quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O Quartel dos Bombeiros da Régua - Notas para a sua história

Instalaram em 1880 os bombeiros da Régua o seu primeiro quartel no rés - do chão e primeiro andar de  uma casa d que ainda existe no Largo dos Aviadores. Apesar de não haver informações exactas, mantiveram-se na naquele local até ao final do ano1923, sem aí terem as condições para guardarem o seu pouco material de combate incêndios e os bombeiros não terem condições para prestarem um serviço de socorro de qualidade à população.

Em 1923, durante o as cerimónias do 43º aniversário da Associação, os bombeiros mudavam o quartel para uma velha casa que existiu na Rua dos Camilos – o Cimo da Régua - onde se encontra, actualmente,  construído um prédio em propriedade horizontal. Esse quartel era exíguo e estava instalado numa exigia e velha casa.

Em matéria de operacionalidade, esse quartel seria muito inferior ao primeiro. Por regra, as formaturas de bombeiros faziam-se no meio da rua e “os carros entravam à justa na porta estreita sempre com grande vozearia de indicações e avisos”. Como o quartel era um lugar com espaço disponível e sem condições para os fins de socorro, mas serviu para o convívio dos associados e amigos que aí se reuniam para conversar, jogar as cartas, fazer a leitura de um ou outro livro que se guardavam nas estantes ou pelo prazer de merendar no improvisado bar uns bons petiscos.

É desse tempo, o conhecido quarteleiro e bombeiro Zé Pinto, que tomava conta desse quartel, servindo-se de num minúsculo quarto e, a partir daí, ficou e a dedicar-se à corporação até à velhice. Desde tempo, era o comandante do corpo activo era Camilo Guedes Castelo Branco, um cidadão reguense, reconhecido como poeta e dramaturgo de talento que, quem o conheceu, dizia que a sua “presença criava uma atmosfera de respeito e afectividade”.

Desde a fundação que a Associação ganhava mais prestígio quer a nível local quer distrital e a corporação aumentava os seus equipamentos e o número de bombeiros alistados no seu quadro activo. A construção de um quartel era uma obrigação que se imponha à direcção e ao comando. Apesar dos esforços e inúmeras tentativas dos dirigentes associativos com o poder político de então – o Governo e a Câmara Municipal -  para  resolução desta necessidade não encontravam  vontade nem  qualquer intenção de querem mudar esta realidade,  situação que  prejudicava a missão dos bombeiros.

Os bombeiros não desistiram e não perderam a esperança. Orgulhosos da sua missão tudo fizeram para que esse sonho se concretizasse. Em 1925, o Comandante José Afonso Oliveira Soares, no génio de artista, deu um contributo, ao fazer um anteprojecto de um quartel da sua autoria. Se segundo os seus registos, se este novo quartel, se fosse construído, deveria ser erigido no fundo do jardim municipal, o desaparecido Jardim Alexandre Herculano. O certo é que esse belo desenho, guardado em arquivo, não foi concretizada não tão desejada obra. A razão para tal deveu-se ao facto de não haver vontade politica da autarquia  nem de  a Associação  possuir os  necessários meios financeiros para a pagar a sua construção.

Nessa época, as dificuldades financeiras dos bombeiros eram mais muitas. O relato que o presidente da direcção, Dr. Ernesto José dos Santos, fez nas suas memórias que intitulou “Ao Correr da Pena”, comprova o mau momento que a Associação vivia em termos de recursos. Considera que a Associação estava sem meios e sem actividade, já que “tinha os seus órgãos de execução em mau e deficiente estado económico, faltando-lhe a todos os títulos a diligencia, dinamismo, ponderação e maleabilidade”. Aliás, um outro presidente da direcção, o Dr. Mário Bernardes Pereira, confirmava essas deficiências ao divulgar nas memórias, “Evocação”, o seguinte: “ pouco podia realizar-se naquela casa pobrezinha, onde faltava pecúnia e sobravam aspirações e boa vontade”, Com uma certa mágoa acrescentava: “era injusta a atitude da Câmara para com os bombeiros” porque na sua opinião, “tudo se resumia à concessão de um subsidio mensal demasiado pequeno, em face dos encargos que o município viria a contrair se viesse a organizar os seus serviços de incêndios, no dia em que a Associação, privada de recursos, tivesse de findar”.

