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sábado, 13 de abril de 2013

Jaime Ferraz Rodrigues Gabão FARIA HOJE 89 ANOS !

Transcrição de 'Escritos do DOURO - 'SEGUNDA-FEIRA, 18 DE JUNHO DE 2012':

Jaime Ferraz Rodrigues Gabão partiu há 20 anos

O JAIME

Com a chegada do Outono, das primeiras chuvas e de uma friagem a despertar as alergias, inicio o meu luto do Verão. Atenuo a saudade nos arquivos da minha memória e atraco ou aterro nos lugares do sol. Deixem-me aterrar, por hoje, no Moçambique inesquecível.

Era um fim de tarde de um Março de sessenta e oito. O velho DAKOTA da DETA, com óleo a espirrar nos parafusos das asas, vindo de Nampula, fazia a aproximação a Porto Amélia, cidadezinha plantada numa escarpa sobranceira ao Índico. Desenhou um arco para apreciar a baía e, desacelerando sobre o Paquitequete, apontou ao Aeroporto, designação pomposa para um casarão ao lado (e mais ou menos a meio) de uma fita vermelha de terra batida, qual picada de capim aparado. Descemos por um escadote que me lembrou aqueles que, antigamente, se encostavam aos carros de bois para levar os almudes até às pipas. A noite caía com um pôr do sol arrebatador sobre as águas de Wimbe. Em África os dias acordam cedo e esplendorosos como um grito de felicidade e adormecem envoltos numa plangência que angustia as almas mais empedernidas. Cem anos que eu durasse nunca - mas mesmo nunca - esqueceria aqueles anoiteceres com os chiricos e os barucos silenciados pelo concerto das cigarras e uma ferida de sangue inocente a despedir-se do mundo.

Eu viera à frente, feito explorador de logística, na companhia do Pires, furriel alentejano, esfuziante e solidário, sem futurar (mos) a sua morte numa curva da Serra do Mapé, nas terras de Macomia, deixando-me, estupidificado, com o seu fio de ouro no bolso que, numa trágica premonição, me confiara. O resto da tralha e do pessoal chegaria no Pátria(*), aproveitando a sua passagem por Nacala, em rota, desde Lisboa, carregado com mais um contingente.

Foi em Porto Amélia - esqueçamos más recordações - que conheci um dos grandes Amigos da minha vida: o JAIME. Para os leitores deste semanário, a quem devotou o melhor da sua colaboração, e dos reguenses em geral, a quem prestou variados préstimos: o JAIME FERRAZ GABÃO. Labutava nos escritórios de uma empresa algodoeira - a Sagal - e como correspondente, para toda a província de Cabo Delgado, do DIÁRIO (de Lourenço Marques). Com ele reencontrei as minhas (as nossas) raízes e mutuamente nos amparamos nas saudades delas. Saído da Capital Vinhateira em busca de uma vida mais desafogada... Pertencia aos cabouqueiros de África que se misturavam com as raças e as etnias numa confraternização de que só duvidavam os que nunca tiveram a oportunidade de serem felizes naquelas paragens. Não me admirava, assim, que, mesmo com a lembrança dos socalcos, ele desejasse morrer na terra onde readquiria a dignidade, acariciado pelas manhãs claras e as noites cacimbadas.

Passamos horas, nas cadeiras da pensão Miramar, ouvindo "estórias" das savanas, bebemos cerveja no Marítimo e café no Pólo Sul derramando o olhar para o pequeno cais à espera de um dia de "S. Vapor", vimos "E o Vento Tudo Levou" no cinema-barracão, subimos e descemos as escadinhas que ligavam a parte alta à Jerônimo Romero do comércio, abriu-me a porta e sentou-me à mesa de sua casa sem horas nem lugares marcados, relacionou-me na sociedade civil e facilitou-me as páginas do seu jornal sem uma censura ou "sugestão".

Mal sabia ele que haveria de acabar os seus dias na terra que o viu nascer, obrigado ao regresso por uma descolonização exemplar, com os olhos húmidos pelas lembranças dos corais da praia dos coqueiros e dos campos de algodão.

Quando vou ao Peso(**) visitá-lo, trago comigo o seu sorriso moçambicano.

- Por M. Nogueira Borges - In Arrais de Novembro de 2003

(*) = Pátria - Navio de passageiros português da antiga Companhia Colonial de Navegação e que fazia o transporte de cargas e passageiros entre o continente europeu (Lisboa) e a costa Africana (antigas colônias de Portugal).

(**) = Peso - Parte alta da cidade de Peso da Régua. Ali se localiza o cemitério onde Jaime Ferraz Rodrigues Gabão está sepultado.

De Jaime Ferraz Rodrigues Gabão:
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012.  Atualizado em Abril de 2013. Todos os direitos reservados. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Jaime Ferraz Rodrigues Gabão partiu há 20 anos

O Jaime

Com a chegada do Outono, das primeiras chuvas e de uma friagem a despertar as alergias, inicio o meu luto do Verão. Atenuo a saudade nos arquivos da minha memória e atraco ou aterro nos lugares do sol. Deixem-me aterrar, por hoje, no Moçambique inesquecível.

Era um fim de tarde de um Março de sessenta e oito. O velho DAKOTA da DETA, com óleo a espirrar nos parafusos das asas, vindo de Nampula, fazia a aproximação a Porto Amélia, cidadezinha plantada numa escarpa sobranceira ao Índico. Desenhou um arco para apreciar a baía e, desacelerando sobre o Paquitequete, apontou ao Aeroporto, designação pomposa para um casarão ao lado (e mais ou menos a meio) de uma fita vermelha de terra batida, qual picada de capim aparado. Descemos por um escadote que me lembrou aqueles que, antigamente, se encostavam aos carros de bois para levar os almudes até às pipas. A noite caía com um pôr do sol arrebatador sobre as águas de Wimbe. Em África os dias acordam cedo e esplendorosos como um grito de felicidade e adormecem envoltos numa plangência que angustia as almas mais empedernidas. Cem anos que eu durasse nunca - mas mesmo nunca - esqueceria aqueles anoiteceres com os chiricos e os barucos silenciados pelo concerto das cigarras e uma ferida de sangue inocente a despedir-se do mundo.

