Mostrar mensagens com a etiqueta Bombeiros Voluntários do Peso da Régua. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Bombeiros Voluntários do Peso da Régua. Mostrar todas as mensagens

sábado, 19 de dezembro de 2009

História do Bairro dos Bombeiros - Do sonho à realidade


A AHBV do Peso da Régua é, desde 1986, proprietária de um bairro de habitação social – num total de 30 fogos - construído para as famílias dos seus bombeiros voluntários, que integram o quadro do corpo activo.

O bairro dos bombeiros da Régua, como um equipamento de cariz social, complementar aos fins da associação deve ser caso inédito país. Em certa medida, a sua construção é mais um bom exemplo da ambição dos projectos sustentáveis que, durante a sua centenária existência, a associação tem materializado, engrandecendo o seu historial.

A história da construção do bairro dos bombeiros esteve marcada por muitas contrariedades e vicissitudes. Com o esforço e a determinação de muitos e bons dirigentes ultrapassaram-se todas as barreiras e dificuldades. A sua edificação começou como um sonho. A persistência humana tornou-o numa realidade.

Contribuíram para a construção do bairro muitos protagonistas e, sem quaisquer dúvidas, uns exerceram um papel mais decisivo e influente. De uma maneira especial, todos foram audaciosos para realizarem esta magnifica obra, apesar dos inesperados contratempos, mas que serviu para elevar a condição dos bombeiros.

Como obra de grande dimensão, é normal que se tenha iniciado num mandato social e se tenha prologado pelos imediatos, já com novos dirigentes. Sem se desconsiderar o papel individual de certos directores, um empreendimento como este, quando tudo não corre de feição, como foi o caso, terá de ser considerado um feito colectivo, de muitas vontades e de pessoas que, num ou noutro momento da obra, deixam as suas marcas. Os seus testemunhos evidenciam que acreditaram na afirmação e vitalidade da associação, acrescentando-lhe um património importante e valioso.

A ideia da construção do bairro dos bombeiros surgiu no seio da Direcção do Dr. Júlio Vilela (1954-1963). Em confidência com o senhor Noel de Magalhães – que integrou essa direcção - ficamos a saber que as primeiras tentativas para se fazer o “nosso bairro” sucederam nos mandatos do saudoso advogado reguense.

Em 1960, o Dr. Júlio Vilela solicitou ao Ministro do Interior um pedido de comparticipação para a construção do bairro. A resposta veio negativa, dando conhecimento “ser impossível dar satisfação aos desejos dessa Direcção”. Apesar de tudo, a sua Direcção não desistiu e recorreu ao outro ministério governamental para ter apoio, lembrando que: “não querendo nós descurar o assunto, ousamos vir novamente á presença de V. Excia para solicitar que o nosso pedido vem há a ter viabilidade, pois só no Ministério das Corporações nós esperamos o amparo para a realização desse sonho que se há-de tornar realidade.”

Desta vez, foi conseguido o apoio do governo para financiar. Chegam a ser disponibilizadas pequenas verbas para comparticipar a obra. O terreno, onde deveriam ser erigidos os 32 fogos, estava escolhido. O projecto de construção das casas encontrava-se também em conclusão, sendo o seu desenho desvendado no jornal “Vida por Vida”. Apenas faltava negociar um empréstimo na Caixa Geral de Depósitos, o qual não deve ter sido deferido e, assim esta obra, não se chegou a iniciar-se com os seus primeiros sonhadores.

Se era forte e determinada a convicção desses directores ela não se perdia nos mandatos das direcções imediatas que elegem a construção do bairro o principal objectivo quer nos orçamentos quer nos planos de actividades.

Estabelecem-se, em 1970, negociações com a Casa do Douro e a Direcção que tem como seu presidente o Dr. José Lopes Vieira de Castro (1968-1971) formalizava a compra de uma parcela de terreno, com área de 5.000 m2, na rua Dr. António de Almeida, destinada à construção do bairro. Está dado um grande passo para o surgir da obra. O seu início aguarda melhor momento e directores mobilizados em reiniciarem todo este processo.

Em 1974, a Direcção liderada pelo Dr. Aires Querubim (1972-1980) toma a decisão de escrever ao Fundo de Fomento de Habitação - Delegação do Norte, a pedir-lhe apoio para a concretização da obra e, mostrando trabalho, envia-lhe um fundamentado estudo do levantamento do terreno. Esse organismo público conclui pela “viabilidade e utilidade da realização da obra”. De seguida, deslocavam-se à Régua os seus técnicos para procederem ao estudo da implantação e se encarregarem de elaborar o projecto para a “construção de 30 fogos da espécie T-3e T-4”.

Executado o projecto, a direcção do Dr. Aires Querubim promove um concurso para a “construção do conjunto habitacional dos Bombeiros da Régua”. Na sessão de abertura das propostas, realizada no dia 23 de Setembro de 1978, no Salão Nobre da Câmara Municipal da Régua, fica-se a saber que concorrem ao concurso duas empresas com sede na Régua. São elas a “Construtora do Douro, Lda.” e a firma “José Ermida Lopes & Irmão, Lda.”, que apresentam, respectivamente, o valor de 29.876.355$40 e de 28.875.053$50. Decidida uma reclamaçã, a direcção da associação adjudicava à construção da obra, em razão do valor mais baixo, à firma “José Ermida Lopes & Irmão, Lda.”.

Após contactos a nível político, a direcção consegue um financiamento para a obra no Fundo de Fomento de Habitação. A autorização pertenceu ao Secretario de Estado da Habitação e Urbanismo, Casimiro António Pires, que a faz publicar num Aviso – Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1980 - a “conceder aos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua uma comparticipação de 30.0000$00 destinada à obra de construção de trinta fogos.”

Em 3 de Setembro de 1980 será outorgado o contrato de empreitada. Assinava-o em nome da associação o secretário Manuel Pinto Dias Montezinho, um director zeloso, competente e atarefado a substituir Aires Querubim, empossado Governador Civil do Distrito de Vila Real, em 14 de Fevereiro de 1980. Nesse contrato, ficava estabelecido na cláusula sexta que o prazo para conclusão da obra era de 24 meses, contados da assinatura do auto de consignação. Lavrado e assinado o auto de consignação em 1 de Outubro de 1980, iniciam-se os trabalhos de empreitada. Ainda com pouco obra executada – foram apenas pagos cinco auto de medição - os trabalhos paravam no dia 2 de Novembro de 1981, retirando a empresa construtora os seus operários, materiais e as máquinas.

No dia 18 de Novembro de 1981, o fiscal da obra, o Eng. José Manuel Correia Rodrigues dava aos directores da associação uma má noticia, ao informar que “prevê-se que os trabalhos não sejam reiniciados dado que parece estar iminente um processo de falência do empreiteiro”. A sua previsão viria a verificar-se. A nova direcção, presidida pelo senhor António Bernardo Pereira (1982-1983) ficava com um problema grave nas mãos para resolver na justiça. Com as obras paradas, em Janeiro de 1982, a sua direcção apresenta no Tribunal Judicial da Régua uma “Notificação Judicial Avulsa” contra a empresa construtora, a participar-lhe “que rescinde o aludido contrato de empreitada por culpa unicamente imputável à requerida”.

A notificação judicial não teve oposição. Para efeitos da posse administrativa, no dia 13 de Janeiro desse ano, era feita a medição da obra executada e a relação do material existente. Esteve presente pelo Fundo Fomento de Habitação, o Eng. Defensor de Castro e pela associação, o presidente de direcção, António Bernardo Pereira, o secretário Júlio Alfredo Mota e o fiscal da obra, não se fazendo representar da construtora. Como se esperava, a empresa de construção entra em processo de falência. O Dr. Martins de Freitas, em 22 de Abril de 1982, informava a direcção dessa situação. Sendo este advogado nomeado administrador da falência, pedia que o informassem se os créditos que aquela dizia ter a receber da associação pela obra adjudicada correspondiam à verdade. A direcção respondia negativamente, ao fazer constar que "como as entregas que esta associação fez à referenciada totalizam 4.440.320$00, resultam daí um crédito a nosso favor de 2.320.454$00, cujo pagamento desde já reclamamos."

Estando a ser resolvidos problemas jurídicos com a seguradora Aliança Seguradora para reaver a caução, o que o advogado Dr. Araújo Correia consegue receber, a direcção de António Bernardo Pereira não deixa a obra parada. Com o apoio do Fundo de Fomento de Habitação prepara o programa para um “concurso ilimitado para a arrematação da empreitada de conclusão da construção”. Aberto por anúncio em 13 de Janeiro de 1983, o prazo para a apresentação das propostas decorreu até ao dia 2 de Fevereiro desse ano. Concorre a empresa de construção “Eusébios & Filhos, Lda.”, apresentando um valor de 45.000.000$00. Assinado o auto de adjudicação em 11 de Março desse ano, recomeçam as obras de conclusão do bairro.

Eleita uma nova direcção, dirigida pelo Dr. José Luís Andrade (1984-1987) que acaba por receber uma mão cheia de problemas. Apesar de terminada a empreitada, constatava-se que faltavam fazer obras de acabamentos e facturas da empreitada para pagar, tornando-se necessário recorrer a um empréstimo. Concluídas as obras, no dia 22 de Janeiro de 1986, este director entregava na Repartição de Finanças a declaração, por ele assinada, para a inscrição na matriz do bairro. Deveria começar o processo de entrega das casas que faziam falta às famílias de bombeiros a viverem em situações desconfortáveis. Mas, tal não aconteceu neste mandato. Mantém-se trinta casas desabitadas durante três anos.

