de crise se repetem, os lavradores do Douro sofrem actualmente uma crise social idêntica. Há sinais de preocupação que no pensamento do escritor Miguel Torga mereceram esta profunda reflexão: “O Douro necessita de ser olhado pela nação como o seu Olimpo sagrado, o chão bendito que produz a única riqueza de somos senhores exclusivos: o Porto que o mundo assim conhece e saboreia, imita em todas as latitudes sem nunca o igualar. Mas esse carinho pátrio tem de começar pelo oficiante de mãos calosas que espreme os xistosos até os fazer ressumar. É ele, nunca presente nos salões dos congressos, nunca farto de banquetes oficiais, nunca tido nem achado nas reformas e nos decretos, que deve ser chamado à ribalta para expor as suas necessidades e formular as suas queixas. Para desdobrar diante dos olhos da justiça o sudário da sua crucificação. Porque se nas Sagradas Escrituras tudo começa pelo Verbo, no livro da pedra da nossa região bem amada a lição é outra. Aqui, no princípio era o homem: o homem duriense.”

Mas, na verdade, foi como poeta que mostrou o seu maior génio criativo. Deixou uma obra editada, o livro de poesia “Fraternalis Dolor”, um inédito com o título “Arias Sertejanas” e muita poesia dispersa em jornais. Abordou nos seus versos a figura dos soldados da paz e a beleza cénica região duriense. Na poesia “O bombeiro” evoca o seu lado anti-herói, onde há o dever de salvar das chamas do fogo uma criança. Numa outra, a “Marcha da Régua”, gravada na voz de Sandra Botelho, fala dos encantos da paisagem vinhateira da sua terra natal.

No livro “Lira Familiar” (de 1976), João de Araújo Correia inseriu uma poesia “Instantâneo VI”, de Camilo Guedes Castelo Branco, publicada no “Jornal da Régua, em 1937 e assinada com o pseudónimo de Gil Vaz, em que foca o autor do livro. Em nota final, desse livro, o escritor duriense acrescentou a seu respeito um insuspeito elogio: “Poeta lírico de altíssimo talento, pedem colectâneas, há muitos anos, os seus dispersos. Com eles se poderia formar um delicado ramo de flores”. Correspondeu-se também com o poeta Guerra Junqueiro que lhe dirigias as cartas chamando-o de “caro colega”.

Umas breves notas da sua biografia foram escritas por Manuel António, correspondente local do extinto jornal “O Comércio do Porto” que, por traduzirem a grandeza moral deste homem, se passam a citar: “Nasceu em Peso da Régua, numa casa do Adro do Cruzeiro, em 14 de Março de 1868. Desempenhou sempre as funções de notário – adjunto, sendo funcionário distinto e sabedor. Poeta, jornalista e escritor dramático, colaborou em todos os jornais que se publicaram nesta vila e em alguns diários de Lisboa e Porto. Em 1890 fundou na Régua, juntamente com o poeta Hamilton de Araújo, um semanário literário intitulado “A Folha”, que teve pouca duração. Mais tarde fundou “O Dissidente” e depois “O Cinco de Outubro”, de feição republicana moderada. Por duas vezes, e durante alguns anos, na vigência de ministérios de concentração desempenhou com muito brilho e a contento de todos, as funções de administrador do concelho tendo, com a sua política de apaziguamento, terminado com as violências políticas que por vezes aqui se praticavam. Criatura deveras bondosa e modesta, falava primorosamente e sempre de improviso. Alguns dos seus discursos constituíram verdadeiras jóias literárias. Publicou um livro de versos intitulado “Farternalis Dolor” e deixou escrito um outro livro denominado “Arias Sertanejas”, que não chegou a publicar. Escreveu centenas de poesias e sonetos em vários jornais do País, e todos esses versos dispersos, uma vez compilados, dariam uma obra valiosa. Autor de várias obras teatrais, expressamente escritas para o “seu teatro”, foi também autor da linda opereta “As Andorinhas”, com música do falecido e talentoso maestro lamecense Almeida Saldanha, cujo centenário a cidade de Lamego vai em breve comemorar. Esta peça teve muitas dezenas de representações, não só nesta vila como no Porto, Chaves, Lamego, etc., tendo-lhe a critica tecidos os maiores elogios. Bombeiro voluntário deste a idade dos 17 anos. E quando, há muitos anos já, a Associação esteve em riscos de soçobrar, por absoluta falta de recursos, organizou um corpo cénico com elementos da Corporação, o qual dava uma récita mensal e assim conseguiu manter a Corporação. Essas récitas efectuavam-se num armazém da Rua José Vasques Osório, onde hoje está instalado o Asilo e que foi devidamente adequado a casa de espectáculos. Sem isso, a velha e gloriosa Corporação teria deixado de existir. Mais tarde, e quando as finanças da Corporação já estavam nova e firmemente consolidadas, graças a essas récitas, por sua iniciativa distribuía a Corporação, no dia 28 de Novembro, dia do seu aniversário, um bodo a 50 pobres dos mais necessitados desta freguesia. Em 1918, quando da epidemia da pneumónica, por sua iniciativa e ainda com o produto desses espectáculos, foi montado no Asilo Vasques Osório um bem apetrechado hospital onde todos os doentes pobres atacados desse epidemia foram carinhosamente tratados. Possuía várias condecorações e faleceu com 81 anos de idade, em 25 de Agosto de 1949 ainda à frente do Comando da Corporação que tanto amou e tão bem soube servir.”