Eu viera à frente, feito explorador de logística, na companhia do Pires, furriel alentejano, esfuziante e solidário, sem futurar (mos) a sua morte numa curva da Serra do Mapé, nas terras de Macomia, deixando-me, estupidificado, com o seu fio de ouro no bolso que, numa trágica premonição, me confiara. O resto da tralha e do pessoal chegaria no Pátria(*), aproveitando a sua passagem por Nacala, em rota, desde Lisboa, carregado com mais um contingente.

Foi em Porto Amélia - esqueçamos más recordações - que conheci um dos grandes Amigos da minha vida: o JAIME. Para os leitores deste semanário, a quem devotou o melhor da sua colaboração, e dos reguenses em geral, a quem prestou variados préstimos: o JAIME FERRAZ GABÃO. Labutava nos escritórios de uma empresa algodoeira - a Sagal - e como correspondente, para toda a província de Cabo Delgado, do DIÁRIO (de Lourenço Marques). Com ele reencontrei as minhas (as nossas) raízes e mutuamente nos amparamos nas saudades delas. Saído da Capital Vinhateira em busca de uma vida mais desafogada... Pertencia aos cabouqueiros de África que se misturavam com as raças e as etnias numa confraternização de que só duvidavam os que nunca tiveram a oportunidade de serem felizes naquelas paragens. Não me admirava, assim, que, mesmo com a lembrança dos socalcos, ele desejasse morrer na terra onde readquiria a dignidade, acariciado pelas manhãs claras e as noites cacimbadas.

Passamos horas, nas cadeiras da pensão Miramar, ouvindo "estórias" das savanas, bebemos cerveja no Marítimo e café no Pólo Sul derramando o olhar para o pequeno cais à espera de um dia de "S. Vapor", vimos "E o Vento Tudo Levou" no cinema-barracão, subimos e descemos as escadinhas que ligavam a parte alta à Jerônimo Romero do comércio, abriu-me a porta e sentou-me à mesa de sua casa sem horas nem lugares marcados, relacionou-me na sociedade civil e facilitou-me as páginas do seu jornal sem uma censura ou "sugestão".

Mal sabia ele que haveria de acabar os seus dias na terra que o viu nascer, obrigado ao regresso por uma descolonização exemplar, com os olhos húmidos pelas lembranças dos corais da praia dos coqueiros e dos campos de algodão.

Quando vou ao Peso(**) visitá-lo, trago comigo o seu sorriso moçambicano.

- Por M. Nogueira Borges - In Arrais de Novembro de 2003

(*) = Pátria - Navio de passageiros português da antiga Companhia Colonial de Navegação e que fazia o transporte de cargas e passageiros entre o continente europeu (Lisboa) e a costa Africana (antigas colônias de Portugal).

(**) = Peso - Parte alta da cidade de Peso da Régua. Ali se localiza o cemitério onde Jaime Ferraz Rodrigues Gabão está sepultado.

De Jaime Ferraz Rodrigues Gabão:
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012.  Todos os direitos reservados. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Banda de Música dos Bombeiros da Régua

À memória do Professor José Armindo, grande músico reguense
Festa sem música não presta, disse o escritor João de Araújo Correia na sua deliciosa crónica Música de Poiares escrita, em 1965, no Vida por Vida, antiga folha de informação dos Bombeiros da Régua, mais tarde recolhida no livro Pátria Pequena.


Aí se fica a saber que, com tristeza para o escritor, a Régua não tinha uma Banda Música. Como actualmente não tem, se virmos a Orquestra Ligeira Vale do Douro como uma extensão dos alunos da Academia de Música da Régua. A única Banda de Música que, naquele tempo, poderia ressurgir era a de Poiares, a mais antiga do concelho.


Mas, a Régua a antiga já teve uma Banda de Música. Quem o afirma é escritor se bem que de uma forma vaga e quase nebulosa. Afirma que foi o sonho fugaz de um homem, o sonho de José Correia de Magalhães, mas que morreu inglório. Não deu para vingar e servir para exemplo, o escritor anota que “subiu como um foguete e estoirou sem brilho.”


A Régua de hoje sofre do mesmo mal da Régua antiga quanto ao panorama da música. Vai havendo os ranchos folclóricos que, em nome das tradições, exibem os trajares de trabalho e festivos, tocam alguns sons e divulgam os cantares à jorna do cavador duriense. Conta-se também a Fanfarra dos Bombeiros da Régua, já com alguns anos de existência e também o já respeitável Grupo Coral de Nossa Senhora do Socorro. O primeiro é parte recreativa dos bombeiros que animas as festas da casa, nos aniversários e nos acontecimentos marcantes e, pelo verão adentro, dá colorido a muitas profanas e religiosas. Quanto ao Coro é o bom exemplo de música erudita, com solenes cânticos religiosos, cantada por vozes magníficas, que foi dirigida, até há bem pouco tempo, pelo saudoso maestro José Armindo.


A banda de música da Régua tem uma história, pequena pelo seu tempo de vida, sem sucessos para contar, nem o brilho de outras, mas que deixou o seu breve rasto ligado ao historial dos Bombeiros da Régua. Não há dúvidas que sua fundação a dever-se ao empenhamento de um homem, para nós desconhecido, o próspero e benemérito comerciante José Correia de Magalhães que, nos inícios do Séc. XX, no fim da monarquia. Foi este desconhecido cidadão e a sua dedicação de associado dos bombeiros da Régua, que o levou a baptizar de Real Banda Bombeiros Voluntários da Régua.