Uma nova direcção sai das eleições, tendo à frente o professor Fernando de Almeida (1987-1990). Sem mais demoras, encarrega-se de finalmente entregar as casas aos bombeiros mais necessitados. A ele se fica a dever o trabalho de organizar os pedidos de inscrição, celebrar os contratos de arrendamento, estabelecer o valor das rendas - no regime apoiado e com uma bonificação para os bombeiros - e seleccionar as primeiras famílias.

Estava concretizado mais um sonho dos bombeiros da Régua. Demorou mais algum tempo a tornar-se visível, sobretudo aos olhos dos que nunca acreditaram. Não sei o que eles disseram - nem interessa - mas nas páginas da história da associação ficava escrito o esforço de muitos directores – aqui recordados - que tinham conseguido erigir no “coração da cidade”, cinco prédios de habitação social, para morada das famílias dos bombeiros.
- Peso da Régua, Dezembro de 2009, J. A. Almeida.
(Clique nas imagens acima para ampliar e visualizar melhor)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A bomba de incêndio de 1873


Depois da criação, em 1868, de uma companhia bombeiros voluntários em Lisboa que, em 1880, se transformou na primeira associação dos bombeiros voluntários a ser formalmente instituída em Portugal, é fundada nesse ano a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua.

Nos termos dos estatutos, a nova associação destinava-se a “socorrer os habitantes desta vila e das povoações limítrofes por ocasião dos incêndios, ou suas consequências” e que “para esse fim organizará uma companhia de incêndios composta de sócios activos ou de trabalho e também dos auxiliares munida dos materiais necessários.”

Preparou e organizou a sua constituição uma “Comissão Instaladora”, composta por vinte e seis proeminentes reguenses que teve, como principal responsável, o escrivão de direito, Manuel Maria de Magalhães. Coube a todos esses homens a gloriosa missão de redigirem os estatutos da associação, compostos de 44 artigos, e um regulamento interno de 31 artigos para os sócios activos. Discutidos e aprovados numa assembleia-geral, realizada a 25 de Julho de 1880, os estatutos são de seguida aprovados pelo Dr. José Ayres Lopes, Governador Civil substituto do Distrito de Vila Real, por Alvará de 12 de Agosto de 1880.

Em 25 de Setembro de 1880, Manuel Maria de Magalhães convocava os associados para as primeiras eleições dos órgãos sociais: “Tenho a honra de convidar V. Excia para no dia 31 pelas 11 horas da manhã, comparecer na casa extinta Associação Comercial, na Rua da Boa Vista, a fim de se proceder à eleição a que se refere o nº1 do artº 22 dos estatutos das Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua”. Eleitos os dirigentes da nova associação, a sua posse foi efectuada a 7 de Novembro desse mesmo ano, sendo a primeira Direcção constituída por estas sete ilustres pessoas:

  • Presidente da Direcção: José Braz Fernandes
  • Vice-Presidente: João Guedes Frias
  • Tesoureiro: João Botelho
  • 1º Secretário: Francisco de Assis de Carvalho
  • 2º Secretario: António Joaquim de Oliveira Ramos
  • Fiscal da Companhia: Joaquim Pereira de Matos
  • Comandante: Manuel Maria de Magalhães

Essa Direcção entendeu por bem escolher o dia 28 de Novembro para proceder à inauguração da associação. Os festejos realizaram-se, pelas 10.00 horas da manhã, na casa da extinta Associação Comercial, que se situava na rua da Boavista. No convite dirigido aos sócios activos, manuscrito e assinado pelo Comandante Manuel Maria de Magalhães e demais sócios fundadores, estava referido que aqueles deveriam comparecer “devidamente fardados, para dali se dirigirem em forma à Igreja Matriz a assistirem a uma missa que há-de celebrar-se para comemorar o acto da inauguração e a bênção das bombas.”

Esta era a primeira cerimónia pública dos bombeiros da Régua à população reguense. E, como tal, ficou como data que hoje se celebra para comemorar os aniversários da associação.

A então vila da Régua acompanhava o que se passava nas principais cidades do país, onde o movimento associativo ligado aos bombeiros voluntários se afirmava como um novo modelo organizativo para o combate aos incêndios.

A Câmara Municipal da Régua, para cumprir as leis administrativas (1842 e 1878), que lhe cometiam as incumbências de “organizar serviços ordinários ou extraordinários para extinção de incêndios” e de fazer os regulamentos policiais “para a limpeza das chaminés e fornos, e o serviço para a extinção de incêndios e contra inundações”, foi uma das primeiras a tomar a decisão em 1873 de apetrechar-se com material de incêndio, adquirindo duas bombas de incêndio.

Não tendo o executivo tomado a resolução de criar um corpo de bombeiros municipais, permitia que esse material fosse usado por qualquer pessoa, mesmo sem o saber manusear, para fazer a extinção dos frequentes e cada vez maiores incêndios urbanos que aconteciam nos armazéns de vinhos. Só que nestas circunstâncias, o socorro prestado não era o mais eficaz nas “ocasiões que a maior actividade e perícia nunca foram de mais.”

De forma que, conhecendo os riscos e os perigos, a Câmara Municipal da Régua tenha feito de imediato a entrega desse material de incêndios ao primeiros bombeiros voluntários para eles, com regras e mais técnica, combaterem o flagelo dos fogos.

Assim, pode dizer-se que a bomba de incêndios de 1973 foi o primeiro pronto de socorros a ser utilizado pelos bombeiros da Régua.

No livro a “História da Vila e Concelho do Peso da Régua”, o seu autor José Afonso de Oliveira Soares - veio a ser comandante dos bombeiros após o falecimento de Manuel Maria de Magalhães - descreve as diligências para a compra das primeiras bombas de incêndio e as movimentações de reguenses com vontade de formarem uma “companhia de incêndios”, constituída por voluntários, assunto que merece ser lembrado:

“Outras associações de recreio se criaram durante o período de 1874 a 1880.Todas, porém, de vida efémera. Neste último ano fundou-se a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua.

Havendo nesta vila tantos armazéns de vinhos que serviam de depósitos de aguardente, principalmente nas ocasiões da vindima, muito era para estranhar que os reguenses se conservassem por tanto tempo desprevenidos de utensílios para cuidarem a qualquer incêndio que por fatalidade se desse. Assim havida pensado já a municipalidade de 1843 que, em sessão de 7 de Janeiro, dirigiu uma representação à câmara dos deputados pedindo uma bomba para apagar os incêndios. Apesar de tudo, parece que só desde que um prédio, na Rua Nova, foi devorado completamente pelas chamas, é que lhes incutiu o receio de grandes perigos; e, julgando-se de vez em quando entre vulcões que lhes podiam vomitar desgraças e danos consideráveis, jamais esqueceram que era preciso prevenirem-se contra eles. Contudo, ainda só de tempos a tempos, e talvez quando algum incêndio se manifestava, é que eles de novo tentavam prover-se de material necessário para o serviço de extinção.

Em 13 de Março de 1858, constando à câmara que as companhias de seguros, com agencia nesta vila, manifestaram desejos de ter nela um estabelecimento de bombeiros, deliberou – porque o governo de sua majestade não lhe concedesse privilégios para poder organizar uma companhia de incêndios - propor-lhes o arbítrio de fornecerem uma bomba de grande força, no gosto moderno, e duas bombas de mão, ou o seu valor, ficando a seu cargo o cuidado de organizar, pelos meios ao alcance, uma companhia de incêndios. Nesta conformidade oficiou, em 13 de Abril, às companhias Equidade, Garantia e Segurança, para saber se sim ou não forneceriam as bombas, para inaugurar a sua instalação no dia de núpcias de D. Pedro V.

Ignora-se a resposta que as companhias lhe deram. Sabe-se, porém, que a câmara nada conseguiu, porque, decorridos dois anos (1860) esta, por falta de meios, de novo convidou as companhias de seguros a concorrem para um estabelecimento de bombas.

Baldadas foram, por espaço de trinta anos aproximadamente, as fracas diligências dispensadas ao assunto de tanta importância. Só depois de um incêndio que se manifestou num armazém da rua Bandeira para a rua da Alegria, sobre um tonel de vinte pipas de aguardente, foi que os reguenses mediram bem o perigo que a todo o momento corriam e simples casualidades podiam atiçar. A essa terrível explosão valeu a admirável temeridade de um tanoeiro desta vila, chamado Manuel Pinto de Souza, conhecido por Manuel do Terreiro, que se arrojou a escalar a vasilha para lhe afastar as chamas de sobre o batoque, que ele melhor apertou. Avolumando desde então a ideia da necessidade de estarem prevenidos de material para casos idênticos, apareceu enfim uma vereação em 1873, que fez a aquisição de uma bomba e de um carro de material que aquartelou na rua de Medreiros, em armazém pertencente a Manuel de Oliveira Lemos.