A AHV prestou-lhe uma sentida homenagem, em 2007. Uma nova ambulância de socorro, que ia ser posta a serviço da comunidade, foi baptizada com o seu nome. Na cerimónia estiveram presentes os seus descendentes para testemunharem este singelo reconhecimento de uma nova geração de homens. As palavras de agradecimento que proferiu a sua bisneta Maria Teresa Castelo Branco comoveram os presentes. Vale a pena recordar o que disse: “Estou certa de que gestos como estes, ao contribuírem para consolidar laços com o passado, avivam no presente a necessidade de seguir a lição dos que deram algo de si à nobre causa dos soldados da paz, tal como fez a seu tempo, o meu bisavô, Camilo. Num tempo em que a amnésia colectiva nos parece afastar das nossas raízes, esta homenagem, para além de ser uma honra para a família, é pelo simbolismo, a prova que a corporação que V. Exª dirige, soube resgatar do esquecimento o exemplo de uma vida de entrega a uma causa nobre. Agradeço, pois, comovida, esta oportunidade de trazer até nós e sobretudo aos meus filhos a figura do meu bisavô Camilo Guedes Castelo Branco”.

A história do Corpo de Bombeiros da Régua não se faz de só pequenas coisas. Ela faz-se da vida e da obra de grandes homens, como era o Comandante Camilo Guedes Castelo Branco, que com o seu exemplo, permite ter muito orgulho no passado e olhar o futuro ainda com mais ambição para os bombeiros do actual século.
- Peso da Régua, Novembro de 2009, J. A. Almeida. (Nota: Peso da Régua, 29 de Junho de 2010: Este texto constitui uma versão revista e ampliada da anterior aqui publicada.)

O Bombeiro
No silencio da noite, de repente,
Erguem-se a voz estrídula dos sinos
  num longo baladar
E a distância brilhou, sinistramente,
Um clarão, que tingiu a luz do luar
  de laivos purpurinos.
“Fogo! Fogo!”-alguém diz com aflição.
E logo a pobre gente do lugar,
toda cheia de espanto e de canseira,
Pôs-se a correr, gritando, em direcção
  da medonha fogueira.

O incêndio crepitava
e, batido do vento, devorava
Uma pequena casa arruinada.
E, perto, uma mulher d`olhar aflito
erguia as mãos ao céu calmo e infinito
a chorar e a gemer desesperada.
Ali, em meio da fogueira, tinha
essa mulher um filho, a criancinha
mais bonita da velha povoação,
e o fogo, em seu horrível avançar,
iria dentro em breve transformar
o seu pequeno corpo num carvão.

Metia dó a pobre mãe! Mas como
Salvar-lhe o louro e cândido filhinho,
  se a labareda e o fumo,
num espantoso e horrível torvelinho,
ameaçam devorar rapidamente
quem se abeirar dessa fornalha ingente?

Podes chorar, mulher! ninguém te acode.
Chora, que és mãe; mas vê que ninguém pode
esse anjinho das chamas libertar.
Olha: em meio da tétrica fogueira
anda a morte, feroz e traiçoeira,
  a acenar, a acenar…

Mas nisto, junto ao prédio incendiado
surge um homem soberbo de valor.
A multidão ansiosa solta um brado
  de espanto e terror.

