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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O velho Teatro dos Bombeiros da Régua - O Milagre do Cruzeiro


À memoria de António Rafael de Magalhães


Quando havia a tradição do teatro amador alguns dos principais espectáculos fizeram-se no Teatro dos Bombeiros da Régua.

O Teatro dos Bombeiros pouco tinha como sala de espectáculos. Por assim dizer, não era mais que uma improvisada sala do rés-do-chão do quartel, hoje baptizado com o nome do benemérito Delfim Ferreira, situado na Avenida Antão de Carvalho que, por volta de 1950, não passava ainda de uma modesta construção em estado muito inacabado.
As pessoas na Régua sempre tiveram uma devoção pelo teatro. Os antigos apreciavam-no num salão que ficava na Rua 1º. de Dezembro, mas umas das maiores cheias do rio Douro destruiu-o e acabou com o culto das artes cénicas e, durante muito anos, a Régua não teve  mais nenhuma sala. Depois, surgiu o Salão Recreativo, ao cimo da antiga Rua das Vareiras, que depois de muitos sucessos, foi abandonada e esquecida lentamente como sala digna e respeitável de espectáculos culturais. Quem sabe, diz que aí se fizeram exibições notáveis de peças de teatro e representaram actores com nome consagrado a nível nacional.

Hoje as coisas não são assim. A cidade não tem sequer uma casa para a reapresentação teatral. Os actores profissionais deixaram de aparecer nos palcos da Régua. Os actores amadores perderam o gosto pela figuração. O teatro deixou de fazer parte da vida cultural da cidade. Restam para estudo, as memórias desse antigo teatro. Algumas encontram-se historiadas nas crónicas de João de Araújo Correia, publicadas nos seus livros e, algumas, pelos antigos jornais.

Mas, há mais memórias do teatro amador que se fez na Régua para serem contadas. Por exemplo, está por narrar o sucesso que fizeram as sucessivas representações da peça “O Milagre do Cruzeiro”, opereta de quatro actos e um quadro, com letra e música da autoria de António Rafael de Magalhães.
A sua primeira representação desta opereta aconteceu no dia 18 de Outubro de 1950, no palco do Teatro dos Bombeiros da Régua. Embora fosse anunciada para ser levada à cena uma semana antes dessa data, na verdade não chegou a acontecer por ter adoecido um dos actores. Na sua primeira representação, a opereta obteve um extraordinário êxito, o que obrigou a fazerem sete representações consecutivas e, a última, teve lugar no palco do Cine-Teatro Avenida. Chegou também a ser representada no Teatro do Casino Afifense, em Tabuaço no Teatro Luís de Freitas e em Favaios no Teatro António Augusto Assunção, sempre com as casas cheias de espectadores e aplausos merecidos para quem a escreveu e a representou.

A opereta foi escrita para satisfazer um pedido de um grupo de jovens que tocavam na “Orquestra Reguense” dirigida pelo professor José Armindo Ribeiro. Pretendiam representar uma peça de teatro inédita, para com o dinheiro das receitas do espectáculo comprarem novos instrumentos musicais. O autor aceitou o pedido e, em contrapartida, exigiu que uma parte daquelas receitas deveria ser em benefício de uma instituição humanitária carenciada, os Bombeiros Voluntários.
O tema do enredo dessa opereta é simples de contar. Para quem não o conhece faz-se o seu resumo para compreender o motivou tanto sucesso. Segundo o seu autor, baseava-se na vida da aldeia. Como figura dominante da acção está uma menina órfã, a bondosa Joaninha, recolhida e amparada por uma virtuosa madrinha, a Senhora Morgada, que sendo sensível à miséria e dor alheias, recebe a estima de toda a gente da aldeia, muito especialmente dos pobres que visitita com frequência para lhes levar o seu óbulo acompanhado de lenitivas palavras. A paixão que nasce num encontro com o mestre-escola Fernando, vai prendê-los nas teias do mais puro amor. Outra personagem, o Álvaro, filho do fidalgo dos Cabris, moço alentado da aldeia, lembrou-se de dirigir olhares pecaminosos e palavras intencionais à Joaninha, numa das visitas de devoção ao Alto do Cruzeiro que o maldoso e antipático João Ferreiro aproveitou para os seus turvos intentos, disparando um tiro de morte sobre Álvaro, de forma a que a justiça terrena culpasse com causador do homicídio, o apaixonado de Joaninha. A partir desse momento, esta tragédia despedaça o coração de Joaninha que sofre de luto, dor e desolação. Dirige-se ao Alto do Cruzeiro a implorar protecção do Senhor que sempre a tem ouvido…mas em vez de suplicar exige de Deus, impõe em seu favor. Já resignada aceita o sofrimento e confessa-se pecadora e pede ao Senhor a sua morte. Ao cair inanimada aparecem lá do céu os Anjos que levantam o seu corpo débil e trazem-lhe um clarão de esperança que dissipa o negrume de tamanha infelicidade. O crime é desvendado, e renasce um amor eterno.
Foi este o milagre…!!!

