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terça-feira, 19 de novembro de 2013

Excerto da peça de teatro “A Ferreirinha - uma mulher fora do seu tempo”

Dona ANTÓNIA – A Sócia  Contribuinte nº 1 dos Bombeiros da Régua
Excerto da peça de teatro “A Ferreirinha - uma mulher fora do seu tempo”

Francisco Correia – A senhora dona Antónia dá licença?

Dona Antónia – Senhor Correia, ainda bem que chegou! Quero ir às Caldas do Moledo ver como vai o movimento dos banhos!

Francisco Correia – Mas está fresco!

Dona Antónia – Ora, ora… Nada disso… É verdade, ontem esqueci-me de lhe falar das obras da Capela do Cruzeiro!... Tenho muito gosto em contribuir com uma quantia significativa… desde que não alterem nada do que mostraram no desenho! É muito dinheiro! Aquela capela merece ser bem recuperada! Ali estão os símbolos do Peso e da Régua!

Francisco Correia – Como a Senhora desejar…Quando achar conveniente, indica-me a quantia.

Dona Antónia – Também hei-de ajudar a igreja de Godim na recuperação do altar do Senhor da Misericórdia (pensativa)…e misericórdia tenha de nós!

Francisco Correia – Na verdade, a vida não está fácil!

Dona Antónia – Não se esqueça dos Bombeiros! Eles dão a vida pela vida dos outros... merecem!

Francisco Correia – Merecem sim! O senhor Manuel Maria Magalhães ficou de passar por cá, para cumprimentar a senhora dona Antónia e convidá-la para sócia contribuinte.

Dona Antónia – Esse senhor Magalhães é um homem muito dinâmico, não é? Ele também não pertence à mesa do Hospital?

Francisco Correia – É um homem de direito, muito empenhado na evolução da Régua! O Hospital já está a funcionar…graças aos donativos da Senhora.

Dona Antónia – Meus, da minha família e principalmente do meu falecido marido, Francisco Torres! Aliás, se todos pensassem como eu… Cada um, na sua terra, deveria fazer tudo o que fosse para bem da humanidade! (mudando de tom) Está bem!...Mudemos de assunto…
(chega uma criada)
Maria – A senhora dá licença? Acabou de chegar um senhor que diz ser dos Bombeiros.

Dona Antónia – Não me diga que é ele? Só pode ser boa pessoa! Manda-o entrar, Maria.

Francisco Correia – O senhor Manuel Maria Magalhães!... vai ser o  comandante! 
(a empregada fá-lo entrar)

Sr. Magalhães – Dão licença?

Dona Antónia – Entre! Entre, sr. Magalhães.
(O sr. Magalhães cumprimenta com uma curta vénia dona Antónia e F. Correia)

Dona Antónia – Então como vão as diligências para o arranque dessa associação de Bombeiros?!

Sr. Magalhães – Senhora dona Antónia, venho informá-la que os estatutos estão prontos, foram redigidos pelo Dr. Claudino, o nosso Presidente da Câmara. E seremos, se tudo correr como todos desejamos, dos primeiros a ter uma instituição de intervenção social, tão necessária.

Dona Antónia – Fico contente…já que me visita só para me comunicar que vamos ter uma Associação de Bombeiros! Estamos todos mais descansados! 

Francisco Correia – Senhora dona Antónia, repare no livro que o sr. Manuel Maria de Magalhães traz!...
(Riem um pouco…)
Sr. Magalhães – Senhora dona Antónia, tenho a honra de a convidar a assinar o Livro dos Estatutos da Associação e Inscrição dos Sócios Contribuintes! A senhora será a sócia contribuinte nº1. (passa-lhe o livro)

Dona Antónia – Ora muito bem, muito bem!… Sócia Contribuinte?!... não é verdade? E então vou contribuir?...

Sr. Magalhães – A jóia será de 500,000 mil réis e a quota mensal 200,000 mil réis. Acha bem?

Dona Antónia – (tosse um pouco) Ora bem! E já falaram a outras famílias cá da Régua? Os Barretos, os Vasques?

Sr. Magalhães – Já foram contactados e ninguém recusou!

Dona Antónia – Todos temos a obrigação de contribuir! É urgente existir na Régua uma associação desta natureza devidamente equipada! Já viu, se acontece algum incêndio na altura em que há pipas e pipas de aguardente nos nossos e em outros armazéns!...

Francisco Correia – Lá isso é verdade, seria uma tragédia!