Tendo, porém, o material, a câmara não organizou companhia para dele fazer uso. Pondo à disposição do povo, a quem sobrou sempre coragem e actividade para acorrer a todas as desgraças, não se lembrou que aquele maquinismo só poderia servir de estorvo em ocasiões que a maior actividade e perícia nunca foram de mais. Em vista disso sugeriu aos habitantes a ideia da organização de um corpo de bombeiros voluntários, ao qual se entregasse o material municipal. Esta lembrança, abraçada pela mocidade reguense, fez com que em 16 de Julho de 1880 vários indivíduos se dirigissem à câmara a fazer-lhe saber que tendo há muito em mente a realização de uma companhia de bombeiros voluntários, haviam resolvidos nomear uma comissão para formular os estatutos e regulamento para ela; e, que, constando-lhes que se queria organizar uma outra companhia, lhe pediam para, se tal se desse com o fim de obter as bombas municipais, lhe indeferisse.

(…)

Constituídos os primeiros em associação, a câmara acedeu agradavelmente aos seus desejos, e, em 26 de Novembro do mesmo ano, fez-lhe a entrega de todo o material que possuía para serviço de extinção de incêndios sob condições de parte a parte estabelecidas. Esta associação, intitulou-se de Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua”.
- Peso da Régua, Dezembro de 2009, J. A. Almeida.




(Clique nas imagens acima para ampliar e visualizar melhor)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O benemérito António José Rodrigues



“Quem não vive para servir não serve para viver”
(Teresa de Calcutá)

Em 31 de Outubro de 1956, o Dr. Júlio Vilela - presidente da direcção da AHBV do Peso da Régua - e os directores Noel de Magalhães e Alfredo Baptista e o 2º Comandante António Guedes – o autor memórias dos bombeiros da Régua - acompanharam numa visita às instalações do edifício sede dos bombeiros, o Senhor António José Rodrigues – carinhosamente chamado por “Mumu”- um simpático ancião e um generoso benemérito, a quem mostravam o andamento das obras no primeiro piso do edifício-sede, na parte projectada para ser um majestoso Salão Nobre, onde se realizassem as reuniões dos associados e as cerimónias oficiais.

No percurso sinuoso, com mais de um século de história, com momentos de dificuldades financeiras, os bombeiros da Régua podiam destacar o contributo de muitas pessoas que, desde a sua fundação até ao presente, os ajudaram com donativos, viaturas e equipamentos, de forma desinteressada e altruísta. Se tivessem de evocar os benfeitores que fizeram doações seriam muitos nomes que teriam de louvar e dignificar a sua atitude como verdadeiro exemplo cívico para a sociedade.

Sobreviveram os sacrifícios, a adversidades e a grandes e complicados obstáculos os bombeiros da Régua para nunca desistirem da sua missão. Com coragem e determinação venceram todas as contrariedades. Cada uma delas foi entendida sempre como um desafio e um estímulo para se fazerem mais e melhor, tornarem a associação mais eficiente e cada vez maior, na fidelidade aos princípios que inspiram a sua fundação.

Foram grandes os entraves para terem uma infra-estrutura condigna para exercerem seu trabalho e guardarem os seus equipamentos e veículos como, em 1930, aconteceu ao iniciarem a construção do quartel. Tiveram de passar 25 anos para que esse sonho se tornasse real. Só foi possível aguentarem uma espera tão longa devido à persistência dos briosos soldados da paz, directores, associados e, sem dúvida, esses anjos salvadores que tem o nome de beneméritos. Se os bombeiros da Régua estão instalados num dos edifícios mais emblemáticos da cidade, não restam dúvidas que o devem, em parte, à ajuda de um velho e generoso reguense, o senhor António José Rodrigues, ou como lhe chamavam, o “Mumu”.

A generosidade é um sentimento que pode trazer felicidade para sempre, alguém escreveu. Esta citação vem ao encontro do espírito desse benemérito, que para nós é digno, sem desconsideração para os demais, de uma menção especial. Os seus donativos serviram para melhorar o funcionamento e a prestação de serviços dos bombeiros à comunidade com mais qualidade, conforto e segurança.

Foi graças ao “Mumu”, um antigo comerciante de confecções e lanifícios numa loja da Rua dos Camilos - onde hoje está a “Chama Lar” – que os bombeiros da Régua encontraram a ajuda necessária para resolver algumas dificuldades. Em 1955, o seu donativo de 50.000$00 – uma avultada quantia para a época – serviu para que se fizessem as obras que faltavam no quartel.

O senhor António José Rodrigues está esquecido na sua terra. A Régua comercial, como antigo balcão do Largo da Estação até ao Salgueiral, não sabe quem foi o “Mumu”, nem o bem que ele fez. Apenas alguns, o recordam e falam dele com emoção. É o caso de um seu empregado, o senhor Pinto, ainda a exercer o comércio no “Caeiro”, que com ele apreendeu os segredos do negócio, e a velha clientela, gente de um outro tempo, que comprava os riscados e as fazendas no seu estabelecimento comercial.

Os bombeiros da Régua é que não o podem esquecer. Para eles, o “Mumu” foi um homem extraordinário. Sempre os ajudou quando tinham dificuldades. Era, naquele tempo, o principal mecenas. Ao contrário de muitos outros, soube ser generoso e contribuir com parte da sua riqueza para melhorar a vida dos bombeiros. Contribuiu com muito dinheiro. Legou, em testamento, a sua casa de habitação e um armazém de vinhos - neles está a Salsicharia Real e o Restaurante Cacho De Oiro - sitos na Rua D. Branca Martinho, para serem valorizados como património da associação.



No tempo certo, os bombeiros reconheceram gratidão ao seu benemérito. No quartel, o Salão Nobre recebeu o seu nome: “Salão António José Rodrigues”. Ao mesmo tempo, era colocado nesse Salão um seu retrato pintado a óleo. Aconteceu em 3 de Maio de 1957 essa cerimónia. Foi convidado o jovem António Caeiro, afilhado do benemérito, então estudante de direito em Coimbra – recentemente falecido - para descerrar o retrato. A direcção da associação sugeriu ainda que lhe fosse concedida a comenda da Ordem da Benemerência. Aceite pelo Governo como justa tal distinção, o Senhor António José Rodrigues foi condecorado, na Câmara Municipal da Régua, pelo Ministro do Interior, Dr. Trigo de Negreiros, o qual lhe expressou este elogio: "Que o seu exemplo admirável frutifique e que Deus lhe conserve a saúde preciosa para continuar a praticar actos de beleza moral tão grandes como aqueles que vem praticando."

Foi declarado um outro elogio ao senhor António José Rodrigues, no jornal “Vida por Vida”, de 1971, em que o autor, em nome da direcção e do corpo de bombeiros, o considera “o maior benemérito da nossa associação”, do qual transcrevemos a parte seguinte:

"Em, plano extraordinariamente acima dos outros seres que povoam o nosso Universo, o Homem encontra-se neste Mundo para cumprir um destino (…) Talvez o Homem vulgar não se importe, no fim de contas, com estas coisas.

Mas existem, felizmente, outros HOMENS, que pensam e executam à sua maneira - à maneira como todos tinham a obrigação de pensar…Mas o fundamento da sua actuação estará o cumprimento do destino para que fora criado.

Surgem-nos estas ligeiras meditações, a propósito dum facto, deveras notável: a doação dos seus bens imóveis, feita pelo Grande Benemérito, Senhor António José Rodrigues, à nossa Associação.

Deveríamos, por isso mesmo, ter começado por onde afinal acabamos. Mas preferirmos deixar para o fim o verdadeiro significado deste escrito que é o de agradecer Aquele que passou a ser o MAIOR BENERMÉRITO DA NOSSA QUERIDA ASSOCIAÇÃO.

O Senhor António José Rodrigues é credor de toda a nossa admiração, pois ao longo da sua vida tem sabido interpretar o verdadeiro significado da palavra HUMANIDADE. Não tem sido só para esta Casa que as suas generosas dávidas têm sido destinadas. O mesmo vem acontecendo para a Santa Casa da Misericórdia, instituição pela qual, o Senhor António José Rodrigues, nutre o mesmo carinho e mesma admiração.

Ao doar os seus bens à nossa Associação, afirmou tão grande Benemérito: Quero o engrandecimento da nossa Corporação para bem da minha querida Régua.

MUITO OBRIGADO SENHOR ANTÓNIO JOSÉ RODRIGUES. Oxalá que Deus o restitua à vida normal por muitos anos, pois as duas instituições – BOMBEIROS e HOSPITAL - que tanto lhe devem, necessitam da sua caridade – que é grande é sincera."

"A AHBV da Régua nasceu e desenvolveu-se assente em três pilares: o associativismo, o voluntariado e o mecenato. Existe, com identidade própria, numa permanente ligação aos cidadãos”.

Quando se enaltece o exemplo do voluntariado e do associativismo pretende-se motivar as pessoas para o apoio à actividade dos bombeiros. Este é sempre essencial quando os auxílios de quem de direito são poucos ou escasseiam. Com o empenho, boa vontade, espírito de solidariedade, cooperação de pessoas generosas os bombeiros sentem-se mais responsáveis no seu papel social na sua comunidade. Os bombeiros da Régua têm beneficiado muito da generosidade da população, especialmente, de bons beneméritos. É um sinal positivo que favorece a coesão social e dá-nos confiança e uma perspectiva gloriosa nos tempos vindouros.