Ele caminha sempre com firmeza
e a intrepidez estóica dos heróis;
escala a casa em chamas com presteza,
escala a casa em chamas…e depois…
  depois desaparece.
E a pobre mãe aflita cai de bruços
A murmurar baixinho, ente soluços,
  Uma prece…

Na multidão, silêncio. Só se ouvia
um secreto rumor, que parecia
o palpitar de muitos corações…

Senhor! És pai e cheio de bondade!
estende lá do azul da imensidade
O teu olhar repleto de perdões!

E eis que em meio trágico do braseiro
surge a figura altiva do bombeiro
Trazendo ao colo o pequeno ser.
Passou…desceu…e dentro em pouco, ansioso,
depositava o fardo precioso
no regaço da pálida mulher.
- Poesia inédita do Comandante dos B V Peso da Régua, Camilo Guedes Castelo Branco (1930-1940.
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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Encontros com o Chefe Artur


No nosso dia-a-dia encontramos muitos bombeiros com um condão peculiar, admiráveis, exemplares e irrepreensíveis a desempenharem o seu trabalho humanitário. Eles são autênticos ser os predestinados que ao nascerem lhe é atribuída uma missão divina para, neste mundo imperfeito e cheio de egoísmos individuais, protegerem a nossa efémera existência dos perigos, infortúnios e inquietações terrenas.

O Chefe Artur - de nome completo, Artur Fernandes Rodrigues Costa – que pertence ao quadro de honra da Associação Humanitária dos Bombeiros de Vila Real e Cruz Verde é um desse admiráveis bombeiros. Durante mais de meio século, enquanto esteve no activo, cumpriu devotamente esse compromisso de prestar auxilio e socorro a todos os necessitados.

Posso dizer que, pelo menos desde 1998, os meus caminhos se cruzam com os caminhos do chefe Artur. Com alguma frequência, encontro-o na distinta Confeitaria Gomes, sentado à mesa com os seus amigos em agradáveis conversas. Quem o conhece, sabe bem que o Chefe Artur é um bom conversador e gosta de discutir e dar a sua opinião. Outras vezes, pelas minhas funções na federação, encontro-o garbosamente fardado nas festas de aniversário de associações amigas. É aí que ainda posso testemunhar o quanto os jovens bombeiros o prezam.

Mas, os meus encontros mais interessantes com este velho bombeiro surgiram de forma diferente. Aconteceram quando fazia pesquisas do passado dos bombeiros da Régua. Ao consultar velhos álbuns, encontrei-o retratado em fotografias que assinalam acontecimentos importantes na história da associação. Confesso que algumas imagens, onde ele aparecia, me ficaram na memória, à espera de uma oportunidade de as revelar.

Desta última vez, foi nos caminhos das memórias de mais de cem anos de história da AHVB do Peso da Régua que encontrei o Chefe Artur. Como não podia deixar de ser encontrava-se garbosamente fardado para estar presente na festa de homenagem e despedida do Comandante Carlos Cardoso dos Santos - o qual deixava por vontade própria o corpo activo depois de 31 anos de comando - que se realizou quartel dos bombeiros da Régua, no dia 3 de Março de 1990.

O Chefe Artur era um dos seus grandes amigos e unia-os uma geração de bombeiros notáveis que, no distrito de Vila Real, tinham alcançado a glória e a auréola. São nomes inesquecíveis como o Rodrigo Félix de Vila Real, o Lage de Vigado, o Serafim de Mesão-Frio, o Araldo de Santa Marta de Penaguião e o Celso de Boticas. O respeito e admiração que ambos não escondiam de ninguém, eram razões para que o Chefe Artur não faltasse à homenagem do comandante da Régua, como ele costumava dizer, para lhe dar um emocionado abraço de gratidão.

Como convidado da associação, não foi esta a última vez que o Chefe Artur esteve no quartel dos bombeiros da Régua. Lembro-me que nos visitou noutros momentos importantes na vida da corporação. Esteve presente nas comemorações do 120º aniversário da associação que aconteceram em 28 de Novembro de 2000.

No decorrer dessas cerimónias, conforme as imagens documentam, encontramos o Chefe Artur na companhia do Secretário de Estado da Administração Interna, o Dr. Carlos Zorrinho, a protegê-lo com o seu guarda-chuva, enquanto aquele assistia à passagem do desfile do corpo de bombeiros, junto à entrada do Quartel Delfim Ferreira. Nunca esqueceremos este surpreendente e inédito momento proporcionado pelo Chefe Artur e o seu acto de cortesia com aquele importante político. A sua presença é um privilégio para os bombeiros da Régua. Eles gostam de conviver com este velho bombeiro que os enternece pela sua história de vida.