É um retrato de uma época e de um país rural que valorizava os valores de Deus, Pátria e Família, vulgarizados como os pilares de uma sociedade em tornou do qual se movia o regime político do Governo de Salazar.
No livrinho de apresentação, o autor da opereta apresentava-a com um juízo mais modesto e de recorte poético. Expressava que se inspirou num cenário de uma paisagem primaveril campestre de uma aldeia rural, assim descrita: “já com prados verdejantes e enfeitados de boninas, malmequeres, e papoilas. As searas prometendo bom ano de pão! Sentia-se a frescura que a viração espalhava o aroma agreste das relvas e o perfume das flores...; aqui um regato de água cantante; além um rebanho dilacerando as ervas tenras e frescas; acolá, no cimo do monte dominando a brancura duma capelinha realçada por um sol rutilante e creador! De vez em quando uma brisa ténue fazia murmurar a folhagem do arvoredo e aves, chilreando, davam largas ao seu contentamento! Mas era preciso começar e por isso curvei-me para esta mansão florida.(…). O resto, aquilo que não podia abarcar com as mãos, trouxe-o nos olhos e ouvidos”.
A história dessa peça encantou a sociedade reguense dos anos 50. Outros tempos…! Quem a conheceu e a viu representar compreende que hoje ela não se adapta as realidades sociais e às vivências humanas do nosso tempo. Já não há quem se emocione com uma história assente nos valores morais e na beleza idílica das aldeias e muito menos são os que acreditam na fé religiosa como recompensa pelos castigos terrenos e na celestina descida dos Anjos para desfazer as injustiças humanas.
Vivemos em outros tempos e outros valores. Apesar de tudo, “O Milagre do Cruzeiro” era o melhor do teatro de amadores que parecer falta ao quotidiano de uma cidade que desperta para o turismo e aos reguenses que querem fugir ao tédio e a rotinas da vida. A opereta agradou mais tanto pela simplicidade da sua história como pela interpretação dos actores amadores, alguns dos quais encarnam perfeitamente a sua personagem, entre eles o Fernando Vasques de Carvalho, Maria Esmeralda de Almeida, Alzira de Sousa, José Ferreira Gado, Maria Amélia Pinto Reinaldo Miranda, António Teixeira e António Braz Magalhães e o Fernando Braz Magalhães. As músicas originais sobressaíram e entraram com facilidade no ouvido, não fossem executadas pela famosa - mas também já extinta - Orquestra Reguense. A “Marcha da Régua”, uma das muitas músicas que se cantava na opereta, veio a tornar-se o hino da cidade, tocado em festas e em representações oficiais. Os cenários vistosos e coloridos, trabalhados pelo brio de um técnico profissional, do Teatro Sá da Bandeira, do Porto, o credenciado Gaspar Leorne, ajudaram no sucesso e fizeram cativar o público.
O velho Teatro dos Bombeiros da Régua desapareceu e, no seu lugar, não há nada que o recorde. O teatro amador acabou por desaparecer e não há pessoas com vontade de o voltar a representar. Assim, o ditaram as novas modas culturais da sociedade reguense. Com poucas condições, nesse tempo, o quartel foi o único espaço cultural que, na pequena vila da Régua, aproximava as pessoas e lhes permitia os serões e convívios mais divertidos e animados.
Desde então, a Régua muito mudou. Se a missão principal dos bombeiros da Régua permanece igual há mais de um século, o seu quartel uma verdadeira obra-prima da arquitectura, que agrada ao olhar mais atento pela beleza de granito da sua imponente fachada principal, deixou de ser o lugar privilegiado para se fazer teatro amador. Perdeu-se a benigna tradição de naquele num palco improvisado se verem actuar os grandes actores amadores da nossa terra.

- José Alfredo Almeida*, Setembro de 2011.
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O velho Teatro dos Bombeiros da Régua
O Milagre do Cruzeiro
Jornal "O Arrais", quinta-Feira, 20 de Outubro de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)

Clique nas imagens acima para ampliar. Colaboração de texto e imagens do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2011. As fotos acima foram cedidas por Fernando Magalhães, filho do autor desta peça teatral.

  • *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O actor que foi bombeiro

Na Régua, são conhecidas duas casas de espectáculos.

A mais antiga é o Salão Recreativo Reguense, ao cimo da Rua da Vareiras (hoje Rua Custódio José Vieira). Está inactivo há muitos anos, mas o edifício preserva intacta a beleza arquitectónica do passado.

A outra é o abandonado Cine -Teatro Avenida, perto do Quartel dos Bombeiros, que se desfaz em ruínas, esperando, como no tempo em que havia filmes, um fim menos inglório.

Antes destas casas, em tempos recuados, existiu um Teatro que funcionou numa casa situada ao fundo da rampa João Macedo, hoje Rua 1.º de Dezembro.

Desse primeiro Teatro da Régua, não se fez ainda a sua história. O que se conhece está escrito no livro “História da Vila e do Concelho do Peso da Régua”, que nos deixou José Afonso de Oliveira Soares e nas crónicas do escritor João de Araújo Correia.

Do que eles escreveram sobre o primitivo Teatro, uma conclusão se pode tirar: era um teatrinho modesto, fundado por (actores) amadores, que não envergonhava a terra. Foi palco dalguns dos mais importantes actores profissionais.

Quando se abriram as suas portas, ao público, nada se sabe com certeza e rigor. Como não se sabe quantos anos esse Teatro manteve, com carácter de permanência, uma actividade recreativa e cultural.

O que está historiado é que esse Teatro foi atingido por uma das piores cheias do rio Douro, a tenebrosa cheia de 1860. As águas galgaram as margens, inundaram as ruas principais e chegaram às habitações da zona ribeirinha, onde se localizava o edifício. A força das águas destruiu-lhe os cenários, o palco e o telhado.
Conta Afonso Soares que o rio Douro, no dia 26 de Dezembro de 1860, “subindo muitos metros acima do nível ordinário, submergiu o teatro, do qual foi necessário amarrar o telhado para não ir na corrente como alguns outros”. Começou rigoroso o inverno de 1860, recorda Afonso Soares, para descrever a intensidade das águas que “fez engrossar o rio à altura de 24 metros aproximadamente acima do seu nível de estiagem”. Foi uma cheia que causou grande tragédia, provocou avultados prejuízos, nos bens e haveres, fazendo viver intensos dramas e múltiplas angústias.

Durante bastantes anos, a população da Régua ficou sem o seu Teatro. O edifício manteve-se fechado, a aguardar obras e a boa vontade de gente caridosa. Os reguenses deixam, assim, de assistir às representações das companhias que se deslocavam pelo país.

O Teatro só não desapareceu, definitivamente, porque dois beneméritos, António Pereira de Matos e o Padre Luís António Frias, decidiram reconstrui-lo para que uma companhia dramática espanhola, em tornée pelo país, pudesse representar para o público reguense, grande admirador de teatro.

A companhia espanhola era formada por artistas razoáveis, mas tinha dois actores a Joanita e o Adolfo Eulálio Pauman, que se distinguiam pela figura e boa interpretação que emprestavam aos papéis.

No seu livro, Afonso Soares revela admiração pelo actor Adolfo Eulálio Pauman. Além  dos elogios que lhe dedicou, fez-lhe o retrato para figurar numa página dedicada às casas de espectáculos.

Sobre o actor espanhol, o comandante Afonso Soares conta-nos como ele  soube conquistar o coração dos reguenses e que, após um mês de representações, não seguiu com a sua companhia, na tornée,  mas ficou a residir na Régua.

Chega a contar-nos que o actor foi bombeiro da Régua…!

