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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Em conversa com Nogueira Borges - JOÃO DE ARAÚJO CORREIA O MÉDICO, O ESCRITOR E O HOMEM

Em tempo do III Fórum João de Araújo Correia que se realiza a 20 de Outubro no Museu do Douro:

Por: M. Nogueira Borges*

João de Araújo Correia é o exemplo acabado do HOMEM DURIENSE na universalidade da sua encarnação telúrica, tão rijo e tão digno como os antepassados e os hodiernos que escreveram e escrevem com sangue, suor e lágrimas a saga heróica duma Raça por estes montes e vales onde florescem os vinhedos da nossa esperança. Nada lhe foi fácil, nada lhe veio ter às mãos sem trabalho e muito sacrifício. Fez-se Médico, Escritor e Homem à custa de muita luta, honra e dimensão moral.

Foi Médico depois de sofrer uma dolorosa interrupção a que a doença o obrigou. Calcorriou caminhos desconhecidos para atender aflitos do espírito e do corpo, criou nome e admiração dentro e fora das fronteiras do País Vinhateiro, viu em muitos lares “a face da fome e da doença desvalidas de pão e de farmácia” (1). Soube, como ninguém, que “a morte, em meios imbecis, é o que foi a vida: um quadro baço, quieto, sem frémito de asa, sem gota de água, sem nada” (2). Não andou de guarda-sol em cima de ginete cansado, em descrição dionisiana, antes um clínico que tinha de saber de tudo para acudir a qualquer dor em qualquer lugar, numa observação pronta que tanto usava a fala pausada e conselheira como o silêncio sem azedume e tolerante. Um doente era-lhe sempre um ser humano cuja sensibilidade se respeita, e aí, sim, foi para todos um João Semana de coração aberto que aliou a frieza da ciência ao afago da alma e à ternura do trato. Consultar João de Araújo Correia não era ir buscar receita com montes de medicamentos mas ouvi-lo, contemplar a serenidade daquele rosto, a benevolência daqueles olhos no ali, naquele corpo, havia uma alma grande, mais do que um profissional, uma personalidade culta que sabia do que falava e o que fazia e não esquecia o resto.
Como Escritor atingiu a plenitude no género cultivado. Um conto seu é uma aprendizagem da anatomia espiritual nos mais insondáveis pormenores da conflitualidade ou da paciência humanas. Um estudo sem fastio da nossa gramática, do modo correcto e puro de escrever português sem cedências à vulgaridade. A sua escrita é da textura do solo onde nasceu: fértil e trabalhosa, numa busca persistente da perfeição, preocupada com as ressonâncias da sintaxe, num belo exemplo de descrever as situações entusiasmando e educando os seus leitores. É que ler João de Araújo Correia não é, apenas, o acompanhamento da narração, mas também o ficar a saber como se escreve.

O nosso Escritor é um clássico onde se congregam anamneses românticas e sublimidades realistas numa constante preocupação ontológica.

Como cronista e conferencista cativou leitores de Diários prestigiados e plateias admiradas de salões alcatifados ou de soalho tosco. Todos aprenderam a experimentar a vida de quem dela falava com a sabedoria de a ter observado, tranquilo e perspicaz, na solidão do seu miradouro ou no convívio de algumas tertúlias esparsas e muito nos catres da miséria ou nos berços doirados onde a doença indistantemente o reclamava. As suas conferências são lições de literatura e de mundo. Usa as citações dos seus confrades sem presunções culturais e fala-nos deles com a naturalidade de quem conhece as suas vidas. A sua elevação linguística é tão bela e quente, simultaneamente calma e firme, que surpreende como é possível, numa frase, transmitir-se a ironia dum olhar ou a temática dum cronista supremo que pegando no mais singelo pretexto consegue a totalidade do desenvolvimento, carreando minúcias e aduzindo razões que ao comum dos mortais não lembravam.

João de Araújo Correia foi um HOMEM que não escapou ao desígnio histórico. Lidou com a morte desde que se conheceu, a ponto de “conversar com ela de mão em mão” (3) por reflexo no seu próprio sofrimento e no alheio. Não foi rico de bens materiais antes um rico homem que se guindou pelo seu pulso e adquiriu uma enorme fortuna que todos devíamos procurar: uma postura ética e moral acima das conjunturas dos tempos e dos procedimentos sociais. Deixou uma inesgotável herança: um exemplo irrepreensível de honra e de dignidade que nem todos somos capazes até de plagiar.

Ajudou quem merecia e não merecia, mas sempre quem e quando precisava. Sabia que há um tempo para tudo: para o carinho e para o ralho, para a negativa e para o assentimento, para o estímulo e para a supressão. Não cultivou a demagogia nem a excentricidade, não bajulou poderosos nem fingiu perante os humildes. Soube ser solidário para com os sulcos do seu suor.

Nesta hora, de Festas em honra de Nossa Senhora do Socorro, aqui fica a minha contribuição para o seu livro-programa que a respectica Comissão generosamente me solicitou e a que, probo e agradecido, correspondo.
Tamanha prerrogativa tinha que ser paga com seriedade e sinceridade.

Como João de Araújo Correia dizia: “O ESPELHO DE UM HOMEM FOI (É) SEMPRE O SEU CORAÇÃO.”

(1)   (2) (3) – in palavras fora da boca. - *Manuel Coutinho Nogueira Borges, escritor e poeta do Douro-Portugal, nasceu no lugar de S. Gonçalo, freguesia de S. João de Lobrigos, concelho de Santa Marta de Penaguião, em 12.10.1943 e faleceu em 27 de Junho de 2012 na cidade de Vila Nova de Gaia. Frequentou o curso de Direito de Coimbra, cumpriu o serviço militar obrigatório em Moçambique, como oficial mil.º e enveredou pela profissão de bancário. Tem colaboração dispersa por diversos jornais, nomeadamente: Notícias (de Lourenço Marques); Diário de Moçambique (Beira), Voz do Zambeze (Quelimane), Diário de Lisboa, República, Gazeta de Coimbra, Noticias do Douro, Miradouro, Arrais e outros. Em 1971 estreou-se com um livro de contos a que chamou "Não Matem A Esperança". (In 'Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses', coordenado por Barroso da Fonte. 
Clique  nas imagens para ampliar. Imagem de M. Nogueira Borges de autoria de J. L. Gabão. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Outubro de 2012 em homenagem ao saudoso Amigo MANUEL COUTINHO NOGUEIRA BORGES e assinalando o III Fórum sobre o escritor e médico João de Araújo Correia. O texto de M. Nogueira Borges é cortesia do Dr. José Alfredo Almeida. Duas imagens fotográficas sobre monumento a João de Araújo Correia na cidade de Peso da Régua de autoria do Dr. José Alfredo Almeida. Só é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Dona Florinda - Uma benemérita muito especial

