No nosso dia-a-dia encontramos muitos bombeiros com um condão peculiar, admiráveis, exemplares e irrepreensíveis a desempenharem o seu trabalho humanitário. Eles são autênticos ser os predestinados que ao nascerem lhe é atribuída uma missão divina para, neste mundo imperfeito e cheio de egoísmos individuais, protegerem a nossa efémera existência dos perigos, infortúnios e inquietações terrenas.
O Chefe Artur - de nome completo, Artur Fernandes Rodrigues Costa – que pertence ao quadro de honra da Associação Humanitária dos Bombeiros de Vila Real e Cruz Verde é um desse admiráveis bombeiros. Durante mais de meio século, enquanto esteve no activo, cumpriu devotamente esse compromisso de prestar auxilio e socorro a todos os necessitados.
Posso dizer que, pelo menos desde 1998, os meus caminhos se cruzam com os caminhos do chefe Artur. Com alguma frequência, encontro-o na distinta Confeitaria Gomes, sentado à mesa com os seus amigos em agradáveis conversas. Quem o conhece, sabe bem que o Chefe Artur é um bom conversador e gosta de discutir e dar a sua opinião. Outras vezes, pelas minhas funções na federação, encontro-o garbosamente fardado nas festas de aniversário de associações amigas. É aí que ainda posso testemunhar o quanto os jovens bombeiros o prezam.
Mas, os meus encontros mais interessantes com este velho bombeiro surgiram de forma diferente. Aconteceram quando fazia pesquisas do passado dos bombeiros da Régua. Ao consultar velhos álbuns, encontrei-o retratado em fotografias que assinalam acontecimentos importantes na história da associação. Confesso que algumas imagens, onde ele aparecia, me ficaram na memória, à espera de uma oportunidade de as revelar.
Desta última vez, foi nos caminhos das memórias de mais de cem anos de história da AHVB do Peso da Régua que encontrei o Chefe Artur. Como não podia deixar de ser encontrava-se garbosamente fardado para estar presente na festa de homenagem e despedida do Comandante Carlos Cardoso dos Santos - o qual deixava por vontade própria o corpo activo depois de 31 anos de comando - que se realizou quartel dos bombeiros da Régua, no dia 3 de Março de 1990.
O Chefe Artur era um dos seus grandes amigos e unia-os uma geração de bombeiros notáveis que, no distrito de Vila Real, tinham alcançado a glória e a auréola. São nomes inesquecíveis como o Rodrigo Félix de Vila Real, o Lage de Vigado, o Serafim de Mesão-Frio, o Araldo de Santa Marta de Penaguião e o Celso de Boticas. O respeito e admiração que ambos não escondiam de ninguém, eram razões para que o Chefe Artur não faltasse à homenagem do comandante da Régua, como ele costumava dizer, para lhe dar um emocionado abraço de gratidão.
Como convidado da associação, não foi esta a última vez que o Chefe Artur esteve no quartel dos bombeiros da Régua. Lembro-me que nos visitou noutros momentos importantes na vida da corporação. Esteve presente nas comemorações do 120º aniversário da associação que aconteceram em 28 de Novembro de 2000.
No decorrer dessas cerimónias, conforme as imagens documentam, encontramos o Chefe Artur na companhia do Secretário de Estado da Administração Interna, o Dr. Carlos Zorrinho, a protegê-lo com o seu guarda-chuva, enquanto aquele assistia à passagem do desfile do corpo de bombeiros, junto à entrada do Quartel Delfim Ferreira. Nunca esqueceremos este surpreendente e inédito momento proporcionado pelo Chefe Artur e o seu acto de cortesia com aquele importante político. A sua presença é um privilégio para os bombeiros da Régua. Eles gostam de conviver com este velho bombeiro que os enternece pela sua história de vida.
