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segunda-feira, 26 de março de 2012

Antão de Carvalho - O retrato de uma paixão pelo Douro

“A Régua nunca avaliou o seu grande talento, embora o estremecesse carinhosamente” 
Pina de Morais (Noticias do Douro, 1948)

     Quando visitei, pela primeira vez, o Museu dos Bombeiros da Régua surpreendeu-me ver exposto um retrato de Antão de Carvalho na galeria dos sócios beneméritos. Confesso que desconhecia, por completo, que tivesse qualquer afinidade pessoal ou institucional de relevância na história da associação.
     O que eu sabia da biografia do Dr. Antão Fernandes de Carvalho em nada o relacionava com factos ou acontecimentos da história da Corporação dos Bombeiros. Sabia que era natural de Vila Seca de Poiares, onde nasceu em 1871 e que se tinha formado em Direito pela Universidade de Coimbra. Proprietário rural e viticultor exercera com fama a profissão de advogado e desempenhara funções políticas relevantes, entre as quais, as de Presidente da Câmara do Peso da Régua, Deputado da Nação e Ministro da Agricultura.
        Conhecia-lhe referências da sua acção como paladino do Douro, o mais combativo, reivindicativo e devotado defensor regional, e o fervor pelas ideias do regime republicano, o qual que representou politicamente na Régua ainda no tempo da monarquia. Coubera-lhe a missão de, no dia 10 de Outubro de 1910, em substituição do monárquico presidente da câmara ler, no salão nobre dos Paços do Concelho, com a assistência de muito povo, forças militares, autoridades civis e representantes de associações locais – aqui, quase de certeza, estariam presentes os directores da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários - o texto de proclamação da República.
       Com a queda da monarquia, Antão de Carvalho assumiria a presidência da câmara da Régua e, no cumprimento dessas suas funções, suspeitei eu que tivesse concedido significativo auxílio e cooperação à Corporação de Bombeiros, fundada em 28 de Novembro de 1880 e, agora, comandada por um intelectual de mérito, José Afonso de Oliveira Soares. Embora distinguida por “Real Associação” pelo Rei D. Luís, na instituição o espírito republicano sentia-se presente em muitos associados e bombeiros que professavam os ideais do novo regime. Por certo, estes bombeiros voluntários esperavam que Antão de Carvalho fomentasse mais apoio, já que careciam de materiais para os fogos e de instalações apropriadas para a sua sede e o quartel. 
       A ter assim acontecido, o que eu não tinha a certeza, estava estabelecido o elo de ligação de Antão de Carvalho e o Corpo de Bombeiros para que, mais tarde, fosse distinguido o como Sócio Benemérito. O meu entendimento precisava de ser confirmado com um testemunho credível, mas as pesquisas foram infrutíferas. Com valor e interesse encontrava uma carta manuscrita pela D. Zélia Carvalho, sua irmã, a agradecer a gratidão dos bombeiros pelas dávidas e, no Salão Nobre, estava uma pintura do retrato do cunhado António Fernandes Carvalho.
    De qualquer forma, sentia-me orgulhoso por esta figura histórica de importância nacional, dotado de valores e de humanismo, o activista militante na defesa de região duriense, estar presente na história dos bombeiros. Sinceramente até deixei de considerar importante saber qual terá sido o seu contributo para com os bombeiros mas, para mim, estaria relacionado com a sua acção como presidente da câmara, no período de 1915-1925, Julgava eu - e bem, afinal - que poderia ter prestado à corporação uma valiosa colaboração institucional, assim garantindo às populações a protecção e o socorro de bens e vidas.
     Mas quando eu menos esperava, ao consultar edições antigas do jornal Notícias do Douro, encontrei a justificação para que aquele retrato de Antão de Carvalho estivesse guardado no museu dos bombeiros. O essencial estava narrado numa notícia que dava o seu falecimento, no dia 13 de Agosto de 1948. Assim, nestes termos simples: “...que à Presidência do snr. Dr. Antão ficou devendo valiosos serviços, entre os quais, quais a instalação do seu quartel da Rua dos Camilos.”
      Foi nesse quartel, uma velha casa sem condições, onde os carros e as ambulâncias mal cabiam, que os bombeiros estiveram instalados, desde 1923 até 1954. Tiveram de esperar muito tempo, nesse local, para abrirem as portas do novo quartel, uma construção de raiz, projectada por arquitecto famoso, mas conseguiram realizar o objectivo que ficará por concretizar nos mandatos de Antão de Carvalho na presidência da Câmara.
       Quando morreu Antão de Carvalho, o Douro e a Régua ficaram de luto. As principais instituições que ele estivera ligado, como a Câmara Municipal, a Casa do Douro e o Grémio dos Vitinicultores, colocaram bandeira a meia haste. O mesmo fez a Associação Humanitária em sinal de respeito pela perda do seu distinto Sócio Benemérito. Os directores e um piquete de bombeiros fizeram-se representar nas cerimónias fúnebres. Os bombeiros carregaram com a sua urna aos ombros até ao pronto-socorro Buick que a transportou para Vila Seca de Poiares, onde o seu corpo foi repousar, por alguns momentos, na velha casa de família, a Casa Amarela. Por fim, sempre acompanhado pelos bombeiros, o cortejo retomou o caminho em direcção do cemitério de Poiares e aí foi sepultado.