"O egoísmo, a insensibilidade, a frieza de espírito, nascidos de um sistema que liquida os laços sociais de que a humanidade é fundamento, determinam e talvez expliquem este nosso amargo tempo".
Baptista-Bastos

Lembrei-me da Dona Florinda que é como afectuosamente a trato. O seu nome completo é Florinda Rosa da Assunção Pilroto. Mas, na Régua, é conhecida como a Dona Florinda. Assim lhe chamam também os seus vizinhos, os amigos, os escuteiros e os nossos bombeiros voluntários que com ela se relacionam. E, não me engano, que lá na eternidade, os anjos santos devotos e as alminhas devem fazer o mesmo.

Acredito que, na Régua, não haja quem tenho ouvido falar da sua simplicidade e bondade. À sua maneira, ela faz parte do quotidiano social e de uma forma singela e surpreendente marca o ritmo da sua vida, entre o presente e as recordações, a realizar pequenas obras de solidariedade e pequenas acções de benemerência. Já ajudou a igreja a reparar imagens dos Santos, os escuteiros e a associação de bombeiros. Quase à beira dos seus 87 anos, a sua vida é uma lição que quebrou rotinas e as barreiras da sua solidão e a sua forma pessoal de se relacionar com as outras pessoas. Em vez de ficar a viver um vazio existencial consegue ser a protagonista de uma história que é um raro exemplo de participação cívica e cidadania activa.

A Dona Florinda teve um berço humilde, nasceu num bairro pobre que existiu à beira rio, no velho cais de baixo, e cresceu no seio de família numerosa abandonada à sorte de um destino que lhe trocou as voltas. Viveu rodeada de muitos amigos, gente tanto ou mais anónima como ela, que a morte já levou deste mundo, mas que lhe deixou muitas saudades dos tempos felizes e que fala deles como se fossem fantasmas abandonados num mundo, para nós, inexistente. Apesar da modesta instrução, apenas fez a terceira classe na escola das Rua das Vareiras, depois de deixar de trabalhar, a morar sozinha, sem família próxima, procurou nas suas convicções religiosas um sentido útil para não viver entre o presente e os retratos do passado.

Hoje aqueles que a vêem passar curvada no seu pequeno e magro corpo, derreado de lenço atado na cabeça, bengala na mão rugosa, a puxar um carrinho de compras, podem pensar que é uma curiosa e divertida personagem de ficção. Mas estão enganados! Ela é uma mulher afável, perspicaz ao que se passa à sua volta, com necessidade de ainda interagir com a sociedade Sem esconder as obsessões da sua idade, ela gosta calcorrear solitariamente as ruas de uma cidade que, senão a ignora, lhe mostra indiferença e estranheza. O que não a embaraça de fazer com normalidade o seu dia-a-dia. Vai fazer as compras na Mereceria do Arnaldo Marques e do Fernando Azeiteiro. Devota de muitos Santos, com os quais se liga por uma fé inquebrantável, procura os lugares de culto para rezar orações que são mais que meros pedidos de ajuda espiritual. Habitou-se a caminhar ao longo da margem do rio, desfrutando a beleza da paisagem, para travar conhecimento com os tripulantes dos grandes barcos de turismo, ancorados no moderno cais fluvial, para lhes fazer entender com esse lugar mudou e lhe traz saudades de outros barqueiros, como a mítica Felisbela. Também se dedica a cuidar os animais e, houve tempo, que dava nome aos patos selvagens do rio que dela se abordavam para comer as sobras da sua comida.
Das muitas missões de carácter filantrópico que se encarrega de realizar, a que faz com mais afeição é a de zeladora das alminhas do Senhor dos Aflitos. É nesse oratório, perto do mercado municipal, que se dedica às alminhas do outro mundo, no qual acredita, mantém acesas as velas, cuida da limpeza e, passa horas a fio, a rezar orações guardadas num novelo emaranhado da sua lúcida memória. Através dessa ligação ao divino e ao transcendente é assim que, através das suas preces, que ajuda quem precisa de paz espiritual.

Nunca escondeu que tem pelos bombeiros uma admiração antiga, que remonta aos tempos da sua infância, onde conhecera briosos bombeiros, infelizmente falecidos, como o Quim Laranja, Manuel Paixão, seus primos, e o Quim Santos, um barbeiro estabelecido na rua da Ferreirinha. Lembra-se do Comandante Camilo Guedes Castelo Branco, figura de respeito, um respeitado poeta, que se lembra de ver à porta do quartel, quando este ainda era numa velha casa do Cimo da Régua e os rituais dos incêndios eram bem diferentes. É ainda do tempo que se ficava a saber em que rua andava o fogo pelos toques do sino da Igreja do Cruzeiro.
Para os bombeiros de hoje, a Dona Florinda é também conhecida como a Senhora dos Santos. Este carinhoso qualificativo tem uma explicação. Quando precisaram de substituir a imagem do padroeiro São Marçal, no Quartel Delfim Ferreira, foi ela que tratou de angariar o dinheiro necessário para a adquirir. Mais tarde, voltou a presenteá-los com um outra imagem do Santo para ficar no Edifício Multiusos -Sala Museu.

Os bombeiros manifestaram-lhe a gratidão numa cerimónia solene  realizada no Salão Nobre do seu Quartel. Nas comemorações do 129º aniversário da associação deram-lhe uma Medalha de Serviços Distintos – grau prata, concedida pela Liga dos Bombeiros Portugueses. Quiseram, assim, reconhecer uma mulher simples que contribuiu, à sua maneira, para os valores do associativismo e da causa do voluntariado. Comparado com outro o seu contributo pode até ser diminuto, mas tem um valor simbólico um valor inestimável.

Depois faz sobressair uma atitude cívica pouco comum nos tempos difíceis que correm. Quem mais tem, salvas raras excepções, não ajuda a causa humanitária dos bombeiros, nem sequer outras obras de solidariedade.