Da minha parte, bem gostava de poder contar-vos um pouco mais do seu historial, mas o que sei é muito pouco, não permite fazer mais revelações porque, a haver muito para desvendar, seria necessário encontrar novos documentos. Surgem da poeira do tempo apenas indícios fugidios que permitem pouco que uma confirmação da sua nascença. É o que diz o escritor reguense mais uma pequena nota, inserta no boletim Vida por Vida, baseado num esclarecimento que o leitor José Correia de Magalhães Júnior lhe fizera chegar, que aqui se transcrever na íntegra:


“A propósito do artigo Musica de Poiares, inserto no nosso último número escreveu-nos José Coreia de Magalhães, desta vila, que, em palavras amigas, apoia o ponto de vista do articulista, quanto á reorganização da única Banda de Música existente no concelho.
Passando a evocar a existência da Banda de Música da Régua, o correspondente informa que a mesma foi propriedade de seu pai, que, fazendo parte da direcção dos bombeiros, dedicou à sua Associação, dando-lhe o nome de a Banda da Real Associação dos Bombeiros Voluntários da Régua. Depois de ter conhecido dias grandes, onde os regentes eram competentes, tomou a banda como seu Mestre o falecido Sargento Pelotas, que muito bem tocava cornetim, o que lhe valeu possuir um cornetim de prata, que lhe foi oferecido pela Rainha D. Amélia; ora, pelo prazer de tocar cornetim, relegava para plano secundário todos os componentes da banda, e estes amesquinhados, começaram a desertar e daí o desaparecimento da Banda dos Bombeiros.
É, porém, com natural agrado que aqui deixamos este apontamento para recordar tempos idos da nossa terra.”


Apontamento que, em nossa opinião, vale oiro. Como oiro vale, o que escreveu António Guedes, antigo Chefe dos Bombeiros da Régua, que numas das suas crónicas no Arrais lhe fez uma breve referência. Conta nessas suas memórias outros pormenores quem não deixam de ter sua importância. Evoca a figura de um mestre da banda que, sem grande jeito e artístico, ajudou a contribuir para o fim inglório da Banda Música, desta forma: Houve uma razoável banda de música, que se designava Banda dos Bombeiros Voluntários da Régua. Teve como regente, além de outros, um maestro Neutel, que diziam ser um verdadeiro técnico nessa matéria, mas tinha o grande defeito de baralhar as fusas e semi-fusas com as verdadeiras infusas e escangalhou a futrica, pois a Banda ficou à banda e ruiu estrondosamente.” E, com um sentido de humor, descreve um episódio passado em Martinho de Mouros, onde a Banda Música, em certo ano, terá abrilhantando as festas religiosas. Quanto ao mais, apenas confirma a informação aqui contada.


O que há de novo para contar sobre esta Banda de Música está referido na notícia que publicou o jornal O Douro, em 1906. Destacava que, nesse ano, a banda se tinha formado nesse ano, por uma louvável iniciativa do benquisto comerciante José Correia de Magalhães que também pagou os instrumentos. Era composta por rapazes que estavam a receber ensaios com regularidade do mestre Neutel.  Os músicos usaram um fardamento igual ao da corporação e a sua primeira actuação pública aconteceu na festa do 26º aniversário da Associação.
Sobre a Real Banda dos Bombeiros da Régua é isto mais que sabemos e completam os testemunhos de João de Araújo Correia e o de António Guedes. Fica-se a saber um pouco mais do passado reguense, a sua sociedade civil, a prosperidade dos seus comerciantes e a importância que, então, granjeava a Associação Humanitária. O que não são as verdadeiras razões porque essa Banda de Música acabou.


Quem, um dia, se voltar a interessar pela Banda de Música dos Bombeiros da Régua, poderá saber mais. E, nos consiga dizer, qual foi a sua importância para a história da associação humanitária que, há mais de um século, participa nas principais actividades recreativas na sociedade reguense.
Texto de José Alfredo Almeida e desenhos de Mónica Baldaque
Clique nas imagens para ampliar. Texto de José Alfredo Almeida e desenhos de Mónica Baldaque. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2012. Publicado também na edição de 12 de Julho de 2012 do semanário regional "Arrais". Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Zé Pinto institucional - 2

Adérito Rodrigues

Nas linhas anteriormente expostas procurámos mostrar a dedicação de um Homem que se devotou aos outros (não se pretendeu dizer que sr. Zé Pinto fosse o maior de todos, tão somente que foi um Grande Homem), a exemplo de muitos mais, que se dedicaram e continuam a dedicar-se à causa voluntária, ajudando o seu semelhante no dia-a-dia, desde que sejam solicitados para o efeito.

Será de introduzir nesta crónica que a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, a par com a Associação dos Amigos do Hospital D. Luiz I, é uma Associação referenciada neste Ano Internacional do Voluntariado, sito na cidade do Peso da Régua, que deverá despertar as consciências para a disponibilidade e a cooperação com o seu semelhante.

Essas pessoas que labutaram em proveito direto dos seus concidadãos, foram uns genuínos Voluntários - na verdadeira aceção da palavra - marcaram-nos com seus feitos, que conservamos na memória e que nos levam a suspirar por um passado que ocorreu e que, nos dias de hoje, nem sempre se cumprem da forma que julgamos a mais adequada.

Dostoievski, no seu livro “Os Irmãos Karamazov”, diz-nos que “…não existe nada mais elevado, mais forte, são e bom para a vida do futuro que alguma boa recordação...”. É salutar não esquecermos as ligações que tivemos, não relegarmos para um plano inferior as boas lembranças que se fixaram na nossa memória, as recordações dos bons afetos. Jamais a ausência de alguém nos pode forçar a um arrasador abandono, a um esquecimento interior, a uma rejeição das emoções que nos humanizaram.