Como cidadão e médico na Régua sabia que a associação não se extinguia assim, mesmo por maiores que fossem as crises ou a falta de meios. Os beneméritos que a rodeavam de protecção e ajudas e os seus bombeiros abnegados eram os valores seguros que a mantinha viva e actuante. Aquele seu discurso que reivindicava aos políticos locais ajuda para os bombeiros de nada valeu, pois tudo ficou na mesma por mais alguns anos. Ainda chegou desabafar “ninguém estranhou e nem eu não estranhei”.

Nas primeiras três décadas do século passado, o relacionamento dos bombeiros como poder local foi problemático. Os dirigentes de então sentiram falta de apoio e até um certo desdém pelos destinos da instituição. Se a protecção civil era uma obrigação da autarquia, a falta de verbas fazia com que não fosse considerada uma das suas prioridades. Contudo, a nomeação do Dr. Mário Bernardes Pereira para presidir a Comissão Administrativa da Câmara Municipal, os bombeiros serão finalmente reconhecidos. São-lhe concedidos os auxílios para resolver os seus problemas. Encontrando-se na Comissão Administrativa, Jaime Guedes Castelo Branco, como vogal, que havia sido director da associação e conhecia bem as dificuldades dos bombeiros, foi  ele que elaborou  as propostas  para,  que nas reuniões da Comissão Administrativa,   fosse concedido o aumento do subsídio e a cedência de uma parcela de terreno s para que os bombeiros  edificassem o seu quartel, o que está documentado nas actas das sessões de 12 e 19 de Novembro de 1930.

A proposta para a expropriação amigável de uma parcela de terreno, sito então na Av. da Liberdade – hoje Av. Antão de Carvalho – foi fundamentada nestes termos: “Tendo a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua necessidade imperiosa de um edifício próprio que sirva de quartel e arrecadação de todo o seu importante material de incêndio, que se encontra disperso por vários locais com reconhecidos prejuízos para os rápidos serviços do cargo…”

Na cerimónia solene, realizada no dia 30 de Novembro de 1930, na então Av. da Liberdade, a Comissão Administrativa da Câmara do Peso a Régua fez a entrega pública, ao presidente da direcção, Dr. Ernesto José dos Santos e ao Comandante Camilo Guedes Castelo Branco, de uma “ faixa de terreno, sito nesta Avenida, com cerca de duzentos metros quadrados, terreno que vai ser destinado à construção da sede da mesma Associação”.

Com esta doação, os bombeiros estão em condições de concretizar o seu sonho, o de construir o seu quartel. A sua Direcção mandava elaborar, em 1929, ao conceituado arquitecto Oliveira Ferreira o projecto de arquitectura do edifício e, de imediato, lanço o concurso para a construção da obra. Não há conhecimento se houve mais propostas, mas a empreitada da construção obra foi adjudicada ao empreiteiro Anastácio Inácio Teixeira, mestre pedreiro, natural da Régua.

Iniciava-se a construção do quartel. O momento ficou registado num curioso imagem que permite que observemos a erguerem-se as primeiras paredes e o arco frontal em granito. Esperava-se que a obra fosse concluída num curto prazo, o que não veio a acontecer. Devem ter sido várias as circunstâncias para tal acontecesse. Um erro no valor da proposta apresentada pelo empreiteiro, segundo consta, muito abaixo do valor previsto em orçamento, o qual também estaria errado, fez com que surgissem os problemas. Sem recursos financeiros, a Associação mandou parar as obras. Apenas estavam erguidas as paredes exteriores, mas sem telhado o edifício não podia receber os bombeiros nem guardar o seu material, os carros de fogo e as ambulâncias. 

Custa a crer, mas é verdade! Sem que ninguém faça mais nada, o edifício vai permanecer como obra inacabada até 1954. O quartel vai ficar reduzido a um esqueleto, sem portas, sem janelas e sem telhado. Durante mais de vinte e cinco anos, os bombeiros vão ainda ficar a trabalhar no quartel da Rua dos Camilos.


Para se entender os passos lentos da construção do quartel, recordamos o testemunho do Dr. Manuel Alves Soares, antigo presidente de Câmara Municipal da Régua, que o encontrou nesta situação: “ Aí por volta do ano de 1947, quando por circunstancias varias (…) me vi alcandorado no lugar de primeiro magistrado do concelho, tive ocasião de ajudar no seu arranque definitivo, o edifício inacabado daquela prestimosa associação…Tinha-se erguido um esqueleto de aspecto arquitectónico que prometia brilhar no futuro, mas durante alguns anos assim se conservou, sem portas, sem janelas e sem telhado. Servia unicamente de sentinas públicas mas sem saneamento (…) Logo no primeiro dia e por mera curiosidade, entrei nos baixos, para ver o seu interior que contrastava tristemente com aquela magnifica frontaria tão bem trabalhada, revelando o excelente artista que a tinha concebido. Fiquei indignado e enojado com o que vi! Grandes buracos abertos junto aos alicerces onde se lançavam as mais variadas porcarias e muita gente ali fazia as suas necessidades, e de tal maneira, que o cheiro lá dentro era repugnante e pestilento. Vindo que os bombeiros estavam pessimamente instalados na Rua dos Camilos, e ansiavam por ter a sua sede, tratei imediatamente de contactar a sua direcção, nomeadamente Jaime Guedes (…) no sentido de acabar o quartel”.