“O Dr. Antão de Carvalho ocupa um lugar primancial na galeria dos grandes homens de todos os tempos que o Douro tem tido”- Júlio Vasques (A Defesa do Douro,1930)

     Antão de Carvalho não morreu, se pensarmos que ficou a sua obra que construiu com empenho cívico, determinação, inteligência e muita paixão a pensar no bem colectivo. Como o mais carismático e eminente dos paladinos do Douro fez parte de elite social, económica, cultural e política que dirigiu um movimento de defesa dos lavradores do Douro: a disciplina da produção, o aumento dos preços e o escoamento do vinho do Porto. Ele foi líder principal de uma reforma institucional do sector vitinícola duriense. Na sua casa, no Largo Sacadura Cabral, nº61, na Régua, redigiu as bases e depois o contra-projecto que criou na Régua, em 1932, uma organização associativa para representar interesses da lavoura, a Federação Sindical dos Vitinicultores do Douro - Casa do Douro.
        Os amigos chamaram-lhe o “João das Regras” do Douro e que representava a “Voz do Douro”.Pina de Morais, escritor nascido em Valdigem seu contemporâneo, com quem conviveu na defesa da mesma causa, definiu-o como um “Jurista Romântico”. Escreveu numa brilhante crónica, depois da sua morte, a lamentar a sua perda irreparável para o Douro, onde sintetizou a razão do qualificativo: “Jurista romântico escrevi eu. Era de facto um jurista romântico, pois aliava a estrutura rígida da lei, o romantismo dos homens de 1820 e o seu sonho infinito que nimba as almas que se dão inteiramente ao torrão onde nasceram.”
       O escritor João de Araújo Correia traçou-lhe o génio nestas palavras: “Pertencia a uma raça hoje extinta à superfície da terra portuguesa. Era orador. Como advogado, tinha desenvolvido o verbo congenial na prática forense. Fora da teia eleva-o à sublimidade num comício em prol do Douro. Tão orador era, que não sabia escrever. Só sabia ditar.” (..) Antão de Carvalho, homem de palavra tão fácil, que subia com ela ao céu da fantasia numa tertúlia de gente positiva, manteve-se no foro e na política  sem o mínimo desvio. Foi ministro sem deixar de ser jurisconsulto. Se se desgarrava, durante uma conversa, nunca se desgarrou a inquirir testemunhas nem a rezar o credo democrático”
       O seu talento e a sua paixão pelo Douro mereceram do autor do romance Sangue Plebeu, onde evoca o motim de 1915, em Lamego, esta nota de apreciação: “Teria uma biografia brilhante, excepcional, se tivesse ficado nos grandes meios ao serviço do seu país. Tanto melhor para o Douro, porque este não teve nunca, que eu saiba, quem puzesse tanto coração, quem se identificasse e vibrasse com as suas alegrias e sofresse com as suas dores…” 
       A paixão pelo Douro e à sua terra natal, à Régua foi o estado de alma permanente de Antão de Carvalho que o próprio exarou no seu testamento público: “Coerente com os princípios morais, sociais e políticos que dominaram a minha agitada vida e pelos quais indefectivelmente lutei, afirmo, neste solene momento, a minha concordância com a moral cristã na República e o meu anseio de que esta se adapte ao imperativo do progresso, em marcha para uma mais perfeita e justa organização social. No isolamento em que actualmente vivo, tenho sempre presentes no espírito e no coração esta sagrada Região Duriense e a linda terra da Régua, bem como acima de tudo a modesta aldeia em que nasci, dando por bem empregados o trabalho e sacrifícios de toda a ordem que durante anos lhe consagrei.