O quarteleiro Zé Pinto esteve sempre disponível para todo e qualquer ser - fosse o mais rico ou o mais necessitado -, sempre solidário e sempre generoso, mas a vida não lhe foi condescendente, ao inverter-lhe a época, pois o 25 de Abril não o bafejou, com o virar de mais uma página da nossa história, já que não lhe proporcionou os aumentos que os do ativo tiveram, vendo-se obrigado a viver com a reforma reduzida que lhe pagavam.

A vida desse nosso conterrâneo teve aspetos bem representativos e gratificantes, apesar de, por vezes, o estado de saturação o atingir, se considerarmos que as horas de trabalho não eram contabilizadas como são hoje, já que ele tinha que estar disponível, desde que alguém o chamasse.

Nas várias conversas que fomos mantendo na década de convívio que tivemos, o sr. Zé Pinto chegou a confidenciar-me que, muitas vezes, se sentia extremamente cansado com tanta correria, pois as viagens à Capital do Norte não eram nada do que são hoje, atendendo ao imenso tempo que se demorava na viagem e à constante rotatividade - ida e volta. Quem, como ele, percorreu os velhos caminhos que nos levavam à cidade do Porto, tem plena certeza de que essas viagens fatigavam qualquer pessoa, mesmo que fosse um “bom acelera”. Era um tempo longo que se perdia na estrada, com curvas e contra-curvas e o inconveniente de termos que atravessar lugarejos, aldeias ou cidades.

Sei, também, que o nosso Amigo Zé Pinto, para colmatar essa situação de cansaço, diversas vezes, levava o filho mais novo, o Quim, para o substituir na condução da ambulância, no regresso, a fim de poder descansar um pouco durante a viagem.

Tempos impensáveis e não aplicáveis nos dias de hoje, onde impera um horário de trabalho e as condições são muitíssimo mais benévolas do que as de outrora.

Nos quarenta anos de trabalho nos Bombeiros teve noites que ainda vinha a caminho e já estava o telefone a tocar, para que fosse outra vez ao Porto e quem atendia o telefone era a Dª Antónia, pela ausência do quarteleiro. Outras vezes estava ele a acabar de se deitar e tocava o telefone para ir levar um doente. Foi uma vida de muito sacrifício e em que a Dª Antónia também cooperou nessa azáfama.

A canseira que o casal foi tendo pelos tempos fora, não se ficou só por aqui, também tinham um orgulho enorme no Quartel dos Bombeiros e tudo faziam para que o aspeto fosse o mais deslumbrante e apresentável possível. Era comum as pessoas quererem visitar as instalações e as viaturas nas Festas do Socorro e o casal Melo tinha orgulho em mostrar o quartel, pelo que “limpavam os capacetes, ficava tudo a reluzir, todos limpinhos, e a minha sogra andava de joelhos a encerar a casa toda. As pessoas ficavam encantadas com a limpeza do quartel. O meu sogro tinha muita vaidade nisso”.

No dia 16 de Agosto, dia grande das Festas em honra da Nª Srª do Socorro, aquando do regresso da procissão e “a Nª. Srª. vinha para cima, da Capela do Asilo das Crianças para o Peso, só quando saía o último bombeiro é que ele ia comer, apesar dos apelos constantes da mulher para ir comer”.

Se o casal tinha vaidade em ter as instalações devidamente limpas e arrumadas, também o sr. Zé Pinto não deixava de ter um enorme orgulho na limpeza das viaturas, poderemos dizer até que, talvez, uma certa obsessão, pois, no dizer da nora, era de um cuidado extremo. Eis as palavras que o definem:

O meu sogro tinha aquela coisa com ele, não confiava a maca a ninguém. Ele é que a conduzia e não metia um carro dentro do quartel sem ser lavado. Sempre tudo lavado! Não descansava! Estava a gente, muitas vezes, à espera para comer e ele, sem lavar a ambulância, não descansava. Tinha uma paixão muito grande pela Associação, pelos Bombeiros, pelas viaturas e gostava de ter tudo arrumadinho, tudo no respetivo lugar.

A vida desgastante que o quarteleiro viveu, também lhe apresentou alguns casos engraçados e que ele próprio lembrava e comentava, achando-lhes alguma graça.

Naquele tempo, os bombeiros faziam o transporte dos doentes na ambulância, mas também dos mortos, quando os enfermos se finavam nos hospitais. Uma das situações que o sr. Zé Pinto vivenciou tem a ver com uma viagem a Valdigem, a fim de levar um doente falecido. A viúva (o homem já estava morto), uma senhora do povo, quase ao chegar à localidade, pediu-lhe:

“- Óh senhor, toque muito, toque muito, para saberem que vai aqui o meu marido”.

Pretendia a pobre viúva que o bombeiro tocasse a sirene da ambulância, mas qual a intenção concreta, ninguém o saberá, a não ser que queria que soubessem que o morto ia ali. Acho a situação um pouco macabra...

O Sr. Zé Pinto explicou aos seus familiares a situação que viveu e dizia que dentro da infelicidade a que foi chamado, levar um morto, dava-lhe agora o riso pela situação que viveu. A senhora queria que soubessem que ia ali o marido morto!

Ainda no cumprimento da sua missão, referirei um outro episódio em que o sr. Zé Pinto se viu envolvido no cumprimento do seu dever. Ao transportar uma senhora grávida para o hospital, a paciente apresentou sinais de ter que dar à luz num momento inesperado. Como a senhora manifestava todos os sinais de ter começado em trabalho de parto, não havia outra solução que não a de o parto ser na ambulância. O bebé acabou por nascer dentro da ambulância e foi o “nosso” quarteleiro quem assistiu a senhora, mais um bombeiro que ia com ele. Após a situação ter ficado resolvida, quiseram os pais da criança que o Bombeiro Zé Pinto fosse o padrinho da criança.