O “Mumu” soube cumprir o melhor destino: serviu durante a sua vida os bombeiros. Evocá-lo é uma forma de hoje se reconhecerem os demais beneméritos que estão bem dentro do coração dos bombeiros da Régua.
- Peso da Régua, Dezembro de 2009, J. A. Almeida.
(Clique nas imagens acima para ampliar e visualizar melhor)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Camilo Guedes Castelo Branco: O Comandante Poeta

Encontramos nesta velha fotografia do fotógrafo Noel de Magalhães figuras proeminentes da história da Régua, nos anos 30 e 40, que se destacaram pela sua intensa actividade cívica, cultural e humanitária. Nesta imagem, cruzamos o nosso olhar com o olhar de alguns dos melhores bombeiros: vemos os “patrões” Gastão Mirandela, António Guedes Castelo Branco, Álvaro Rodrigues da Silva e o Comandante Camilo Guedes Castelo Branco (1930-1949), o Comandante poeta.

Destaca-se de entre eles Camilo Guedes Castelo Branco (1868-1949) nascido e falecido na Régua. Este reguense, uma personalidade ímpar, destacou-se em vários domínios da sociedade. Na história, o seu nome ficou mais conhecido por ter exercido o cargo comandante dos bombeiros. Quem com ele conviveu, como Dr. Mário Bernardes Pereira, antigo presidente de direcção, dizia que a sua presença no quartel, situado então na Rua dos Camilos, criava uma atmosfera de respeito e afectividade. A sua dedicação ao voluntariado era de grande generosidade pelo que sua memória permanece viva. As novas gerações de bombeiros podem não ter saber tudo do seu percurso de vida e dos seus valores cívicos, mas já apreenderam que o seu mérito o eleva a categoria dos mais notáveis bombeiros da Associação. Não há ninguém que não deixe de sentir orgulho e respeito quando observa o seu retrato de comandante, garbosamente fardado, que figura numa das paredes do Museu.

Camilo Guedes Castelo Branco fez-se bombeiro aos 17 anos. Alistou-se no corpo activo em 1 de Maio 1889 e aí se manteve até 1949. Aprendeu com alguns dos notáveis bombeiros e fundadores da Associação e partilhou a amizade e muitas experiências com os comandantes os seus antecessores José Afonso de Oliveira Soares e Joaquim Sousa Pinto. Por vontade própria ficou a comandar os bombeiros até à sua morte. Tinha a provecta idade de 81 anos. O seu grande lema de socorro que ensinava aos seus bombeiros traduzia-se na divisa “Vida por Vida” que ele afirmava assim: “Para se salvar uma criatura de uma morte certa, todos temos a obrigação de sacrificar seja o que for, mesmo que sejamos nós próprios”.

Mas, a sua acção não se ficou apenas pela responsabilidade operacional dos seus bombeiros. Se a Associação não chegou a “morrer”, no início do século passado, deveu-se em muito à sua determinação. Para a manter viva e dinâmica trabalhou muito num momento em que atravessou uma grande crise. Durante os anos de 1910-1920, quando a Associação se encontrava sem meios económicos para manter abertas as portas do quartel, situado no Largo dos Aviadores, não descansou a mobilizou os bombeiros e a sociedade civil, para encontrar garantir a sua sobrevivência. A ideia de criar um grupo cénico composto por bombeiros para fazerem espectáculos de teatro deu resultados positivos. Com as receitas obtidas conseguiu angariar o dinheiro que necessitava e evitou que o Corpo de Bombeiros não fosse extinto e o seu pouco material que tinham devolvido à Câmara Municipal. Outra relevante acção que realizou como comandante foi a de ter montado no Asilo José Vasques Osório, em 1918, um hospital onde os bombeiros da Régua socorriam e prestavam cuidados de saúde aos doentes afectados pela gripe pneumónica.

A partir de certa altura, teve a ajuda dos seus filhos, a quem soube incutir a mesma paixão pelos bombeiros. O Jaime Guedes distinguiu-se como director, chegando a ser presidente da direcção e da assembleia-geral. Defendeu a construção de raiz de um quartel para os bombeiros, o que possível dar início quando fez parte de uma vereação da Câmara Municipal, em 1930, liderada pelo Dr. Mário Bernardes Pereira. O António Guedes sobressaiu como bombeiro, atingido o posto de “patrão”. Lourenço de Almeida Medeiros escolheu para seu 2º Comandante. Deixou o seu testemunho como bombeiro ao escrever as suas memórias que publicou no jornal “O ARRAIS”, evocando factos históricas esquecidos, relatos de incêndios urbanos e a acção de alguns homens coragem.

Mas, este homem distinguiu-se ainda como político, jornalista e escritor, mais dramaturgo e poeta. Como politico foi várias vezes o Administrador do Concelho, nomeado pelo partido republicano. Soube influenciar a vida cultural e política da sociedade do seu tempo pela defesa moderada dos ideais da república (aderiu com o Dr. Antão de Carvalho que foi primeiro presidente de câmara da Régua republicano e Ministro da Agricultura) e fez parte do movimento social de apoio aos ex-combatentes portugueses, sendo o presidente da Junta Patriótica do Norte.

Como dramaturgo, uma sua peça de teatro fez sucesso representada por um grupo de actores amadores. A opereta “As Andorinhas”, musicada por Almeida Saldanha, alcançou êxito onde foi levada a cena, desde o antigo Salão Recreativo, na Régua, até ao Teatro Sá da Bandeira, no Porto. Apreciada pelos reguenses chegou a ser representada por três gerações: avós, pais e netos, “sempre com muito brio e entusiasmo, como se passassem uns aos outros um testemunho de ouro”.

Fez jornalismo numa época difícil, de tumultos, motins e muita agitação social na região duriense. Fundou e dirigiu os jornais “A Folha”, “O Dissidente” e “Cinco de Outubro”. Nas páginas dos dois últimos, os paladinos Douro escreverem artigos de opinião a reclamarem uma solução para os problemas dos viticultores durienses. Parece que os tempos de crise se repetem, os lavradores do Douro sofrem actualmente uma crise social idêntica. Há sinais de preocupação que no pensamento do escritor Miguel Torga mereceram esta profunda reflexão: “O Douro necessita de ser olhado pela nação como o seu Olimpo sagrado, o chão bendito que produz a única riqueza de somos senhores exclusivos: o Porto que o mundo assim conhece e saboreia, imita em todas as latitudes sem nunca o igualar. Mas esse carinho pátrio tem de começar pelo oficiante de mãos calosas que espreme os xistosos até os fazer ressumar. É ele, nunca presente nos salões dos congressos, nunca farto de banquetes oficiais, nunca tido nem achado nas reformas e nos decretos, que deve ser chamado à ribalta para expor as suas necessidades e formular as suas queixas. Para desdobrar diante dos olhos da justiça o sudário da sua crucificação. Porque se nas Sagradas Escrituras tudo começa pelo Verbo, no livro da pedra da nossa região bem amada a lição é outra. Aqui, no princípio era o homem: o homem duriense.”

Mas, na verdade, foi como poeta que mostrou o seu maior génio criativo. Deixou uma obra editada, o livro de poesia “Fraternalis Dolor”, um inédito com o título “Arias Sertejanas” e muita poesia dispersa em jornais. Abordou nos seus versos a figura dos soldados da paz e a beleza cénica região duriense. Na poesia “O bombeiro” evoca o seu lado anti-herói, onde há o dever de salvar das chamas do fogo uma criança. Numa outra, a “Marcha da Régua”, gravada na voz de Sandra Botelho, fala dos encantos da paisagem vinhateira da sua terra natal.

No livro “Lira Familiar” (de 1976), João de Araújo Correia inseriu uma poesia “Instantâneo VI”, de Camilo Guedes Castelo Branco, publicada no “Jornal da Régua, em 1937 e assinada com o pseudónimo de Gil Vaz, em que foca o autor do livro. Em nota final, desse livro, o escritor duriense acrescentou a seu respeito um insuspeito elogio: “Poeta lírico de altíssimo talento, pedem colectâneas, há muitos anos, os seus dispersos. Com eles se poderia formar um delicado ramo de flores”. Correspondeu-se também com o poeta Guerra Junqueiro que lhe dirigias as cartas chamando-o de “caro colega”.

