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domingo, 24 de novembro de 2013

GERIR O NOSSO TEMPO…

As iniciativas designadas de “projetos que fazemos para a nossa vida” são abundantes, mas nem sempre realizáveis. No quadro lógico, o relacionamento assume maior relevo comparativamente aos elementos isolados e, se bem aplicado, reforça a amizade, e o trabalho produzido a bem de uma causa torna-se mais profícuo, reforçando a legitimidade daquilo para que somos eleitos.

Os projetos são intervenções que devem ser capazes de atestar coerência. Tal é conseguido se não se afastarem daquele que é, ou se assume que deva ser, o fundamento da sua existência, a concretização de um sonho que alimentamos desde criança.Tal situação estimula a seletividade dos nossos pensamentos e torna a avaliação das nossas iniciativas como um fator importante para o desenvolvimento das nossas capacidades.

Numa perspetiva prática para desenvolver um trabalho, não importa ter muitas ideias. Importa ter ideias e capacidade de concretização. Não chega saber-se aquilo que se quer. É fundamental transmitir isso aos outros.

Tive a felicidade de servir em várias causas. Eleito para a Direção do Sport Clube da Régua, desempenhei vários cargos durante anos. Fiz parte de algumas Comissões de Festas de N. S.ª do Socorro. Durante quatro anos exerci o cargo de vereador do Município da nossa terra, tendo, nessa altura, proposto que fosse dado o nome a uma rua do malogrado Bombeiro que morreu tragicamente no incêndio da Casa Viúva Lopes, João Figueiredo, mais conhecido por João dos Óculos, proposta que foi aprovada por unanimidade, estando essa rua localizada no Bairro de N. S.ª do Socorro. Atualmente faço parte da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia. Por fim, quero falar daquilo que não foi a última causa que servi, mas aquela que me marcou mais – fazer parte da Direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua durante cerca de quinze anos, sempre como primeiro secretário. E digo isto porque, no momento em que o Senhor Doutor Aires Querubim teve que deixar o cargo de Presidente da Direção por ter assumido o de Governador Civil, foi-me proposto pelos meus colegas que o substituísse, o que não aceitei por entender que as minhas aptidões estavam mais viradas para aquilo que desempenhava.

Participei e trabalhei na concretização de vários projetos, sendo que os de maior relevância foram o alargamento do Quartel e a construção do Bairro. Empenhei-me, não só eu, mas também todos os meus colegas de Direção, para que um sonho antigo que já vinha de alguns anos atrás – o bairro – se tornasse numa realidade. Não posso esquecer o momento em que, tendo o Senhor Doutor Aires Querubim sido nomeado para o cargo que exerceu brilhantemente como Governador Civil, lhe pedi para interceder junto do Fundo do Fomento da Habitação para o desbloqueamento do projeto, o que fez com todo o entusiasmo e competência e, assim, tornou realizável aquilo que já se vinha arrastando há longo tempo, anterior mesmo às Direções de que fiz parte. Foi com muita emoção que assinei o contrato para a sua construção.

Também um momento alto na minha passagem pela Direção dos nossos Bombeiros foi aquele em que, com muito entusiasmo e crença, consegui, juntamente com o saudoso Comandante Senhor Cardoso, como eu o tratava, trazer para a nossa terra a realização de um Congresso no ano do centenário da nossa Associação.

Foi um momento alto que vivi aquando da votação para a realização de tão importante e apetecido evento, já que havia outras Corporações interessadas, entre as quais a do Porto, mas foi escolhida a do Peso da Régua. Houve, na altura, quem duvidasse da nossa capacidade, pois era entendimento de alguns que a nossa terra não possuía estruturas capazes de albergar mais de um milhar de participantes, entre Bombeiros com farda e sem farda. É certo que na altura não possuíamos hotéis ou residenciais, tanto aqui como nas redondezas, capazes de albergar tamanho número de participantes.

Mas, como “querer é poder”, conseguimos, com a ajuda de muitos reguenses, que receberam em suas casas alguns elementos diretivos das corporações de quase todo o país, dos Seminários de Godim e de Poiares e de um salão da Real Companhia Velha, onde foram colocados colchões insufláveis que nos foram cedidos pelo Regimento Militar de Lamego, alojar centenas de Bombeiros que vieram no dia anterior ao do encerramento. Tivemos, ainda, a cedência do pavilhão, que na altura ainda estava em final de construção, da Escola João de Araújo Correia, onde foi servido um jantar a todos quantos nos honraram com a sua vinda e foram mais de um milhar.

A abertura do Congresso, que teve lugar no Cine-Teatro Avenida, foi presidida pelo então Ministro da Administração Interna, Eng.º  Eurico de Melo, e ao seu encerramento assistiu o Senhor Presidente da República, General Ramalho Eanes, com um almoço no salão Nobre da Casa do Douro.

Foram momentos que jamais esquecerei, aqueles que vivi naquele dia ao ver desfilar na minha terra centenas de Bombeiros e dezenas de viaturas!

Foi com muito orgulho que, em ambos os momentos, assumi as honras da Casa, por ausência inesperada do então Presidente da Direção, Senhor António Bernardo Pereira. Jamais esquecerei o que, em dada altura, me perguntou o então Presidenta da Liga dos Bombeiros Portugueses, Padre Vítor Melícias, se eu ainda sabia onde ficava o Norte e o Sul do País.

Estive presente em vários Congressos, deslocando-me sempre em representação da Direção e na companhia do nosso tão querido e saudoso Comandante, Carlos Cardoso dos Santos, tais como em Aveiro, Estoril, Guarda, Viana do Castelo e Viseu, mas, como é natural, aquele de que guardo as melhores recordações, é do nosso, feito com muito trabalho e sacrifício de toda a Direção, mas também de vários reguenses e de elementos de outras corporações do distrito que connosco tiveram a amabilidade de colaborar, excetuando-se a de Mesão Frio, que não concordou com a nossa eleição.

Não poderei esquecer, ainda, a colaboração que tivemos do nosso Município, presidido pelo saudoso Professor Renato Aguiar, do qual obtivemos grandes ajudas, inclusive a de fazer coincidir com o Congresso a realização da Feira do Douro, que tanto o abrilhantou.

Sempre me empenhei, com a colaboração de todos os meus colegas de Direção, entre os quais destaco o incansável trabalho desempenhado pelo nosso Tesoureiro, Senhor Heitor Gama, por fazer o melhor que sabia e podia para o engrandecimento e bem-estar dos nossos Bombeiros e da nossa Associação, citando a criação da Fanfarra e a realização das Festas de Natal. Para fazer face às despesas com tais realizações e ainda quando era necessário adquirir uma viatura, lá íamos percorrer todas as freguesias do nosso concelho, levando a cabo peditórios para a recolha de fundos. Sempre fomos recebidos com o maior carinho e boa-vontade, acompanhados pelo Corpo Ativo, que, juntamente com a Direção e o Comando, sempre quis colaborar.

Fui responsável pela saída dos últimos números do jornal Vida por Vida, interrompida pelos seus custos, que se tornaram difíceis de suportar pela Associação.

Por fim, recordo duas situações que vivi, nas quais desempenhei o trabalho de um bombeiro com farda. A primeira foi quando fomos chamados para a extinção de um fogo na Quinta do Castelo, em Medrões. Na falta do Comandante e de Bombeiros que se encontravam em serviço em Moura Morta, tive que conduzir uma viatura transportando para o local, com autorização do Comandante, material e alguns homens que foram desempenhando funções, aos quais se juntaram depois os seus colegas vindos do local onde se encontravam.