Aproveito para narrar um relato ocorrido no edifício dos Bombeiros. Havia um senhor, de nome Viana, um homem engraçado e divertido, que ia trabalhar/ajudar os Bombeiros. Ele não era bombeiro, mas ia auxiliar na limpeza dos capacetes e das botas, num lugarzinho lá atrás, onde arranjavam tudo.

Há, contudo, uma história com esse tal Viana, deveras surpreendente, que a Dª Glória Vieira (nora do sr. Zé Pinto) me contou.

- “Um dia deram um peru ao meu sogro e ele chamou o Viana. Deu-lhe uma garrafa com bagaço e pediu-lhe que embebedasse o peru com o bagaço, para depois se matar. Aquilo é que foi. Bebeu ele a aguardente e cortou a cabeça ao bicho com o machado dum bombeiro. Em vez de embebedar o peru, embebedou-se ele e o peru nunca mais morria”.

- Ah desgraçado, o que tu fizeste” – disse-lhe o quarteleiro.

Como se pode ver por estas pequenas narrativas a vida de bombeiro não era só sacrifício, também tinha algumas cenas engraçadas, que acabavam por amenizar a árdua tarefa que lhes era investida.

Será de referir, já que se fala em comida, que a Dª Antónia era uma mestra na cozinha e, segundo a opinião de alguns, esta senhora fazia uns petiscos muito afamados, assim se pronunciam alguns, que na altura eram frequentadores do bar dos Bombeiros.

Fecho esta série de crónicas, onde foi referido o quarteleiro Zé Pinto, mencionando a atribuição da medalha de mérito e sacrifício (foto 1 ), no ano de 1970, que a Direção de então lhe atribuíra, quando ele já tinha mais de trinta anos dedicados à causa do voluntariado da Associação Humanitária dos Bombeiros desta cidade. Os responsáveis de então entenderam conceder-lhe essa condecoração pelos feitos realizados, e quem lhe fez a imposição da medalha foi o também saudoso Joaquim Lopes, pai do Ângelo Maria, meu amigo e colega no Liceu de Lamego (foto 2).

Procurei relembrar a vida dum Homem, que, muito embora tivesse ficado no anonimato, mostrou-nos uma faceta de dignidade e competência. Que Deus o mantenha na Sua Paz.


O ZÉ PINTO institucional - 2
Jornal "O Arrais", quinta-Feira, 22 de Setembro de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)


Imagens e texto cedidos por Dr. José Alfredo Almeida em Setembro de 2011 para Escritos do Douro. Edição de J. L. Gabão. Clique nas imagens acima para ampliar.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Recordação da passagem por Coimbra

(Clique na imagem para ampliar)

Recuamos 45 anos no tempo, para voltarmos a passar pelo Largo da Portagem, junto ao rio Mondego, em Coimbra, no magnifico Chevrolet, acompanhados pelos mesmos garbosos bombeiros – alguns felizmente vivos e boa saúde como o Laurindo Lemos, o Armindo Pinto e o Lafayete - para uma paragem de descanso, numa viagem que, em 2 de Junho de 1964, tinha como destino o regresso de Évora à Régua.

No caminho pelas ruas da baixa coimbrã voltamos a ter a sorte de cruzarmos com o velho fotógrafo António Teixeira. E ainda bem! Esse encontro permite-nos conversar sobre as boémias dos estudantes, as capas negras, as queimas das fitas e os fados e as serenatas ao luar. Uma conversa sem fim….para recordar o tempo passado. Emocionado com aquelas fardas azuis, que sempre o apaixonaram, o simpático fotógrafo percebeu que, naquele dia, estava viver um momento invulgar.

Os bombeiros da Régua eram personagens diferentes que mudavam o sentido e às suas vivências citadinas. Aqueles homens eram diferentes de todos que já tinha captado em imagens pela sua antiga máquina fotográfica. Ele, podia agora, juntar-se ao lado deles, próximo do carro de fogo, e fazer o retrato que tanto desejava, como se fosse também um desses briosos bombeiros. Era aquela passagem, sua oportunidade de entrar ainda a tempo no imaginário desse maravilhoso mundo, que o fazia sonhar desde os tempos de infância. E, de nesse momento, fugir ao efémero da vida e de conquistar a sua notoriedade, ao lado dos bombeiros, impecavelmente vestido no seu melhor fato. Se calhar, até a própria imortalidade nos arquivos e nas nossas memórias.

Essa passagem por Coimbra é um momento marcante na vida desse grupo de bombeiros. A viagem para Évora era uma espécie de prémio pelo seu empenhamento e dedicação ao voluntariado. Esses homens fizeram parte da história de um grande acontecimento para os destinos dos bombeiros. É o que dizem, nas costas do retrato, as palavras dactilografadas numa antiga Remington do fotógrafo: “Recordação da passagem por Coimbra dos Bombeiros Voluntários da Régua, no regresso de Évora, onde foram tomar parte no CONGRESSO DOS BOMBEIROS PORTUGUESES”.

Nesses tempos da década de 60, as distâncias que separavam a então vila do Peso da Régua e a cidade de Coimbra eram muito maiores e, então para Évora, já nem falava. Mesmo assim, os bombeiros da Régua marcaram uma forte presença no 16.º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses, realizado nessa cidade alentejana, entre 27 a 31 de Maio de 1964.

Desde então, as acessibilidades rodoviárias do país melhoram muito com a construção de melhores vias de comunicação. O mesmo aconteceu com nos equipamentos e carros dos corpos de bombeiros e com a gestão associativa. As velhas estradas nacionais a percorrer entre o norte e o sul pareciam nunca ter fim. Ir de carro do interior até ao litoral e ao sul era uma aventura para longas horas de jornada, quando não fosse um dia inteiro, que tinham paragens obrigatórias no caminho para almoçar bem, descansar e, em dias de azares, mudar os furos nos pneus, e outras peripécias divertidas que ajudavam a passar o tempo. A cidade dos estudantes era, nesse tempo, um lugar de passagem – e, muitas vezes, de paragem - para o trânsito rodoviário que circulava para o sul ou para o norte. Como foi o caso dos bombeiros da Régua que, em 1964, viajam de Évora, no carro de fogo, que é conhecido com o nome de “Nevoeiro”.