Lembrei-me da Dona Florinda. Ainda bem que o fiz. O que sabemos da sua biografia identifica-a como uma mulher deste mundo e do outro que, anonimamente, se dedicou a acções solidárias que contribuíram sempre para ajudar o seu semelhante. Quando os bombeiros a reconheceram com o estatuto de uma benemérita, quiseram testemunhar não apenas a sua gratidão, mas a da sociedade reguense. Acreditem que esta humilde mulher merecia diferente reconhecimento pelas causas filantrópicas que se empenha e ninguém mais parece acreditar.
Para a Dona Florinda, a sua vida não passou em vão. Costuma-se dizer que os bons exemplos, mais que as meras palavras, educam. O seu exemplo de vida alvitra para aqueles que, na sua terra, nada fazem pelo bem comum. Aos 87 anos, o seu rosto cansado guarda uma expressão feliz que espelha bem aquilo que ela é e, porventura, queria ter sido e, verdadeiramente, conseguiu ser.

- José Alfredo Almeida*
Peso da Régua, Agosto de 2012

Nota - É simpática senhora com 87 anos que, anonimamente, ajuda causas filantrópicas e instituições de solidariedade. Também como religiosa, se ocupa da missão de zelar pelas alminhas do Senhor dos Aflitos, junto ao Mercado Municipal. A Dona Florinda é figura do povo reguense que se destaca pela sua humilde generosidade. E que ofereceu para o quartel dos bombeiros duas imagens de S. Marçal. Uma delas saiu à rua no andor que os bombeiros transportaram na Procissão de Triunfo das Festas de Nossa Senhora do Socorro 2012, dia 15 de Agosto.- JASA
*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 23 de Agosto de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

UM QUADRO FESTIVO

Um dos quadros que enobrecem a minha sala de estar pintou-o Afonso Soares, artista e historiador reguense que tem busto e memória, ali no simpático jardim do Cruzeiro.

Quadro a óleo sobre folha de flandres, mostra-me uma cena campestre, cheia de beleza e colorido.

O céu e azul, mal forrado de nuvens algodoadas e, como pano de fundo, na linha do horizonte, lá estão umas casas de campo, casas de lavoira que vão do amarelo ocre até ao branco duma caiação já antiga e meio desbotada. Em volta das casas, a verdejar, há umas tantas árvores esguias que me parecem choupos.

Que sítios seriam estes?...

O primeiro plano é todo ele um ervaçal de macieza, cortado por um carreiro de terra batida. E, pelo carreiro, vem caminhando uma rapariga cheiinha de mocidade. Traz uma boa regaçada de erva fresca onde pontilham umas florinhas brancas e parece caminhar com certo desembaraço, a despeito dum ligeiro requebro da cintura.

Um pincel mais miudinho, ao que julgo, deu-lhe a finura dos traços e o quer que seja de luz irradiante. Aquele leve sorriso a flor dos lábios e aquela boca onde se adivinham cantigas de espairecer, sei lá se uns dichotes cortados de gargalhadas, são traços de pincel miudinho.

Com uma pele trigueirota de camponesa e já com um corpo esbelto de senhora, parece fixar-me com o olhar. Mas os olhos, apesar de fitos em mim, devem ser olhos movediços, alegres de condição. Quem seria esta cachopa, assim pintada por Afonso Soares?

Já lhe pus um nome, que é o melhor modo de eu próprio retocar o quadro. Pus-lhe o nome de Margarida, também uma flor campestre. Se em vez duma regaçada de erva, trouxesse com ela uma bilha de agua fresca, mal poisada na ilharga, - Margarida vai a fonte - cuido que viria caminhando com o mesmo desembaraço e a mesma alegria no rosto trigueiro. Que o digam as arrecadas de oiro, os olhos movediços e a boca sorridente.

Margarida veste ao calhar de cada dia e vem descalça com a saia arrepanhada a um dos lados, a deixar ver um tudo nada do saiote vermelho e, por debaixo da blusa, avultam-lhe os pomos dos seios. Se saísse apoucada com estes modos de vestir…. Mas não.

Claro que, por esse tempo, Margarida devia ter também as suas vaidades e é crível que, em cada ano, viesse as festas do Socorro, com outros luxos, outro brio no vestir.

Estou a vê-la pela rua fora, com suas argolinhas de oiro, um certo espairecimento no rosto e na cinta flexível. E, naturalmente mesmo um verdadeiro arraial dentro do peito.
Manuel Braz de Magalhães
Nota: Publicado no Boletim das Festas de Nossa Senhora do Socorro
  • Sobre José Afonso de Oliveira Soares neste blogue
Clique  na imagem para ampliar. Sugestão do Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Janeiro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A Magia Acrobática no Dia do Bombeiro

Os bombeiros da Régua não podiam ter escolhido melhor cenário para, no dia 17 de Agosto de 1969, realizarem um exercício de destreza, bravura, disciplina e até de admirável beleza: perfilados nas escadas de ganchos, montadas na fachada de um prédio de habitação, de três andares, apresentavam uma continência a um público que, na Avenida Sebastião Ramires, como então era conhecida, assistia deslumbrado ao espectáculo de magia acrobática e de perfeita sincronia de todos os movimentos.

O prédio escolhido fica na proximidade Quartel dos Bombeiros. Apenas, os separa o Cine-Teatro Avenida, hoje em estado de ruínas. Desconhecem-se as razões para a preferência, mas não terá sido uma opção ao acaso. Coincidência ou não, esse prédio tinha a particularidade de nele encontrarem já sediados, os estúdios da “Rádio - Alto Douro” (1954), uma emissora regional, popular na região duriense, que entusiasmou um auditório fiel e vasto, durante décadas, até o poder político a nacionalizar e a encerrar.

Aquele vistoso exercício fazia parte do programa das comemorações do Dia do Bombeiro – e era também uma homenagem dedicada ao maior bombeiro português, Guilherme Gomes Fernandes - que os bombeiros organizavam, pela primeira vez, na então vila da Régua.

A grandeza do evento exigia meios e recursos financeiros que faltavam aos bombeiros. Mas, não foi difícil conjugaram-se mais vontades e esforços para dar maior brilho às comemorações do “Dia do Bombeiro”. A Comissão de Festas de Nossa Senhora do Socorro, responsável pela organização das festas religiosas, associou-se aos bombeiros. Interessada que o evento alcançasse sucesso e promovesse a missão dos bombeiros, os seus elementos resolvem conceder um importante patrocínio, isto é, dava dinheiro para financiar os principais custos.