É um bombeiro carismático. Em Vila Real não há ninguém que não conheça o Chefe Artur e não lhe exteriorize a sua simpatia. Todos reconhecem a sua generosidade, a sua energia inesgotável, a sua alegria de viver. Com o passar do tempo, tornou-se um fenómeno de popularidade. A sua dedicação ao longo de 54 anos de bombeiro fez cativar a atenção dos seus conterrâneos. Sendo um homem simples e de trato fácil conquistou a afeição de meio mundo á sua volta. Sendo um bombeiro foi extraordinário. Considerado pelos seus companheiros do seu tempo um bombeiro fora de série.

Hoje continua a falar-se do Chefe Artur. Elogiam-se as suas aptidões e as proezas conseguidas nos “teatros de operações” mais perigosos. Com a determinação e coragem, as únicas qualidades que o elevam a um culto merecedor da nossa incondicional deferência, fez-se um grande e inesquecível bombeiro.

Este sentimento é unânime e está expresso nas palavras que lhe dedicou António Barros, secretário geral da AHBV de Vila Real e Cruz Verde, em 12 de Abril de 2003, para assinalar a entrega do maior galardão de reconhecimento ao seu trabalho, o Crachá de Ouro, da LBP, que salienta da sua vida o seguinte:

“Um bombeiro, uma referência…são as palavras ditas pelo Chefe Simão e pelo Chefe Barros para ilustrarem a vida de um Bombeiro – o nosso Chefe Artur Costa – e que são o exemplo de muitas outras que ouvimos, também simples e profundas, ditas e sentidas com muito orgulho, por estes e tantos outros amigos que partilham a caminhada deste Bombeiro, bombeiros do mesmo ideal, com o mesmo espírito, bombeiros de uma geração com história que fizeram história e que, agora, contam as suas histórias feita de vida, porque de sacrifício, de dávida, de fraternidade, de serviço em prol dos outros, de profunda amizade, de Vida por Vida…palavras simples que todos entendemos, sentimos e subscrevemos, porque sabemos verdadeiras e plenas e de significado…”.

Se há bombeiros profundamente identificados pelo seu chão de origem, um dele é o Chefe Artur, nascido em 28 de Novembro de 1930, na cidade de Vila Real. As suas raízes são genuinamente transmontanas. Mas, há quem diga – e quem o tenha escrito - que foi um daqueles seres que já nasceu com o seu destino traçado. Que nasceu bombeiro e para ser bombeiro. Alguns afirmaram, que é um predestinado. Cumpriu com um rigoroso dever de humanidade a missão que lhe foi destinada pelo divino criador. Para nosso bem, soube ser diferente e um dos melhores bombeiros.

O Chefe Artur conta 79 anos de uma vida cheia e, pelo que vimos, e muito feliz. Conserva uma boa forma física e uma lucidez impressionante. Dá gosto de ouvir pela sua voz contar as suas memórias de bombeiro e de as apreciar numa magnífica crónica “Carro da Bomba”, que escreveu em co-autoria para o livro “Vila Real - Histórias ao Café”. Ele possui mais saberes e incríveis experiências de vida que merecem ser registadas pela sua mão. É um homem generoso, solidário e fraterno. A sua vida continua ser uma referência para todos os bombeiros como exemplo de coragem, abnegação e de dedicação ao voluntariado.

O Chefe Artur é um semideus que vive – viverá por muito mais tempo - ao nosso lado. Ele é o personagem do bombeiro que todos idealizamos. Um anjo da guarda fardado, de capacete e de um machado nas mãos. Em quase tudo igual ao primeiro bombeiro que animou os nossos sonhos e que apagava os fogos feitos na imaginação das inocentes brincadeiras infantis.

Tudo o que se disse parece pouco, mas significa muito. Por outras palavras, o Chefe Artur é um símbolo vivo que valoriza a essência da verdadeira dimensão humana da figura dos bombeiros. Contamos ainda com ele para nos ajudar a reforçar os ideais de fraternidade, os valores do voluntariado e a importância dos bombeiros na nossa sociedade.
- Peso da Régua, Novembro de 2009, J. A. Almeida.
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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O Quartel dos Bombeiros da Régua - Notas para a sua história

Instalaram em 1880 os bombeiros da Régua o seu primeiro quartel no rés - do chão e primeiro andar de  uma casa d que ainda existe no Largo dos Aviadores. Apesar de não haver informações exactas, mantiveram-se na naquele local até ao final do ano1923, sem aí terem as condições para guardarem o seu pouco material de combate incêndios e os bombeiros não terem condições para prestarem um serviço de socorro de qualidade à população.