Os arquivos dos bombeiros não guardam memórias desta tão ilustre personagem. Ninguém se lembra de haver registos da sua incorporação. Mas, o testemunho de Afonso Soares merece-nos credibilidade, já que o autor da História da Régua, nos primórdios da fundação da associação dos nossos bombeiros, tinha sido seu comandante (1892-1927). No exercício desse nobre cargo, é possível que o tenha admitido como sócio-activo, isto é, bombeiro e, por ser uma personalidade insigne, não deixou de o recordar.

Esta revelação de Afonso Soares é uma informação preciosa para a história dos bombeiros da Régua que, por descuido ou falta de atenção, ignorava que esta ilustre personagem tivesse sido bombeiro.

Do bombeiro Adolfo Eulálio Pauman não existem provas de que tivesse apagado fogos, nem que tivesse gestos de heroísmo. Seriam úteis esses pormenores, mas não acrescentariam nada ao exemplo de altruísmo e  generosidade que demonstrou ao alistar-se na corporação. Se no palco do primeiro Teatro da Régua foi um actor deveras aplaudido, no palco da vida brilhou como bombeiro dedicado em socorrer os reguenses.

O que sobre ele escreveu Afonso Soares chega para podermos imaginar um famoso actor que, ao som do sino da Capela do Cruzeiro - os primeiros sinais de incêndio -  se fardava de bombeiro, à volta das velhas bombas de incêndio, guardadas no pequeno Quartel, à data situado no Largo da Chafarica.
Assim, fica por contar mais uma bela e interessante história de vida…! A história do célebre actor espanhol que foi bombeiro voluntário da Régua. Dele só resta um retrato do seu rosto, da autoria do artista Afonso Soares, para o orgulho e a admiração das presentes e das vindouras gerações de bombeiros do Peso da Régua.
- Colaboração de J. A. Almeida* para "Escritos do Douro" em Janeiro de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Excerto da peça de teatro “A Ferreirinha - uma mulher fora do seu tempo”

Dona ANTÓNIA – A Sócia  Contribuinte nº 1 dos Bombeiros da Régua
Excerto da peça de teatro “A Ferreirinha - uma mulher fora do seu tempo”

Francisco Correia – A senhora dona Antónia dá licença?

Dona Antónia – Senhor Correia, ainda bem que chegou! Quero ir às Caldas do Moledo ver como vai o movimento dos banhos!

Francisco Correia – Mas está fresco!

Dona Antónia – Ora, ora… Nada disso… É verdade, ontem esqueci-me de lhe falar das obras da Capela do Cruzeiro!... Tenho muito gosto em contribuir com uma quantia significativa… desde que não alterem nada do que mostraram no desenho! É muito dinheiro! Aquela capela merece ser bem recuperada! Ali estão os símbolos do Peso e da Régua!

Francisco Correia – Como a Senhora desejar…Quando achar conveniente, indica-me a quantia.

Dona Antónia – Também hei-de ajudar a igreja de Godim na recuperação do altar do Senhor da Misericórdia (pensativa)…e misericórdia tenha de nós!

Francisco Correia – Na verdade, a vida não está fácil!

Dona Antónia – Não se esqueça dos Bombeiros! Eles dão a vida pela vida dos outros... merecem!

Francisco Correia – Merecem sim! O senhor Manuel Maria Magalhães ficou de passar por cá, para cumprimentar a senhora dona Antónia e convidá-la para sócia contribuinte.

Dona Antónia – Esse senhor Magalhães é um homem muito dinâmico, não é? Ele também não pertence à mesa do Hospital?

Francisco Correia – É um homem de direito, muito empenhado na evolução da Régua! O Hospital já está a funcionar…graças aos donativos da Senhora.

Dona Antónia – Meus, da minha família e principalmente do meu falecido marido, Francisco Torres! Aliás, se todos pensassem como eu… Cada um, na sua terra, deveria fazer tudo o que fosse para bem da humanidade! (mudando de tom) Está bem!...Mudemos de assunto…
(chega uma criada)
Maria – A senhora dá licença? Acabou de chegar um senhor que diz ser dos Bombeiros.

Dona Antónia – Não me diga que é ele? Só pode ser boa pessoa! Manda-o entrar, Maria.

Francisco Correia – O senhor Manuel Maria Magalhães!... vai ser o  comandante! 
(a empregada fá-lo entrar)

Sr. Magalhães – Dão licença?

Dona Antónia – Entre! Entre, sr. Magalhães.
(O sr. Magalhães cumprimenta com uma curta vénia dona Antónia e F. Correia)

Dona Antónia – Então como vão as diligências para o arranque dessa associação de Bombeiros?!

Sr. Magalhães – Senhora dona Antónia, venho informá-la que os estatutos estão prontos, foram redigidos pelo Dr. Claudino, o nosso Presidente da Câmara. E seremos, se tudo correr como todos desejamos, dos primeiros a ter uma instituição de intervenção social, tão necessária.

Dona Antónia – Fico contente…já que me visita só para me comunicar que vamos ter uma Associação de Bombeiros! Estamos todos mais descansados! 

Francisco Correia – Senhora dona Antónia, repare no livro que o sr. Manuel Maria de Magalhães traz!...
(Riem um pouco…)
Sr. Magalhães – Senhora dona Antónia, tenho a honra de a convidar a assinar o Livro dos Estatutos da Associação e Inscrição dos Sócios Contribuintes! A senhora será a sócia contribuinte nº1. (passa-lhe o livro)

Dona Antónia – Ora muito bem, muito bem!… Sócia Contribuinte?!... não é verdade? E então vou contribuir?...

Sr. Magalhães – A jóia será de 500,000 mil réis e a quota mensal 200,000 mil réis. Acha bem?

Dona Antónia – (tosse um pouco) Ora bem! E já falaram a outras famílias cá da Régua? Os Barretos, os Vasques?

Sr. Magalhães – Já foram contactados e ninguém recusou!

Dona Antónia – Todos temos a obrigação de contribuir! É urgente existir na Régua uma associação desta natureza devidamente equipada! Já viu, se acontece algum incêndio na altura em que há pipas e pipas de aguardente nos nossos e em outros armazéns!...

Francisco Correia – Lá isso é verdade, seria uma tragédia!