A iniciativa de se festejar um “Dia do Bombeiro” era inédita para a Régua. Os pormenores das comemorações do “Dia do Bombeiro” ficaram registados na primeira página do jornal “Vida por Vida”. Aparecem destacadas as actividades realizadas, a presença dos corpos de bombeiros do distrito de Vila Real, alguns de Viseu, Guarda, Bragança, Braga e Porto. A ilustrar o texto estão duas fotografias, uma das quais é a registou este histórico simulacro ataque ao fogo e de salvamento. Um outro aspecto do evento, era a concentração dos bombeiros, no Largo da Estação, seguido do desfile apeado e motorizado das corporações pelas principais ruas da vila da Régua, com cerca de 350 homens e mais de 30 viaturas, que também mereceu relevo. As individualidades reuniam-se num palanque montado em frente da “Casa do Douro”, à Rua dos Camilos, entre as quais se destacava Inspector de Incêndios da Zona Norte, Coronel Alexandre de Magalhães, acompanhado do Presidente da Câmara Municipal do Peso da Régua, Dr. Rui Machado, que receberam as honras das corporações em desfile. A população reguense interessou-se e não deixou de aplaudir e entusiasmar-se na passagem dos corpos de bombeiros, saudando-os com alegria e muita emoção.
O “Dia do Bombeiro”, festejado na Régua, não acabou sem a tradicional merenda volante servida a todos os participantes, no Salão Nobre do Quartel. Como também não faltaram os habituais discursos quer dos dirigentes das organizações dos bombeiros quer do presidente da câmara municipal, por inerência deste cargo, como permitiam os estatutos, também no exercício de Presidente da Assembleia-Geral da Associação.

No seu improvisado discurso, o edil reguense, bom conhecedor da realidade bombeiros locais, começou por elogiar a importância do evento e a acção dos bombeiros da Régua, enaltecendo a sua obra que, na sua opinião, neste tempo, tinha uma dimensão visível e que “já se projecta para além dos seus muros”.

O Sr. Inspector de Incêndios da Zona Norte discorreu para louvar a “obra que a Associação vem realizando há alguns anos”, ao mesmo tempo que manifestava “o seu apreço aos Bombeiros da Régua, por verificar a par do seu bom nome bem cuidado material, homens capazes de fazerem dele o uso mais eficiente”. E, quanto ao exercício que tinha observado, não deixava de “estar certo de que os bombeiros de todas as corporações seriam modelo do exemplo que lhe fora dado no exercício que acabaram de observar, quanto ao companheirismo, espírito de sacrifício, entreajuda e disciplina”.

A intervenção do Eng. Albuquerque Barbosa, ilustre Comandante dos Bombeiros Voluntários Portuenses, também não ficou despercebida, que começou por expressar o seu regozijo “por estar presente nesta festa tão significativa” e, sobre a exibição técnica dos bombeiros da Régua, nada deixou de evidenciar o seu “agrado que lhe proporcionou o exercício efectuado”.

Esta magnifica imagem dos bombeiros Régua estão também muito ligada à percepção de uma das mais interessantes avenidas da cidade, actualmente conhecida por Avenida Antão de Carvalho. Há quem a aprecie pelo cheiro e a frescura das suas frondosas tílias e, muitos outros, por nela se encontrar situado o Quartel dos Bombeiros, o mais ousado e bonito edifício que nela se construiu. Edificado nos anos 30, o Quartel Delfim Ferreira, obra projectada pelo arquitecto portuense Oliveira Ferreira, só veio a ser inaugurada 25 anos depois do “mestre” Anastácio Inácio Teixeira, artesão reguense, erguer a primeira parede de pedras de xisto, numa parcela terreno doada por um executivo da câmara municipal, presidido pelo Dr. Mário Bernardes Pereira, que generosamente melhor amparou os bombeiros.

Nesse tempo, o Quartel dos Bombeiros da Régua fascinava quem por ali passava, nem que fosse só para contemplar os pronto-socorros e as ambulâncias arrumadas, os imponentes sempre à frente, com o realce para o “Nevoeiro”, o Ford e o velho Buick, a reluzirem no vermelho vivo e nos seus cromados de origem.

Se querem saber, é assim ainda hoje, para aqueles que não deixaram de passar na frente do Quartel dos Bombeiros. O fascínio e magia dos bombeiros da Régua não têm fim…!
- Colaboração de José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Agosto de 2010.
  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua de onde é natural e de figuras marcantes do Douro.
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A Magia Acrobática no Dia do Bombeiro no "Arrais"

Poderá ampliar para "tela inteira" (full screen) utilizando as "ferramentas" disponíveis no "box" acima.
(link: http://embedit.in/sOhmyfrFXX - Arquivo em formato "pdf")

sábado, 6 de novembro de 2010

O Bombeiro e a Religião

Padre Luís Gouveia Marçal Monteiro

Ao ser-me dada a honra de colaborar neste opúsculo comemorativo do I Centenário dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua sugeriram-me o tema: o Bombeiro e a Religião. Nunca vi tão fácil o meu trabalho.

È próprio do homem como ser inteligente e livre querer saber o porquê da sua vida, dos seres que o rodeiam, das coisas de que se serve. Mais cedo ou mais tarde começa portanto a ser “filósofo” na pesquisa dum sentido final e dum significado concreto para a sua existência.

Não obstante todos os seus esforços, não encontrará, em si resposta suficiente para as suas interrogações. Tem de sair de si, de deixar de ser “ilha”, e procurar nos outros, no mundo e nas pessoas, a realização dos seus anseios: o homem começa a ser “social”.

Contudo ainda assim subsistem enigmas insolúveis, aspirações insatisfeitas, horizontes inacessíveis, sedes vivas de infinito porque ele, o mundo e os outros são limitados, têm fim. Então o homem, ou se recusa a sair do seu mundo por preguiça, por medo, por egoísmo, e deixa de ser “inteligente”, ou tem de abrir-se ao transcendente, ao Outro, a Deus: e o homem começa a ser “teólogo”.

A “filosofia" dos seres conduz finalmente o homem à “teologia” da vida.

Naturalmente “filósofo”, naturalmente “social”, o homem é também naturalmente “religioso”.

O Bombeiro, porque é homem, é religioso tam¬bém. Mais. Nada tão, favorável e propício à prática da religião, refiro-me agora à religião cristã, como a actividade humanitária do Bombeiro.

São três as palavras que identificam o bom¬beiro com o cristão, que exprimem a afinidade de objectos, a comunhão de ideais: VIDA POR VIDA.