Umas breves notas da sua biografia foram escritas por Manuel António, correspondente local do extinto jornal “O Comércio do Porto” que, por traduzirem a grandeza moral deste homem, se passam a citar: “Nasceu em Peso da Régua, numa casa do Adro do Cruzeiro, em 14 de Março de 1868. Desempenhou sempre as funções de notário – adjunto, sendo funcionário distinto e sabedor. Poeta, jornalista e escritor dramático, colaborou em todos os jornais que se publicaram nesta vila e em alguns diários de Lisboa e Porto. Em 1890 fundou na Régua, juntamente com o poeta Hamilton de Araújo, um semanário literário intitulado “A Folha”, que teve pouca duração. Mais tarde fundou “O Dissidente” e depois “O Cinco de Outubro”, de feição republicana moderada. Por duas vezes, e durante alguns anos, na vigência de ministérios de concentração desempenhou com muito brilho e a contento de todos, as funções de administrador do concelho tendo, com a sua política de apaziguamento, terminado com as violências políticas que por vezes aqui se praticavam. Criatura deveras bondosa e modesta, falava primorosamente e sempre de improviso. Alguns dos seus discursos constituíram verdadeiras jóias literárias. Publicou um livro de versos intitulado “Farternalis Dolor” e deixou escrito um outro livro denominado “Arias Sertanejas”, que não chegou a publicar. Escreveu centenas de poesias e sonetos em vários jornais do País, e todos esses versos dispersos, uma vez compilados, dariam uma obra valiosa. Autor de várias obras teatrais, expressamente escritas para o “seu teatro”, foi também autor da linda opereta “As Andorinhas”, com música do falecido e talentoso maestro lamecense Almeida Saldanha, cujo centenário a cidade de Lamego vai em breve comemorar. Esta peça teve muitas dezenas de representações, não só nesta vila como no Porto, Chaves, Lamego, etc., tendo-lhe a critica tecidos os maiores elogios. Bombeiro voluntário deste a idade dos 17 anos. E quando, há muitos anos já, a Associação esteve em riscos de soçobrar, por absoluta falta de recursos, organizou um corpo cénico com elementos da Corporação, o qual dava uma récita mensal e assim conseguiu manter a Corporação. Essas récitas efectuavam-se num armazém da Rua José Vasques Osório, onde hoje está instalado o Asilo e que foi devidamente adequado a casa de espectáculos. Sem isso, a velha e gloriosa Corporação teria deixado de existir. Mais tarde, e quando as finanças da Corporação já estavam nova e firmemente consolidadas, graças a essas récitas, por sua iniciativa distribuía a Corporação, no dia 28 de Novembro, dia do seu aniversário, um bodo a 50 pobres dos mais necessitados desta freguesia. Em 1918, quando da epidemia da pneumónica, por sua iniciativa e ainda com o produto desses espectáculos, foi montado no Asilo Vasques Osório um bem apetrechado hospital onde todos os doentes pobres atacados desse epidemia foram carinhosamente tratados. Possuía várias condecorações e faleceu com 81 anos de idade, em 25 de Agosto de 1949 ainda à frente do Comando da Corporação que tanto amou e tão bem soube servir.”

A AHV prestou-lhe uma sentida homenagem, em 2007. Uma nova ambulância de socorro, que ia ser posta a serviço da comunidade, foi baptizada com o seu nome. Na cerimónia estiveram presentes os seus descendentes para testemunharem este singelo reconhecimento de uma nova geração de homens. As palavras de agradecimento que proferiu a sua bisneta Maria Teresa Castelo Branco comoveram os presentes. Vale a pena recordar o que disse: “Estou certa de que gestos como estes, ao contribuírem para consolidar laços com o passado, avivam no presente a necessidade de seguir a lição dos que deram algo de si à nobre causa dos soldados da paz, tal como fez a seu tempo, o meu bisavô, Camilo. Num tempo em que a amnésia colectiva nos parece afastar das nossas raízes, esta homenagem, para além de ser uma honra para a família, é pelo simbolismo, a prova que a corporação que V. Exª dirige, soube resgatar do esquecimento o exemplo de uma vida de entrega a uma causa nobre. Agradeço, pois, comovida, esta oportunidade de trazer até nós e sobretudo aos meus filhos a figura do meu bisavô Camilo Guedes Castelo Branco”.

A história do Corpo de Bombeiros da Régua não se faz de só pequenas coisas. Ela faz-se da vida e da obra de grandes homens, como era o Comandante Camilo Guedes Castelo Branco, que com o seu exemplo, permite ter muito orgulho no passado e olhar o futuro ainda com mais ambição para os bombeiros do actual século.
- Peso da Régua, Novembro de 2009, J. A. Almeida. (Nota: Peso da Régua, 29 de Junho de 2010: Este texto constitui uma versão revista e ampliada da anterior aqui publicada.)

O Bombeiro
No silencio da noite, de repente,
Erguem-se a voz estrídula dos sinos
  num longo baladar
E a distância brilhou, sinistramente,
Um clarão, que tingiu a luz do luar
  de laivos purpurinos.
“Fogo! Fogo!”-alguém diz com aflição.
E logo a pobre gente do lugar,
toda cheia de espanto e de canseira,
Pôs-se a correr, gritando, em direcção
  da medonha fogueira.

O incêndio crepitava
e, batido do vento, devorava
Uma pequena casa arruinada.
E, perto, uma mulher d`olhar aflito
erguia as mãos ao céu calmo e infinito
a chorar e a gemer desesperada.
Ali, em meio da fogueira, tinha
essa mulher um filho, a criancinha
mais bonita da velha povoação,
e o fogo, em seu horrível avançar,
iria dentro em breve transformar
o seu pequeno corpo num carvão.

Metia dó a pobre mãe! Mas como
Salvar-lhe o louro e cândido filhinho,
  se a labareda e o fumo,
num espantoso e horrível torvelinho,
ameaçam devorar rapidamente
quem se abeirar dessa fornalha ingente?

Podes chorar, mulher! ninguém te acode.
Chora, que és mãe; mas vê que ninguém pode
esse anjinho das chamas libertar.
Olha: em meio da tétrica fogueira
anda a morte, feroz e traiçoeira,
  a acenar, a acenar…

Mas nisto, junto ao prédio incendiado
surge um homem soberbo de valor.
A multidão ansiosa solta um brado
  de espanto e terror.

Ele caminha sempre com firmeza
e a intrepidez estóica dos heróis;
escala a casa em chamas com presteza,
escala a casa em chamas…e depois…
  depois desaparece.
E a pobre mãe aflita cai de bruços
A murmurar baixinho, ente soluços,
  Uma prece…

Na multidão, silêncio. Só se ouvia
um secreto rumor, que parecia
o palpitar de muitos corações…

Senhor! És pai e cheio de bondade!
estende lá do azul da imensidade
O teu olhar repleto de perdões!

E eis que em meio trágico do braseiro
surge a figura altiva do bombeiro
Trazendo ao colo o pequeno ser.
Passou…desceu…e dentro em pouco, ansioso,
depositava o fardo precioso
no regaço da pálida mulher.
- Poesia inédita do Comandante dos B V Peso da Régua, Camilo Guedes Castelo Branco (1930-1940.
(Clique nas imagens acima para ampliar)

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

As palavras de Camilo de Araújo Correia



Quando encontrei esta fotografia do Dr. Camilo de Araújo Correia (1925-2007) - médico, escritor e antigo presidente da direcção dos bombeiros da Régua - perdida das folhas do seu álbum, fora do seu sítio devido e do seu tempo, amontoada com outras que descoravam num velho armário cheio de poeira, tive necessidade de refazer o seu passado e escrever-lhe a sua história.

Sem nada mais saber, comecei por arrumá-la no seu tempo e enquadra-la no seu espaço. De imediato procedi, como se faz nas investigações, à identificação das pessoas que escutavam as palavras de Camilo de Araújo Correia. Encontravam-se na sua mesa presentes pessoas conhecidas no meio da sociedade reguense e dos bombeiros, a começar pelo Eng. Álvaro Mota, presidente da câmara da Régua, Dr. Aires Querubim Governador Civil de Vila Real, Rodrigo Félix, presidente da direcção Federação dos Bombeiros de Vila Real, Guedes de Moura, Inspector Regional dos Bombeiros do Norte e o Comandante Carlos Cardoso dos Santos (1922-2007).

Para começar a sua história, faltava apenas saber o que faziam aquelas pessoas em volta de uma mesa, num dos salões do quartel dos bombeiros da Régua. Pouco me ajudaram as buscas nos meus arquivos. Acreditei na sorte de encontrar publicadas as palavras que Camilo de Araújo Correia lia nesse momento, socorrendo-se da ajuda de um papelinho, a sua prótese da memória, como lhe gostava chamar.

Não satisfeito pelos resultados demorei-me em mais pesquisas na esperança de reencontrar as memórias que pudessem reconstituir esse momento. Os velhos jornais “O Arrais” da época não divulgaram qualquer notícia do acontecimento fotogrado. Ainda pensei que me pudessem valer as lembranças de pessoas amigas, mas não deram mais informações. Contudo, ao reler o opúsculo dedicado ao Comandante Carlos Cardoso dos Santos, da autoria do Manuel Igreja, fui surpreendido pelo relato alusivo ao momento histórico que fotografia documentava e pela transcrição das palavras lidas nessa cerimónia por Camilo de Araújo Correia.



Como estes novos elementos, podia dizer que tinha desvendado o passado esquecido que a fotografia, só por si, não podia revelar. A agradável leitura do discurso de homenagem de Camilo de Araújo Correia, se é assim que lhe posso chamar, deu-me os pormenores que interessavam m para concluir as memórias perdidas e esquecidas nas cores da fotografia. Essa deliciosa crónica – posso a entender como tal - tinha sido escrita para a homenagem ao amigo Carlos Cardoso dos Santos, pelos 31 anos de brilhante e abnegado desempenho ao comando dos bombeiros da Régua. Uma homenagem que, como ele sublinhou, nunca poderia faltar.