Em 1923, durante o as cerimónias do 43º aniversário da Associação, os bombeiros mudavam o quartel para uma velha casa que existiu na Rua dos Camilos – o Cimo da Régua - onde se encontra, actualmente,  construído um prédio em propriedade horizontal. Esse quartel era exíguo e estava instalado numa exigia e velha casa.

Em matéria de operacionalidade, esse quartel seria muito inferior ao primeiro. Por regra, as formaturas de bombeiros faziam-se no meio da rua e “os carros entravam à justa na porta estreita sempre com grande vozearia de indicações e avisos”. Como o quartel era um lugar com espaço disponível e sem condições para os fins de socorro, mas serviu para o convívio dos associados e amigos que aí se reuniam para conversar, jogar as cartas, fazer a leitura de um ou outro livro que se guardavam nas estantes ou pelo prazer de merendar no improvisado bar uns bons petiscos.

É desse tempo, o conhecido quarteleiro e bombeiro Zé Pinto, que tomava conta desse quartel, servindo-se de num minúsculo quarto e, a partir daí, ficou e a dedicar-se à corporação até à velhice. Desde tempo, era o comandante do corpo activo era Camilo Guedes Castelo Branco, um cidadão reguense, reconhecido como poeta e dramaturgo de talento que, quem o conheceu, dizia que a sua “presença criava uma atmosfera de respeito e afectividade”.

Desde a fundação que a Associação ganhava mais prestígio quer a nível local quer distrital e a corporação aumentava os seus equipamentos e o número de bombeiros alistados no seu quadro activo. A construção de um quartel era uma obrigação que se imponha à direcção e ao comando. Apesar dos esforços e inúmeras tentativas dos dirigentes associativos com o poder político de então – o Governo e a Câmara Municipal -  para  resolução desta necessidade não encontravam  vontade nem  qualquer intenção de querem mudar esta realidade,  situação que  prejudicava a missão dos bombeiros.

Os bombeiros não desistiram e não perderam a esperança. Orgulhosos da sua missão tudo fizeram para que esse sonho se concretizasse. Em 1925, o Comandante José Afonso Oliveira Soares, no génio de artista, deu um contributo, ao fazer um anteprojecto de um quartel da sua autoria. Se segundo os seus registos, se este novo quartel, se fosse construído, deveria ser erigido no fundo do jardim municipal, o desaparecido Jardim Alexandre Herculano. O certo é que esse belo desenho, guardado em arquivo, não foi concretizada não tão desejada obra. A razão para tal deveu-se ao facto de não haver vontade politica da autarquia  nem de  a Associação  possuir os  necessários meios financeiros para a pagar a sua construção.

Nessa época, as dificuldades financeiras dos bombeiros eram mais muitas. O relato que o presidente da direcção, Dr. Ernesto José dos Santos, fez nas suas memórias que intitulou “Ao Correr da Pena”, comprova o mau momento que a Associação vivia em termos de recursos. Considera que a Associação estava sem meios e sem actividade, já que “tinha os seus órgãos de execução em mau e deficiente estado económico, faltando-lhe a todos os títulos a diligencia, dinamismo, ponderação e maleabilidade”. Aliás, um outro presidente da direcção, o Dr. Mário Bernardes Pereira, confirmava essas deficiências ao divulgar nas memórias, “Evocação”, o seguinte: “ pouco podia realizar-se naquela casa pobrezinha, onde faltava pecúnia e sobravam aspirações e boa vontade”, Com uma certa mágoa acrescentava: “era injusta a atitude da Câmara para com os bombeiros” porque na sua opinião, “tudo se resumia à concessão de um subsidio mensal demasiado pequeno, em face dos encargos que o município viria a contrair se viesse a organizar os seus serviços de incêndios, no dia em que a Associação, privada de recursos, tivesse de findar”.

Como cidadão e médico na Régua sabia que a associação não se extinguia assim, mesmo por maiores que fossem as crises ou a falta de meios. Os beneméritos que a rodeavam de protecção e ajudas e os seus bombeiros abnegados eram os valores seguros que a mantinha viva e actuante. Aquele seu discurso que reivindicava aos políticos locais ajuda para os bombeiros de nada valeu, pois tudo ficou na mesma por mais alguns anos. Ainda chegou desabafar “ninguém estranhou e nem eu não estranhei”.