“Vida por Vida" - é a divisa do bombeiro, é o seu dever a cumprir.

"Vida por Vida" - é o sinal do cristão, o seu divino mandamento.

“O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros como vos amei”, diz Jesus Cristo. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” acrescenta.
O cristão não tem outro dever senão AMAR. O cristão e o não-cristão. Não há outra forma de viver em plenitude que não seja AMANDO. “Viver é Amar”. O amor é a única forma válida, aceitável, HUMANA, de estabelecer laços interpessoais. É a única “lei natural" para garantir e alimentar a vida social do homem. O amor supõe a coexistência ou então realiza-a porque só o amor consegue a permuta “dar e receber” que constitui o segredo e o caminho da felicidade verdadeira, suprema aspiração humana.

O cristão, dado o seu compromisso de fé, não pode contentar-se com a simples dimensão humana do amor e muito menos com a dimensão erótica, carnal desse sentimento que, assim aviltado, em vez de nobilitar o homem o inferioriza.

O cristão tem do amor o conceito original que Cristo lhe trouxe, que pôs em prática e mandou que se praticasse.

“... Como Eu vos amei”, diz Jesus Cristo. Jesus propõe-se como modelo de amor.

O cristão terá de “amar como Jesus amou”.

Jesus amou sem fronteiras de qualquer espécie, sem excepção de qualquer pessoa. Amou os bons e os maus, os amigos e os inimigos. A partir do exemplo de Jesus Cristo o Papa Paulo VI 'traduz assim a universalidade do amor cristão:

“... Amaremos o nosso próximo
e amaremos os que estão longe de nós.

Amaremos a nossa pátria
e amaremos a pátria dos outros.

Amaremos os que merecem ser amados
e os que não merecem.

Amaremos os nossos adversários
e nenhum homem pode ser nosso inimigo”.

Jesus amou sem medida, até ao fim: “não há maior prova de amor que dar a vida pelos seus amigos”. Jesus o afirmou e confirmou pelo seu gesto na Cruz.

“Dei-vos o exemplo para que, como Eu fiz façais vós também”, disse. Como se dissesse: assim como Eu dei a minha vida pela vida de cada homem assim vós deveis dar a vossa vida pela vida de qualquer irmão!

Jesus amou desinteressadamente, sem nada esperar em troca. E se algo recebeu em troca não foi amor, foi ingratidão.

Amor universal, total, gratuito - eis o amor de Cristo que deverá ser o amor do cristão.

Não é assim o amor do Bombeiro?

Ao toque da sirene o bombeiro não procura saber quem o chama: se amigo ou inimigo, pobre ou rico conhecido ou desconhecido. Vai porque é universal no seu gesto.

O bombeiro não condiciona o seu serviço, não põe limite algum na sua acção. Esvazia-se dos seus problemas para viver os problemas dos outros. Sai de casa e não sabe se regressa. Não sabe se será o último o beijo ou o olhar com que se despede dos seus. Vai pôr a vida ao serviço de outras vidas: é total na sua entrega.

O bombeiro nada exige e nada espera pelo seu trabalho: é voluntário na sua resposta.

Quando o bombeiro descobre no silvo da sirene a voz de Deus que o chama e no irmão que socorre a pessoa de Cristo a sofrer, o seu gesto que é senão AMOR?
Notas:
1- Este magnifico artigo do Senhor Padre Luís Gouveia Marçal Gouveia, actual Arcipreste da Régua, encontra-se publicado no Boletim do 100º Aniversário da AHBV do Peso da Régua, comemorado em 28 de Novembro de 1980.

2- As duas fotos mais antigas são da autoria do mestre Baía Reis, sendo que uma delas mostra a bênção do S. Marçal, na Igreja Matriz, realizada pelo antigo Pároco Miranda Guedes e a outra a colocação da sua imagem por um bombeiro, no seu nicho construído numa parede do Quartel Delfim Ferreira.

3- A foto mais moderna é da autoria de Sónia Coutinho e fixa um momento da Procissão de Nossa Senhora do Socorro de 2010, onde o andar com a imagem de S. Marçal é transportado por eles do actual quadro activo dos bombeiros da Régua.
- Colaboração de J. A. Almeida para "Escritos do Douro" em Novembro de 2010. Clique nas imagens acima para ampliar.

Jornal "O Arrais", Sexta-Feira, 07 de Janeiro de 2011
O Bombeiro e a Religião
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
O Bombeiro e a Religião

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Zé Pinto institucional - 2

Adérito Rodrigues

Nas linhas anteriormente expostas procurámos mostrar a dedicação de um Homem que se devotou aos outros (não se pretendeu dizer que sr. Zé Pinto fosse o maior de todos, tão somente que foi um Grande Homem), a exemplo de muitos mais, que se dedicaram e continuam a dedicar-se à causa voluntária, ajudando o seu semelhante no dia-a-dia, desde que sejam solicitados para o efeito.

Será de introduzir nesta crónica que a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, a par com a Associação dos Amigos do Hospital D. Luiz I, é uma Associação referenciada neste Ano Internacional do Voluntariado, sito na cidade do Peso da Régua, que deverá despertar as consciências para a disponibilidade e a cooperação com o seu semelhante.

Essas pessoas que labutaram em proveito direto dos seus concidadãos, foram uns genuínos Voluntários - na verdadeira aceção da palavra - marcaram-nos com seus feitos, que conservamos na memória e que nos levam a suspirar por um passado que ocorreu e que, nos dias de hoje, nem sempre se cumprem da forma que julgamos a mais adequada.

Dostoievski, no seu livro “Os Irmãos Karamazov”, diz-nos que “…não existe nada mais elevado, mais forte, são e bom para a vida do futuro que alguma boa recordação...”. É salutar não esquecermos as ligações que tivemos, não relegarmos para um plano inferior as boas lembranças que se fixaram na nossa memória, as recordações dos bons afetos. Jamais a ausência de alguém nos pode forçar a um arrasador abandono, a um esquecimento interior, a uma rejeição das emoções que nos humanizaram.

O quarteleiro Zé Pinto esteve sempre disponível para todo e qualquer ser - fosse o mais rico ou o mais necessitado -, sempre solidário e sempre generoso, mas a vida não lhe foi condescendente, ao inverter-lhe a época, pois o 25 de Abril não o bafejou, com o virar de mais uma página da nossa história, já que não lhe proporcionou os aumentos que os do ativo tiveram, vendo-se obrigado a viver com a reforma reduzida que lhe pagavam.