O outro foi quando trabalhava na secretaria desempenhando funções que me estavam adstritas. Atendi um telefonema em que era pedida uma ambulância para transportar um acidentado em estado grave em Vilarinho dos Freires. Havia viatura, mas faltava quem a conduzisse. Imediatamente interrompi o que estava a fazer para ir socorrer quem dos Bombeiros necessitava.

E foi assim que passei dos melhores momentos da minha vida, servindo com amor, carinho e abnegação as causas que abracei desinteressadamente.
- Manuel Montezinho. Actualizado em Novembro de 2013

Clique na imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2013. Actualizado em Novembro de 2013. Texto e imagem cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

SER BOMBEIRO

Ser bombeiro. Eis o sonho de qualquer rapaz, pelo menos do tempo dos meus verdes anos. Guiar camiões também não era desejo ausente nas nossas cabeças de imaginação sem limites e de vidas imaginadas como eternas, mas ser bombeiro é que era.    

O aperalto das fardas e o reluzir dos capacetes eram de todo o encanto. Mas o toque da sirene, o rodopio aflito dos homens que impulsivamente obedeciam ao seu som e o estridente arranque dos carros em direcção à adivinhada tragédia faziam brotar a certeza absoluta de que um dia podiam contar connosco.

Ir-se para bombeiro era, ao fim de contas, concretizar-se em adulto algo que em criança se desejou. Bastava que, com o devir os anos, a flor do querer nascida na imaginação não fenecesse por falta de alimento, ou porque outros anseios lhe ocuparam entretanto o lugar.

Do conjunto destes sonhos e destas capacidades de imaginação, entrelaçados com a vontade de servir quem a dado momento mais necessita, nasceram as associações humanitárias destinadas ao valor supremo da solidariedade, inequivocamente o sentimento que diferencia os homens dos restantes seres vivos deste nosso planeta azul.

Foi o caso da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, em boa hora surgida no já longínquo dia 28 de Novembro de 1880. Era então a vila, seu berço, uma das mais luzidias de todo o interior de Portugal, mercê das suas potencialidades naturais e do labor dos seus habitantes, homens de visão e de forte empenhamento empresarial e cívico.

Foi, sem sombra de dúvida, um acontecimento marcante na vida de todos nós, quer na dos que nos antecederam, quer na dos que nos seguirão num tempo que não viveremos, mas que nos compete garantir.

Não testemunhei em presença, como é óbvio, os momentos do nascimento da corporação dos bombeiros da Régua. No entanto, quase consigo imaginar as horas, os dias, e os meses em que se pensou e se preparou tão feliz acontecimento. Tive o gosto e o privilégio de rebuscar documentos que singelamente organizei de forma a lhe dar alinhamento em livro, e bem sei das canseiras que então se viveram. Nada me custa pois, então, garantir a justiça de qualquer homenagem feita ou a fazer, mais não seja pelo exemplo de todos os que, ao longo de décadas, dispensaram tempo e canseiras a tão insigne obra.

Graças a eles, na segunda metade da centúria de mil e oitocentos, a vila do Peso da Régua ficou dotada de forma pioneira com um corpo activo de bombeiros abnegados, briosos e altruístas.

A comunidade agradeceu-lhes e soube, podemos hoje testemunhar, louvá-los com a renovação humana de um conjunto de elementos que em tempo algum se negou ao auxílio e à acção em prol dos outros, sempre com sacrifício e por vezes até com a própria vida. Até hoje, os exemplos de antes servem de suporte e de molde orientador aos que agem e servem recebendo em troca muito pouco ou nada, garantindo, no presente, um futuro que, já não sendo o que era, não pode mesmo assim ser encarado sem optimismo e sem esperança.

No decurso de século e meio de vida, pouco falta, pelos lados dos bombeiros da Régua viveram-se, como em tudo na vida, momentos mais tristes e mais complicados, mas viveram-se também momentos de alegria e de festa. Quer nuns, quer noutros, nunca mingou a coragem e sempre imperou a dignidade.    

Diz-nos a História que a A. H. B. V. Peso da Régua sempre esteve na vanguarda sem conhecer a inércia ou o comodismo. Instalou-se a sede primeiramente ao cimo da Rua Serpa Pinto, passou-se para a Rampa Dr. Dias, e depois, ia o século XX a meio, deu-se forma ao actual quartel, um dos mais belos e emblemáticos edifícios da cidade reguense. Equipamentos materiais, esses, sempre foram do mais moderno e melhor, para acção que nunca faltou.

Para memória, ficaram-nos os testemunhos de acontecimentos, entre outros, como a enorme derrocada nas Caldas do Moledo em 1904, que destruiu edifícios e arrastou trinta pessoas até às águas do rio Douro, além das inúmeras cheias do rio que nos dá o ser e cujos humores nos habituamos a respeitar com desassombro, pois sabemos com quem podemos contar. Na região duriense, em Lamego, em 1911 e em 1918; em Mesão Frio, em 1916 e em 1957; em Laurentim, em 1929, e noutros locais, sempre os bombeiros da Régua, souberam dar testemunho da sua valentia. Mas também na Régua, como não podia deixar de ser, a sua acção foi de elevada índole e de ímpar brio. Em 1915, aquando da revolta popular que incendiou a repartição das Finanças; em 1919, quando as forças revoltosas e monárquicas incendiaram o edifício do Asilo José Vasques Osório; em 1937, no terrível incêndio que lavrou no edifício da Câmara Municipal; em 1956, quando foram consumidos os armazéns de uma firma de vinho do Porto na Avenida Dr. Manuel Arriaga, e em 1953, quando ardeu por completo o empório de secos e molhados “Casa Viúva Lopes”, e em cujo combate pereceu o bombeiro João Figueiredo, conhecido por João dos Óculos.      

Para a história dos momentos grandiosos, ficou a organização, em 1980, do 24º. Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses, que trouxe à Régua milhares de bombeiros e dirigentes, à semelhança do que sucedeu recentemente em 28 a 30 de  Outubro de 2011.

Ser bombeiro é, pois, um sonho de qualquer criança. Mas ser bombeiro da Régua será inquestionavelmente um motivo de orgulho de todo o adulto que, mesmo não envergando tão distinto uniforme, bem pode ver-se como elemento de tão altruísta associação cívica.
- Manuel Igreja. Actualizado em Novembro de 2013.

Clique na imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2013. Actualizado em Novembro de 2013. Imagem e texto cedidos pelo Dr. J. A. Almeida para este blogue. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Um incêndio nas Caldas do Moledo


Por António Guedes Castelo Branco, Antigo Chefe dos Bombeiros da Régua

Certa vez - há mais de meio século - a nossa Corporação foi chamada para debelar um incêndio nas Caldas do Moledo, numa casa pertencente a Basílio Rodrigues Osório, trunfo político e regedor “vitalício”, o qual dava cartas em todas as redondezas. Nessa casa tinha instalada uma pequena loja de negócio, cuja clientela ele próprio atendia.

Era uma série de casas “gémeas” que ali havia, construídas até à altura da padieira com pedra miúda e barro e as paredes do primeiro andar constituídas por taipas, com as madeiras muito ressequidas pelas intempéries e pelo correr dos anos e que eram verdadeiros ramos de carqueja que o incêndio “lamberia” num momento, se não tivéssemos travado a tempo a vertiginosa e assustadora corrida.

