Mostrar mensagens com a etiqueta O benemérito António José Rodrigues. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta O benemérito António José Rodrigues. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Um ilustre benemérito

Do ilustre benemérito senhor António José Rodrigues guardo eu uma primeira imagem que me ficou já remota, já delida pelos anos que passaram. Nesses recuados tempos, teria eu uns seis ou sete anos, entrei com meus pais no estabelecimento comercial do senhor António José Rodrigues, conhecido no meio pela alcunha de Mumu. Ainda hoje tal epíteto me escapa ao entendimento e também me escapa, ou já não me lembra, qual a peça ou artigo que meus pais foram ali comprar. Seria uma peça de riscado ou fazenda, seria pano-cru ou seria apenas uma meia dúzia de botões? Não sei… O que sei é que a loja do Mumu se situava no enfiamento da rua dos Camilos e um pouco adiante da Pensão Douro.

A bem dizer, situava-se muito perto da estação de comboios. Toda a clientela que viesse às compras à Régua e que ali se apeasse dos comboios ou das camionetas de carreira, tinha por perto a loja do Mumu.

Quando há muitos anos ali entrei, levado pela mão de meus pais, a loja pareceu-me algo modesta, um tudo nada envolvida de soturnidade mas, ainda assim, bem rica de prateleiras, com um variado mostruário de tecidos e fazendas. Ao tempo, foi essa a impressão que me marcou e da qual me lembro.

Também me lembro que, às tantas, uma frase ou um dito do senhor Rodrigues fez com que meu pai risse uma boa gargalhada mas, por qualquer minha distracção infantil, não dei tento do gracejo ou da galhofa, sei lá se de alguma malandrice.

Mas, no correr dos anos, sei que o comércio do senhor Rodrigues era comércio de boa nomeada, boa aceitação e boa freguesia. Ali se vendiam variados tecidos e fazendas, chitas e riscados, xailes e camisolas, cobertores e atoalhados, colchetes e botões. A metro ou à dúzia, tudo era, modo de dizer, um ver se te avias. E a verdade é que o senhor Rodrigues, anos a fio, lavrou nesse comércio as raízes do seu trabalho e do seu desafogado viver.

Digamos, portanto, que tal negócio não lhe foi desventuroso. Digamos ainda que o senhor Rodrigues fazia todos os dias uma boa caminhada desde a residência, no Senhor dos Aflitos, até à sua loja de comércio.

É crível que, passo a passo, num relance de olhos, visse e sopesasse também o negócio dos outros, fosse o chamariz das montras, as particularidades de um amplo balcão ou até o deslumbramento diante da cintilação do oiro e da prata no mercado das ourivesarias. De caminho, era ainda a louvação dos bons-dias e boas-tardes dadas aos passantes e convizinhos. E, se calhar, o senhor Rodrigues ia congeminando sobre o deve e haver dos seus negócios, como quem deita contas à vida. Contas feitas, era como se um fogo de bem-querer e bem- fazer lhe incendiasse o espírito e abrisse os caminhos do humanitarismo. Por acréscimo, o senhor Rodrigues ficou milionário da solidariedade e da benemerência, afeiçoada à honrada e luminosa repartição dos bens.

Eu, a fazer fé nos desígnios deste mundo, direi que, por vezes, as riquezas podem ser muito pobres e miserandas. Tais riquezas, se geradas por uma ambição desmedida e pela cainheza do entesoiramento podem desfazer-se num monte de cinzas e num rescaldo de escombros a céu aberto. Podem ter, afinal, estes acabamentos, estes inesperados desatinos.

Em jeito de conclusão direi que o benemérito António José Rodrigues legou grande parte dos seus bens à Santa Casa da Misericórdia e, principalmente, à corporação dos Bombeiros Voluntários.

Acabou seus dias acamado num quarto particular do hospital da Régua, quarto que ficava mesmo defronte da sala de partos, ali onde se definiam as linhas de toda uma Vida por Vida, ali onde a religiosa Irmã Maria foi parteira de todos os meus filhos.

Eu, já licenciado em medicina, pude visitar o senhor Rodrigues uma ou outra vez e pude ver que tinha diante de mim um cavalheiro já de certa idade, com uns dizeres modestos e suaves, como que à espera do fim. Ao lado, sobre a mesinha de cabeceira, sobressaía uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, encimada pelo fino recorte duma coroa de prata.

Essa imagem foi doada à Irmã Maria em reconhecimento pelos serviços de enfermagem prestados ao senhor Rodrigues mas ela bem sabia do meu gosto por antiguidades e velharias, com particular apetência pela arte sacra. Por isso, alguns dias passados, não estranhei que me entregasse a imagem da Nossa Senhora da Conceição, recatadamente enfiada num saquito de plástico.