O meu funeral será feito à vontade do meu testamenteiro, dos adiante nomeados, que aceitar desempenhar o respectivo cargo. Desejo no entanto, que ele seja modesto e simples, espelho do que fui em vida, sem convites ou sugestões e que o meu corpo vá repousar no jazigo de família, ereto no cemitério de Poiares, deste concelho, junto de meus pais e irmãos, como tal considerando o meu bom cunhado António, passando se assim entenderem, na ridente aldeia de Vila Seca, onde nasci, estando ou não depositado algum tempo na velha “Casa Amarela”, relíquia familiar, ou na formosa capelinha de que minha irmã Zélia é desvelada protectora.
Será a ronda do morto sem descanso como na atormentada vida se viu.”
      Razão terá, certamente, João de Araújo Correia, que no artigo “Dois Paladinos” (in Comércio de Porto, de 30-10-65), faz uma enérgica apologia aos históricos defensores da região: “ O Douro, sempre em crise latente, podia contar com os seus paladinos. Confiava neles, secundando-os com os seus vivos e assinaturas. Hoje, se não tiver alguém que o alumie, não sabe donde lhe vem o mal nem de que lado lhe virá o remédio”. Como é verdade quando diz que o Douro de hoje precisa de o voltar a escutar sobre as eterna questão duriense: “Sempre que o Douro sofre, com vinhos por vender ou à espera de pagamento, vou ao cemitério do Peso entrevistar Júlio Vasques. Subo ao cemitério de Poiares para conversar como Dr. Antão de Carvalho. Fora de fantasia, é capaz de me apontar o bom caminho…”.
        Se hoje a sociedade esquece ou ignora os seus melhores, aquele retrato de Antão de Carvalho evoca as memórias de um homem singular que deixou marcas que perduram no nosso tempo. Agora que os lavradores do Douro vivem outra grave crise e que a Casa do Douro por ele idealizada, se encontra quase à beira do fim, percebemos quanto importante e necessário foi este homem para a região duriense, para todos nós que dependemos da economia do vinho.
     Aquele seu retrato está no lugar certo, no lugar daqueles se entregam ao bem, num exemplo de dedicação, altruísmo e generosidade incessante para com o seu semelhante, valores e princípios que Antão de Carvalho defendeu apaixonadamente na sua passagem muito intensa pela vida Significa também dos bombeiros gratidão a um benemérito que em muitos pequenos gestos, tão pequenos que não ficaram registados em nenhum lugar, a não ser numa página de um jornal, mas que tanto significaram para os bombeiros. Quem sabe, se não foi graças, a essa velha casa adaptada a Quartel que lhes permitiu o sonho de construírem um quartel, nesses difíceis anos 30 no Douro e no país, que é o mais belo edifício da cidade do Peso da Régua.
      Se os bombeiros devem muito a Antão de Carvalho, a Régua e região duriense devem-lhe muito mais – ele que foi o maior defensor do Douro e do Vinho do Porto.
- *José Alfredo Almeida, Março de 2012
Parte 1


Parte 2

*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.
Clique nas imagens para ampliar. Este texto está também publicado nas edições do semanário regional "O Arrais" de 22 e 29 de Março de 2012Texto e sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos.    