Sob as ordens do 1º Comandante Camilo Guedes montou-se o serviço num prazo de tempo record, ficando nós com a certeza absoluta – adquirida logo após os primeiros jactos de três agulhetas – de que liquidaríamos rapidamente esse pequeno “biscate”.

Mas enganámo-nos redondamente.

Tendo-se esgotado a água que abastecia as bombas, proveniente de uma taça que existia – e creio que ainda existe – no jardinzinho situado em frente do edifício do Casino, tivemos de ir buscá-la para lá dos Quartéis Amarelos, a uma propriedade pertencente à Casa Ferreirinha.

Perdeu-se assim algum tempo, mas valeu a pena, pois daí em diante tivemos água em abundância, com a qual dominámos o incêndio que, devido a este contratempo, chegou a atingir proporções espectaculares e preocupantes.

Ora, quando chegamos ao Moledo já o incêndio se havia propagado à casa do tenente Francisco Nogueira, na qual funcionava uma pequena fábrica de doce, principalmente de pão- de-ló, que tinha uma vasta clientela e rendia largos lucros.

A certa altura, o nosso Comandante, sempre velando pela segurança dos seus homens, verificou que o taipal da frente se encontrava perigosamente desaprumado, dando inequívocos sinais de uma próxima derrocada e, por toques de apito - como se usava então -, deu ordem para se abandonar imediatamente o serviço. Todos nós o fizemos com ordem, com disciplina, sem atrapalhações, e procurámos lugares abrigados ou afastados.

Todos nós o fizemos. Mas houve um bombeiro, o corneteiro Agostinho “Rouxinol”, que, parado no meio da estrada, voltado de costas para o Comandante e com a corneta debaixo do braço, se moveu, não prestando atenção às ordens transmitidas pelo Comando. Estava completamente abstracto, absolutamente alheio.

Então Camilo Guedes enerva-se, dá uma breve corrida e prega um violento empurrão ao “Rouxinol”, obrigando-o a mudar de poleiro.

E dá-se a derrocada neste momento, indo o taipal, com as suas duas janelas, cair a prumo, e de cutelo, precisamente no lugar em que o “Rouxinol” tinha permanecido, tendo, ao tombar sobre o lado direito, sepultado, sob uma montanha de destroços incandescentes, o nosso velho e abnegado Comandante.

Angustiados, todos nós corremos, como loucos, para o local do desastre, tirando o Comandante da crítica situação em que se encontrava e levando-o em braços para a farmácia de Napoleão de Pinho Valente, republicano ferrenho que, por duas vezes, havia sido eleito vereador municipal.

Este tratou o ferido com todo o cuidado e desvelo, principalmente a brecha que apresentava na cabeça.

Sintetizado:
O Comandante salvou a vida ao “Rouxinol”, que não voltaria a dar, nas lindas madrugadas de Abril, os seus alegres e melodiosos trinados e gorjeios, e, por sua vez, o capacete salvou a vida ao Comandante.

E quando, chegados ao quartel, comentávamos o assunto, dizia-nos Camilo Guedes, com a cabeça empanada e a rabeta do charuto ao canto da boca: “Para se salvar uma criatura da morte certa, todos temos a obrigação de sacrificar seja o que for, mesmo que sejamos nós próprios”.

Ora, este critério está absolutamente de acordo com o exposto na poesia “O Bombeiro”, que o Comandante Camilo Guedes escreveu, há muitos anos, e que foi declamado por Gabriel Gouveia numa récita de gala em benefício da Corporação e que o Arrais publicará oportunamente.

Nessa récita, como não podia deixar de ser, também tomou parte o autor destas linhas.

Sou o remanescente desse denodado grupo de bairristas.

Belos tempos!
- Peso da Régua, Outubro de 2010. Colaboração de J A Almeida para Escritos do Douro 2010. Actualizado em 14 de Novembro de 2013.
 
Notas:
  1. - Este artigo encontra-se publicado no Jornal “ O Arrais”, na sua edição de 5 de Setembro de 1980.
  2. - Na fotografia cedida por uma sua neta, o seu autor aparece fardado de 2º Comandante dos Bombeiros da Régua, ao lado do 1º Comandante Lourenço de Almeida Medeiros, que cessou essas suas funções em 1959.
  3. - O Chefe António Guedes Castelo Branco, como gostava de ser conhecido, era filho de um bombeiro, o Comandante Camilo Guedes Castelo Branco e faleceu na Régua nos finais da década de 80, estando o seu corpo sepultado no cemitério municipal. 
Jornal "O Arrais", Sexta-Feira, 05 de Novembro de 2010
Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua
Um incêndio nas Caldas do Moledo
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Um incêndio nas Caldas do Moledo
Clique  nas imagens para ampliar. Imagem e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA) e editados para este blogue. Edição e atualização de texto e imagem de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

    terça-feira, 12 de novembro de 2013

    A Biblioteca dos Bombeiros

    “Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca.”
    Jorge Luís Borges

    Estou no alto do Quartel Delfim Ferreira, na varanda da Biblioteca dos Bombeiros, no terceiro piso de um dos edifícios mais bonitos da Régua, onde sobressai uma imponente fachada esculpida em granito pela hábil mão de um grande mestre pedreiro, a observar a paisagem do além Douro, as vinhas de cores outonais que serpenteiam o Vale Abraão e, ao fundo do Salgueiral, uma curva do rio a espreguiçar-se, numa manhã intensa de luz.

    Quando, há mais de cem anos, se formaram os bombeiros da Régua, equipados de um carro bomba e algum material rudimentar para apagar fogos, estavam bem longe de imaginar que a casa de leitura, que começou numa velha estante de mogno cheia de livros oferecidos, se tornaria, desde então, um lugar cultural de referência na Régua.

    Quem ainda conheceu essa velha estante de livros e se deslumbrou com ela foi João de Araújo Correia quando, muito novo, acompanhava o seu pai, ao tempo bombeiro voluntário, ao quartel. Mais tarde, o homem e o escritor, sem sair do seu sagrado eremitério e com a ajuda dos seus amigos de Lisboa, conseguiu convencer a Fundação Gulbenkian, nos inícios dos anos 60, a fazer da velha estante da sua infância uma biblioteca ordenada, catalogada, com mais obras literárias e edições recentes. Se assim o soube idealizar, depressa lhe fizeram a vontade e nasceu a Biblioteca Dr. Maximiano de Lemos, com livros oferecidos pela benemérita instituição, o que, naquele tempo, foi motivo de regozijo para muitos jovens leitores, ávidos de descobrir novos autores.

    Também eu frequentei esta moderna Biblioteca dos Bombeiros da Régua no meu tempo de adolescente. A partir dos meus treze anos tornou-se um lugar de passagem obrigatória, três ou quatro vezes por mês. A bem dizer, eu estava a iniciar-me nos livros, em novas leituras e autores desconhecidos que iam despertar a minha imaginação para lá das portas do pequeno mundo que, até àquele momento, estava ao meu alcance e me era visível da varanda da biblioteca. Confesso que, não sendo um admirador de ficção científica, procurei naquela biblioteca, por recomendação de um amigo, um livro com o estranho título de Fahrenheit 451, da autoria do escritor americano Ray Bradbury, de 1953. Mal eu sabia que nele ia encontrar, como personagem principal, um bombeiro encarregado não de apagar os incêndios, mas de queimar livros. Sim, aquele bombeiro de nome Montag tinha a missão de queimar LIVROS…! Para mim, estava muito claro que a função dos bombeiros nunca seria essa. Queimar livros, um acto que resume apagar, incinerar o conhecimento, a ilusão, a magia e a memória do Universo. A princípio pensei que o autor se tivesse enganado, mas percebi que, admirador de livros e de bibliotecas, onde até escreveu aquela sua obra, pretendia fazer uma crítica aos regimes totalitários de então, que viam o livro como um perigo e um inimigo, ao mesmo tempo que satirizava o poder da televisão e a alienação que ela exerce sobre a maioria das pessoas.