É um bombeiro carismático. Em Vila Real não há ninguém que não conheça o Chefe Artur e não lhe exteriorize a sua simpatia. Todos reconhecem a sua generosidade, a sua energia inesgotável, a sua alegria de viver. Com o passar do tempo, tornou-se um fenómeno de popularidade. A sua dedicação ao longo de 54 anos de bombeiro fez cativar a atenção dos seus conterrâneos. Sendo um homem simples e de trato fácil conquistou a afeição de meio mundo á sua volta. Sendo um bombeiro foi extraordinário. Considerado pelos seus companheiros do seu tempo um bombeiro fora de série.
Hoje continua a falar-se do Chefe Artur. Elogiam-se as suas aptidões e as proezas conseguidas nos “teatros de operações” mais perigosos. Com a determinação e coragem, as únicas qualidades que o elevam a um culto merecedor da nossa incondicional deferência, fez-se um grande e inesquecível bombeiro.
Este sentimento é unânime e está expresso nas palavras que lhe dedicou António Barros, secretário geral da AHBV de Vila Real e Cruz Verde, em 12 de Abril de 2003, para assinalar a entrega do maior galardão de reconhecimento ao seu trabalho, o Crachá de Ouro, da LBP, que salienta da sua vida o seguinte:
“Um bombeiro, uma referência…são as palavras ditas pelo Chefe Simão e pelo Chefe Barros para ilustrarem a vida de um Bombeiro – o nosso Chefe Artur Costa – e que são o exemplo de muitas outras que ouvimos, também simples e profundas, ditas e sentidas com muito orgulho, por estes e tantos outros amigos que partilham a caminhada deste Bombeiro, bombeiros do mesmo ideal, com o mesmo espírito, bombeiros de uma geração com história que fizeram história e que, agora, contam as suas histórias feita de vida, porque de sacrifício, de dávida, de fraternidade, de serviço em prol dos outros, de profunda amizade, de Vida por Vida…palavras simples que todos entendemos, sentimos e subscrevemos, porque sabemos verdadeiras e plenas e de significado…”.
Se há bombeiros profundamente identificados pelo seu chão de origem, um dele é o Chefe Artur, nascido em 28 de Novembro de 1930, na cidade de Vila Real. As suas raízes são genuinamente transmontanas. Mas, há quem diga – e quem o tenha escrito - que foi um daqueles seres que já nasceu com o seu destino traçado. Que nasceu bombeiro e para ser bombeiro. Alguns afirmaram, que é um predestinado. Cumpriu com um rigoroso dever de humanidade a missão que lhe foi destinada pelo divino criador. Para nosso bem, soube ser diferente e um dos melhores bombeiros.
O Chefe Artur conta 79 anos de uma vida cheia e, pelo que vimos, e muito feliz. Conserva uma boa forma física e uma lucidez impressionante. Dá gosto de ouvir pela sua voz contar as suas memórias de bombeiro e de as apreciar numa magnífica crónica “Carro da Bomba”, que escreveu em co-autoria para o livro “Vila Real - Histórias ao Café”. Ele possui mais saberes e incríveis experiências de vida que merecem ser registadas pela sua mão. É um homem generoso, solidário e fraterno. A sua vida continua ser uma referência para todos os bombeiros como exemplo de coragem, abnegação e de dedicação ao voluntariado.
O Chefe Artur é um semideus que vive – viverá por muito mais tempo - ao nosso lado. Ele é o personagem do bombeiro que todos idealizamos. Um anjo da guarda fardado, de capacete e de um machado nas mãos. Em quase tudo igual ao primeiro bombeiro que animou os nossos sonhos e que apagava os fogos feitos na imaginação das inocentes brincadeiras infantis.
Tudo o que se disse parece pouco, mas significa muito. Por outras palavras, o Chefe Artur é um símbolo vivo que valoriza a essência da verdadeira dimensão humana da figura dos bombeiros. Contamos ainda com ele para nos ajudar a reforçar os ideais de fraternidade, os valores do voluntariado e a importância dos bombeiros na nossa sociedade.
- Peso da Régua, Novembro de 2009, J. A. Almeida.
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