Marcada para o dia 3 de Março de 1990, a homenagem ao Comandante Carlos Cardoso dos Santos teve o significado de reconhecimento ao cidadão reguense que, por vontade própria, deixava o seu lugar no comandado dos bombeiros da Régua. O modesto programa abriu com uma sessão solene no salão nobre dos Paços dos Concelho, onde não faltaram os bombeiros, os grandes amigos e as entidades oficiais. Mas, o momento mais emocionante para todos, foi quando o velho comandante passou a última revista aos bombeiros, formados na entrada principal do quartel. Nesse adeus ao comandante, conta-se que viram lágrimas de tristeza nos rostos dos bombeiros.

Depois de servido o almoço de confraternização, coube ao Dr. Camilo de Araújo Correia fazer, e muito bem, o papel de orador principal, para distinguir a brilhante acção humanitária do homenageado. Como seu velho amigo conhecia-lhe o seu carácter e a sua personalidade. Mantinham laços de amizade desde o tempo, em que fora médico no hospital e mais tarde presidente da direcção dos bombeiros. Pelo que só podia sair-lhe do coração, o maior e melhor elogio de gratidão que era merecedor o Comandante Carlos Cardoso dos Santos, que aqui transcrevemos:



“Estivesse onde estivesse, a fazer fosse o que fosse, eu viria a esta homenagem ao senhor Carlos Cardoso dos Santos, pelos seus 31 anos de brilhante e abnegado comando dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua.

E viria, vencendo distâncias e afazeres, porque não sou apenas um reguense devoto dos seus bombeiros e grato a quem, ao longo de tantos anos, os disciplinou e dirigiu nos tempos difíceis caminhos da protecção e salvação do próximo. E nós sabemos que essa dificuldade pode ir do sacrifício familiar ao sacrifício da própria vida. Viria porque também sou um velho amigo e um inabalável admirador do forte temperamento altruísta do senhor Carlos Cardoso dos Santos.

Se admitirmos que uma pessoa volta a nascer, quando começa a trabalhar, exercendo a sua profissão que escolheu, pode dizer que sou natural do Hospital D. Luiz I e amigo do senhor Carlos Cardoso dos Santos, desde que nasci…  (…)



E foi com todo esse altruísmo, amadorismo e capacidade de relação, largamente exercidos no Hospital D. Luiz I, que o senhor Carlos Cardoso dos Santos apareceu nos Bombeiros Voluntários da Régua. Não admira, pois, que os 31 anos do seu comando tenham sido de negável eficácia e brilhantismo. E é por isso que aqui estamos com o ruído dos nossos aplausos e o silêncio da nossa gratidão.

O calor do meu brinde não ficara completamente explicado se não lhe dissesse que passei pela Direcção dos Bombeiros da Régua, ao que julgo, por influência ou, pelo menos, franca concordância do senhor Carlos Cardoso dos Santos. Mal chegado de uma penosa mobilização em Moçambique, pode dizer-se que foi uma partidinha dos meus amigos. Uma simpática e honrosa partidinha, devo confessar.

Peço licença para que o meu brinde seja extensivo à esposa do senhor Carlos Cardoso dos Santos e às esposas de todos os bombeiros. No peito de todas a sirene só deixa de tocar, quando o marido regressa a casa molhado, cansado…mas feliz”.

As palavras de Camilo de Araújo Correia, sejam elas no estilo de um discurso de homenagem ou de uma sua elegante crónica, como mais preferirem, deixa qualquer um de nós ainda comovido pela ternura dos sentimentos e do brinde feito ao velho comandante que, acredito tenha sido celebrado com vinho fino! Como são merecedores os grandes homens que viveram para fazer a paz e o bem. Elas são como que o retrato do comandante de corpo inteiro e fardado a rigor, para sempre. E, ao mesmo tempo, guardam um sentimento de admiração que ficou do primeiro dia em que se conheceram…no velho hospital da Régua, ainda instalado no Solar dos Lemos e ao cuidado da Santa Casa da Misericórdia.

Para muitos, se calhar, esta foi a primeira oportunidade de recordarem este grande comandante e mais um discurso inesquecível de Camilo de Araújo Correia e entenderem o testemunho dos seus ideais com nitidez e mais paixão. Mas, para quem sempre os admirou, este momento permitiu um reencontro destes dois grandes homens na história dos bombeiros da Régua.


(Clique nas imagens acima para ampliar)
Com eles já na Eternidade, cada um de nós deve agora olha-lhos como símbolos de fraternidade e reconhecer-lhe gratidão.
- Peso da Régua, Outubro de 2009, J. A. Almeida.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O patrão Álvaro: coragem e valentia


(Clique na imagem para ampliar)
Ao lado do velho pronto – socorro Ford, o patrão Álvaro Rodrigues da Silva olha-nos com a nostalgia de um velho herói que a Câmara Municipal do Peso da Régua agraciou com a Medalha de Ouro (de valor e altruísmo), durante as cerimónias solenes das Bodas de Ouro da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua – os primeiros 50 anos de existência – celebradas em 30 de Novembro de 1930.

Nascido na Régua em 17 de Julho de 1873, o Álvaro Rodrigues da Silva foi um dos melhores bombeiros. Talvez de sempre. Conviveu com muitos bombeiros da velha que, é como quem diz, com os homens que criaram a corporação. Entrou muito jovem no corpo de bombeiros e, durante muito anos, serviu-o devotamente. Ser bombeiro era uma das suas paixões. Por mérito pessoal atingiu o posto de patrão, que hoje corresponde ao de chefe. Os companheiros apreciavam o seu talento para a chefia e elogiavam-no por ser um poço de valentia - um bombeiro destemido - e muito competente.

Considerado um cidadão simples e honrado, fez toda a sua vida a trabalhar como serralheiro, numa oficina que tinha montada no rés-do-chão de uma casa, a meio da Rua General Alves Pedrosa, hoje conhecida como Rua da Alegria. Faleceu em 12 de Fevereiro de 1952, com a idade de 78 anos, reconhecido meio social reguense como um homem que, ao serviço dos bombeiros, se tornou um dos seus primeiros heróis.

Foi o herói que, em 1930, o presidente da câmara Dr. Mário Bernardes Pereira quis homenagear. O edil, ao lado da distinta benemérita D. Branca Martinho, escolhida para presidir ao acto, e da população que enchia o Salão Nobre dos Paços do Concelho, num eloquente discurso reconheceu que o patrão Álvaro, num justo somatório de brilhantes valores individuais, destacava-se pelo seu espírito altruísta e paixão ao voluntariado. A emoção levou-o a pedir aos presentes que “diante da sua farda devíamos todos descobrir-nos com respeito”.

O patrão Álvaro não era homem que trabalhasse para ouvir elogios. Quem o conhecia, sabia que era um bombeiro que gostava de servir a sua terra e sua corporação. Sentia-se mais à vontade, pela sua maneira de ser, nos teatros das operações de qualquer tragédia humana quer elas fossem causadas por fogos, cheias do rio, acidentes ou calamidades naturais. E, por mais graves que fossem, sempre as enfrentou sem medo. Ele sabia que, quando a sirene tocava, os perigos não seriam obstáculo para deixar de salvar vidas e bens.

O patrão Álvaro socorreu e salvou muitas vidas em perigo. Para as missões de socorro onde era chamado mostrava o génio da sua coragem e valentia. Conta-se que, em algumas delas, foi graças à sua presença, que se evitaram males e desgraças maiores. Conhecemos, pelos relatos das notícias, a seu grande e eficiente desempenho num salvamento e regaste de dois homens que haviam ficado soterrados no fundo de um poço, numa povoação do concelho de Santa Marta de Penaguião. Quando a convicção de todos era de que esses dois chefes de família estavam mortos, e bem mortos, o seu arrojo e estímulo para bombeiros abatidos de cansaço e desânimo, ficou conhecido ao proferir a seguinte expressão: “Mortos os vivos, daqui não sairemos sem os arrancar de lá de baixo”.

A firmeza do patrão Álvaro fez com que os bombeiros que comandava acreditassem a levar até ao fim o salvamento de duas vidas, que pensavam já perdidas, após longas 16 horas de trabalhos de remoção de terras. Melhor do que as nossas palavras, podemos consultar mais pormenores dessa missão de salvamento – ocorrida a 10 de Agosto de 1929 - nas memórias do Chefe António Guedes, publicadas no jornal “O Arrais”, onde esteve também presente, que aqui temos o gosto de transcrever:

(Clique na imagem para ampliar)
“Se a memória não me atraiçoa, foi em dois ou três de Agosto de 1929, fomos chamados para Laurentim, povoado situada a poucos quilómetros da Régua, onde dois homens haviam fica soterrados num poço de dezoito metros de profundidade e quando procediam ao trabalho de ampliação de uma mina no fundo do mesmo poço.

Seguimos imediatamente para lá, cerca das nove horas da manhã…

Eu e chefe Álvaro analisamos a situação e ficamos com uma vaga esperança dos homens se encontrarem ainda vivos – isto no caso de se refugiarem na mina, na ocasião em que se deu a derrocada. E essa esperança recrudesceu ao depararmos com um cano galvanizado, emergindo apenas dois ou três dedos do solo, pelo que passava quase despercebido. Estaria esse cano ligado à mina? Não custa nada experimentar. E assim, colocamos ali dois bombeiros a fornecer ar, por meio da bomba braçal nº2, ligada ao cano encontrado.

Estávamos presentes dois chefes – Álvaro Rodrigues da Silva e eu, e dois sub-chefes -Armando Vicente e Augusto Costa.