    Se hoje recordo o livro que fala de uma missão que nunca será a dos Soldados da Paz é porque quero voltar, ainda que fechada a público, à Biblioteca dos Bombeiros, com tempo para revisitar livros raros que ali se guardam, sempre à espera de novos leitores. 
    Quero também lembrar o nobre exemplo de cidadania dos primeiros bombeiros e o seu contributo para organizar uma biblioteca como a nossa. Eram homens generosos, sensíveis e que apreciavam a cultura como uma forma de valorizar e enriquecer as suas vidas. Eles foram pioneiros numa atitude que, naquele tempo, foi aplaudida e acarinhada também pela sociedade civil. De uma pequena estante de livros fizeram uma biblioteca preservada e mantida pelas gerações vindouras, que estimulou os hábitos de leitura e que cresceu com a oferta de milhares de exemplares de colecções de livros raros. Sem terem lido o romance Fahrenheit 451, que haveria de ser publicado na nossa época como uma obra que pretendia prever o futuro, os primeiros bombeiros da Régua conheciam o valor dos livros e a importância de ter uma biblioteca. Entre outros, tiveram à sua disposição na velha estante autores portugueses e estrangeiros, os clássicos e os contemporâneos, e até aqueles que, sendo naturais da Régua, tinham sido publicados a nível nacional, como Afonso Soares, Bernardino Zagalo e Mário Bernardes Pereira. Para além de obras esquecidas destes nossos conterrâneos, encontrei um livro do poeta ultra-romântico João de Lemos (1819-1890), celebrizado pela poesia “A Lua de Londres”, que começa com estes memoráveis versos:

    É noite. O astro saudoso 
    rompe a custo um plúmbeo céu, 
    tolda-lhe o rosto formoso 
    alvacento, húmido véu, 
    traz perdida a cor de prata, 
    nas águas não se retrata, 
    não beija no campo a flor, 
    não traz cortejo de estrelas, 
    não fala de amor às belas, 
    não fala aos homens de amor.

    O livro do poeta reguense intitula-se Canções da Tarde e a sua primeira edição saiu na Typografia Portuguesa, de Lisboa, em 1875. Sobre esta obra em concreto não se sabe como a crítica fez a sua recensão, mas é interessante salientar que a poesia deste autor mereceu apreciações literárias positivas, como esta de J. A. Barreiros: “cantou o amor, Deus, a Pátria, sentimentos íntimos, em versos de acento melancólico e de grande emoção lírica. (…) O ritmo musical, em algumas composições, é de excelente efeito e apropriado à declamação”. O poeta ultra-romântico teve fiéis leitores e, apesar de as suas obras não serem actualmente reeditadas, o seu nome está referenciado nos compêndios da história da literatura portuguesa como um dos poetas mais marcantes da segunda geração romântica.

    Costuma dizer-se que “por trás de cada livro há uma pessoa” e por trás daquele exemplar, encadernado numa capa dura, de Canções da Tarde está alguém muito especial, a pessoa a quem pertenceu o livro, uma benfeitora que, depois de o usar, entendeu oferecê-lo à Biblioteca da Real Associação Humanitária dos “Bombeiros Voluntários” do Pezo da Regoa. Essa mulher não quis deixar a sua dádiva no anonimato e, na capa do exemplar, fez questão de a assinalar, escrevendo um “offerece”, a que acrescentou, numa delicada caligrafia em tinta permanente, a sua identificação. Ainda bem que anotou o seu nome, ficamos a conhecer a sua admiração literária pelos versos escritos por um poeta reguense e, porventura, o gosto das senhoras do seu tempo pela poesia. Mas também ficamos a saber que as obras de poesia romântica rechearam a primitiva estante. A senhora que ofereceu um exemplar de Canções da Tarde foi a D. Leonor Cristina Ermida de Magalhães, esposa do Comandante Manuel Maria de Magalhães, ele que publicou versos românticos nos jornais reguenses.
    A pequena vila da Régua que, há mais de cem anos, aspirava a ser o centro comercial e vinhateiro do Douro, viu surgir, no velho Quartel do Largo da Chafarica (hoje conhecido por Largo dos Aviadores), de uma velha estante de livros a sua primeira biblioteca pública graças ao espírito empreendedor dos bombeiros, de alguns dedicados directores e à ajuda de muitos beneméritos anónimos.

    A criação da Biblioteca Municipal do Peso da Régua não apaga o pioneirismo daquela que hoje persiste hoje como a famosa Biblioteca dos Bombeiros, motivo de orgulho de todos os associados.
    - Peso da Régua, 3 de Janeiro de 2013, José Alfredo Almeida*, Presidente da Direcção da AHBV do Peso da Régua. Atualizado em 13 de Novembro de 2013.
    - Sobre a "Biblioteca dos Bombeiros" neste blogue.

    *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registam neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.

    Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Janeiro de 2013. Atualizado em Fevereiro e Novembro de 2013. Também publicado no semanário regional "O Arrais", edição de 6 de Fevereiro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

    quinta-feira, 7 de novembro de 2013

    133º ANIVERSÁRIO DA ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DO PESO DA RÉGUA

    CONVITE E PROGRAMA
    28 de Novembro e 1 de Dezembro de 2013
    Clique na imagem para ampliar

    Distinções e reconhecimentos marcam o 133º Aniversário da Associação dos Bombeiros da Régua 

    Durante as cerimónias festivas de mais um aniversário da Associação Humanitária dos Bombeiros da Régua, a ser celebrado no próximo dia 1 de Dezembro, a sua Direcção presidida pelo Dr. José Alfredo Almeida e o Comandante António Fonseca vão entregar vários Crachás de ouro e Medalhas de Serviços - Grau Ouro para reconhecer o mérito, a generosidade, o trabalho e o prestigio de antigos bombeiros, dirigentes, sócios, instituições locais, beneméritos e ao presidente dos Bombeiros dos Pinhão, muito justamente pelos seus 35 anos de serviço a uma causa pública, os quais também mereceram um reconhecimento unânime por parte Liga dos Bombeiros e, muito em especial, do Comandante Jaime Marta Soares que já anunciou mais uma vez a sua presença no Peso da Régua. Assim vão ser distinguidos as seguinte empresas comerciais e personalidades:

    Crachá de Ouro
    Guilhermino Pereira de Almeida - Bombeiro do Quadro de Honra
    Vinhos Symington, SA - Benemérito
    Júlio Alfredo Mota – Presidente do Conselho Fiscal
    Arquitecto Francisco Oliveira Ferreira (a título póstumo) - Benemérito
    D. Antónia Adelaide Ferreira (a título póstumo) - Benemérita
    Alfredo Luís Baptista (a título póstumo) – Antigo Director
    Delfim Ferreira (a título póstumo) - Benemérito
    José Ribeiro Alves Teixeira - Presidente da Direcção da AHBV do Pinhão

    Medalhas de Serviços Distintos - Grau Ouro
    Fanfarra dos Bombeiros do Peso da Régua
    Ilídio Monteiro Mendes - Vice-Presidente da Direcção
    Manuel Pinto Montezinho - Antigo Director
    Santa Casa da Misericórdia do Preso da Régua
    Imobiliária Irmãos Alves - Benemérita
    António Ferreira Westerman - Sócio
    Do Notícias do Douro, edição de 08-11-2013

    segunda-feira, 4 de novembro de 2013

    Os meus bombeiros

    Camilo de Araújo Correia

    Os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua fizeram cento e dez anos. É um número bonito. Não por ser redondo, mas por traduzir muitos, muitos milhares de horas de trabalho e sacrifício e de quem dirige, de quem comanda e de quem obedece a regulamentos e sentimentos em benefício do mais anónimo dos anónimos - o próximo.