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Cartas de Longe: Um pouco mais da Régua - Rebuçados, Antão de Carvalho, Barão de Forrester e a Santa Casa

Um pouco da história dos Rebuçados da Régua
 Olha o rebuçado da Régua... ... Levem o rebuçado da Régua... ... !

Quem chega à Régua de combóio, ou pela sua bonita e centenária Estação dos Caminhos de Ferro, imediatamente a seguir ao ranger das carruagens anunciando a paragem, inevitavelmente, ouve um apelo único de vozes de mulheres de sotaque tipicamente duriense:

- Olha ó rebuçado da Régua, levem rebuçados da Régua
- Ó meu amor não vai uma saquinha ?...

De bata branca e lenço da mesma cor, colocado de forma característica na cabeça, lá estão, ainda hoje, as rebuçadeiras da Régua no Largo e na Gare da Estação, vendendo ao forasteiro que chega ou ao patrício que parte, este ex-libris gastronômico da cidade.

Rebuçadeira é uma profissão que se imagina tão antiga quanto a iguaria, contudo não há ao certo uma data exacta para a origem do fenômeno e do negócio, da mesma forma que cada rebuçadeira guarda o seu segredo de confecção como sendo o tesouro da sua vida.

Os rebuçados da Régua são também centenários, segundo o testemunho de Ermelinda Mesquita - a "Ermelinda Rebuçadeira" - uma das mais antigas e carismáticas rebuçadeiras da Régua, famosa pelos aromas dos seus rebuçados, e que na esmerada cozinha onde tudo acontece, foi deixando as mãos trabalhar e a saudade recordar...

- ...Do que se sabe, primeiro, os rebuçados começaram por ser vendidos nas festas locais e das redondezas; havia dois vendedores muito conhecidos - o "Prosa" e o "Cândido Rebuçadeiro" - e talvez só depois tudo tenha começado".

Aprendiz de D. Maria Adelaide, a Ermelinda Rebuçadeira começou bem cedo, na década de 40, no característico restaurante da gare da Estação...

- À hora dos comboios éramos quatro moças de bata verde (na altura era assim) - uma vendia água em bilha, que custava nessa altura 15 tostões; outra vendia em cantarinha, a copo, e outra ainda andava com o tabuleiro dos caramelos, das bolachas e da fruta, e a última vendia os nossos rebuçados da Régua - 3 pacotes 5$00. Já lá vai muito ano... concluiu a D. Ermelinda com a nostalgia de uma profissão de que se orgulha, apesar de um percurso de vida difícil e marcado no olhar e nas mãos enrugadas de tanto moirejar, mas não sem, entretanto, falar de dentro, recordando...
- Era uma juventude maravilhosa... foram os melhores tempos da minha vida... aos Sábados e Domingos era a correria para o baile dos Bombeiros."...

Depois de o açúcar em ponto com duas cascas de limão e...( o tal segredo) ter passado para a branca pedra de mármore untada com margarina, e daí para o plástico esticado na mesa, ainda a ferver, as mãos, indiferentes à dor, vão cortando os rebuçadso um a um, rápida e habilmente, para depois os embrulhar em forma de autênticos laçarotes que saem das mãos desta senhora, que chegou a ensinar muitas outras da atual geração de rebuçadeiras.

- Hum, que delícia, comentamos, com privilégio de saborear o primeiro a desembrulhar!
- E então diga lá que agora não ficava bem um cálicezinho de vinho fino, ou do Porto?

E rematou, para concluir:

- Ó menino, não leva uma saquinha ...?"
- Villa Regula - Março de 1999 - Texto de José Braga Amaral.

 Figuras Ilustres da Régua
Antão de Carvalho e a criação da Casa do Douro

Em 1931, a lavoura duriense passa mais uma vez por momentos difíceis, não conseguindo controlar o preço do seu vinho, que cai constantemente, e esperando-se a todo o momento uma situação de ruptura.