Sr. Magalhães – A sra dona Antónia disse bem, “devidamente equipada” ! Mas esse é o maior problema! A estação de material, no Largo da Chafarica, é um sítio já muito acanhado. A Câmara não tem grandes meios e nós precisamos de bombas mais modernas, mangueiras, um carro de escadas, fardas…

Dona Antónia(olhando-o de alto a baixo) Ó sr. Magalhães, olhe que essa sua farda fica-lhe mesmo a matar!!! (tosse)

Francisco Correia(comenta) Comandante é comandante!

Sr. Magalhães (sorri) Nós também temos um grupo dramático, uma banda de música…preocupamo-nos em valorizar a cultura e o divertimento!

Dona Antónia – É bom que as pessoas… dêem valor à cultura!

Sr. Magalhães – A leitura de bons livros, julgo ser da máxima importância… só que a nossa biblioteca está reduzida a uma estante de livros…

Dona Antónia (tosse) Já entendi, sr. Magalhães, já entendi! Precisa de livros… ou melhor… uma quantia para aumentar essa estante! Não é verdade? (uma criada entra a correr)

Josefina – Minha senhora! Há fogo… há fogo! O sino do Cruzeiro não pára de tocar…

Sr. Magalhães(preocupado) Quantos toques? Quantos toques ouviu?

Josefina – São sete! Sete badaladas!  (à parte) ou foram oito?

Sr. Magalhães – Ora sete… Ameixieira… senhor dos Aflitos… peço desculpa, senhora dona Antónia, mas tenho de me apressar… não posso ser o último a chegar!

Francisco Correia – Eu acompanho-o… (saem os dois apressadamente)

Dona Antónia – Acho bem… Espero que não seja em nenhuma das minhas casas… Eu tenho lá várias… (esquece)

Aqui ficou o Livro… vou assinar sem testemunhas! O que eles querem é uma quantia sempre certinha… e mais alguma para mais umas extravagâncias… (assina e fecha o livro em seguida) Ele cá há-de vir buscá-lo! É simpático, bem apessoado! Sim senhor! (mudando de tom) Ora bem, amanhã é domingo? Pois é… amanhã é domingo…temos bodo aos pobres!
(toca a campainha e aparece uma criada)

Chica – A senhora chamou?

Dona Antónia – Sim, Chica! Na cozinha, lembra à Maria que tenha fartura de alimentos. Quero dar um bodo a essa gente que costuma vir assistir à missa.

Chica – Sim, minha Senhora! O tempo tem ido tão ruim! Há muita fome por aí!

Dona Antónia – Então eu não sei?... Vai… vai… despacha-te! Diz ao Damásio que quero ir ao Moledo e, na passagem, quero ir ver como vão os preparativos para a vindima na Quinta do Santinho… (ri-se) Fica em caminho, Chica!

Chica(como se já contasse) O Damásio tem a caleche pronta, como sempre e como a senhora gosta. Mas está fresco… não vai adoecer?

D. Antónia – Ora, ora… tens cada uma! Estes meus empregados! Sou alguma velha?
(saem e a criada tem de lhe levar o agasalho de que ela faz questão de se esquecer)
Josefina(entra um pouco esbaforida…) Minha Senhora, minha Senhora! (repara que já não há ninguém na sala) Ainda bem que já não está cá! Então não é que eles já estão de volta!? Estou a ver que foi só fumaça… ou será que me enganei nos toques… mas eu contei... sete! Será que não foram? Enganei-me! Ahahah… foram dar uma voltinha à Régua… ver se estava mais direita!
- Grupo de Teatro da Universidade Sénior do Peso da Régua

Autores: Grupo de Teatro da Universidade Sénior do Rotary Clube do Peso da Régua. Este excerto constitui o Quadro nº 8 da peça de teatro amador que recria com muito rigor histórico factos da vida deste singular mulher reguense, numa excelente representação dos alunos daquela Universidade.
Clique  nas imagens para ampliar. Sugestão de texto e imagens feita pelo Dr. José Alfredo Almeida (Jasa). Publicado também no jornal semanário regional "Arrais" em 19 de Julho de 2012. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2012. Atualização em 19 de Novembro de 2013. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos. 

domingo, 24 de junho de 2012

Teatro nos Bombeiros da Régua: "FERREIRINHA" - uma mulher fora do seu tempo

CONVITE
Homenagem a D. Antónia Adelaide Ferreira - “A Ferreirinha”, 1ª. Sócia Contribuinte dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua.

Encenação da Peça de Teatro: “Ferreirinha – Uma Mulher Fora do Seu Tempo”, pelo Grupo de Teatro da Universidade Sénior de Rotary - Peso da Régua.

Local: Quartel dos Bombeiros (Salão Nobre), dia: 30 de Junho de 2012, 21H30.


Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

A Ferreirinha 'voltou' 132 anos depois ao Quartel dos Bombeiros da Régua

No dia 30 de Junho do corrente, os Bombeiros da Régua receberam  no seu Quartel, agora situado na Avenida Dr. Antão de Carvalho, passados 132 anos, a "visita" da personagem histórica do Douro, D. Antónia Adelaide Ferreira, através da peça "A Ferreirinha - uma mulher fora do seu tempo", brilhantemente representada pelo grupo de Teatro da Universidade Sénior do Peso da Régua.

A peça é uma homenagem a grande empreendedora vitícola e sua solidariedade e generosidade que a levou a ajudar famílias carenciadas, instituições de solidariedade, misericórdias, hospitais e a fundação dos  Bombeiros da Régua, onde se inscreveu como a primeira sócia contribuinte.

Para além de retratar com muita fidelidade e rigor a peça recriou, pela primeira vez, o momento histórico em que o jovem 1º Comandante Manuel Maria de Magalhães - muito bem interpretado pelo jovem Heitor Gama, neto de um antigo dirigente associativo, que vestiu uma bela farda de gala da época - a convidou para associada e ela, que bem conhecia o novo lema "Vida por Vida", de fazer o bem ao próximo sem esperar recompensa, aceitou assinando o respectivo livro de inscrição - que ainda existe e se guarda religiosamente no Museu - e se obrigou a pagar uma jóia e uma quota mensal de valor considerável - e, como se disse na peça a brincar, a dar algo mais qualquer coisas para outras extravagâncias - para adquirem o primeiro material, fardamento e comprar  mais livros para a sua biblioteca, ainda pequena e que cabia então numa pequena estante de madeira.