Nas primeiras três décadas do século passado, o relacionamento dos bombeiros como poder local foi problemático. Os dirigentes de então sentiram falta de apoio e até um certo desdém pelos destinos da instituição. Se a protecção civil era uma obrigação da autarquia, a falta de verbas fazia com que não fosse considerada uma das suas prioridades. Contudo, a nomeação do Dr. Mário Bernardes Pereira para presidir a Comissão Administrativa da Câmara Municipal, os bombeiros serão finalmente reconhecidos. São-lhe concedidos os auxílios para resolver os seus problemas. Encontrando-se na Comissão Administrativa, Jaime Guedes Castelo Branco, como vogal, que havia sido director da associação e conhecia bem as dificuldades dos bombeiros, foi  ele que elaborou  as propostas  para,  que nas reuniões da Comissão Administrativa,   fosse concedido o aumento do subsídio e a cedência de uma parcela de terreno s para que os bombeiros  edificassem o seu quartel, o que está documentado nas actas das sessões de 12 e 19 de Novembro de 1930.

A proposta para a expropriação amigável de uma parcela de terreno, sito então na Av. da Liberdade – hoje Av. Antão de Carvalho – foi fundamentada nestes termos: “Tendo a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua necessidade imperiosa de um edifício próprio que sirva de quartel e arrecadação de todo o seu importante material de incêndio, que se encontra disperso por vários locais com reconhecidos prejuízos para os rápidos serviços do cargo…”

Na cerimónia solene, realizada no dia 30 de Novembro de 1930, na então Av. da Liberdade, a Comissão Administrativa da Câmara do Peso a Régua fez a entrega pública, ao presidente da direcção, Dr. Ernesto José dos Santos e ao Comandante Camilo Guedes Castelo Branco, de uma “ faixa de terreno, sito nesta Avenida, com cerca de duzentos metros quadrados, terreno que vai ser destinado à construção da sede da mesma Associação”.

Com esta doação, os bombeiros estão em condições de concretizar o seu sonho, o de construir o seu quartel. A sua Direcção mandava elaborar, em 1929, ao conceituado arquitecto Oliveira Ferreira o projecto de arquitectura do edifício e, de imediato, lanço o concurso para a construção da obra. Não há conhecimento se houve mais propostas, mas a empreitada da construção obra foi adjudicada ao empreiteiro Anastácio Inácio Teixeira, mestre pedreiro, natural da Régua.

Iniciava-se a construção do quartel. O momento ficou registado num curioso imagem que permite que observemos a erguerem-se as primeiras paredes e o arco frontal em granito. Esperava-se que a obra fosse concluída num curto prazo, o que não veio a acontecer. Devem ter sido várias as circunstâncias para tal acontecesse. Um erro no valor da proposta apresentada pelo empreiteiro, segundo consta, muito abaixo do valor previsto em orçamento, o qual também estaria errado, fez com que surgissem os problemas. Sem recursos financeiros, a Associação mandou parar as obras. Apenas estavam erguidas as paredes exteriores, mas sem telhado o edifício não podia receber os bombeiros nem guardar o seu material, os carros de fogo e as ambulâncias. 

Custa a crer, mas é verdade! Sem que ninguém faça mais nada, o edifício vai permanecer como obra inacabada até 1954. O quartel vai ficar reduzido a um esqueleto, sem portas, sem janelas e sem telhado. Durante mais de vinte e cinco anos, os bombeiros vão ainda ficar a trabalhar no quartel da Rua dos Camilos.


Para se entender os passos lentos da construção do quartel, recordamos o testemunho do Dr. Manuel Alves Soares, antigo presidente de Câmara Municipal da Régua, que o encontrou nesta situação: “ Aí por volta do ano de 1947, quando por circunstancias varias (…) me vi alcandorado no lugar de primeiro magistrado do concelho, tive ocasião de ajudar no seu arranque definitivo, o edifício inacabado daquela prestimosa associação…Tinha-se erguido um esqueleto de aspecto arquitectónico que prometia brilhar no futuro, mas durante alguns anos assim se conservou, sem portas, sem janelas e sem telhado. Servia unicamente de sentinas públicas mas sem saneamento (…) Logo no primeiro dia e por mera curiosidade, entrei nos baixos, para ver o seu interior que contrastava tristemente com aquela magnifica frontaria tão bem trabalhada, revelando o excelente artista que a tinha concebido. Fiquei indignado e enojado com o que vi! Grandes buracos abertos junto aos alicerces onde se lançavam as mais variadas porcarias e muita gente ali fazia as suas necessidades, e de tal maneira, que o cheiro lá dentro era repugnante e pestilento. Vindo que os bombeiros estavam pessimamente instalados na Rua dos Camilos, e ansiavam por ter a sua sede, tratei imediatamente de contactar a sua direcção, nomeadamente Jaime Guedes (…) no sentido de acabar o quartel”.