    O programa das festas cumpriu-se no dia 2 de Dezembro e com ele a tradição de visitar bombeiros directores, comandantes, sócios e benfeitores falecidos, sepultados nos cemitérios da Régua e de Godim; de assistir à missa na Igreja Matriz; de percorrer em formatura as principais ruas da cidade; de apresentar cumprimentos à Câmara Municipal.

    Antes do almoço tradicional, sempre animado, houve imposição de medalhas, cerimónias de tocante significado, em que os silêncios e os aplausos sublinham os méritos distinguidos.

    A Direcção e o Comando mantiveram também a tradição de convidar autoridades, afinidades e simpatias mais evidentes, o que sempre corresponde a uma boa apresentação de toda a Régua. E, assim, nos aniversários a cidade fica ainda mais perto dos seus bombeiros. 
    Quem já fez uma dezena de anos, ao assistir a estas festas centradas nas magníficas instalações dos nossos bombeiros não pode deixar de recordar o velho e minúsculo quartel do Cimo da Régua. Velho, modesto e pequeno mas muito querido dos seus frequentadores e visitantes fortuitos, sem falar do rapazio, incapaz de passar adiante sem se deslumbrar com o pronto-socorro de cadeirinhas e com a ambulância, uma caranguejola esquinuda, de um branco muito duvidoso e um conforto ainda mais duvidoso... Os carros entravam à justa na porta estreita, sempre com grande vozearia de indicações e avisos.

    O quarto do Zé Pinto, o quarteleiro, era também minúsculo e abria para o «parque automóvel». Deste se passava à sala de jogos, por dois degraus. O quartel acabava aqui, se não contarmos uma pequena cozinha lá no fundo. Cozinhava ali a senhora Antoninha, esposa do Zé Pinto, ainda hoje inconformada viúva, e ele próprio preparava os petiscos que os jogadores da noite lhe pediam.

    Jogava-se um bilhar muito gozado, um dominó muito batido e umas cartas muito lambidas.

    Havia, ainda, uma estante de livros sonolentos, perturbados, muito de longe em longe, por esporádico leitor.
    As formaturas só se desfaziam no quartel, à medida que iam entrando. De maneira que a porta estreita oferecia grandes dificuldades para manter o aprumo. As maiores dificuldades ainda eram as do Justino, garboso porta-bandeira de muitos anos. Garboso, mas desastrado… De rígida marcialidade, esquecia muitas vezes o globo da entrada: aquele globo de luz melancólica fendida por uma cruzinha vermelha. A rigidez do corpo e do gesto não lhe permitia baixar suficientemente a bandeira. Zás!... mais um globo. De nada valiam os avisos dos colegas mais próximos, feitos, disfarçadamente, pelo canto da boca: - Ó Justino... Ó Justino… olha o globo! Bumba!... mais um.

    Até que um dia o Justino, muito infeliz, propôs que se arranjasse um globo de lata. 
    Coitado do Justino. Já lá está, nem sei há quantos anos. Não pôde levar a sua querida bandeira dos Bombeiros da Régua. Ainda bem... Eu sei lá, se com o vagar da Eternidade, nos andaria a quebrar as estrelas, uma a uma.

    Notas:
    1. Esta crónica foi publicada no jornal O Arrais, da edição de 6 de Dezembro de 1990.
    2. As fotografias da autoria de Baía Reis fazem parte do arquivo dos Bombeiros da Régua. E dizem respeito à tomada de posse do Senhor Dr. Camilo de Araújo Correia como Presidente da Direcção dos Bombeiros da Régua. 
    Os Meus Bombeiros
    Camilo de Araújo Correia
    Jornal "O Arrais", Quinta feira, 10 de Fevereiro de 2011
    (Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
    Os meus bombeiros
    Clique nas imagens acima para ampliar. Matéria enviada por J. A. Almeida para "Escritos do Douro 2011". Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro". em Novembro de 2011. Actualizado em 4 de Novembro de 2013.

      Uma Chamada na Eternidade

      Camilo de Araújo Correia

      Pelo que os jornais disseram abertamente e os amigos falaram à boca pequena, a última eleição dos elementos directivos dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua teve aspectos de braço de ferro e ranger de dentes.

      Não cabe no meu comentário referir as serpentinas e garrafinhas de cheiro que das duas falanges atiraram uma à outra, traduzindo pútridos fermentos de incuráveis frustrações.

      Eu sei que eleições são eleições e falanges são falanges. O que eu não sabia era que o recurso ao “vale tudo” pudesse um dia acontecer nos garbosos e briosos bombeiros da minha terra.

      Mas aconteceu.

      Os rapazes do Corpo Activo, toldados pelo miasma político latente, pousaram a machadinha, só porque não ganhou a lista da sua simpatia!!! E não se julgue que foi gesto indigesto de momento. Noventa por cento dos bombeiros já se negou a prestar serviço.

      Esta atitude insuspeitada em mais de cem anos de História impoluta, não surpreendeu, tanto assim, o homem que hoje sou, um pouco capaz de acreditar em tudo.

      Quem se surpreendeu até à comoção foi aquele menino que anda dentro de nós e um dia recordei:

      “Relacionam-se com os nossos bombeiros as memórias dos meus primeiros raciocínios.

      Estivesse onde estivesse, a brincar, a comer ou a dormir, logo acorria ao ruído marcial da sua passagem.

      Toda a gente me dizia que os bombeiros, mal tocavam a fogo os sinos do Peso e do Cruzeiro, acorriam, sem demora, à casa que estivesse a arder. Mas… como podiam correr, assim, em duas fileiras e com aquele passo? O que mais me intrigava era a limpeza das fardas. É que eu, com duas voltas no quintal, sem apagar fogo nenhum, ficava logo com o bibe a merecer umas surras da minha mãe.

      Receio bem que o meu desejo de ser bombeiro não tenha sido tão puro como o de todas as crianças do mundo. Lembro-me perfeitamente de quando me apeteceu ser bombeiro. Foi logo a seguir a um grande ataque de inveja. É melhor contar tudo inteirinho…

      Foi numa tarde de calor e tourada. O cimo da Régua era um mar de gente que se agitava de cada vez que aparecia um figurante da corrida, já vestido para o efeito. Eu andava ali bem seguro pelas mãos de meu pai e de meu avô. De vez em quando, ouvia-se uma corneta que me enchia de entusiasmo e de medo.