O Salão Nobre do Quartel dos Bombeiros - onde outrora já se representou muito e bom teatro amador - teve a presença de muitas pessoas - mais de uma centena - que aplaudiram a "classe" da Senhora  Ferreirinha - representada por uma actriz de talento, a Prof. Olga Maria Alves - e os demais actores, todo eles amadores, e que assim encerravam o ano lectivo como alunos da Universidade Sénior, desta vez em apoteose, graças à dedicação e empenho da encenadora Professora (e autora) Maria José Garcia.

Saíram prestigiados também os Bombeiros da Régua que, mais uma vez, mostraram a sua ligação à sociedade reguense e evidenciaram a sua matriz originária de promover a cultura, lema que cumprem desde a sua fundação, em 28 de Novembro de 1880, pois como dizia no passado o escritor João de Araújo Correia: "A Régua, se não vegeta, é porque vai vivendo no ânimo dos seus Bombeiros".
Por José Alfredo Almeida*




"A Ferreirinha - uma mulher fora do seu tempo"
(grupo de Teatro da Universidade Sénior do Peso da Régua - algumas imagens)
*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2012. Texto também publicado na edição do semanário regional "Noticias do Douro" de 6 de Julho de 2012. 2 imagens de Fernando Peneiras e as demais retiradas da net livre via FaceBOOK - Universidade Sénior do Peso da Régua. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Na Régua: Amália Rodrigues não esqueceu os bombeiros

(Clique na imagem para ampliar)

Sábado, 23 de Julho de 1966, 23.30 horas: Amália Rodrigues (1920-1999), no auge da sua carreira, esteve no palco do Cine-Teatro Avenida, no Peso da Régua, a actuar num espectáculo de beneficência a favor da Santa Casa da Misericórdia e da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários, numa sala repleta de pessoas, fãs da grande artista, para quem interpretou os seus grandes fados e cantigas do folclore português, como o "Vou dar de beber à dor" e o "Barco negro", recebendo longos aplausos.

A grande rainha do fado veio cantar à Régua para mostrar o seu agradecimento aos bombeiros que, tempos antes, haviam prestado socorro ao seu marido, ferido num grave acidente de viação. O convite à fadista partiu da direcção dos bombeiros, na pessoa do Sr. Noel de Magalhães, a um amigo íntimo da artista, Francisco dos Santos Lopes (padrinho do casamento), que residia numa quinta no Douro, em S. João da Pesqueira, o qual estabeleceu os contactos e tratou da sua viagem e estadia.

A primeira parte deste inédito espectáculo, apresentado pelo locutor Carlos Ruela, da desaparecida Rádio Alto-Douro (1952), com estúdios na Régua, teve a magnifica participação do conjunto reguense “Revelações”, orientado pelo prof. José Armindo, que estava na berlinda e fazia grande sucesso no público.

Podemos ainda recordar, segundo a notícia do jornal “Vida por Vida”, que Amália “foi recebida com grandes honras e finalmente obsequiada com uma ceia volante no Salão Nobre da Corporação, em todos os momentos irradiou simpatia”, o que se testemunha pelas fotografias inéditas que divulgamos. Por essa notícia, ficamos mais a saber que “pela palavra fluente do Sr. Joaquim Augusto Rodrigues, Amália Rodrigues ouviu um justo e sincero agradecimento das duas instituições contempladas, que possibilitou a arrecadação de mais de doze mil escudos”.
A realização desses eventos musicais e outros de natureza artística era uma boa maneira de os bombeiros da Régua angariarem fundos que escasseavam para gastos de funcionamento. Havia até já uma tradição de promoverem espectáculos musicais, de teatro e de organizarem um elegante “Baile das Vindimas”, que em 1961 foi preparado por uma comissão de pessoas ilustres, como as conhecidas Dra. Raquel Janeiro e Dra. Margarida Quinas Guerra.

Nas décadas dos anos 50 a 70 anos, em especial, os bombeiros da Régua conseguiram envolver a sociedade reguense na participação de actividades de carácter recreativo e cultural. Com este dinamismo, a Associação manteve-se sempre ligada às pessoas, a quem procurava não só assegurar a nobre missão de socorro, mas possibilitar outras de carácter social. Desde o inicio da fundação, que o quartel dos bombeiros da Régua serviu como um lugar de convívio social e de animação colectiva. Nele, sabemos hoje, que muitas pessoas viram, pela primeira vez, televisão, o cinema, leram livros de grandes escritores, jogaram diversos jogos das épocas, assistiram a peças de teatro e, noutras ocasiões, fizeram as bodas dos seus casamentos e se divertiram nos famosos bailes de gala. O salão nobre, a biblioteca e o museu serviram para dinamizarem entre os associados a produção de actividades recreativas culturais que não se encontravam em mais colectividades.

Nos momentos de dificuldades, a população reguense acorria para ajudar os bombeiros nas suas cíclicas crises. Em tempos mais recuados, foram os próprios bombeiros da Régua, a organizaram no seu Corpo Activo, um grupo cénico para com a realização alguns espectáculos angariarem dinheiro que faltava para pagar as mais elementares despesas. Esse momento de fragilidade, esta revelado nas memórias do Chefe António Guedes, publicadas no jornal “O Arrais”, de 20 de Junho de 1978, onde nos evoca essas suas preciosas recordações:“No decorrer dos anos 1910-1920, a AHBVPR debatia-se com a maior crise financeira de que havia memória, a ponto de haver alguém, pertencente ao Corpo Activo, que teve a infeliz lembrança de alvitrar que a Corporação fechasse as portas do seu quartel e entregasse à Câmara todo o material nela existente, para que esta tratasse de organizar, se assim o entendesse, um Corpo de Bombeiros Municipais.

Contra esta idéia todos nós, bombeiros, nos insurgimos, tendo o Chefe Camilo Guedes Castelo Branco afirmado que este assunto erámos nós que o havíamos de resolver se queríamos salvar a Corporação do fim inglório que a esperava. No fim de cada mês havia que se pagar a renda de casa, a água, a luz, o ordenado do quarteleiro e as despesas de conservação do material. Com o produto das contas dos sócios contribuintes não se podia contar, pois estes em pouco excediam o número de quarenta, motivo porque José Afonso Oliveira Soares, Joaquim Sousa Pinto, Lourenço Medeiros, José Guedes Leites, Luís Maria da Cunha Iharco, João da Silva Bonifácio, José Maria de Almeida e o autor destas linhas nos cotizávamos e, das nossas algibeiras, completávamos a importância para a liquidação das despesas mensais.