Era preciso criar um organismo associativo que não só defendesse o vinho e a região, mas também os promovesse.

Aconteceu então que um conjunto de ações foram levadas a cabo por homens destemidos e de muito mérito, como: Carlos Amorim, Joaquim Carvalhais, Dr. Bonifácio da Costa, Dr. Antão Fernandes de Carvalho, Eng. Artur Castilho, estes dois últimos com a responsabilidade de fazerem o "Estatuto do Douro", que viria a ser alterado pelo governo.

Fez-se então um contraprojecto, mais uma vez não só da responsabilidade do Dr. Antão Fernandes de Carvalho, como também do Dr. Camilo Bernardes Pereira e do Eng. José da Costa Lima, e que viria a ser aceite.

E foi assim que, em 19 de Novembro de 1932, o governo, aceitando esse novo projeto do Estatuto do Douro, fez publicar o decreto-lei nº 21883 criando a Federação Sindical dos Viticultores da Região do Douro, hoje Casa do Douro.

A Casa do Douro e esta região demarcada muito devem a homens como o Dr. Antão Fernandes de Carvalho, que com o seu saber, carácter e influência muito contribuíram para a sua criação.

Nasceu no ano de 1871, no lugar de Vila Seca, freguesia de Poiares e concelho de Peso da Régua.

Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra e ocupou lugares de destaque como o de deputado, Presidente da Comissão de Viticultura da Região do Douro, Presidente da Câmara do Peso da Régua, Secretário do Estado do Comércio, sub-Secretário do Estado da Presidência, Ministro da Agricultura, do Comércio e Pescas e outros cargos que seria fastidioso aqui referir.

Veio a falecer em 1948.

Morreu o homem, mas ficou a obra...bem-haja.

Citando Carlos Amorim: "A sua figura máscula, hercúlea, bem vincada, à beira do grande edifício, é como que uma sentinela, sempre firme no seu posto, a vigiar e a guardar."
- In Villa Regula - Março de 2000 - texto de Marco Aurélio Peixoto

O Barão de Forrester

O Barão de Forrester, de nome Joseph James Forrester, nasceu em Hull, na Escócia, a 21 de Maio de 1809.

Veio a falecer, vítima de um acidente de barco, no Cachão da Valeira, em Maio de 1861.

Chegou a Portugal em l830 e dedicou-se desde muito cedo à carreira comercial, ajudado nesse tempo por um tio, grande comerciante na cidade do Porto.

Tornou-se num homem distinto, de grande cultura, deixando-nos uma extensa obra bibliográfica. Também foi poeta, desenhista e aguarelista.

Além do inúmeros mapas da região demarcada, ele foi o autor do importante mapa "O Douro Português", traçando o curso deste rio desde a fronteira espanhola até à foz. Este excepcional trabalho fez com que o governo lhe atribuísse o título de Barão, honraria pela primeira vez atribuída a um estrangeiro.

Como nesse tempo o acesso para o Douro era difícil, mandou construir um barco do gênero rabelo, ricamente decorado e apetrechado, onde oferecia jantares aos seus amigos. A tripulação era muito bem remunerada e magnificamente uniformizada.

Quando se encontrava hóspede de D. Antónia Adelaide Ferreira, veio a encontrar a morte no barco em que se fazia transportar numa viagem de recreio, voltando-se, no traiçoeiro ponto do Cachão da Valeira.

Socorridos por outro barco, salvaram-se todos menos o referido barão, uma criada e um criado.

Dizem que D. Antónia se salvou graças aos seus vestidos, que se comportaram como um perfeito balão, e o barão se afogou porque levava na sua faixa uma quantidade apreciável de moedas em oiro.

Morreu e ficou sepultado no lugar que mais o impressionava, chegando a desenhá-lo por duas vezes. Foi uma perda irreparável.
- In Villa Regula - Dezembro de 1999 - Texto de Marco Aurélio Peixoto.