      Houve até um certo pânico, quando um cavalo, de grande pluma vermelha, subiu o passeio. A certa altura, que vejo eu? Um bombeiro de palmo e meio aos ombros de um homenzarrão!

      Os meus olhos nunca mais se despegaram daquele capacete de oiro e daquela machadinha de prata.

      Quando a inveja me deixou falar, perguntei ao meu pai:

      - Aquele menino é bombeiro?

      - Não… é a mascote!

      - É o filho do Zé Pinto. - disse-me, depois, voltado para o meu avô.

      Eu não sabia, é claro, o que era ser mascote. Mas fiquei a saber, dolorosamente, que as crianças podiam usar farda, capacete e machadinha como os bombeiros grandes”.

      Naquele tempo os meninos vestiam a farda para serem homens. Os homens de hoje despem-na para serem nada.

      Quero fazer uma chamada na eternidade, nesta hora de passar a revista cá na terra a uma formatura de nadas:

      - Manuel Maria de Magalhães…
      - Presente!

      - José Afonso de Oliveira Soares…
      - Presente!

      - Joaquim de Sousa Pinto…
      - Presente!

      - Camilo Guedes Castelo Branco…
      - Presente!

      Sempre fiéis à sua Corporação, à sua terra, a si próprios! Mesmo no infinito.

      Nota: Esta memorável crónica encontra-se publicada no jornal “O Arrais”, de 17 de Outubro de 1990. Comenta um dos episódios da instituição, com traços de humanidade, de ternura e uma fina ironia invocando o exemplo de homens intocáveis como a referência cívica e ética. O Dr. Camilo de Araújo Correia foi um dos nossos: para além de ser director do extinto jornal “Vida por Vida”, órgão oficial da Associação foi um ilustre Presidente da Direcção (1964-65) desta Associação.

      UMA CHAMADA NA ETERNIDADE
      Jornal "O Arrais", quinta-Feira, 3 de Novembro de 2011
      (Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
      Clique  na imagem acima para ampliar. Colaboração de texto e imagem do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2011. Actualizado em 4 de Novembro de 2013.

      sexta-feira, 1 de novembro de 2013

      Bombeiros… Progressistas

      Quanto mais conheço do passado da Associação dos Bombeiros da Régua, mais aprendo sobre a História da Régua. Entre a história de uma secular instituição e a de uma cidade cruzaram-se pessoas e registaram-se acontecimentos marcantes socialmente que, em cada época, teceram a mentalidade da sociedade reguense. Podia dizer-se que pela história da Associação de Bombeiros da Régua se faz parte da História da nossa terra, seja ela política, associativa, económica ou social.

      Vejamos elucidativo exemplo que prova como um simples relatório de contas, apresentado pela gerência dos bombeiros aos associados, pode revelar como e em que medida os soldados da paz eram apoiados pela sua autarquia. Recuemos, então, até ao ano de 1903, ao tempo da monarquia, para se entender o que se passou de invulgar para as contas dos bombeiros apresentarem um resultado deficitário, o que muito preocupou os directores e associados mais assíduos, reunidos em assembleia-geral. Quem sabe de assuntos de contabilidade percebe que da comparação entre os números das receitas e os das despesas se retiram conclusões do rigor de uma boa ou errada gestão. Se o resultado final dá saldo positivo, tudo está bem e ninguém vem reclamar.

      Se o resultado é negativo, recomenda que se apurem as razões por que se fizeram mais gastos ou então, se foi caso disso, porque falharam os proventos.

      No caso que apontamos, o problema esteve do lado das receitas, que diminuíram, ao contrário do que seria esperado. Diz esse relatório – frisa bem - que  “este defficit foi determinado exclusivamente, pelo facto de a câmara municipal se negar a dar o subsidio com que, desde muito, vinham auxiliando a associação”.

      Quem governava a câmara municipal, há mais de treze anos, era o partido regenerador, representado então pelo Dr. Júlio Vasques - ilustre Paladino do Douro -, com o partido progressista, do advogado Dr. Manuel da Costa Pinto, muito activo na oposição.

      Aquela decisão política não deixou de ser duramente contestada pelos directores da instituição, os quais não entendiam que estivesse orçamentada uma verba de 50.000 réis para o serviço de incêndio e, como aquele relatório menciona, “essa quantia não fosse entregue à Associação, visto não haver aqui outro serviço de incêndios, além do dos voluntários”. Os directores dos bombeiros recorreram dessa decisão camarária, mas a vereação ignorou a pretensão dos bombeiros, sem sequer dar uma razão para suprimir o apoio à sua actividade.

      O que terá levado o presidente da câmara, Dr. Júlio Vasques, um experiente político, a retirar o subsídio aos bombeiros voluntários, que prestavam um verdadeiro serviço público à sociedade reguense, não se entendeu - nem hoje se entende - muito bem. Parece que as leis de atribuições municipais, à data, não obrigariam a câmara municipal a financiar o serviço de extinção de incêndios, entregue à responsabilidade de ser assegurado pelos bombeiros voluntários. Se a autarquia reguense, como muitas outras no país, tinha optado por não organizar um serviço municipal de socorro para evitar gastos elevados ao erário público, tinha a obrigação de garantir um apoio mínimo para manter em regular funcionamento a missão humanitária atribuída aos bombeiros voluntários.

      Na imprensa local, os contornos deste conflito da câmara municipal com a Associação de Bombeiros assumiam uma rivalidade política partidária. Os regeneradores acusavam os Bombeiros da Régua de estarem na sua maioria filiados no partido progressista. Sendo verdade, não seria motivo para serem prejudicados, mesmo que os líderes principais fossem politicamente progressistas, como Joaquim Souza Pinto, Francisco Lopes da Silva, João Alves Barreto e o benquisto capelão, Padre Manuel Lacerda. O bissemanário O Douro, em diversos números, serviu de porta-voz destes directores que fizeram críticas contundentes ao presidente da câmara:

      “ O Sr. Julio Vasques perdeu um excellente ocasião de estar calado – em relação aos bombeiros, já se sabe. Devia ser coherente. Já que os esbulhou do subsidio que tão necessário lhe era para continuarem a exercer, sem dificuldades, a missao honrorrisima que se imposeram, para compra de material indispensável ao seu serviço e para custeio das despesas mais ou menos avultadas que fazem quasi sempre na vila e nas povoações próximas…

      (…) O garoto podia dar à sua pedrada aplicação mais justa. Jogasse-a contra os vereadores, que faria nisso uma boa acção, castigando-os da brutalidade que cometteram em eliminar do orçamento camarário a verba com que o municipio vinha subsidiando há muito aquella prestante corporaçao. Politica? O garoto não sabe o que diz. Os bombeiros não fazem politica partidaria. São contra a câmara, porque esta os melindrou sem motivo plausível, deixando de subsidiar a associação. Que importa que a maior parte d`elles estejam filiados no partido progressista, se, quando se tracta de serviço, nunca fazem a distinção entre progressistas e regeneradores, e a todos acodem com a mesma solicitude e boa vontade?”

      “Agora que os regeneradores regoenses estão prestes a serem escorraçados do seu último reducto – a câmara municipal - vamos relembrar alguns agravos que elles nos fizeram durante o seu longo e escandaloso mandato.”

      (…) Dias depois, a mesma câmara, allegando que na Associação de bombeiros voluntários prevalecem os progressistas, resolveu supprimir do seu orçamento o subsidio com que o município auxiliava, desde muito, aquela benemérita corporação, ficando esta em risco de acabar por falta de recursos.”