E o mais interessante é que, esse membro do Corpo Activo que sugeriu que se encerrassem as portas do nosso quartel, ao tempo situado no Largo dos Aviadores, nunca mais contribuiu.
Foi convocado o Corpo Activo e Camilo Guedes Castelo Branco escolheu, dentre os seus componentes, alguns deles, organizando um grupo cénico que foi constituído por ele, por Lourenço Medeiros, José Guedes Leite, João da Silva Bonifácio e eu próprio, com a coadjuvação dos sócios contribuintes José Joaquim Pereira Soares Santos, António da Silva Correia, Júlio Vilela, Luciano Tavares, Jaime Guedes, José Avelino e outros cujos nomes não me ocorrem. Como colaboradora tínhamos a actriz Alda Verdial, do Porto, filha do actor Miguel Verdial.

Começaram os ensaios, por vezes interrompidos para se fazer uma “taininha”, até que chegou o dia do primeiro espectáculo, com o drama ”Jocelim, pescador de baleias”. Casa à cunha e assistência selecta. No final da representação, que decorreu admiravelmente, foi um delírio de palmas e chamadas ao palco.

Em vista disso, ficou resolvido dar-se um espectáculo todos os meses, pois que os resultados obtidos com o primeiro superam todas as nossas previsões. Assim, não seria necessário esportularmo-nos mensalmente, como há muito vinha sucedendo. Foram-se pagando dívidas, e no nosso pobríssimo cofre, onde só existiam teias de aranha, começaram a juntar-se e a acumular-se os escudos (…).

O segundo espectáculo, com a peça “Condessa de Marcé”, constitui um novo sucesso, com a casa igualmente à cunha. O terceiro espectáculo, então com a peça “Coração e Dinheiro”, escrita e musicada pelo ilustre reguense José Joaquim Pereira Soares Santos (…) teve de ser repetido e rendeu-nos imenso dinheiro com o qual se pagaram as restantes dívidas e se adquiriu uma outra bomba braçal, cuja falta se fazia sentir e à qual se deu o nome de “Pátria”.

Este é mais exemplo de audácia dos bombeiros da Régua que, como actores amadores, fizeram que a sociedade reguense os ajudasse a vencer uma crise económica. Eles, nesse tempo, conseguiram com o seu esforço evitar que as portas do quartel se fechassem.

Com homens assim, pode dizer-se que uma associação e um corpo de bombeiros nem tem fim nem pode morrer, nunca. A sua riqueza é as pessoas que a servem de coração e os seus beneméritos que engrossam uma interminável lista de lições de generosidade.

Como o fez, em 1966, a grande Amália Rodrigues. Inesquecível este seu gesto de solidariedade, que merecerá um destaque maior nas páginas da história da Associação, já cheia de passado e sempre… cheia de futuro!
- Peso da Régua, Agosto de 2009, José Alfredo Almeida.

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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Teatro nos Bombeiros da Régua: "FERREIRINHA" - uma mulher fora do seu tempo

CONVITE
Homenagem a D. Antónia Adelaide Ferreira - “A Ferreirinha”, 1ª. Sócia Contribuinte dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua.

Encenação da Peça de Teatro: “Ferreirinha – Uma Mulher Fora do Seu Tempo”, pelo Grupo de Teatro da Universidade Sénior de Rotary - Peso da Régua.

Local: Quartel dos Bombeiros (Salão Nobre), dia: 30 de Junho de 2012, 21H30.


Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Camilo Guedes Castelo Branco: O Comandante Poeta

Encontramos nesta velha fotografia do fotógrafo Noel de Magalhães figuras proeminentes da história da Régua, nos anos 30 e 40, que se destacaram pela sua intensa actividade cívica, cultural e humanitária. Nesta imagem, cruzamos o nosso olhar com o olhar de alguns dos melhores bombeiros: vemos os “patrões” Gastão Mirandela, António Guedes Castelo Branco, Álvaro Rodrigues da Silva e o Comandante Camilo Guedes Castelo Branco (1930-1949), o Comandante poeta.

Destaca-se de entre eles Camilo Guedes Castelo Branco (1868-1949) nascido e falecido na Régua. Este reguense, uma personalidade ímpar, destacou-se em vários domínios da sociedade. Na história, o seu nome ficou mais conhecido por ter exercido o cargo comandante dos bombeiros. Quem com ele conviveu, como Dr. Mário Bernardes Pereira, antigo presidente de direcção, dizia que a sua presença no quartel, situado então na Rua dos Camilos, criava uma atmosfera de respeito e afectividade. A sua dedicação ao voluntariado era de grande generosidade pelo que sua memória permanece viva. As novas gerações de bombeiros podem não ter saber tudo do seu percurso de vida e dos seus valores cívicos, mas já apreenderam que o seu mérito o eleva a categoria dos mais notáveis bombeiros da Associação. Não há ninguém que não deixe de sentir orgulho e respeito quando observa o seu retrato de comandante, garbosamente fardado, que figura numa das paredes do Museu.

Camilo Guedes Castelo Branco fez-se bombeiro aos 17 anos. Alistou-se no corpo activo em 1 de Maio 1889 e aí se manteve até 1949. Aprendeu com alguns dos notáveis bombeiros e fundadores da Associação e partilhou a amizade e muitas experiências com os comandantes os seus antecessores José Afonso de Oliveira Soares e Joaquim Sousa Pinto. Por vontade própria ficou a comandar os bombeiros até à sua morte. Tinha a provecta idade de 81 anos. O seu grande lema de socorro que ensinava aos seus bombeiros traduzia-se na divisa “Vida por Vida” que ele afirmava assim: “Para se salvar uma criatura de uma morte certa, todos temos a obrigação de sacrificar seja o que for, mesmo que sejamos nós próprios”.