Santa Casa da Misericórdia do Peso da Régua
A solidariedade por uma vida mais digna
A Santa Casa da Misericórdia da Régua foi criada em Fevereiro de 1928. Ao longo dos tempos viveu fases de grandes carências, mas nos últimos anos cresceu a olhos vistos e atualmente possui uma série de serviços bem organizados e que respondem a praticamente todas as necessidades dos que procuram a sua ajuda.

Gente de todas as idades vem a esta casa em busca de solidariedade e companhia ou para viver em tranqüilidade os dias que lhe restam.

A Santa Casa da Misericórdia possui um centro infantil, freqüentado por 35 crianças dos três meses aos três anos, e um centro de educação pré-escolar com 75 crianças, entre os três e os seis anos. Para além disso, tem ainda salas de apoio ao ensino básico frequentadas por 64 crianças.

A Santa Casa da Misericórdia da Régua alberga, em regime de internato, cerca de 30 jovens com idades compreendidas entre os dois e os 33 anos. A maior parte delas cresceram aqui. Têm uma vida igual a todas as outras jovens e frequentam a escola. João Pereira, provedor desta casa, afirma que "há duas jovens a frequentar cursos superiores e todas elas, desde que o seu comportamento e a sua capacidade o permitam, vão ter essa oportunidade".

SOLIDARIEDADE E LIBERDADE - À partida, a Santa Casa da Misericórdia alberga os jovens até aos 18 anos. Depois, a maior parte delas arranja emprego ou casa-se e segue o seu rumo. De vez em quando regressam para fazer umavisita, recordar velhos tempos e partilhar memórias com a nova família.

No caso de terem dificuldades, as jovens podem continuar a contar com o apoio desta casa.

João Pereira afirma que todas as jovens que vivem na Santa Casa da Misericórdia da Régua estão integradas na sociedade reguense, apesar de uma grande parte delas virem de outras terras, "talvez porque não há na região instituições deste género e porque esta casa já adquiriu um estatuto especial. Toda a gente reconhece a capacidade desta casa na educação e no acompanhamento das jovens", diz João Pereira. Na Santa Casa da Misericórdia da Régua, as jovens têm liberdade para participar em atividades desportivas e culturais noutras instituições e associações da cidade, "para que sintam e saibam que são iguais a todas as outras". Algumas praticam voleibol no Clube de Caça e Pesca, outras praticam dança e algumas estão integradas em grupos da igreja. "No dia 24 de Julho (1999) estiveram todas no estádio Nacional a ajudar a compor o logotipo humano de candidatura de Portugal ao Europeu 2004", conta João Pereira.

UM OMBRO AMIGO - Dentro de casa, todas estas jovens têm o apoio e a ajuda que necessitam, tanto nos estudos como na sua vida pessoal. Ao fim da tarde uma explicadora dedica-se a tirar as dúvidas que ficaram daquele dia de escola, para que todas tenham sucesso nos estudos. E no provedor, sabem que têm um ombro amigo para pôr questões e pedir conselhos sobre tudo. João Pereira está, atualmente, empenhado em conseguir o apoio técnico de uma psicóloga para estas jovens, porque, afirma: "estão na idade da rebeldia, que é perfeitamente natural, e queremos dar-lhes o acompanhamento que merecem se precisarem". Mas orgulha-se do fato de as jovens da Santa Casa da Misericórdia da Régua, rebeldes ou não, terem um comportamento exemplar e nunca terem criado problemas graves.

UM ESTÍMULO PARA OS IDOSOS - Os idosos têm na Santa casa da Misericórdia um abrigo e um estímulo a uma vida útil e saudável. Em regime de internato vivem aqui atualmente 60 idosos e freqüentam o Centro de Dia 10.

A lotação está esgotada, como acontece nas restantes faixas etárias, e há uma lista de espera de mais de 100 idosos para serem acolhidos por esta casa. Aqui, a ocupação dos tempos livres dos idosos está garantida. A maior parte das mulheres dedica-se à execução de rendas e bordados, há quem tenha uma paixão e um talento especial para artesanato e há quem goste de trabalhar e cultivar a terra. Os trabalhos que produzem são exibidos e vendidos em diversas exposições na cidade, para ajudar a pagar as excursões que realizam.