A vida desse nosso conterrâneo teve aspetos bem representativos e gratificantes, apesar de, por vezes, o estado de saturação o atingir, se considerarmos que as horas de trabalho não eram contabilizadas como são hoje, já que ele tinha que estar disponível, desde que alguém o chamasse.

Nas várias conversas que fomos mantendo na década de convívio que tivemos, o sr. Zé Pinto chegou a confidenciar-me que, muitas vezes, se sentia extremamente cansado com tanta correria, pois as viagens à Capital do Norte não eram nada do que são hoje, atendendo ao imenso tempo que se demorava na viagem e à constante rotatividade - ida e volta. Quem, como ele, percorreu os velhos caminhos que nos levavam à cidade do Porto, tem plena certeza de que essas viagens fatigavam qualquer pessoa, mesmo que fosse um “bom acelera”. Era um tempo longo que se perdia na estrada, com curvas e contra-curvas e o inconveniente de termos que atravessar lugarejos, aldeias ou cidades.

Sei, também, que o nosso Amigo Zé Pinto, para colmatar essa situação de cansaço, diversas vezes, levava o filho mais novo, o Quim, para o substituir na condução da ambulância, no regresso, a fim de poder descansar um pouco durante a viagem.

Tempos impensáveis e não aplicáveis nos dias de hoje, onde impera um horário de trabalho e as condições são muitíssimo mais benévolas do que as de outrora.

Nos quarenta anos de trabalho nos Bombeiros teve noites que ainda vinha a caminho e já estava o telefone a tocar, para que fosse outra vez ao Porto e quem atendia o telefone era a Dª Antónia, pela ausência do quarteleiro. Outras vezes estava ele a acabar de se deitar e tocava o telefone para ir levar um doente. Foi uma vida de muito sacrifício e em que a Dª Antónia também cooperou nessa azáfama.

A canseira que o casal foi tendo pelos tempos fora, não se ficou só por aqui, também tinham um orgulho enorme no Quartel dos Bombeiros e tudo faziam para que o aspeto fosse o mais deslumbrante e apresentável possível. Era comum as pessoas quererem visitar as instalações e as viaturas nas Festas do Socorro e o casal Melo tinha orgulho em mostrar o quartel, pelo que “limpavam os capacetes, ficava tudo a reluzir, todos limpinhos, e a minha sogra andava de joelhos a encerar a casa toda. As pessoas ficavam encantadas com a limpeza do quartel. O meu sogro tinha muita vaidade nisso”.

No dia 16 de Agosto, dia grande das Festas em honra da Nª Srª do Socorro, aquando do regresso da procissão e “a Nª. Srª. vinha para cima, da Capela do Asilo das Crianças para o Peso, só quando saía o último bombeiro é que ele ia comer, apesar dos apelos constantes da mulher para ir comer”.

Se o casal tinha vaidade em ter as instalações devidamente limpas e arrumadas, também o sr. Zé Pinto não deixava de ter um enorme orgulho na limpeza das viaturas, poderemos dizer até que, talvez, uma certa obsessão, pois, no dizer da nora, era de um cuidado extremo. Eis as palavras que o definem:

O meu sogro tinha aquela coisa com ele, não confiava a maca a ninguém. Ele é que a conduzia e não metia um carro dentro do quartel sem ser lavado. Sempre tudo lavado! Não descansava! Estava a gente, muitas vezes, à espera para comer e ele, sem lavar a ambulância, não descansava. Tinha uma paixão muito grande pela Associação, pelos Bombeiros, pelas viaturas e gostava de ter tudo arrumadinho, tudo no respetivo lugar.

A vida desgastante que o quarteleiro viveu, também lhe apresentou alguns casos engraçados e que ele próprio lembrava e comentava, achando-lhes alguma graça.

Naquele tempo, os bombeiros faziam o transporte dos doentes na ambulância, mas também dos mortos, quando os enfermos se finavam nos hospitais. Uma das situações que o sr. Zé Pinto vivenciou tem a ver com uma viagem a Valdigem, a fim de levar um doente falecido. A viúva (o homem já estava morto), uma senhora do povo, quase ao chegar à localidade, pediu-lhe:

“- Óh senhor, toque muito, toque muito, para saberem que vai aqui o meu marido”.

Pretendia a pobre viúva que o bombeiro tocasse a sirene da ambulância, mas qual a intenção concreta, ninguém o saberá, a não ser que queria que soubessem que o morto ia ali. Acho a situação um pouco macabra...

O Sr. Zé Pinto explicou aos seus familiares a situação que viveu e dizia que dentro da infelicidade a que foi chamado, levar um morto, dava-lhe agora o riso pela situação que viveu. A senhora queria que soubessem que ia ali o marido morto!

Ainda no cumprimento da sua missão, referirei um outro episódio em que o sr. Zé Pinto se viu envolvido no cumprimento do seu dever. Ao transportar uma senhora grávida para o hospital, a paciente apresentou sinais de ter que dar à luz num momento inesperado. Como a senhora manifestava todos os sinais de ter começado em trabalho de parto, não havia outra solução que não a de o parto ser na ambulância. O bebé acabou por nascer dentro da ambulância e foi o “nosso” quarteleiro quem assistiu a senhora, mais um bombeiro que ia com ele. Após a situação ter ficado resolvida, quiseram os pais da criança que o Bombeiro Zé Pinto fosse o padrinho da criança.

Aproveito para narrar um relato ocorrido no edifício dos Bombeiros. Havia um senhor, de nome Viana, um homem engraçado e divertido, que ia trabalhar/ajudar os Bombeiros. Ele não era bombeiro, mas ia auxiliar na limpeza dos capacetes e das botas, num lugarzinho lá atrás, onde arranjavam tudo.

Há, contudo, uma história com esse tal Viana, deveras surpreendente, que a Dª Glória Vieira (nora do sr. Zé Pinto) me contou.

- “Um dia deram um peru ao meu sogro e ele chamou o Viana. Deu-lhe uma garrafa com bagaço e pediu-lhe que embebedasse o peru com o bagaço, para depois se matar. Aquilo é que foi. Bebeu ele a aguardente e cortou a cabeça ao bicho com o machado dum bombeiro. Em vez de embebedar o peru, embebedou-se ele e o peru nunca mais morria”.

- Ah desgraçado, o que tu fizeste” – disse-lhe o quarteleiro.