Confesso que gosto muito desta fotografia, a observo vezes sem conta, comovido com o exemplo desses bombeiros, que marcaram uma época de glórias…e nos deram o melhor de si, num tempo em que tudo era mais difícil de conseguir. Recorda-los hoje, é um acto de eterna gratidão. Eles são uma memória futura do que é o verdadeiro voluntariado. Eles dizem-nos, com a sua humildade espelhada nos seus rostos, que o voluntariado tem uma dimensão social, humana e fraterna.

Em homenagem a estes generosos homens, recordamos a crónica “Os meus Bombeiros” do Dr. Camilo de Araújo Correia – Presidente da Direcção da AHBVPR em 1964/65 – publicada no jornal “O Arrais”, em 6 de Dezembro de 1990, onde nos conta deliciosas memórias dos bombeiros do seu tempo….em que o Justino fazia as suas divertidas graças:

“Quem já fez uma dezena de anos, ao assistir a estas festas centradas nas magníficas instalações dos nossos bombeiros, não pode deixar de recordar o velho e minúsculo quartel do Cimo da Régua. Velho, modesto e pequeno, mas muito querido dos seus frequentadores e visitantes fortuitos, sem falar do rapazio, incapaz de passar adiante sem se deslumbrar como o pronto -socorro de cadeirinhas e com a ambulância, uma caranguejola esquinuda, de um branco duvidoso e conforto ainda mais duvidosos…Os carros entravam à justa na porta estreita, sempre com grande vozearia de indicações e avisos.

O quarto do Zé Pinto, o quarteleiro, era também minúsculo e abria para o parque automóvel. Deste se passava à sala de jogos, por dois degraus. O quartel acabava aqui, se não contarmos uma pequena cozinha lá no fundo. Cozinhava ali a senhora Antoninha, esposa do Zé Pinto, ainda hoje inconformada viúva, e ele próprio preparava os petiscos que os jogadores da noite lhe pediam.

Jogava-se um bilhar muito gozado, um dominó muito batido e umas cartas muito lambidas.

Havia, ainda uma estante de livros sonolentos, perturbados, muito de longe em longe, por esporádico leitor.

As formaturas só se desfaziam no quartel, à medida que iam entrando. De maneira que a porta estreita oferecia grandes dificuldades para manter o aprumo. As maiores dificuldades eram as do Justino, garboso porta-bandeira de muitos anos. Garboso, mas desastrado…De rígida marcialidade, esquecia muita vezes o globo da entrada: aquele globo de luz melancólica marcada por uma cruzinha vermelha. A rigidez do corpo e do gesto não lhe permita baixar suficientemente a bandeira. Zás!...mais um globo. De nada valiam os avisos mais próximos, feitos, disfarçadamente, pelo canto da boca: - Ó Justino…Ó Justino…olha o globo! Bumba!...mais um.

Até que um dia o Justino, muito infeliz, propôs que se arranjasse um globo de lata.

Coitado do Justino. Já lá está, nem sei há quantos anos.

Não pôde levar a sua querida bandeira dos Bombeiros da Régua. Ainda bem. Eu sei lá, se com o vagar da Eternidade, nos andaria a quebrar as estrelas, uma a uma”.

Tem toda a razão, Dr. Camilo… esse nosso Justino não era nada de confiar! Com um bombeiro da Régua assim distraído no quartel da eternidade, uma sua passagem mais descuidada pelo estrelado firmamento duriense, era motivo para nos tirar a luz cintilante das nossas maravilhosas noites de verão, à beira das margens e socalcos do rio Douro. Mas, no imenso infinito, o bombeiro Justino – e, como ele, tanto outros - continua ainda dar sentido e humanidade à nossa existência e a fazer acreditar-nos que, a vida cá na terra, pode ser mais que do que uma simples passagem… na vida.

Como aquela passagem por Coimbra que, pelo retrato do fotógrafo António Teixeira, será recordada com saudades, num regresso ao futuro, como uma viagem inesquecível para aquele grupo de bombeiros da Régua.

Ao contrário do que se diz, há lugares em que devemos voltar, sempre...nem que seja, outra vez, de passagem! - Peso da Régua, Setembro de 2009, José Alfrefo Almeida.

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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

MEMÓRIA DOS NOSSOS BOMBEIROS

M. Nogueira Borges

Era uma vez uma criança nascida no ano em que dois dos maiores ditadores  da História se digladiavam nas estepes de Estalinegrado. Um ano em que se misturaram cobardia e coragem, traição e patriotismo, loucura e heroicidade. A sua  inocência não compreendia as aflições dos adultos nem o racionamento que o Avô impunha ao azeite para as jardas fritas.  Cresceu a ver os montes amarelecerem no Outono e reverdecerem na Primavera; os homens a subi-los e a descê-los alagados em suor e em cansaço. Era o tempo em que  se um pobre comia galinha ou estava esta ou ele doentes. A fome zunia pelos caminhos e pelos quelhos percorridos pelos pés descalços. Comiam-se azedas e amoras silvestres, figos lampos ou uvas ainda verdes roubadas nas estremas. A natureza enchia-se de signos que possuíam a maravilhosa simplicidade da criação. Os Verões secavam as terras e engorduravam as gentes, as sombras das folhas ou dos alpendres serenavam as sestas. Amavam-se os calços, mas vivia-se sem pressas; o ar rarefeito de uma indefinível felicidade, como se não se pertencesse a nenhum lugar, a relação entre o mundo e os outros fosse uma extensão do olhar. Os melros cruzavam voos e melodiavam nos bardos sem receios de caçadeiras; um rouxinol cantava, no abrandar do calor, para os lados do Fontão.  A paisagem surgia-lhe no olhar e  absorvia-a  com o sangue e o cérebro. Ignorante, praticava, inconscientemente, o velho princípio de que a humanidade cumpre-se no entendimento da terra e do ar.