Mas, a sua acção não se ficou apenas pela responsabilidade operacional dos seus bombeiros. Se a Associação não chegou a “morrer”, no início do século passado, deveu-se em muito à sua determinação. Para a manter viva e dinâmica trabalhou muito num momento em que atravessou uma grande crise. Durante os anos de 1910-1920, quando a Associação se encontrava sem meios económicos para manter abertas as portas do quartel, situado no Largo dos Aviadores, não descansou a mobilizou os bombeiros e a sociedade civil, para encontrar garantir a sua sobrevivência. A ideia de criar um grupo cénico composto por bombeiros para fazerem espectáculos de teatro deu resultados positivos. Com as receitas obtidas conseguiu angariar o dinheiro que necessitava e evitou que o Corpo de Bombeiros não fosse extinto e o seu pouco material que tinham devolvido à Câmara Municipal. Outra relevante acção que realizou como comandante foi a de ter montado no Asilo José Vasques Osório, em 1918, um hospital onde os bombeiros da Régua socorriam e prestavam cuidados de saúde aos doentes afectados pela gripe pneumónica.

A partir de certa altura, teve a ajuda dos seus filhos, a quem soube incutir a mesma paixão pelos bombeiros. O Jaime Guedes distinguiu-se como director, chegando a ser presidente da direcção e da assembleia-geral. Defendeu a construção de raiz de um quartel para os bombeiros, o que possível dar início quando fez parte de uma vereação da Câmara Municipal, em 1930, liderada pelo Dr. Mário Bernardes Pereira. O António Guedes sobressaiu como bombeiro, atingido o posto de “patrão”. Lourenço de Almeida Medeiros escolheu para seu 2º Comandante. Deixou o seu testemunho como bombeiro ao escrever as suas memórias que publicou no jornal “O ARRAIS”, evocando factos históricas esquecidos, relatos de incêndios urbanos e a acção de alguns homens coragem.

Mas, este homem distinguiu-se ainda como político, jornalista e escritor, mais dramaturgo e poeta. Como politico foi várias vezes o Administrador do Concelho, nomeado pelo partido republicano. Soube influenciar a vida cultural e política da sociedade do seu tempo pela defesa moderada dos ideais da república (aderiu com o Dr. Antão de Carvalho que foi primeiro presidente de câmara da Régua republicano e Ministro da Agricultura) e fez parte do movimento social de apoio aos ex-combatentes portugueses, sendo o presidente da Junta Patriótica do Norte.

Como dramaturgo, uma sua peça de teatro fez sucesso representada por um grupo de actores amadores. A opereta “As Andorinhas”, musicada por Almeida Saldanha, alcançou êxito onde foi levada a cena, desde o antigo Salão Recreativo, na Régua, até ao Teatro Sá da Bandeira, no Porto. Apreciada pelos reguenses chegou a ser representada por três gerações: avós, pais e netos, “sempre com muito brio e entusiasmo, como se passassem uns aos outros um testemunho de ouro”.

Fez jornalismo numa época difícil, de tumultos, motins e muita agitação social na região duriense. Fundou e dirigiu os jornais “A Folha”, “O Dissidente” e “Cinco de Outubro”. Nas páginas dos dois últimos, os paladinos Douro escreverem artigos de opinião a reclamarem uma solução para os problemas dos viticultores durienses. Parece que os tempos de crise se repetem, os lavradores do Douro sofrem actualmente uma crise social idêntica. Há sinais de preocupação que no pensamento do escritor Miguel Torga mereceram esta profunda reflexão: “O Douro necessita de ser olhado pela nação como o seu Olimpo sagrado, o chão bendito que produz a única riqueza de somos senhores exclusivos: o Porto que o mundo assim conhece e saboreia, imita em todas as latitudes sem nunca o igualar. Mas esse carinho pátrio tem de começar pelo oficiante de mãos calosas que espreme os xistosos até os fazer ressumar. É ele, nunca presente nos salões dos congressos, nunca farto de banquetes oficiais, nunca tido nem achado nas reformas e nos decretos, que deve ser chamado à ribalta para expor as suas necessidades e formular as suas queixas. Para desdobrar diante dos olhos da justiça o sudário da sua crucificação. Porque se nas Sagradas Escrituras tudo começa pelo Verbo, no livro da pedra da nossa região bem amada a lição é outra. Aqui, no princípio era o homem: o homem duriense.”

Mas, na verdade, foi como poeta que mostrou o seu maior génio criativo. Deixou uma obra editada, o livro de poesia “Fraternalis Dolor”, um inédito com o título “Arias Sertejanas” e muita poesia dispersa em jornais. Abordou nos seus versos a figura dos soldados da paz e a beleza cénica região duriense. Na poesia “O bombeiro” evoca o seu lado anti-herói, onde há o dever de salvar das chamas do fogo uma criança. Numa outra, a “Marcha da Régua”, gravada na voz de Sandra Botelho, fala dos encantos da paisagem vinhateira da sua terra natal.

No livro “Lira Familiar” (de 1976), João de Araújo Correia inseriu uma poesia “Instantâneo VI”, de Camilo Guedes Castelo Branco, publicada no “Jornal da Régua, em 1937 e assinada com o pseudónimo de Gil Vaz, em que foca o autor do livro. Em nota final, desse livro, o escritor duriense acrescentou a seu respeito um insuspeito elogio: “Poeta lírico de altíssimo talento, pedem colectâneas, há muitos anos, os seus dispersos. Com eles se poderia formar um delicado ramo de flores”. Correspondeu-se também com o poeta Guerra Junqueiro que lhe dirigias as cartas chamando-o de “caro colega”.