Como se pode ver por estas pequenas narrativas a vida de bombeiro não era só sacrifício, também tinha algumas cenas engraçadas, que acabavam por amenizar a árdua tarefa que lhes era investida.

Será de referir, já que se fala em comida, que a Dª Antónia era uma mestra na cozinha e, segundo a opinião de alguns, esta senhora fazia uns petiscos muito afamados, assim se pronunciam alguns, que na altura eram frequentadores do bar dos Bombeiros.

Fecho esta série de crónicas, onde foi referido o quarteleiro Zé Pinto, mencionando a atribuição da medalha de mérito e sacrifício (foto 1 ), no ano de 1970, que a Direção de então lhe atribuíra, quando ele já tinha mais de trinta anos dedicados à causa do voluntariado da Associação Humanitária dos Bombeiros desta cidade. Os responsáveis de então entenderam conceder-lhe essa condecoração pelos feitos realizados, e quem lhe fez a imposição da medalha foi o também saudoso Joaquim Lopes, pai do Ângelo Maria, meu amigo e colega no Liceu de Lamego (foto 2).

Procurei relembrar a vida dum Homem, que, muito embora tivesse ficado no anonimato, mostrou-nos uma faceta de dignidade e competência. Que Deus o mantenha na Sua Paz.


O ZÉ PINTO institucional - 2
Jornal "O Arrais", quinta-Feira, 22 de Setembro de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)


Imagens e texto cedidos por Dr. José Alfredo Almeida em Setembro de 2011 para Escritos do Douro. Edição de J. L. Gabão. Clique nas imagens acima para ampliar.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Banda de Música dos Bombeiros da Régua

À memória do Professor José Armindo, grande músico reguense
Festa sem música não presta, disse o escritor João de Araújo Correia na sua deliciosa crónica Música de Poiares escrita, em 1965, no Vida por Vida, antiga folha de informação dos Bombeiros da Régua, mais tarde recolhida no livro Pátria Pequena.


Aí se fica a saber que, com tristeza para o escritor, a Régua não tinha uma Banda Música. Como actualmente não tem, se virmos a Orquestra Ligeira Vale do Douro como uma extensão dos alunos da Academia de Música da Régua. A única Banda de Música que, naquele tempo, poderia ressurgir era a de Poiares, a mais antiga do concelho.


Mas, a Régua a antiga já teve uma Banda de Música. Quem o afirma é escritor se bem que de uma forma vaga e quase nebulosa. Afirma que foi o sonho fugaz de um homem, o sonho de José Correia de Magalhães, mas que morreu inglório. Não deu para vingar e servir para exemplo, o escritor anota que “subiu como um foguete e estoirou sem brilho.”


A Régua de hoje sofre do mesmo mal da Régua antiga quanto ao panorama da música. Vai havendo os ranchos folclóricos que, em nome das tradições, exibem os trajares de trabalho e festivos, tocam alguns sons e divulgam os cantares à jorna do cavador duriense. Conta-se também a Fanfarra dos Bombeiros da Régua, já com alguns anos de existência e também o já respeitável Grupo Coral de Nossa Senhora do Socorro. O primeiro é parte recreativa dos bombeiros que animas as festas da casa, nos aniversários e nos acontecimentos marcantes e, pelo verão adentro, dá colorido a muitas profanas e religiosas. Quanto ao Coro é o bom exemplo de música erudita, com solenes cânticos religiosos, cantada por vozes magníficas, que foi dirigida, até há bem pouco tempo, pelo saudoso maestro José Armindo.


A banda de música da Régua tem uma história, pequena pelo seu tempo de vida, sem sucessos para contar, nem o brilho de outras, mas que deixou o seu breve rasto ligado ao historial dos Bombeiros da Régua. Não há dúvidas que sua fundação a dever-se ao empenhamento de um homem, para nós desconhecido, o próspero e benemérito comerciante José Correia de Magalhães que, nos inícios do Séc. XX, no fim da monarquia. Foi este desconhecido cidadão e a sua dedicação de associado dos bombeiros da Régua, que o levou a baptizar de Real Banda Bombeiros Voluntários da Régua.


Da minha parte, bem gostava de poder contar-vos um pouco mais do seu historial, mas o que sei é muito pouco, não permite fazer mais revelações porque, a haver muito para desvendar, seria necessário encontrar novos documentos. Surgem da poeira do tempo apenas indícios fugidios que permitem pouco que uma confirmação da sua nascença. É o que diz o escritor reguense mais uma pequena nota, inserta no boletim Vida por Vida, baseado num esclarecimento que o leitor José Correia de Magalhães Júnior lhe fizera chegar, que aqui se transcrever na íntegra:


“A propósito do artigo Musica de Poiares, inserto no nosso último número escreveu-nos José Coreia de Magalhães, desta vila, que, em palavras amigas, apoia o ponto de vista do articulista, quanto á reorganização da única Banda de Música existente no concelho.
Passando a evocar a existência da Banda de Música da Régua, o correspondente informa que a mesma foi propriedade de seu pai, que, fazendo parte da direcção dos bombeiros, dedicou à sua Associação, dando-lhe o nome de a Banda da Real Associação dos Bombeiros Voluntários da Régua. Depois de ter conhecido dias grandes, onde os regentes eram competentes, tomou a banda como seu Mestre o falecido Sargento Pelotas, que muito bem tocava cornetim, o que lhe valeu possuir um cornetim de prata, que lhe foi oferecido pela Rainha D. Amélia; ora, pelo prazer de tocar cornetim, relegava para plano secundário todos os componentes da banda, e estes amesquinhados, começaram a desertar e daí o desaparecimento da Banda dos Bombeiros.
É, porém, com natural agrado que aqui deixamos este apontamento para recordar tempos idos da nossa terra.”


Apontamento que, em nossa opinião, vale oiro. Como oiro vale, o que escreveu António Guedes, antigo Chefe dos Bombeiros da Régua, que numas das suas crónicas no Arrais lhe fez uma breve referência. Conta nessas suas memórias outros pormenores quem não deixam de ter sua importância. Evoca a figura de um mestre da banda que, sem grande jeito e artístico, ajudou a contribuir para o fim inglório da Banda Música, desta forma: Houve uma razoável banda de música, que se designava Banda dos Bombeiros Voluntários da Régua. Teve como regente, além de outros, um maestro Neutel, que diziam ser um verdadeiro técnico nessa matéria, mas tinha o grande defeito de baralhar as fusas e semi-fusas com as verdadeiras infusas e escangalhou a futrica, pois a Banda ficou à banda e ruiu estrondosamente.” E, com um sentido de humor, descreve um episódio passado em Martinho de Mouros, onde a Banda Música, em certo ano, terá abrilhantando as festas religiosas. Quanto ao mais, apenas confirma a informação aqui contada.