Não foi ainda desta vez que se concluíram as obras do quartel. De qualquer forma, esse presidente de câmara conseguiu do Ministro das Obras Públicas, Eng. José Frederico Ulrich, que veio a Régua visitar essa obra e não gostou nada do que viu -  um subsídio  para realizar mais umas obras de beneficiação no quartel. Mas como a verba era insuficiente para acabar a obra e a permitir a sua normal utilização como um quartel pelos bombeiros. Por mais anos, os bombeiros continuaram a fazer o seu serviço num quartel que não dignificava a sua missão e sem condições para prestarem melhores serviços à comunidade.

Em 1954, uma direcção presidida pelo Dr. Júlio Vilela (1954-1963) assume os destinos da Associação tendo como preocupação principal realizar a “primeira e mais premente fase de acabamento” do quartel. Numa hábil negociação política, obtém do Ministro das Obras Públicas, Eng. Arantes de Oliveira – que se fez deslocar numa vista à Régua - um subsídio no montante de 54.000$00,  o qual  possibilitou fazer algumas das obras  necessárias, isto é,  acabar o arranjo das fachadas e fazer todas as infra-estruturas no do rés-do-chão do edifício e primeiro andar do edifício.


Nas comemorações do 75º aniversário da associação, realizadas em 4 de Novembro de 1955, - ainda com uma segunda fase de trabalhos de acabamentos para concluir  - é feita a inauguração do quartel dos bombeiros da Régua.  O senhor bispo do distrito de Vila Real celebrou a bênção das novas instalações.

Finalmente, nesse ano de 1955, os bombeiros mudavam-se de casa. Deixavam, sem saudades, o velho quartel no Cimo da Régua para estrearem o novo – baptizado de Quartel Delfim Ferreira – que tinha todas as condições para prestarem à população um moderno serviço de socorro e de protecção civil.

Mas, em 1980 uma direcção dinâmica, liderada pelo Dr. Aires Querubim (1972-1981), com o apoio do Ministério da Administração Interna, tomava a decisão ampliar o quartel, construindo um novo corpo contíguo ao existente, a imitar rigorosamente a estética do projecto original. O edifício, para além de ficar com uma maior área social e operacional, tornava-se mais espectacular na dimensão das linhas arquitectónicas, fazendo-se sobressair o seu desenho na paisagem urbana da cidade.

Este processo de construção do quartel dos bombeiros da Régua foi demorado, complexo e árduo. Foram precisos muitos anos de trabalho, empenhamento, sacrifícios e, sobretudo, uma conjugação de vontades de gerações de pessoas, para que os bombeiros da Régua tivessem ao seu dispor um magnífico quartel – o Quartel Delfim Ferreira -, uma obra  que cativa a atenção de todos pela  excepcional beleza  da sua fachada principal, embelezada com granitos trabalhados à mão, é que por muitos é considerada a mais bonita  Casa dos Bombeiros Portugueses.

Deve reconhecer-se que o processo de construção do quartel foi demorado, complexo e árduo e cheio de vicissitudes. Foram precisos muitos anos de trabalho, empenhamento, sacrifícios e, sobretudo, uma conjugação de vontades de gerações de pessoas, para que tivessem ao seu dispor um magnífico quartel, uma obra que cativa a atenção pela singular beleza da sua fachada principal, embelezada com os  granitos trabalhados à mão, e  que é  por muitos é considerada a mais bonita  Casa dos Bombeiros Portugueses.