      Aos nossos olhos, aquelas críticas, mais do que tudo, revelam a discordância duma decisão política – hoje designada de politicamente incorrecta. Os bombeiros não eram opositores políticos dos regeneradores e, como salientaram, estavam contra a câmara municipal por terem sido melindrados sem motivo plausível.

      Quer dizer, os bombeiros, como é de ver, estavam contra o Dr. Júlio Vasques, que terá recorrido a uma estratégia política de fazer pressão, no sentido de conquistar correligionários e, dessa forma, aumentar o número de apoiantes do partido regenerador. Não se compreende que um autarca, no seu perfeito juízo, retire sem explicação o financiamento devido à única organização de socorro que tem no seu concelho e, assim, ponha em perigo vidas e bens.

      Sabe-se que o Dr. Júlio Vasques nunca foi um cidadão consensual entre os seus contemporâneos, mesmo no grupo dos Paladinos do Douro, onde algumas das suas intervenções não mereceram um aplauso unânime dos seus pares. E, no exercício das funções de presidente de câmara da Régua, a sua gestão foi sempre muito contestada pelos opositores e pela Associação de Bombeiros.

      Mas, se esta sua decisão política, sempre polémica e discutida, não serve para lhe diminuir o prestígio e notoriedade que alcançou como um paladino activamente empenhado na defesa do Douro e dos interesses da viticultura, não deixou de ser incompreensível para aqueles bombeiros que, no espírito da sua missão humanitária, só queriam cumprir com dignidade um lema universal: Vida por Vida. 
      - José Alfredo Almeida*, Presidente da Direcção da AHBV do Peso da Régua
      Peso da Régua, Outubro de 2012



      *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registam neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.

      Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Outubro de 2012. Actualizado em 1 de Novembro de 2013. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 31 de Outubro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

      quinta-feira, 31 de outubro de 2013

      Uma grande honra

      É para mim uma grande honra ser o Comandante dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, ilustre instituição duriense que a 28 de Novembro de 1880 deu os seus primeiros passos e que brevemente fará 133 anos de existência.

      Ao longo destes seis anos de Comando, foram muitas as dificuldades, os sonhos, os feitos gloriosos, mas permanece bem vivo o desejo de continuar a desempenhar com generosidade e zelo as tarefas da Protecção Civil. Perante os grandes desafios que ainda me esperam, reafirmo que, com a prestimosa colaboração da Direcção, de todo o Corpo Activo, com Reserva e Honra, serão enfrentados todos eles com a dignidade, o profissionalismo e a dedicação de sempre.

      Os Bombeiros do Peso da Régua assumem uma missão insubstituível e estimulam uma cidadania participativa, com base no Voluntariado e no Associativismo, que a região e o País nunca poderão dispensar. Esta disponibilidade para servir o bem público demonstrada pelos “soldados da paz” reguenses granjeou-lhes uma imagem prestigiada e uma identidade singular na região demarcada do Douro.

      Ser Bombeiro da Régua, naquilo que é pertencer a uma Instituição Humanitária, mas ser também cidadão de corpo inteiro, é exercer uma função pedagógica em prol de uma cultura e de um sentimento comunitário de solidariedade. É a esta gente ímpar na generosidade, na devoção e no sacrifício que se presta aqui a justa homenagem.

      Sob pena de ingratidão e de grave injustiça, não poderia deixar de reconhecidamente agradecer a todos os Civis, Sócios e Beneméritos o incansável apoio a esta nossa Associação. Devo também juntar neste agradecimento todos os Assalariados e Voluntários deste Corpo de Bombeiros, os quais, ontem como hoje, de forma generosa, têm feito história nesta terra Duriense pela sua dedicação, empenho e exemplo.

      Por fim, não posso deixar de agradecer ao Dr. José Alfredo Almeida, Presidente da Direcção desta Nobre Associação que, desde 1998, tem vindo a maximizar e a realçar o papel importante dos nossos Bombeiros. Ele que é um Bombeiro sem farda, abraçou esta digníssima causa, demonstrando espírito de equipa, dedicação e companheirismo, enaltecendo a nossa Associação, os seus Sócios, os Beneméritos e os Bombeiros. Os seus livros publicados e as suas crónicas semanais nos jornais Notícias do Douro e O Arrais, aqui na secção intitulada “Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua – As Melhores Imagens da Sua História”, recordam acontecimentos e descrevem os grandes momentos do passado dos briosos Bombeiros da Régua. Não devemos esquecer que a ele se deve a iniciativa de apresentar a candidatura da nossa Associação para que o 41º Congresso da Liga de Bombeiros Portugueses fosse realizado, pela segunda vez, na cidade do Peso da Régua. Foi a capital Douro Vinhateiro, reconhecido há dez anos como Património da Humanidade, que, em Outubro de 2011, acolheu todos os bombeiros de Portugal.

      É, pois, para mim uma grande honra ser o Comandante dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua e poder partilhar com os Soldados Paz que comando e os magníficos e dinâmicos corpos dirigentes de uma associação cheia de um glorioso passado o lema do “Vida por vida”, que nos obriga a não desistir e a nunca recusar auxílio àqueles que de nós necessitem.
      - Peso da Régua, 16 de Outubro de 2013, o Comandante António Fonseca.

      Clique na imagem para ampliar. Texto e imagem cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA) e editados para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Outubro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

      quarta-feira, 23 de outubro de 2013

      Os meus bombeiros

                                                                                                                                  José Alfredo Almeida
            
      Lembro-me de ler uns versos de Camilo Guedes Castelo Branco em que evoca a missão heróica dos bombeiros. Li-os escritos sobre uma fotografia a preto e branco onde está retratada a figura de um bombeiro sem que se veja o rosto, fardado a rigor, a sair de uma casa em chamas, com uma criança ao seu colo. São estes os versos: “E eis que em meio trágico do braseiro/surge a figura altiva do bombeiro/ Trazendo ao colo o pequeno ser”.

      Não sei precisar a data em que os escreveu e chegaram a ser publicados. Apenas posso dizer que foram declamados, no verão de 1950, numa brilhantíssima récita de artistas amadores e da Orquestra Reguense, dirigida pelo professor José Armindo, em benefício da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Régua.

      Quando aconteceu essa récita, Camilo Guedes Castelo Branco já não era vivo, falecera em 25 de Agosto de 1949, com 81 anos, mas o seu filho Jaime Guedes era, nesse tempo, o presidente da direcção da associação.

      O poeta Camilo Guedes Castelo Branco não fez parte do grupo dos fundadores da Companhia dos Bombeiros Voluntários da Régua, como então se dizia, mas foi pioneiro ao alistar-se aos 17 anos como bombeiro. Conheceu os principais fundadores da Companhia, aprendeu os ensinamentos do combate aos fogos com os três primeiros comandantes e teve formação com o inesquecível Comandante dos Bombeiros do Porto, Guilherme Gomes Fernandes.