O que há de novo para contar sobre esta Banda de Música está referido na notícia que publicou o jornal O Douro, em 1906. Destacava que, nesse ano, a banda se tinha formado nesse ano, por uma louvável iniciativa do benquisto comerciante José Correia de Magalhães que também pagou os instrumentos. Era composta por rapazes que estavam a receber ensaios com regularidade do mestre Neutel.  Os músicos usaram um fardamento igual ao da corporação e a sua primeira actuação pública aconteceu na festa do 26º aniversário da Associação.
Sobre a Real Banda dos Bombeiros da Régua é isto mais que sabemos e completam os testemunhos de João de Araújo Correia e o de António Guedes. Fica-se a saber um pouco mais do passado reguense, a sua sociedade civil, a prosperidade dos seus comerciantes e a importância que, então, granjeava a Associação Humanitária. O que não são as verdadeiras razões porque essa Banda de Música acabou.


Quem, um dia, se voltar a interessar pela Banda de Música dos Bombeiros da Régua, poderá saber mais. E, nos consiga dizer, qual foi a sua importância para a história da associação humanitária que, há mais de um século, participa nas principais actividades recreativas na sociedade reguense.
Texto de José Alfredo Almeida e desenhos de Mónica Baldaque
Clique nas imagens para ampliar. Texto de José Alfredo Almeida e desenhos de Mónica Baldaque. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2012. Publicado também na edição de 12 de Julho de 2012 do semanário regional "Arrais". Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

quinta-feira, 26 de março de 2009

A FANFARRA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE PESO DA RÉGUA

(Clique na imagem para ampliar)

Peso da Régua, 28 de Novembro 2008.
A FANFARRA DOS BOMBEIROS DE PESO DA RÉGUA.

Integrada na Associação está a magnifica Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua, da qual fazem parte cerca de 55 elementos do sexo masculino e feminino com idades compreendidas entre os 6 e os 55 anos.

A Fanfarra dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua foi fundada em 15 de Agosto de 1976 e, durante estes 32 anos de existência, marcados com muitos pontos altos, tem dado inúmeros espectáculos de rua, em cerimónias de bombeiros, desfiles de festas de cidades, vilas e aldeias, mostrando toda a sua animação, cores, sons e coreografias variadas, as quais o público muito admira e aplaude.

Esta Fanfarra foi criada e mantida, durante muitos anos, graças ao trabalho e à determinação do saudoso director António Jacinto Dias, mais conhecido por senhor Dias (como carinhosamente lhe chamam elementos dessa época), isto sem esquecer muitos outros directores e bombeiros que ao longo dos anos lhe deram vida.

A Fanfarra começou apenas com os elementos masculinos, numa primeira fase, para aprenderem a manusear os instrumentos e, numa segunda fase, integraram-se já os elementos de sexo feminino, para lhes ensinarem os passos e coordenação geral de todos. O fardamento masculino foi pago pelos próprios elementos, mas o feminino foi feito pelas costureiras de Peso da Régua. Quando estava tudo pronto e afinado, decidiu­-se que a Fanfarra sairia no dia 15 de Agosto de 1976, a acompanhar a procissão solene em honra de Nossa Senhora do Socorro, com saia vermelha, botas vermelhas e camisa azul para as raparigas e calças azuis e camisa branca para os homens.

E a partir daí iniciou as suas actuações por todo o país. Mas, uma dela nunca se vão esquecer, foi a actuação em Castro Daire, no ano de 1976, onde foram participar num concurso de fanfarras, tendo conseguido arrecadar o primeiro lugar.

Os anos foram passando e o fardamento teria que ser mudado e para tal a Direcção dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, passados anos decidiu oferecer o fardamento a todos os elementos, sendo composto por camisa branca e calças azuis para os homens e camisa branca, saia às pregas azul e botas brancas para as mulheres.

Com a entrada de uma nova direcção e de um novo responsável pela Fanfarra mudou-se radicalmente o fardamento, passando as raparigas a ter minissaia travada azul, camisa azul clara com manga a três quartos e botas brancas e os homens com calças, botas e camisa de estilo bombeiro, visual que se manteve até ao ano de 2008.

No ano de 2008, as novas responsáveis pela Fanfarra (Sónia Coutinho e Mónica Silva), decidiram valoriza-la ainda mais e mudaram o fardamento, não em estilo, visto que só as camisas de manga curta das raparigas é que deixou de ser à três quartos, mas a cor modificou e o tipo de chapéus quer de uns quer de outros e os cordões que levam ao peito ficaram menos pesados e mais pequenos.

Com a Fanfarra dos Bombeiros de Peso da Régua, a quem é reconhecido grande valor na área recreativa, leva-se a qualquer parte o bom nome da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, como aconteceu no passado dia 5 de Janeiro de 2009, na cidade galega de Santiago de Compostela, onde esteve presente, a abrir o importante desfile da “Festas dos Reis Magos”.

E, quem viu disse:“brilhantemente”.
- Peso da Régua, Março de 2009, José Alfredo Almeida e Sónia Coutinho.

  • A Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua no Hi5 - Aqui!
  • O blogue da Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!
  • Portal dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua (no Sapo) - Aqui!
  • Novo portal dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!
  • Exposição Virtual dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!
  • Carros Históricos dos Bombeiros da Europa (na galeria encontrará viaturas antigas e históricas da nossa valorosa Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Régua) - Aqui!

Outros textos publicados sobre os Bombeiros Voluntários de Peso da Régua e sua História:

  • A cheia do rio Douro de 1962 - Aqui!
  • O Baptismo do Marçal - Aqui!
  • Um discurso do Dr. Camilo de Araújo Correia - Aqui!
  • Um momento alto da vida do comandante Carlos dos Santos (1959-1990) - Aqui!
  • Os Bombeiros do Peso da Régua e... o seu menino - Aqui!
  • Os Bombeiros da Régua em Coimbra, 1940-50 - Aqui!
  • Os Bombeiros da Velha Guarda do Peso da Régua - Aqui!
  • A Peso da Régua de nossas raízes - Aqui!