Do alto de São Pedro via o rio a desenhar a curva do Salgueiral, e do lado de lá, em Riobom, no  Côto, os Avós paternos tentavam esquecer mortes roubadas na flor da idade. A Vila era a sua cidade, com carros para cá e para lá, sinaleiros de luvas brancas a abrir-lhes o caminho, lojas de cornetas de barro, harmónicas fado português, bombos, carros de bois e camionetas de madeira ; os balcões onde se apreçavam os tecidos para os vestidos das festas e as agências bancárias cujas portas se abriam ou fechavam para  poupanças ou necessidades.

A criança cresceu assim entre o alto de São Gonçalo e o Largo dos Aviadores quando o Avô que a criava decidia não esperar pela carreira e pedia ao Palhinhas que os levasse a casa.

Na hora em que, da Cumieira, a carrinha do Sousa trazia a boroa, e as mulheres com os filhos ao colo ou de canecos á cabeça corriam para a loja, ouvia no Rádio Alto Douro os discos pedidos para «os olhos castanhos do meu amor» ou para a «paixão da minha vida». Quando o sol, em Avões, dizia até amanhã, ajudava o Xico na rega da horta e molhava os espantalhos que estavam « todos aganados». No caminho da Senhora da Graça, a Margarida cantava Mariana lá da serra/Não saias da tua terra/Para seres americana/Ó tirana se és tão bela/Deixa o marujo ir á vela/Tem cautela Mariana. Estavam ainda distantes os anos da Memória: o tempo entre o que nos precede no entendimento e o que nos resta na recordação; a equação entre o que fomos e o que somos, que ninguém morre quando a sua lembrança permanece.

Com muita vida ainda para viver, mar para navegar e continentes para conhecer, adolescente à espera dos primeiros pêlos, percebeu rápido que nunca recuperaria  de um trauma de infância, como ferro em brasa no corpo e na alma; uma  marca de identidade, uma mancha inapagável, uma sombra vitalícia na história da sua existência.

Foi, pelo Caminho Velho abaixo, na companhia do Alberto, cortar o primeiro cabelo no fundo de Medreiros, matou a sede no jacto do jardim diante da Câmara, andou nos carrinhos da Alameda com o Socorro à porta, e espantou-se diante do quartel dos Bombeiros. Nunca mais esqueceu essa imagem.

Era novo e cheio de ilusão. Temia que as estrelas cadentes, nas noites de Agosto, incendiassem os  silvedos e os morouços, onde os caçadores, nas tardes de caça outonais, metiam os furões, e os homens dos capacetes dourados tivessem que vir no «descapotável vermelho» apagar as chamas vindas do céu.
Sim, era novo e inocente. Ignorava que os ossos do País estavam estampados nos olhos que se espiavam, nos silêncios repentinos que se faziam nas mesas de café, nos tarrafais escondidos da Pátria, nas lágrimas das casas esventradas, nos homens e mulheres perseguidos por não estenderem os braços ou recusarem os seus ideais.

Sim. Era novo e ingénuo. Sonhava com os olhos da Marisol; com a voz do Joselito; não gostava que a Mãe cantasse o Ai Mouraria da Amália, parecia-lhe que chorava, e adormecia com os cães a desafiarem-se nos portões, os bufos dos gatos esbaforidos pelas ruelas e uma coruja no Cume a ecoar presságios.

Foi no Avenida que viu Sissi a  Jovem Imperatriz, e dedicou  o seu primeiro amor casto à Romy Schneider... Mais tarde, no Salão dos Bombeiros, no Baile das Vindimas, dançou o twist e corou como um tomate por trocar os passos do tango…  Era um tempo de sonho e aventura,  sedução e prazer; um tempo que lhe dava todo o tempo, que soprava sobre ele pelo estreito funil que ia do presente até ao futuro; ainda não tinha passado e vivia a dimensão das suas horas.

Essa criança cresceu e agora envelhece – sou eu…

Por escolha ou imposição sempre andei longe da nascença, recuperando-a, amiúde ou esparsamente, conforme a distância do chamamento. Passava, e passo, muitas vezes junto dos nossos Bombeiros, mas jamais esqueci uma sua IMAGEM: o Senhor Zé Pinto à porta do Quartel, encostado, com um pé no estribo, a um carro, um cigarro na mão. Mais tarde cumprimentei-o, ali para os lados de Godim, onde me deslocava para visitar queridos amigos conhecidos na minha comissão militar em África. Nunca fui das suas relações. O meu conhecimento com ele, contudo, foi total.

Explico:

Acho que todos, na vida, nos cruzamos com pessoas de quem não gostamos: uma cara de petulância, um ar de bolsa farta, um olhar de cima a espezinhar os outros, um falar de vaidade insuportável, que repele qualquer vontade de contacto. Há casos em que nos enganamos, é certo, e o gelo transforma-se na reciprocidade da empatia, mas há fotografias que nenhum negativo consegue alterar em segundas provas. O Senhor Zé Pinto tinha a postura garbosa por pertencer aos Bombeiros; o orgulho de ser útil, num sorriso de cativante modéstia, que é sempre a marca das almas generosas; cativava o olhar e fomentava a simpatia dos passantes; tinha um rosto de bom carácter na honradez do fato macaco.
Eu falo assim porque o mundo está cheio de basófias,  ingratos que esquecem a prosperidade que conseguiram à custa dos assalariados e do sistema que os defende, e, agora, têm o descarinho intolerável de escarnecerem de uma sociedade em estado de necessidade, que vai buscar sempre aos mesmos os sacrifícios da salvação.