O serviço de salvamento ficou assim estabelecido: no poço, dirigindo e auxiliando os serviços de desaterro, ficaria um dos chefes durante duas horas, no fim das quais outro iria o outro substitui-lo. E, cá em cima, dirigindo e auxiliando os serviços de transporte e descarga de aterro, em sitio que não estorvasse, estavam dois sub-chefes.

Por volta das 11 e meia da manhã, fui abordado por uma simpática velhinha – mãe de um dos homens soterrados - que me disse que desejava falar como o Comandante. Mandei chamar o Chefe Álvaro, a quem como o graduado mais antigo, competia exercer as funções de comando, e a velhinha então, de mão erguidas e o enrugado rosto banhado em lágrimas, suplicou: -Tirem dali o meu filhinho…

O angustiante fervoroso pedido daquela velha e pobre mulher comoveu-nos, emocionou-nos profundamente e dirigimos-lhe palavras de conforto e de esperança. Mas eram muitas toneladas de terra e pedregulhos que era necessário remover e guindar para a superfície…
(…)

Veio a noite e o cansaço estava a apoderar-se de nós. Havia já alguns bombeiros feridos e outros com as palmas mãos transformadas numas chagas autênticas. As dez horas já tínhamos a certeza que os homens estavam vivos, pois que nos falaram através do abençoado cano. As onze hora e um quarto da noite tiramos daquele horrível buraco o primeiro homem. Vinha quase desfalecido e completamente encharcado e enlameado. Logo a seguir tirou-se o outro, que se apresentava em melhores condições físicas mas igualmente coberto de lama.

E chegou então – para mim - o momento mais comovente e emocionante deste drama. A simpática velhinha veio novamente procurar-nos, a mim e ao chefe Álvaro, para nos agradecer o “milagre” de lhes termos salvo o seu filho. Com lágrimas de alegria e reconhecimento…abraçou-nos e beijou-nos com emoção e sinceridade. Considerei-me compensado dos tormentos que naquele dia passei”.

Era assim, cumprida mais uma missão de socorro com sucesso que se ficou a dever a todos os bombeiros que souberam compreender o apelo do seu chefe num momento de desânimo.

Percebemos o que sentiu o chefe António Guedes quando estava terminada a operação de salvamento. Há um sentimento de felicidade que o contagiava pela alegria sentida no rosto de uma mãe, agradecida aos bombeiros que tinha salvo a vida do filho. As suas comoventes palavras mostram a grande satisfação pelo dever cumprido, apesar dos tormentos e aflições de muitas horas de trabalho exaustivo, sem descanso nem alimentação, sob o sol escaldante de um dia de Agosto.

E, também percebemos porque o patrão Álvaro tornou, sem o querer, num herói amável e inesquecível.

Quase 80 anos passados sobre esse acontecimento faz todo sentido recorda-lo como um exemplo do ideal romântico de “Vida por Vida”, o lema que deve estar sempre presente no coração dos actuais bombeiros.

O milagre conseguido por aqueles bombeiros, sob o comando do patrão Álvaro, é uma das páginas mais brilhantes e sublimes da história da Associação, ainda molhadas pelas lágrimas de alegria de uma velha mãe. E, são essas lágrimas que, por anos que passem, nos fazem lembrar – sobretudo as gerações mais jovens de bombeiros - a lição de coragem e valentia do nosso voluntário patrão Álvaro.
- Peso da Régua, Outubro de 2009, J. A. Almeida.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A Régua com os bombeiros de Ermesinde


(Clique na imagem para ampliar)
Em 1 de Maio de 1960, os bombeiros de Ermesinde foram recebidos na vila do Peso da Régua num ambiente de festa.

Eram aguardados na Rua da Ferreirinha, junto à famosa Garagem Janeiro, pelos bombeiros da Régua, numa impecável formatura, pelos directores da associação Alfredo Baptista e Augusto Mendes de Carvalho e pela população que queria assistir à entrega do diploma de sócio - honorário, distinção concedida pelos bombeiros de Ermesinde.

Esta brilhante cerimónia celebrava o princípio de uma união e amizade entre as duas corporações que, desde essa data, é mantida e consolidada com contactos permanentes.

Os bombeiros de Ermesinde, na sua primeira vinda à Capital do Douro, mostravam a sua determinação em unir os homens paz do litoral com os do interior. Fizeram representar-se por uma delegação que incluía o presidente da direcção Adélio de Oliveira e o Comandante Capas Peneda. Para que a cerimónia revestisse de maior brilho, os directores pediram aos associados com viatura própria, para integrarem a caravana com destino à Régua.

O brilho não faltou de nenhum dos lados. Os bombeiros da Régua, sentindo-se honrados com o gesto altivo, acolheram os seus camaradas de Ermesinde e com uma recepção que, seu presidente da direcção, considerou como grandiosa. Como reconhecimento pela honra recebida, aos bombeiros da Ermesinde foi entregue uma medalha privativa da associação reguense, colocada solenemente no seu estandarte, pelo Comandante Carlos Cardoso.

(Clique na imagem para ampliar)
A cerimónia continuou depois no salão nobre do quartel. Os discursos proferidos salientaram a importância dos laços de união entre as duas associações e, sobretudo, entre os homens que abraçam a causa do voluntariado. Pelas palavras do Comandante Capas Peneda veio o maior elogio de solidariedade. Confessou emocionado que os bombeiros da Régua podiam estar em Ermesinde como estivessem na sua casa. Ora, na verdade, é isso que hoje acontece quando lá vamos. Somos recebidos pelo actual presidente da direcção Artur Carneiro e pelo Comandante Carlos Teixeira como amigos especiais, onde temos sempre um lugar na mesa de honra. Da nossa parte, quando eles nos visitam, damos-lhe as mesmas atenções. Assim, a amizade entre as duas corporações resiste ao tempo e a distância que nos separam!

(Clique na imagem para ampliar)
Mas esta fotografia aviva as memórias da Régua nos anos 60. Além da oficina dos Janeiros, na rua da Ferreirinha estavam estabelecidos os grandes armazéns e algumas das principais lojas de comércio. Como artéria principal era movimentada e ligava, através da chamada ponte do Bate – Estacas, o centro da vila à vizinha freguesia de Godim. E, servia como a saída e a entrada dos veículos que percorriam a velha estrada nacional nº108 entre a Régua e Ermesinde, um percurso com sinuosos 94 km de distância.

A Régua, nesse tempo, vivia fechada em si e nas suas belas paisagens e pelos cenários de ruralidade que as mãos do homem transformaram em verdadeiros monumento naturais. Os grandes negócios faziam-se no sector dos vinhos.

E, muitas ajudas aos bombeiros vinham das firmas de vinhos, como a da casa comercial inglesa Sandeman que, em 18 de Junho de 1893, ofereceu a quantia de 25 mil réis. Ainda hoje é assim…

Algumas memórias e vivências desses velhos tempos são evocadas na notável crónica “A Botica do Anastácio”, de Joaquim Pires (pseudónimo do escritor Dr. João de Araújo Correia), publicada no jornal “O Arrais”, em ficamos a conhecer o quotidiano de ilustres bombeiros reguenses:

“A Régua actual, tornemos a dizer, não é muita antiga. Nasceu com a Companhia Velha, cujo edifício e armazém, à beira do nosso rio, são uma espécie de quartel-general do país vinhateiro. Era à Régua o foro de capital do Douro.
Mas, por hoje, vamos lá recordar a botica do Anastácio, situada na Rua dos Camilos, defronte da antiga loja do Valente Novo. Loja que mudou de nome português para nome francês, mudando o proprietário. Deus lhe perdoe!
A botica do Anastácio! Já toda a gente lhe chamava farmácia. Mas, o meu pai, amigo de termos velhos ainda lhe chamava botica. Assim como chamava Rua da Bandeira à Rua dos Camilos, porque os terrenos, por ali situados, tinham pertencido aos Portocarreiros, fidalgos da Bandeirinha, lá em baixo, na cidade do Porto.
A Régua não é muito antiga. Mas, já se pode ir falando da Régua de ontem aos actuais reguenses. Como tudo quanto nasceu, também, a Régua vai envelhecendo.
A botica do Anastácio é de ontem. É do tempo em que não havia clubes ou só havia um clube. É do tempo em que os mentideiros, os soalheiros, os centros de cavaco, eram as farmácias ou mercearias. Memorável ponto de reunião foi a botica do Anastácio - como lhe chamava meu pai. Memorável clube improvisado.
Anastácio, de pé, do lado de dentro do mostrador, deitava aos contertúlios, de vez em quando, uma palavra mansa.
Era homem calmo, correcto, farmacêutico limpo e honesto como não havia segundo. Receita aviada por ele saía das suas mãos como obra-prima em forma de garrafa, hóstias ou pomada. Morreu bastante novo, com uma diabete quase fulminante.
Contertúlios reunidos à noite eram aí meia dúzia. Além de meu pai, conto o Dr. Vasques Osório, mais conhecido por Doutor Galego, por ser filho de Domingos, galego de nação; Joaquim Lopes da Silva, homem de grande tino comercial, uma energia oriundo de Ovar; Cardoso Mirandela, então ajudante de notário, homem esperto e positivo; Joaquim de Sousa Pinto, merceeiro bem disposto, dedicado comandante de bombeiros; Joaquim Penhor, a quem chamavam o Tio Rico, e outros.
Conversavam sobre a política do tempo, contavam anedotas recessas, etc.
Tio Rico morava lá em cima, no Poeiro, numa casa que veio a ser residência paroquial. Creio que vivia com mulher e cunhadas. E, como não tivesse filhos, deixou a casa ao Cardoso Mirandela, sobrinho dele por afinidade.
A Régua não é muito antiga. Mas, como se vê, começa a ter que contar”.