      Na Régua do seu tempo, o poeta ficou mais conhecido como comandante dos bombeiros e pelo seu exemplo de dever cívico, mas é injusto não o recordar pelas outras facetas da sua vida, onde se revelou um cidadão empenhado política, social e culturalmente. Deve ser lembrado como um defensor moderado do ideário político republicano no concelho da Régua, onde exerceu as funções de administrador. Este discreto ajudante de notário foi ainda jornalista na imprensa local e dirigiu jornais importantes que se publicaram na Régua, como o jornal O Cinco de Outubro. Publicou apenas um livro, o Fraternais Dolores (1923), e deixou muita poesia dispersa nos jornais. Por editar ficou o livro Arias Sertejanas, mas isso não impediu que Camilo Guedes Castelo Branco fosse reconhecido como poeta “lírico de altíssimo talento”, como disse João de Araújo Correia, que incluiu na sua Lira familiar uma das poesias do nosso comandante. Os seus dotes literários brilharam também como autor de peças de teatro, destacando-se a opereta As Andorinhas, que foi musicada pelo maestro Almeida Saldanha e popularizada dentro e fora da Régua nos palcos do teatro amador.

      Mas vamos ao que interessa, que são aqueles versos dedicados a um bombeiro sem nome e sem rosto. Quem concebeu a ideia de associar os versos do poeta a uma fotografia de um bombeiro com uma criança ao colo, teve como intenção construir uma imagem apelativa ao sentimento, evidenciando o sentido muitas vezes dramático da missão de um bombeiro, que nunca procura A SUA HONRA NEM A SUA GLÓRIA na hora de salvar uma vida em perigo.

      Pela qualidade literária, pela vibração afectiva e pelo sopro de humanidade que dela se desprende, gostava de lembrar e partilhar a poesia “O Bombeiro”, donde foram retirados aqueles versos:  

      “No silêncio da noite, de repente,
      Ergue-se a voz estrídula dos sinos
            num longo baladar
      E à distância brilhou, sinistramente,
      Um clarão, que tingiu a luz do luar
          de laivos purpurinos.
      “Fogo! Fogo!”-alguém diz com aflição.
      E logo a pobre gente do lugar,
      toda cheia de espanto e de canseira,
      Pôs-se a correr, gritando, em direcção
          da medonha fogueira.

      O incêndio crepitava 
      e, batido do vento, devorava
      Uma pequena casa arruinada.
      E, perto, uma mulher d`olhar aflito
      erguia as mãos ao céu calmo e infinito
      a chorar e a gemer desesperada.
      Ali, em meio da fogueira, tinha
      essa mulher um filho, a criancinha 
      mais bonita da velha povoação,
      e o fogo, em seu horrível avançar, 
      iria dentro em breve transformar 
      o seu pequeno corpo num carvão.

      Metia dó a pobre mãe! Mas como
      Salvar-lhe o louro e cândido filhinho,
          se a labareda e o fumo,
      num espantoso e horrível torvelinho,
      ameaçam devorar rapidamente
      quem se abeirar dessa fornalha ingente?

      Podes chorar, mulher! ninguém te acode.
      Chora, que és mãe; mas vê que ninguém pode
      esse anjinho das chamas libertar.
      Olha: em meio da tétrica fogueira
      anda a morte, feroz e traiçoeira,
          a acenar, a acenar…

      Mas nisto, junto ao prédio incendiado
      surge um homem soberbo de valor.
      A multidão ansiosa solta um brado
          de espanto e terror.

      Ele caminha sempre com a firmeza
      e a intrepidez estóica dos heróis;
      escala a casa em chamas com presteza,
      escala a casa em chamas…e depois…
          depois desaparece.
      E a pobre mãe aflita cai de bruços
      A murmurar baixinho, ente soluços,
          Uma prece…

      Na multidão, silêncio. Só se ouvia
      um secreto rumor, que parecia
      o palpitar de muitos corações…

      Senhor! És pai e cheio de bondade!
      estende lá do azul da imensidade
      O teu olhar repleto de perdões!

      E eis que em meio trágico do braseiro
      surge a figura altiva do bombeiro
      Trazendo ao colo o pequeno ser.
      Passou…desceu…e dentro em pouco, ansioso,
      depositava o fardo precioso
      no regaço da pálida mulher.”

      O poeta sabe do que fala; como velho bombeiro que foi, retirado do corpo activo, parece recordar uma história real de um fogo, um que ele próprio combateu com o seu espírito abnegado e corajoso ou um dos muitos em que comandou. São esses heróis sem tempo, sem rosto e sem nome que, para protegerem as nossas vidas e bens, sacrificam, se for preciso, a sua própria vida. O comandante Camilo Guedes Castelo Branco ensinou o seu lema aos seus bombeiros: “Para se salvar uma criatura de uma morte certa, todos temos a obrigação de sacrificar seja o que for, mesmo que sejamos nós próprios”. 

      Os bombeiros são heróis anónimos. Como está visível na poesia, a medalha mais importante é o bem que fazem; são a sua coragem e o seu altruísmo que nos devolvem nos maus momentos a esperança, a alegria e o sorriso de eternamente gratos pela sua existência.
      …………………………………………………………………………………………………………………………
      As minhas recordações da infância estão povoadas com os primeiros bombeiros que vi a combater um fogo que ameaçou destruir uma velha casa nas Caldas do Moledo, lugar onde nasci e dei os meus primeiros passos. Se não fossem esses corajosos bombeiros, as chamas teriam reduzido a cinzas a vida de uma família pobre e os seus míseros haveres. Nunca soube o nome dos bombeiros que apagaram esse fogo, mas eles ficaram-me retidos nas malhas da memória como heróis.
      Mal sabia eu que, muitos anos depois deste fogo, as voltas do destino me pregavam uma partida e faziam-me ser um bombeiro, sem farda nem capacete, pois que fui convidado para assumir a Direcção da Associação, isto é, tomar conta das contas, dos papéis, das mil e uma burocracias que não os podem ocupar para estarem sempre prontos a responder ao toque da sirene. 
      Tive fortes razões para recusar o convite, mas o apelo das minhas memórias de um fogo fizeram com que aceitasse, com honra, um cargo directivo para o qual não sabia se estava preparado, nem se teria competência para estar ao lado de homens que eu admirava e eram os meus heróis. O certo é que tive de aprender com os bombeiros no activo, e, no meio de muitas tormentas, deixei-me ficar na companhia deles. Quando olho para o calendário do tempo, vejo que já passaram cerca de quinze anos a dirigir os nossos bombeiros. Não são muitos os anos a que me dedico com zelo à instituição se os comparar com a sua longevidade já mais que centenária. Confesso que me limitei a dar um pequeno e humilde contributo para a tornar melhor, como fizeram todos os meus antepassados. Aprendi com os bombeiros lições de sacrifício e solidariedade e actos de muita humanidade.

      Por isso, muitas vezes me recordo daqueles versos de Camilo Guedes Castelo Branco impressos numa fotografia eterna que me não deixa esquecer os meus bombeiros, heróis sem nome nem rosto que continuam a apagar o fogo da minha memória, lá nas ruínas do velho Moledo, cumprindo o espírito da sua missão: VIDA POR VIDA.
      - Versão modificada e actualizada em Outubro de 2013.
      Nota do autor*: Este título fico a dever por inteiro ao Dr. Camilo de Araújo Correia que, em primeira mão, deu origem a uma sua deliciosa crónica, para nos contar histórias dos tempos em que foi Presidente da Direcção da Associação dos Bombeiros da Régua.
        • *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.
        OS MEUS BOMBEIROS
        Jornal "O Arrais", quinta-Feira, 15 de Dezembro de 2011
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        Clique  nas imagens para ampliar. Colaboração de texto e imagens do Dr. José Alfredo Almeida e edição de Jaime Luis Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Dezembro de 2011. Versão modificada e actualizada em Outubro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.