As grandes adversidades vividas pelos directores e os bombeiros foram evocadas pelo Chefe António Guedes. Na sua crónica, “Bombeiros Voluntários: Recordando…”, escrita no jornal O Arrais evoca passagens do o velho quartel da onde serviu como bombeiro e, em especial, de factos relacionados com a construção do novo quartel, para ele considerado, o primeiro e gigantesco passo para a concretização do grande e sublime sonho há muito embalava os velhos bombeiros:

O quartel dos Bombeiros Voluntários da Régua encontrava-se pessimamente instalado no rés-do-chão de uma velha e acabada casa, situada num local imprópria, não só devido à pouca largura da rua como, ainda, pelo transito intenso e continuo que por ela passava.
De facto, na estrangulada rua dos Camilos, quase na confluência com a rua Serpa Pinto, tornava-se extremamente difícil e, por vezes, perigosa a saída das viaturas, as quais eram forçadas a executar lentas e arreliadoras manobras para entrarem ou saírem do quartel. Por vezes produziam-se “engarrafamentos” de trânsito, que davam lugar a aborrecidos atrasos e que eram causados por condutores repontões, que se insurgiam contra nós, atribuindo-nos a culpa do que sucedia.
Era uma arrelia, uma constante dor de cabeça.
Em vista disso, a direcção e o Comando da Corporação concluíram que eram absolutamente necessário, para se acabar com aquele inferno, construir um quartel, embora modesto, mais situado num local amplo e apropriado, no centro da vila. Essa resolução veio precisamente ao encontro dos desejos do Corpo Activo, que se comprometeu (e cumpriu briosamente), a trabalhar para esse seu tão grande anseio se concretizasse.
Jaime Guedes, ao tempo presidente da Direcção dos Bombeiros e simultaneamente vereador da Câmara Municipal, aproveitou essa feliz oportunidade e falou sobre o assunto, com os restantes vereadores – Dr. Mário Bernardes Pereira, Capitão Afonso Alves de Araújo, Alberto Gonçalves Martinho e Dr. Abel Duarte Teixeira de Araújo -  e solicitou-lhe a sua concordância no pedido que em breve iria fazer (…)
De facto, numa das primeiras sessões realizadas, ele apresentou uma proposta, na qual solicitava que o município adquirisse e entregasse aos bombeiros um pequeno prédio, situado na Av. Sebastião Ramires, onde em tempos esteve instalada a Associação de Socorros Mútuos 1.º de Maio, e terrenos anexos, afim dos Bombeiros Voluntários ali construírem o quartel de que tanto careciam.
Essa proposta foi aprovada por unanimidade, demonstrando a vereação, por essa forma, a sua simpatia pela velha e gloriosa Corporação (…)

Mas, Jaime Guedes, não deixou arrefecer o entusiasmo do momento, numa outra proposta, que igualmente foi aprovada, solicitou a concessão, aos Bombeiros, de um subsidio de cinquenta mil escudos, destinado a custear as primeiras despesas da construção do tanto desejado quartel.

Estava dado o primeiro e gigantesco passo para a concretização do grande e sublime sonho que a nós, velhos bombeiros, há muito nos embalava.
Jaime Guedes, filho de bombeiro e irmão de bombeiros, iniciou imediatamente as necessárias demarches, destinadas a levar a cabo essa grande obra, que hoje constitui um motivo de orgulho para a gente da Régua – e que é o modelar quartel dos seus bombeiros.
A planta do prédio foi i imediatamente executada pelo distinto arquitecto Oliveira Ferreira, autor do projecto da capela do Asilo José Vasques Osório, e a empreitada da obra adjudicada ao mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira, reguense de gema e artista admirável, que burilava a cantaria com primor, o mesmo enlevo e carinho como que as nossas lindas minhotas consagram às suas artísticas e primorosas rendas de bilros.
A sua proposta foi, muito sensivelmente, a mais baixa que se recebeu.
Já o prédio estava muito adiantado quando se constatou, com enorme surpresa e desgosto, que havia errado o orçamento que figurava na sua proposta e que, nessas circunstâncias, não poderia concluir a obra pela qual tanto se interessava e tanto o envaidecia.
Restavam-lhe, pois, duas alternativas:
A primeira, que muito a amigável e sinceramente lhe foi sugerida pela própria Direcção dos Bombeiros, era que parasse imediatamente com a obra e que se tranquilizasse, pois nada lhe seria exigido, - sugestão essa que terminantemente rejeitou.
E a segunda – que ele seguiu sem vacilar – foi concluir a obra, vendendo ou hipotecando os seus modestos bens, para poder cumprir com a sua palavra.
E não houve forças humanas que o demovessem, que o fizessem mudar de ideias.
E assim terminou a obra.
Sabe Deus com que desgosto, com que sacrifício esse homem, já velho e cansado, nessa altura, se despojou de um pequeno património (que levara a vida inteira a construir) para poder cumprir com a sua palavra”.
- Peso da Régua, Novembro de 2009, J. A. Almeida.  Texto revisto em Abril de 2011.
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