Sr. Magalhães – A sra dona Antónia disse bem, “devidamente equipada” ! Mas esse é o maior problema! A estação de material, no Largo da Chafarica, é um sítio já muito acanhado. A Câmara não tem grandes meios e nós precisamos de bombas mais modernas, mangueiras, um carro de escadas, fardas…

Dona Antónia(olhando-o de alto a baixo) Ó sr. Magalhães, olhe que essa sua farda fica-lhe mesmo a matar!!! (tosse)

Francisco Correia(comenta) Comandante é comandante!

Sr. Magalhães (sorri) Nós também temos um grupo dramático, uma banda de música…preocupamo-nos em valorizar a cultura e o divertimento!

Dona Antónia – É bom que as pessoas… dêem valor à cultura!

Sr. Magalhães – A leitura de bons livros, julgo ser da máxima importância… só que a nossa biblioteca está reduzida a uma estante de livros…

Dona Antónia (tosse) Já entendi, sr. Magalhães, já entendi! Precisa de livros… ou melhor… uma quantia para aumentar essa estante! Não é verdade? (uma criada entra a correr)

Josefina – Minha senhora! Há fogo… há fogo! O sino do Cruzeiro não pára de tocar…

Sr. Magalhães(preocupado) Quantos toques? Quantos toques ouviu?

Josefina – São sete! Sete badaladas!  (à parte) ou foram oito?

Sr. Magalhães – Ora sete… Ameixieira… senhor dos Aflitos… peço desculpa, senhora dona Antónia, mas tenho de me apressar… não posso ser o último a chegar!

Francisco Correia – Eu acompanho-o… (saem os dois apressadamente)

Dona Antónia – Acho bem… Espero que não seja em nenhuma das minhas casas… Eu tenho lá várias… (esquece)

Aqui ficou o Livro… vou assinar sem testemunhas! O que eles querem é uma quantia sempre certinha… e mais alguma para mais umas extravagâncias… (assina e fecha o livro em seguida) Ele cá há-de vir buscá-lo! É simpático, bem apessoado! Sim senhor! (mudando de tom) Ora bem, amanhã é domingo? Pois é… amanhã é domingo…temos bodo aos pobres!
(toca a campainha e aparece uma criada)

Chica – A senhora chamou?

Dona Antónia – Sim, Chica! Na cozinha, lembra à Maria que tenha fartura de alimentos. Quero dar um bodo a essa gente que costuma vir assistir à missa.

Chica – Sim, minha Senhora! O tempo tem ido tão ruim! Há muita fome por aí!

Dona Antónia – Então eu não sei?... Vai… vai… despacha-te! Diz ao Damásio que quero ir ao Moledo e, na passagem, quero ir ver como vão os preparativos para a vindima na Quinta do Santinho… (ri-se) Fica em caminho, Chica!

Chica(como se já contasse) O Damásio tem a caleche pronta, como sempre e como a senhora gosta. Mas está fresco… não vai adoecer?

D. Antónia – Ora, ora… tens cada uma! Estes meus empregados! Sou alguma velha?
(saem e a criada tem de lhe levar o agasalho de que ela faz questão de se esquecer)
Josefina(entra um pouco esbaforida…) Minha Senhora, minha Senhora! (repara que já não há ninguém na sala) Ainda bem que já não está cá! Então não é que eles já estão de volta!? Estou a ver que foi só fumaça… ou será que me enganei nos toques… mas eu contei... sete! Será que não foram? Enganei-me! Ahahah… foram dar uma voltinha à Régua… ver se estava mais direita!
- Grupo de Teatro da Universidade Sénior do Peso da Régua

Autores: Grupo de Teatro da Universidade Sénior do Rotary Clube do Peso da Régua. Este excerto constitui o Quadro nº 8 da peça de teatro amador que recria com muito rigor histórico factos da vida deste singular mulher reguense, numa excelente representação dos alunos daquela Universidade.
Clique  nas imagens para ampliar. Sugestão de texto e imagens feita pelo Dr. José Alfredo Almeida (Jasa). Publicado também no jornal semanário regional "Arrais" em 19 de Julho de 2012. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2012. Atualização em 19 de Novembro de 2013. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos. 

