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sábado, 6 de novembro de 2010

O Bombeiro e a Religião

Padre Luís Gouveia Marçal Monteiro

Ao ser-me dada a honra de colaborar neste opúsculo comemorativo do I Centenário dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua sugeriram-me o tema: o Bombeiro e a Religião. Nunca vi tão fácil o meu trabalho.

È próprio do homem como ser inteligente e livre querer saber o porquê da sua vida, dos seres que o rodeiam, das coisas de que se serve. Mais cedo ou mais tarde começa portanto a ser “filósofo” na pesquisa dum sentido final e dum significado concreto para a sua existência.

Não obstante todos os seus esforços, não encontrará, em si resposta suficiente para as suas interrogações. Tem de sair de si, de deixar de ser “ilha”, e procurar nos outros, no mundo e nas pessoas, a realização dos seus anseios: o homem começa a ser “social”.

Contudo ainda assim subsistem enigmas insolúveis, aspirações insatisfeitas, horizontes inacessíveis, sedes vivas de infinito porque ele, o mundo e os outros são limitados, têm fim. Então o homem, ou se recusa a sair do seu mundo por preguiça, por medo, por egoísmo, e deixa de ser “inteligente”, ou tem de abrir-se ao transcendente, ao Outro, a Deus: e o homem começa a ser “teólogo”.

A “filosofia" dos seres conduz finalmente o homem à “teologia” da vida.

Naturalmente “filósofo”, naturalmente “social”, o homem é também naturalmente “religioso”.

O Bombeiro, porque é homem, é religioso tam¬bém. Mais. Nada tão, favorável e propício à prática da religião, refiro-me agora à religião cristã, como a actividade humanitária do Bombeiro.

São três as palavras que identificam o bom¬beiro com o cristão, que exprimem a afinidade de objectos, a comunhão de ideais: VIDA POR VIDA.

“Vida por Vida" - é a divisa do bombeiro, é o seu dever a cumprir.

"Vida por Vida" - é o sinal do cristão, o seu divino mandamento.

“O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros como vos amei”, diz Jesus Cristo. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” acrescenta.
O cristão não tem outro dever senão AMAR. O cristão e o não-cristão. Não há outra forma de viver em plenitude que não seja AMANDO. “Viver é Amar”. O amor é a única forma válida, aceitável, HUMANA, de estabelecer laços interpessoais. É a única “lei natural" para garantir e alimentar a vida social do homem. O amor supõe a coexistência ou então realiza-a porque só o amor consegue a permuta “dar e receber” que constitui o segredo e o caminho da felicidade verdadeira, suprema aspiração humana.

O cristão, dado o seu compromisso de fé, não pode contentar-se com a simples dimensão humana do amor e muito menos com a dimensão erótica, carnal desse sentimento que, assim aviltado, em vez de nobilitar o homem o inferioriza.

O cristão tem do amor o conceito original que Cristo lhe trouxe, que pôs em prática e mandou que se praticasse.

“... Como Eu vos amei”, diz Jesus Cristo. Jesus propõe-se como modelo de amor.

O cristão terá de “amar como Jesus amou”.

Jesus amou sem fronteiras de qualquer espécie, sem excepção de qualquer pessoa. Amou os bons e os maus, os amigos e os inimigos. A partir do exemplo de Jesus Cristo o Papa Paulo VI 'traduz assim a universalidade do amor cristão:

“... Amaremos o nosso próximo
e amaremos os que estão longe de nós.

Amaremos a nossa pátria
e amaremos a pátria dos outros.

Amaremos os que merecem ser amados
e os que não merecem.

Amaremos os nossos adversários
e nenhum homem pode ser nosso inimigo”.

Jesus amou sem medida, até ao fim: “não há maior prova de amor que dar a vida pelos seus amigos”. Jesus o afirmou e confirmou pelo seu gesto na Cruz.

“Dei-vos o exemplo para que, como Eu fiz façais vós também”, disse. Como se dissesse: assim como Eu dei a minha vida pela vida de cada homem assim vós deveis dar a vossa vida pela vida de qualquer irmão!

Jesus amou desinteressadamente, sem nada esperar em troca. E se algo recebeu em troca não foi amor, foi ingratidão.

Amor universal, total, gratuito - eis o amor de Cristo que deverá ser o amor do cristão.

Não é assim o amor do Bombeiro?

Ao toque da sirene o bombeiro não procura saber quem o chama: se amigo ou inimigo, pobre ou rico conhecido ou desconhecido. Vai porque é universal no seu gesto.

O bombeiro não condiciona o seu serviço, não põe limite algum na sua acção. Esvazia-se dos seus problemas para viver os problemas dos outros. Sai de casa e não sabe se regressa. Não sabe se será o último o beijo ou o olhar com que se despede dos seus. Vai pôr a vida ao serviço de outras vidas: é total na sua entrega.

O bombeiro nada exige e nada espera pelo seu trabalho: é voluntário na sua resposta.

Quando o bombeiro descobre no silvo da sirene a voz de Deus que o chama e no irmão que socorre a pessoa de Cristo a sofrer, o seu gesto que é senão AMOR?
Notas:
1- Este magnifico artigo do Senhor Padre Luís Gouveia Marçal Gouveia, actual Arcipreste da Régua, encontra-se publicado no Boletim do 100º Aniversário da AHBV do Peso da Régua, comemorado em 28 de Novembro de 1980.

2- As duas fotos mais antigas são da autoria do mestre Baía Reis, sendo que uma delas mostra a bênção do S. Marçal, na Igreja Matriz, realizada pelo antigo Pároco Miranda Guedes e a outra a colocação da sua imagem por um bombeiro, no seu nicho construído numa parede do Quartel Delfim Ferreira.

3- A foto mais moderna é da autoria de Sónia Coutinho e fixa um momento da Procissão de Nossa Senhora do Socorro de 2010, onde o andar com a imagem de S. Marçal é transportado por eles do actual quadro activo dos bombeiros da Régua.
- Colaboração de J. A. Almeida para "Escritos do Douro" em Novembro de 2010. Clique nas imagens acima para ampliar.

Jornal "O Arrais", Sexta-Feira, 07 de Janeiro de 2011
O Bombeiro e a Religião
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O Bombeiro e a Religião