Não foi ainda desta vez que se concluíram as obras do quartel. De qualquer forma, esse presidente de câmara conseguiu do Ministro das Obras Públicas, Eng. José Frederico Ulrich, que veio a Régua visitar essa obra e não gostou nada do que viu -  um subsídio  para realizar mais umas obras de beneficiação no quartel. Mas como a verba era insuficiente para acabar a obra e a permitir a sua normal utilização como um quartel pelos bombeiros. Por mais anos, os bombeiros continuaram a fazer o seu serviço num quartel que não dignificava a sua missão e sem condições para prestarem melhores serviços à comunidade.

Em 1954, uma direcção presidida pelo Dr. Júlio Vilela (1954-1963) assume os destinos da Associação tendo como preocupação principal realizar a “primeira e mais premente fase de acabamento” do quartel. Numa hábil negociação política, obtém do Ministro das Obras Públicas, Eng. Arantes de Oliveira – que se fez deslocar numa vista à Régua - um subsídio no montante de 54.000$00,  o qual  possibilitou fazer algumas das obras  necessárias, isto é,  acabar o arranjo das fachadas e fazer todas as infra-estruturas no do rés-do-chão do edifício e primeiro andar do edifício.


Nas comemorações do 75º aniversário da associação, realizadas em 4 de Novembro de 1955, - ainda com uma segunda fase de trabalhos de acabamentos para concluir  - é feita a inauguração do quartel dos bombeiros da Régua.  O senhor bispo do distrito de Vila Real celebrou a bênção das novas instalações.

Finalmente, nesse ano de 1955, os bombeiros mudavam-se de casa. Deixavam, sem saudades, o velho quartel no Cimo da Régua para estrearem o novo – baptizado de Quartel Delfim Ferreira – que tinha todas as condições para prestarem à população um moderno serviço de socorro e de protecção civil.

Mas, em 1980 uma direcção dinâmica, liderada pelo Dr. Aires Querubim (1972-1981), com o apoio do Ministério da Administração Interna, tomava a decisão ampliar o quartel, construindo um novo corpo contíguo ao existente, a imitar rigorosamente a estética do projecto original. O edifício, para além de ficar com uma maior área social e operacional, tornava-se mais espectacular na dimensão das linhas arquitectónicas, fazendo-se sobressair o seu desenho na paisagem urbana da cidade.

Este processo de construção do quartel dos bombeiros da Régua foi demorado, complexo e árduo. Foram precisos muitos anos de trabalho, empenhamento, sacrifícios e, sobretudo, uma conjugação de vontades de gerações de pessoas, para que os bombeiros da Régua tivessem ao seu dispor um magnífico quartel – o Quartel Delfim Ferreira -, uma obra  que cativa a atenção de todos pela  excepcional beleza  da sua fachada principal, embelezada com granitos trabalhados à mão, é que por muitos é considerada a mais bonita  Casa dos Bombeiros Portugueses.

Deve reconhecer-se que o processo de construção do quartel foi demorado, complexo e árduo e cheio de vicissitudes. Foram precisos muitos anos de trabalho, empenhamento, sacrifícios e, sobretudo, uma conjugação de vontades de gerações de pessoas, para que tivessem ao seu dispor um magnífico quartel, uma obra que cativa a atenção pela singular beleza da sua fachada principal, embelezada com os  granitos trabalhados à mão, e  que é  por muitos é considerada a mais bonita  Casa dos Bombeiros Portugueses.