Umas breves notas da sua biografia foram escritas por Manuel António, correspondente local do extinto jornal “O Comércio do Porto” que, por traduzirem a grandeza moral deste homem, se passam a citar: “Nasceu em Peso da Régua, numa casa do Adro do Cruzeiro, em 14 de Março de 1868. Desempenhou sempre as funções de notário – adjunto, sendo funcionário distinto e sabedor. Poeta, jornalista e escritor dramático, colaborou em todos os jornais que se publicaram nesta vila e em alguns diários de Lisboa e Porto. Em 1890 fundou na Régua, juntamente com o poeta Hamilton de Araújo, um semanário literário intitulado “A Folha”, que teve pouca duração. Mais tarde fundou “O Dissidente” e depois “O Cinco de Outubro”, de feição republicana moderada. Por duas vezes, e durante alguns anos, na vigência de ministérios de concentração desempenhou com muito brilho e a contento de todos, as funções de administrador do concelho tendo, com a sua política de apaziguamento, terminado com as violências políticas que por vezes aqui se praticavam. Criatura deveras bondosa e modesta, falava primorosamente e sempre de improviso. Alguns dos seus discursos constituíram verdadeiras jóias literárias. Publicou um livro de versos intitulado “Farternalis Dolor” e deixou escrito um outro livro denominado “Arias Sertanejas”, que não chegou a publicar. Escreveu centenas de poesias e sonetos em vários jornais do País, e todos esses versos dispersos, uma vez compilados, dariam uma obra valiosa. Autor de várias obras teatrais, expressamente escritas para o “seu teatro”, foi também autor da linda opereta “As Andorinhas”, com música do falecido e talentoso maestro lamecense Almeida Saldanha, cujo centenário a cidade de Lamego vai em breve comemorar. Esta peça teve muitas dezenas de representações, não só nesta vila como no Porto, Chaves, Lamego, etc., tendo-lhe a critica tecidos os maiores elogios. Bombeiro voluntário deste a idade dos 17 anos. E quando, há muitos anos já, a Associação esteve em riscos de soçobrar, por absoluta falta de recursos, organizou um corpo cénico com elementos da Corporação, o qual dava uma récita mensal e assim conseguiu manter a Corporação. Essas récitas efectuavam-se num armazém da Rua José Vasques Osório, onde hoje está instalado o Asilo e que foi devidamente adequado a casa de espectáculos. Sem isso, a velha e gloriosa Corporação teria deixado de existir. Mais tarde, e quando as finanças da Corporação já estavam nova e firmemente consolidadas, graças a essas récitas, por sua iniciativa distribuía a Corporação, no dia 28 de Novembro, dia do seu aniversário, um bodo a 50 pobres dos mais necessitados desta freguesia. Em 1918, quando da epidemia da pneumónica, por sua iniciativa e ainda com o produto desses espectáculos, foi montado no Asilo Vasques Osório um bem apetrechado hospital onde todos os doentes pobres atacados desse epidemia foram carinhosamente tratados. Possuía várias condecorações e faleceu com 81 anos de idade, em 25 de Agosto de 1949 ainda à frente do Comando da Corporação que tanto amou e tão bem soube servir.”

A AHV prestou-lhe uma sentida homenagem, em 2007. Uma nova ambulância de socorro, que ia ser posta a serviço da comunidade, foi baptizada com o seu nome. Na cerimónia estiveram presentes os seus descendentes para testemunharem este singelo reconhecimento de uma nova geração de homens. As palavras de agradecimento que proferiu a sua bisneta Maria Teresa Castelo Branco comoveram os presentes. Vale a pena recordar o que disse: “Estou certa de que gestos como estes, ao contribuírem para consolidar laços com o passado, avivam no presente a necessidade de seguir a lição dos que deram algo de si à nobre causa dos soldados da paz, tal como fez a seu tempo, o meu bisavô, Camilo. Num tempo em que a amnésia colectiva nos parece afastar das nossas raízes, esta homenagem, para além de ser uma honra para a família, é pelo simbolismo, a prova que a corporação que V. Exª dirige, soube resgatar do esquecimento o exemplo de uma vida de entrega a uma causa nobre. Agradeço, pois, comovida, esta oportunidade de trazer até nós e sobretudo aos meus filhos a figura do meu bisavô Camilo Guedes Castelo Branco”.

A história do Corpo de Bombeiros da Régua não se faz de só pequenas coisas. Ela faz-se da vida e da obra de grandes homens, como era o Comandante Camilo Guedes Castelo Branco, que com o seu exemplo, permite ter muito orgulho no passado e olhar o futuro ainda com mais ambição para os bombeiros do actual século.
- Peso da Régua, Novembro de 2009, J. A. Almeida. (Nota: Peso da Régua, 29 de Junho de 2010: Este texto constitui uma versão revista e ampliada da anterior aqui publicada.)

O Bombeiro
No silencio da noite, de repente,
Erguem-se a voz estrídula dos sinos
  num longo baladar
E a distância brilhou, sinistramente,
Um clarão, que tingiu a luz do luar
  de laivos purpurinos.
“Fogo! Fogo!”-alguém diz com aflição.
E logo a pobre gente do lugar,
toda cheia de espanto e de canseira,
Pôs-se a correr, gritando, em direcção
  da medonha fogueira.

O incêndio crepitava
e, batido do vento, devorava
Uma pequena casa arruinada.
E, perto, uma mulher d`olhar aflito
erguia as mãos ao céu calmo e infinito
a chorar e a gemer desesperada.
Ali, em meio da fogueira, tinha
essa mulher um filho, a criancinha
mais bonita da velha povoação,
e o fogo, em seu horrível avançar,
iria dentro em breve transformar
o seu pequeno corpo num carvão.

Metia dó a pobre mãe! Mas como
Salvar-lhe o louro e cândido filhinho,
  se a labareda e o fumo,
num espantoso e horrível torvelinho,
ameaçam devorar rapidamente
quem se abeirar dessa fornalha ingente?

Podes chorar, mulher! ninguém te acode.
Chora, que és mãe; mas vê que ninguém pode
esse anjinho das chamas libertar.
Olha: em meio da tétrica fogueira
anda a morte, feroz e traiçoeira,
  a acenar, a acenar…

Mas nisto, junto ao prédio incendiado
surge um homem soberbo de valor.
A multidão ansiosa solta um brado
  de espanto e terror.

Ele caminha sempre com firmeza
e a intrepidez estóica dos heróis;
escala a casa em chamas com presteza,
escala a casa em chamas…e depois…
  depois desaparece.
E a pobre mãe aflita cai de bruços
A murmurar baixinho, ente soluços,
  Uma prece…

Na multidão, silêncio. Só se ouvia
um secreto rumor, que parecia
o palpitar de muitos corações…

Senhor! És pai e cheio de bondade!
estende lá do azul da imensidade
O teu olhar repleto de perdões!

E eis que em meio trágico do braseiro
surge a figura altiva do bombeiro
Trazendo ao colo o pequeno ser.
Passou…desceu…e dentro em pouco, ansioso,
depositava o fardo precioso
no regaço da pálida mulher.
- Poesia inédita do Comandante dos B V Peso da Régua, Camilo Guedes Castelo Branco (1930-1940.
(Clique nas imagens acima para ampliar)