E assim, por linhas travessas, salvo seja, a benemerência do senhor António José Rodrigues chegou até mim.
- Peso da Régua, 30 de Julho de 2013, Manuel Braz de Magalhães.
  • Também neste blogue em 7 DE DEZEMBRO DE 2009 - O benemérito António José Rodrigues por  J. A. Almeida.
  • Publicado no semanário regional "O Arrais", edição de 7 de Agosto de 2013:

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2013. Texo e imagens cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Também publicado no jornal semanário "O Arrais", edição de 07 de Agosto de 2013, Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O benemérito António José Rodrigues



“Quem não vive para servir não serve para viver”
(Teresa de Calcutá)

Em 31 de Outubro de 1956, o Dr. Júlio Vilela - presidente da direcção da AHBV do Peso da Régua - e os directores Noel de Magalhães e Alfredo Baptista e o 2º Comandante António Guedes – o autor memórias dos bombeiros da Régua - acompanharam numa visita às instalações do edifício sede dos bombeiros, o Senhor António José Rodrigues – carinhosamente chamado por “Mumu”- um simpático ancião e um generoso benemérito, a quem mostravam o andamento das obras no primeiro piso do edifício-sede, na parte projectada para ser um majestoso Salão Nobre, onde se realizassem as reuniões dos associados e as cerimónias oficiais.

No percurso sinuoso, com mais de um século de história, com momentos de dificuldades financeiras, os bombeiros da Régua podiam destacar o contributo de muitas pessoas que, desde a sua fundação até ao presente, os ajudaram com donativos, viaturas e equipamentos, de forma desinteressada e altruísta. Se tivessem de evocar os benfeitores que fizeram doações seriam muitos nomes que teriam de louvar e dignificar a sua atitude como verdadeiro exemplo cívico para a sociedade.

Sobreviveram os sacrifícios, a adversidades e a grandes e complicados obstáculos os bombeiros da Régua para nunca desistirem da sua missão. Com coragem e determinação venceram todas as contrariedades. Cada uma delas foi entendida sempre como um desafio e um estímulo para se fazerem mais e melhor, tornarem a associação mais eficiente e cada vez maior, na fidelidade aos princípios que inspiram a sua fundação.

Foram grandes os entraves para terem uma infra-estrutura condigna para exercerem seu trabalho e guardarem os seus equipamentos e veículos como, em 1930, aconteceu ao iniciarem a construção do quartel. Tiveram de passar 25 anos para que esse sonho se tornasse real. Só foi possível aguentarem uma espera tão longa devido à persistência dos briosos soldados da paz, directores, associados e, sem dúvida, esses anjos salvadores que tem o nome de beneméritos. Se os bombeiros da Régua estão instalados num dos edifícios mais emblemáticos da cidade, não restam dúvidas que o devem, em parte, à ajuda de um velho e generoso reguense, o senhor António José Rodrigues, ou como lhe chamavam, o “Mumu”.

A generosidade é um sentimento que pode trazer felicidade para sempre, alguém escreveu. Esta citação vem ao encontro do espírito desse benemérito, que para nós é digno, sem desconsideração para os demais, de uma menção especial. Os seus donativos serviram para melhorar o funcionamento e a prestação de serviços dos bombeiros à comunidade com mais qualidade, conforto e segurança.

Foi graças ao “Mumu”, um antigo comerciante de confecções e lanifícios numa loja da Rua dos Camilos - onde hoje está a “Chama Lar” – que os bombeiros da Régua encontraram a ajuda necessária para resolver algumas dificuldades. Em 1955, o seu donativo de 50.000$00 – uma avultada quantia para a época – serviu para que se fizessem as obras que faltavam no quartel.

O senhor António José Rodrigues está esquecido na sua terra. A Régua comercial, como antigo balcão do Largo da Estação até ao Salgueiral, não sabe quem foi o “Mumu”, nem o bem que ele fez. Apenas alguns, o recordam e falam dele com emoção. É o caso de um seu empregado, o senhor Pinto, ainda a exercer o comércio no “Caeiro”, que com ele apreendeu os segredos do negócio, e a velha clientela, gente de um outro tempo, que comprava os riscados e as fazendas no seu estabelecimento comercial.