As grandes adversidades vividas pelos directores e os bombeiros foram evocadas pelo Chefe António Guedes. Na sua crónica, “Bombeiros Voluntários: Recordando…”, escrita no jornal O Arrais evoca passagens do o velho quartel da onde serviu como bombeiro e, em especial, de factos relacionados com a construção do novo quartel, para ele considerado, o primeiro e gigantesco passo para a concretização do grande e sublime sonho há muito embalava os velhos bombeiros:

O quartel dos Bombeiros Voluntários da Régua encontrava-se pessimamente instalado no rés-do-chão de uma velha e acabada casa, situada num local imprópria, não só devido à pouca largura da rua como, ainda, pelo transito intenso e continuo que por ela passava.
De facto, na estrangulada rua dos Camilos, quase na confluência com a rua Serpa Pinto, tornava-se extremamente difícil e, por vezes, perigosa a saída das viaturas, as quais eram forçadas a executar lentas e arreliadoras manobras para entrarem ou saírem do quartel. Por vezes produziam-se “engarrafamentos” de trânsito, que davam lugar a aborrecidos atrasos e que eram causados por condutores repontões, que se insurgiam contra nós, atribuindo-nos a culpa do que sucedia.
Era uma arrelia, uma constante dor de cabeça.
Em vista disso, a direcção e o Comando da Corporação concluíram que eram absolutamente necessário, para se acabar com aquele inferno, construir um quartel, embora modesto, mais situado num local amplo e apropriado, no centro da vila. Essa resolução veio precisamente ao encontro dos desejos do Corpo Activo, que se comprometeu (e cumpriu briosamente), a trabalhar para esse seu tão grande anseio se concretizasse.
Jaime Guedes, ao tempo presidente da Direcção dos Bombeiros e simultaneamente vereador da Câmara Municipal, aproveitou essa feliz oportunidade e falou sobre o assunto, com os restantes vereadores – Dr. Mário Bernardes Pereira, Capitão Afonso Alves de Araújo, Alberto Gonçalves Martinho e Dr. Abel Duarte Teixeira de Araújo -  e solicitou-lhe a sua concordância no pedido que em breve iria fazer (…)
De facto, numa das primeiras sessões realizadas, ele apresentou uma proposta, na qual solicitava que o município adquirisse e entregasse aos bombeiros um pequeno prédio, situado na Av. Sebastião Ramires, onde em tempos esteve instalada a Associação de Socorros Mútuos 1.º de Maio, e terrenos anexos, afim dos Bombeiros Voluntários ali construírem o quartel de que tanto careciam.
Essa proposta foi aprovada por unanimidade, demonstrando a vereação, por essa forma, a sua simpatia pela velha e gloriosa Corporação (…)

Mas, Jaime Guedes, não deixou arrefecer o entusiasmo do momento, numa outra proposta, que igualmente foi aprovada, solicitou a concessão, aos Bombeiros, de um subsidio de cinquenta mil escudos, destinado a custear as primeiras despesas da construção do tanto desejado quartel.

Estava dado o primeiro e gigantesco passo para a concretização do grande e sublime sonho que a nós, velhos bombeiros, há muito nos embalava.
Jaime Guedes, filho de bombeiro e irmão de bombeiros, iniciou imediatamente as necessárias demarches, destinadas a levar a cabo essa grande obra, que hoje constitui um motivo de orgulho para a gente da Régua – e que é o modelar quartel dos seus bombeiros.
A planta do prédio foi i imediatamente executada pelo distinto arquitecto Oliveira Ferreira, autor do projecto da capela do Asilo José Vasques Osório, e a empreitada da obra adjudicada ao mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira, reguense de gema e artista admirável, que burilava a cantaria com primor, o mesmo enlevo e carinho como que as nossas lindas minhotas consagram às suas artísticas e primorosas rendas de bilros.
A sua proposta foi, muito sensivelmente, a mais baixa que se recebeu.
Já o prédio estava muito adiantado quando se constatou, com enorme surpresa e desgosto, que havia errado o orçamento que figurava na sua proposta e que, nessas circunstâncias, não poderia concluir a obra pela qual tanto se interessava e tanto o envaidecia.
Restavam-lhe, pois, duas alternativas:
A primeira, que muito a amigável e sinceramente lhe foi sugerida pela própria Direcção dos Bombeiros, era que parasse imediatamente com a obra e que se tranquilizasse, pois nada lhe seria exigido, - sugestão essa que terminantemente rejeitou.
E a segunda – que ele seguiu sem vacilar – foi concluir a obra, vendendo ou hipotecando os seus modestos bens, para poder cumprir com a sua palavra.
E não houve forças humanas que o demovessem, que o fizessem mudar de ideias.
E assim terminou a obra.
Sabe Deus com que desgosto, com que sacrifício esse homem, já velho e cansado, nessa altura, se despojou de um pequeno património (que levara a vida inteira a construir) para poder cumprir com a sua palavra”.
- Peso da Régua, Novembro de 2009, J. A. Almeida.  Texto revisto em Abril de 2011.
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