Como bem conta o escritor reguense, pela botica do Anastácio passaram muitos homens que fizeram a história da Régua e, em especial, dos seus bombeiros voluntários.

Ficamos a saber que, por volta dos anos 30, nessa tertúlia estavam presentes o Comandante Joaquim Sousa Pinto (1927-30), um dos fundadores da associação, o Chefe Cardoso Mirandela e o pai do escritor que foi bombeiro (António Correia), que gostavam de dar dois dedos de conversa sobre a política do seu tempo…!

Bons tempos dessa Régua de ontem!

Hoje, passados quase 50 anos, quase tudo mudou na Régua.

Os costumes das pessoas e os horizontes da cidade são bem diferentes. As pessoas deixaram de reunir nas tertúlias. A cidade, que nasceu e cresceu nas margens do rio Douro, uma vez mais procura através dele novas formas de desenvolvimento, como é o caso do turismo. Chegam ao cais fluvial milhares de turistas atraídos pelos encantos naturais, pelo vinho generoso, único no Mundo, pelos rituais das vindimas e, ultimamente, pelas descobertas proporcionadas pelo “Museu do Douro”, onde se pode visitar a exposição dedicada à vida de um homem genial - a razão e o sentimento - como foi o escocês Barão de Forrester.

Enfim, a Régua como concelho desde 1837 e os seus bombeiros voluntários, a partir de 1880, estão voltados para o futuro e continuam a crescer ao compasso de um mundo em mudança, mas assente em quatro pilares basilares: o vinho, a paisagem, o turismo e a cultura.
- Peso da Régua, Outubro de 2009, J. A. Almeida.
  • Post anterior deste blogue sobre os Históricos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua - Aqui!
  • Portal dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O desfile na Figueira da Foz

(Clique na imagem para ampliar)
Era tempo de verão, com a praia da Claridade cheia de veraneantes, num período áureo da mais bela e cosmopolita praia do país, quando na tarde de 30 de Julho de 1961, os bombeiros voluntário da Régua, desfilavam ao som de bombos e clarins - à frente com a velha ambulância Ford V8 e o carro de incêndio Chevrolet - pelas principais e movimentadas ruas da Figueira da Foz.

Este desfile acontecia no fim de uma longa viagem, que tinha começado ao amanhecer na Régua, preparada como uma romagem de gratidão para apresentarem aos bombeiros figueirenses o sincero reconhecimento pela atribuição do título de sócia - honorária à associação humanitária duriense. Com esta honrosa distinção enaltecia-se não só a sua brilhante história como o trabalho e o mérito de uma equipa de dirigentes notáveis e de um jovem comandante cheio de aspirações. A notícia do jornal “Vida por Vida” dizia que os bombeiros da Régua partiram rumo à Figueira da Foz para “agradecerem a honrosa distinção e patentearem o quanto a Régua se sentia cativada pela deferência”.

Ao olhar para as fotografias do desfile, que se revelam pela primeira vez, as recordações desse tempo vêem à memória como se estivéssemos a assistir um filme antigo em que, os nossos garbosos e briosos bombeiros, vão ganhando uma nova vida, encantando-nos com os seus momentos de humanidade. Foram assim os anos de comando de Carlos Cardoso dos Santos. Esta viagem, que ele sonhou, não foi um simples passeio. Seguia na caravana uma representação que ia divulgar o nome da Régua como berço do vinho do Porto. A viagem serviu para os bombeiros levarem na sua bagagem a beleza natural da Régua e da região demarcada do Douro, à altura um destino turístico completamente desconhecido no país, a fama do nosso vinho fino, único no Mundo, e as potencialidades do Alto-Douro Vinhateiro, que foi em 2001 consagrado como património da humanidade, considerado “no mapa da pequenez que nos coube, a única evidência incomensurável capaz de assombrar o mundo”.

Deve dizer-se ainda que Carlos Cardoso foi o principal responsável pelo forte dinamismo do Corpo de Bombeiros e pelas relações de amizade e de intercâmbio de saberes e experiências, que se estabeleceram com outras importantes congéneres do país. Depois, como um homem bom, procurou fazer sempre a amizade e fraternidade entre os homens que vivem do bem comum e da solidariedade humana.

Sem saudosismos do passado, gostávamos de voltar a fazer outra viagem à famosa praia da Claridade, com os meus ideais de Carlos Cardoso dos Santos, seguindo os novos itinerários geográficos, para renovar os laços de amizade dos homens ligados ao vinho e à vinha com os das gentes do mar da Figueira da Foz. Uma das melhores coisas da vida é podermos manter estas velhas amizades. As que resistiram à erosão do tempo e nos ajudaram a vencer os momentos de dificuldades.

Para recordarmos melhor este acontecimento, transcrevemos parte da notícia “Romagem de Gratidão”, inserida no jornal “Vida por Vida”, de Julho de 1961, em que nos são contados mais pormenores da vigem, desfile e recepção aos bombeiros da Régua:

“Quis a Corporação dos Bombeiros Voluntários da Figueira, num gesto de penhorante camaradagem, conferir à nossa Associação o grau de sócia honorária. Não se pode um gesto destes, no meio de homens que vivem o ambiente do bem comum e da solidariedade e de solidariedade humana.
Mas, os bombeiros Voluntários da Régua é que não podiam ficar indiferentes a tão cativante atitude.

E assim é que, demonstrando a sua gratidão pela honra recebida, se deslocaram à Praia da Claridade, no passado dia 30 de Julho, para em pessoa, agradecerem a honrosa distinção e patentearem o quanto a Régua se sentia cativada pela deferência.

Por Viseu, Aveiro, Praia de Mira, fomos rodando até à grande praia de Portugal – até à hospitaleira terra da foz do Mondego.

Apesar da distância a considerar para um só dia, a caravana compôs-se de dois carros, dois veículos da corporação e vários carros particulares.

Antes da cidade, a caravana parou. Num gesto amigo, a Corporação Figueirense aguardava os visitantes. Eram 16 horas. O tempo urgia, e após os cumprimentos, retomou-se a marcha, agora comandada pelos bombeiros figueirenses.

À entrada da cidade, organizou-se o desfile, comandado pelo Comandante Carlos Cardoso dos Santos, da Régua. Marcialmente, em bom aprumo, ao som clangoroso dos bombos e dos clarins, as duas Corporações desfilaram, seguidos pelas viaturas, até à “domus” dos briosos soldados da paz da linda Figueira da Foz.

Seguidamente, o Senhor Presidente da Direcção dos bombeiros voluntários da Figueira da Foz, leu um interessante discurso em que fez o elogio do voluntariado e se referiu amistosamente aos bombeiros da Régua.

No impedimento do Dr. Júlio Vilela, Presidente da Direcção, agradeceu o Sr. Dr. António Veludo que, num improviso, disse palavras de esplêndido sentimento humano e de aproximação.

Os oradores foram amplamente ovacionados, e o comandante Carlos Santos deu ordem de sentido e destroçar.

Destroçar…Houvesse apetite para “destroçar”! É que, imediatamente, os camaradas figueirenses, com distinção para o seu ilustre comandante, iniciaram a tarefa de conduzir os componentes da caravana reguense, sem excepção, ao salão de festas do grande quartel figueirense. E, ali, em monumentais mesas, encontrava-se servido um riquíssimo copo de água.

Bem hajam - honra vos seja feita camaradas da Figueira da Foz! Ali, no copo de água, usou da palavra o nosso amigo velho Comandante Capa Penedas (do CB de Ermesinde), que sabendo da deslocação, teve a amabilidade de se antecipar à nossa chegada, Em toda a parte, o nosso grande amigo compareceu. Agradecemos.
Honra, pois e glória à velha e simpática corporação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz! A Régua, na primeira oportunidade, espera-vos!”


Não sei se essa primeira oportunidade chegou a acontecer. Não tenho conhecimento nem uma informação segura, mas caso ainda não tenho ocorrido, os bombeiros da Régua tem todo o gosto de receber os seus camaradas da Figueira da Foz na sua cidade, no seu quartel Delfim Ferreira, para saborearem um cálice de Porto, o nosso “vinho fino”, os outros vinhos do Douro, como os tintos Cabeça de Burro e o Tellus da adega cooperativa, navegarem nas águas do rio e se deslumbrarem, em Galafura, com a paisagem que se avista do miradouro de S. Leonardo, como se fosse o capitão de um barco gigantesco de pedra que ali tivesse encalhado para a eternidade.

Como em 1961, repetimos à moderna e activa corporação humanitária dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz: a Régua espera-vos, sempre…!
- Peso da Régua, Setembro de 2009, José Alfredo Almeida.

  • Post's anteriores deste blogue sobre os Históricos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua - Aqui!
  • Portal dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!