Muitos honestos e simples tiveram, têm e terão os Bombeiros da nossa e de todas as terras. Homens que por um pedaço de nada arriscam a orfandade e a viuvez de quem fica. Sujeitos à traição numa qualquer Serra, numa curva de estrada, num morro inacessível, num cavado sem fuga, numa casa em labaredas, numa dedicação de fraternidade. Pessoas destas não gananciam milhões, são felizes na ajuda, não vêm em nenhuma lista da FORBES, não precisam de fingir solidariedades – ELES SÃO A VERDADEIRA HUMANIDADE. Não fingem à pobreza – combatem-na; não se desculpam com a escassez de meios – suplantam-nos; não se encolhem no perigo – dominam-no; não se esquecem dos que morrem – choram-nos; não se assustam perante o cordão umbilical – erguem a vida; não se importam do esquecimento – deixam escrito o exemplo.
Numa altura em que, nesta cidade, se vai realizar um Congresso de Bombeiros, saibamos lembrar todos aqueles que se bateram com alma e suor, raiva e generosidade em defesa da comunidade.

Na pessoa do dr. José Alfredo Almeida, rato de biblioteca na procura de tudo que respeita à Corporação a que preside, numa dádiva que chega a comover pela raridade nestes tempos de egoísmo, que alia a cultura ao entusiasmo da partilha, e que, sorrindo às dificuldades, se abalançou, em parceria com a editora Mosaico, na escrita de um livro para este acontecimento nacional, o meu brado de admiração.

É bem verdade que as grandes heranças são os gestos que não se esquecem, as obras que se deixam nos alicerces da eternidade, os sorrisos de carinho e os olhares de amor. Recordei-me de tudo o que deixo escrito ao ver uma foto antiga em que está o SENHOR ZÉ PINTO.  Há seres humanos que são parte da iconografia de uma sociedade e de uma geração. ELE É-O.
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Memória dos nossos Bombeiros
Jornal "O Arrais", quinta-Feira, 8 de Setembro de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)

- Texto de autoria de M. Nogueira Borges. Imagens e texto cedidos por Dr. José Alfredo Almeida em Setembro de 2011 para Escritos do Douro. Edição de J. L. Gabão com a anuência simultânea de M. Nogueira Borges. Clique nas imagens acima para ampliar.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Anos 30 - A Régua que ainda não se perdeu de vez...

Postal ilustrado que mostra a Avenida João Franco nos anos 30 desenhando uma Régua que ainda não se perdeu de vez e sabe encontrar-se com a beleza e a poesia do seu rio.

A importante Avenida João Franco é uma autentica varanda para o cais da Régua e para a bacia do rio Douro, sulcada em tempos pelos famosos "barcos rabelo" que ali vinham carregar  as pipas de vinho de Porto destinadas aos armazéns de Gaia.

A Avenida João Franco (de ontem e de hoje) é o lugar mais procurado para apanhar a frescura nas quentes noites do verão da Régua e, nos dias das festas em honra de Nossa Senhora do Socorro, para ver os arraiais com fogos de artificio.

Nesta avenida se situavam os armazéns da Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro, hoje transformados em moderno espaço cultural da região, da vinha e do seu famoso  vinho do Porto: o MUSEU DO DOURO!

Mas, a avenida João Franco dos ano 30 tem muita poesia. É mais calma e, quem sabe, tem  mais silêncios, personalidade e história que a de hoje.

Clique na imagem para ampliar e ver melhor a avenida João Franco dos anos 30.
- Texto e imagens sugeridos por J. A. Almeida - Régua,  em Fevereiro de 2010.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O Coreto da Régua e o meu primeiro amor

(Clique na imagem para ampliar)

Um velho postal dos correios... que serviu a alguém, por certo a uma turista acidental na então vila da Régua, num quente dia de verão de Agosto, para dar noticias à família ou a uma amiga do coração e lhes mostrar uma pérola preciosa do lugar onde tinha passado, neste nosso bonito coreto que se encontrava escondido no meio de árvores de um espectacular jardim.

Um postal que nos trouxe recordações dos quinze anos, quando nessa altura escutavamos as marchas das bandas de música, nos dias que antecediam as grandiosos festas de N. Senhora do Socorro.

O velho coreto.... perdeu-se na nossa memória. Como se perdeu ali nos bancos de madeira verde daquele jardim, o nosso primeiro amor de adolescentes, a ternura das emoções, as promessas eternas e a emoção dos beijos que ali roubamos à rapariga dos nossos sonhos, debaixo da sombra dos grande plátanos e com o cheiro das hortênsias e a frescura da água que caía na taça.

Como este nosso velho amor, que nem o nome lembro, o coreto fez parte de um momento das nossas vivas...

Que raio de saudades tenho desse tempo em que o coreto era parte da nossa cidade. E do meu amor...!

Tenho a certeza absoluta que, um dia, os encontrarei num novo jardim... Alexandre Herculano!

- Peso da Régua, Setembro de 2009 :: Por J. A. Almeida para "Escritos do Douro".

(Clique na imagem para ampliar)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

UM CORETO QUE É DA RÉGUA (em festa) !

Palavra que estou feliz. E acredito que a "Régua em Peso" também, perante tanta MEMÓRIA devolvida aos livros do TEMPO, das RECORDAÇÕES e à HISTÓRIA da bela PESO DA RÉGUA! Parabéns Cidade!
FESTAS DA NOSSA SENHORA DO SOCORRO - 14 de Agosto de 2013 | 21H30 - Concerto da "BANDA DE POIARES" | CORETO DA IGREJA MATRIZ.
  • A "epopeia" ao longo o tempo, do CORETO DO JARDIM ALEXANDRE HERCULANO neste BLOGUE.
  • A "epopeia" ao longo do tempo, do CORETO DO JARDIM ALEXANDRE HERCULANO no GOOGLE.
Clique nas imagens para ampliar.Texto, imagens e edição de J L Gabão em Agosto de 2013 para o blogue 'Escritos do Douro'. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.