Os bombeiros da Régua é que não o podem esquecer. Para eles, o “Mumu” foi um homem extraordinário. Sempre os ajudou quando tinham dificuldades. Era, naquele tempo, o principal mecenas. Ao contrário de muitos outros, soube ser generoso e contribuir com parte da sua riqueza para melhorar a vida dos bombeiros. Contribuiu com muito dinheiro. Legou, em testamento, a sua casa de habitação e um armazém de vinhos - neles está a Salsicharia Real e o Restaurante Cacho De Oiro - sitos na Rua D. Branca Martinho, para serem valorizados como património da associação.



No tempo certo, os bombeiros reconheceram gratidão ao seu benemérito. No quartel, o Salão Nobre recebeu o seu nome: “Salão António José Rodrigues”. Ao mesmo tempo, era colocado nesse Salão um seu retrato pintado a óleo. Aconteceu em 3 de Maio de 1957 essa cerimónia. Foi convidado o jovem António Caeiro, afilhado do benemérito, então estudante de direito em Coimbra – recentemente falecido - para descerrar o retrato. A direcção da associação sugeriu ainda que lhe fosse concedida a comenda da Ordem da Benemerência. Aceite pelo Governo como justa tal distinção, o Senhor António José Rodrigues foi condecorado, na Câmara Municipal da Régua, pelo Ministro do Interior, Dr. Trigo de Negreiros, o qual lhe expressou este elogio: "Que o seu exemplo admirável frutifique e que Deus lhe conserve a saúde preciosa para continuar a praticar actos de beleza moral tão grandes como aqueles que vem praticando."

Foi declarado um outro elogio ao senhor António José Rodrigues, no jornal “Vida por Vida”, de 1971, em que o autor, em nome da direcção e do corpo de bombeiros, o considera “o maior benemérito da nossa associação”, do qual transcrevemos a parte seguinte:

"Em, plano extraordinariamente acima dos outros seres que povoam o nosso Universo, o Homem encontra-se neste Mundo para cumprir um destino (…) Talvez o Homem vulgar não se importe, no fim de contas, com estas coisas.

Mas existem, felizmente, outros HOMENS, que pensam e executam à sua maneira - à maneira como todos tinham a obrigação de pensar…Mas o fundamento da sua actuação estará o cumprimento do destino para que fora criado.

Surgem-nos estas ligeiras meditações, a propósito dum facto, deveras notável: a doação dos seus bens imóveis, feita pelo Grande Benemérito, Senhor António José Rodrigues, à nossa Associação.

Deveríamos, por isso mesmo, ter começado por onde afinal acabamos. Mas preferirmos deixar para o fim o verdadeiro significado deste escrito que é o de agradecer Aquele que passou a ser o MAIOR BENERMÉRITO DA NOSSA QUERIDA ASSOCIAÇÃO.

O Senhor António José Rodrigues é credor de toda a nossa admiração, pois ao longo da sua vida tem sabido interpretar o verdadeiro significado da palavra HUMANIDADE. Não tem sido só para esta Casa que as suas generosas dávidas têm sido destinadas. O mesmo vem acontecendo para a Santa Casa da Misericórdia, instituição pela qual, o Senhor António José Rodrigues, nutre o mesmo carinho e mesma admiração.

Ao doar os seus bens à nossa Associação, afirmou tão grande Benemérito: Quero o engrandecimento da nossa Corporação para bem da minha querida Régua.

MUITO OBRIGADO SENHOR ANTÓNIO JOSÉ RODRIGUES. Oxalá que Deus o restitua à vida normal por muitos anos, pois as duas instituições – BOMBEIROS e HOSPITAL - que tanto lhe devem, necessitam da sua caridade – que é grande é sincera."

"A AHBV da Régua nasceu e desenvolveu-se assente em três pilares: o associativismo, o voluntariado e o mecenato. Existe, com identidade própria, numa permanente ligação aos cidadãos”.

Quando se enaltece o exemplo do voluntariado e do associativismo pretende-se motivar as pessoas para o apoio à actividade dos bombeiros. Este é sempre essencial quando os auxílios de quem de direito são poucos ou escasseiam. Com o empenho, boa vontade, espírito de solidariedade, cooperação de pessoas generosas os bombeiros sentem-se mais responsáveis no seu papel social na sua comunidade. Os bombeiros da Régua têm beneficiado muito da generosidade da população, especialmente, de bons beneméritos. É um sinal positivo que favorece a coesão social e dá-nos confiança e uma perspectiva gloriosa nos tempos vindouros.

O “Mumu” soube cumprir o melhor destino: serviu durante a sua vida os bombeiros. Evocá-lo é uma forma de hoje se reconhecerem os demais beneméritos que estão bem dentro do coração dos bombeiros da Régua.
- Peso da Régua, Dezembro de 2009, J. A. Almeida.
(Clique nas imagens acima para ampliar e visualizar melhor)