Já foram a Fátima, a S Salvador do Mundo, à Senhora da Lapa e deram um passeio de barco com o apoio do Instituto de Navegabilidade do Douro e da Câmara Municipal. "É uma forma de sentirem que estão capazes e que podem ser úteis", diz João Pereira.

Muitos destes idosos também ocupam os tempos livres em passeios pela cidade e regressam à hora das refeições. Deste modo, mantêm-se integrados na sociedade e preservam os amigos.

CENTRO RENAL - Nos últimos anos, a Santa Casa da Misericórdia da Régua melhorou as suas instalações e os seus serviços. Várias obras foram levadas a cabo com o apoio da Segurança Social, nomeadamente a criação do lar de idosos e a melhoria das condições da sede. Algumas ações legadas por D. Antónia Adelaide Ferreira, conhecida como a "Ferreirinha" e que foi a grande benemérita desta casa, também contribuiram para o investimento.

Para além disso foi ainda construido um prédio de rendimento com dois pisos. No primeiro estão habitações alugadas a casais de idosos com maiores possibilidades financeiras. No rés-do-chão, a Santa casa da Misericórdia fundou um centro renal, inaugurado em Junho passado (1999). "Entendemos que a nossa função não se deve limitar ao apoio a jovens e idosos, mas também aos carenciados em termos de saúde" , explica João Pereira. Por enquanto, o centro renal está a funcionar parcialmente e apenas com doentes da região de Viseu., mas brevemente a população do distrito de Vila Real vai poder contar com este Centro para os seus tratamentos.

MELHORES CONDIÇÕES - Para os próximos tempos, a Santa casa da Misericórdia da Régua tem projetos cujo objetivo é a melhoria crescente das condições de trabalho e de quem aqui vive. Para as crianças está em vista a contratação de um animador desportivo e cultural, a construção de um parque infantil coberto no espaço exterior da casa e a criação de campos de mini-basquete, voleibol e andebol. Além disso, está em projeto a criação de uma biblioteca. Mas os projetos vão mais longe. Um dos edifícios desta casa, contíguo à sede, está a beneficiar da remodelação de todo o seu interior, com vista a melhorar as instalações. João Pereira explica que o edifício "já está velho e além disso as jovens internas, ali alojadas, não tinham privacidade, dormiam em quartos de oito". Quando as obras estiverem terminadas, vai haver um quarto para cada duas jovens, com casa-de-banho privativa, aquecimento e ar-condicionado. Com a remodelação deste edifício vão ser melhoradas também as instalações da secretaria, lavanderia, salão nobre, gabinete da provedoria, cozinha e sala de jantar.

Com o apoio do Instituto do Emprego e da Formação Profissional de Vila Real foi possível arrancar com uma ação destinada a auxiliares de educação das crianças. O primeiro módulo já se concluiu e está agora a decorrer outro até Junho do ano 2000. Estão 15 funcionários da Santa Casa da Misericórdia e cinco de outras instituições amigas e vizinhas a freqüentar esta ação de formação. Posteriormente, vai arrancar um outro módulo para as funcionárias que lidam com os idosos.
- In Villa Regula de Dezembro de 1999 - Texto de Olga Magalhães.

Nota - Face ao tempo passado desde a publicação desta reportagem, fatos, datas, pessoas e acontecimentos poderão ter-se sucedido e alterado. Assim pedimos vossa compreensão, porque o importante é levar ao mundo que a Régua, além do Marão, do vinho, do rio Douro, de suas belezas geográficas e seu povo trabalhador e hospitaleiro, também sabe educar e respeitar as crianças menos favorecidas e acolher e minimizar a solidão de seus idosos. Bem hajam todos que exercem alguma função na Santa Casa da Misericordia da Régua.
- J. Luis Gabão
(Clique nas imagens acima para ampliar. Transferência de arquivos dos sitios "Peso da Régua/Pemba" que serão desativados em breve)