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Peso da Régua - Duzentas mulheres homenageiam Dona Antónia Adelaide Ferreira


ÚLTIMA HORA | 11-11-2011

200 mulheres homenageiam a Ferreirinha nos 200 anos do seu nascimento
Duas centenas de mulheres vão reunir-se num jantar comemorativo no Museu do Douro, em Peso da Régua, na sexta-feira, às 19h00, para homenagear Dona Antónia Adelaide Ferreira, nos 200 anos do seu nascimento.
A iniciativa, associada à exposição “Dona Antónia, uma vida singular”, conta com empresárias, investigadoras, produtoras e várias enólogas, entre outras mulheres ligadas à vitivinicultura duriense. Todas elas também exemplo da determinação e pragmatismo que este encontro quer celebrar.
A “Homenagem de mulheres a uma grande mulher” organizada pela Associação Sabrosa Douro XXI, com apoio da Turismo do Douro, entre outras entidades da região, começa com um Porto de Honra e uma visita à exposição que pode ser vista no Museu do Douro até Abril de 2012. Segue-se um debate sobre o “O Papel da Mulher no desenvolvimento da Região Duriense”, num jantar acompanhado dos melhores vinhos e produtos regionais. A animação fica cargo da tuna feminina da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
O nome de D. Antónia Adelaide Ferreira é hoje incontornável, quando se fala nos vinhos do Porto e do Douro, produtos-marca fundamentais no país. A Ferreirinha, como ficou conhecida, nasceu na Régua em 1811 e tornou-se um exemplo maior da iniciativa, perseverança e luta individual em defesa do Douro e da região vinhateira: foi proprietária e gestora de várias quintas que herdou e comprou, estando atenta a todas as iniciativas económicas que pudessem então sustentar a Companhia Agrícola e Comercial dos Vinhos do Porto; lutou contra a praga da filoxera; e fez da garantia da qualidade do vinho do Porto um dos seus objectivos de vida.
Símbolo do empreendedorismo, mas também da generosidade, teve a coragem para desafiar homens poderosos. É sua a frase “cada um na sua terra deve fazer tudo o que seja para bem da humanidade” (1855), tendo contribuído, de forma efectiva, para o reforço da empresa que dirigiu e para a riqueza do país e da região onde criou oportunidades.
A Associação Sabrosa Douro XXI é uma organização que pretende criar uma dinâmica associativa e tem por base a promoção do Alto Douro Vinhateiro Património Mundial Humanidade, estimulando a criação de um trabalho em rede de cooperação entre as entidades e empresas associadas, nos domínios da economia, da cultura e do turismo no concelho de Sabrosa, onde se situa uma das mais emblemáticas quintas de D. Antónia Ferreira (Quinta do Porto). (transcrição)
D. Antónia Adelaide Ferreira no "ESCRITOS DO DOURO"

terça-feira, 5 de julho de 2011

Exposição «D. Antónia Adelaide Ferreira, uma vida singular» no Museu do DOURO

(Clique na imagem para ampliar)

A Exposição 'D.Antónia Adelaide Ferreira, uma vida singular' terá inauguração a 8 de Julho de 2011 (próxima sexta-feira) pelas 18H30, na sede do Museu do Douro, à Rua Marquês do Pombal na cidade de Peso da Régua.
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Vidas Singulares

"Cada um na sua terra deverá fazer tudo o que seja para bem da Humanidade".
D. Antónia Adelaide Ferreira, Julho de 1855.

A história da fundação dos Bombeiros Voluntários da Régua pode ser contada a partir de uma grave crise que o Douro viveu nos finais do século XIX, a crise da filoxera, também conhecida como a praga das videiras, que atingiu os vinhedos durienses a partir de 1863. Como é sabido, o efeito devastador da filoxera reduziu muitos vinhedos a mortórios e causou verdadeiras tragédias humanas.

Em 1880, na Régua e em quase todos os concelhos durienses a maioria parte das propriedades agrícolas tinham sido atacadas por essa nova moléstia. Enquanto os efeitos das doenças se mantiveram, não se encontrou a cura, os lavradores da Régua perderam as suas vinhas e viram diminuir as colheitas. A filoxera fez reduzir a produção em muitas pipas de vinho e os seus problemas começaram a reflectir-se nas dificuldades económicas nos diversos negócios dos comerciantes da vila.

Na então vila Régua, foi este cenário de crise económica que encontrou um grupo de vinte e sete cidadãos que se tinham constituídos numa Comissão Instaladora, liderada por Manuel Maria de Magalhães que, em 28 de Novembro de 1880, fundavam um Corpo de Bombeiros Voluntários de base associativa. Seguiam  o modelo que, algum tempo antes, em 1868, um grupo de cidadãos, reunidos na Farmácia Irmãos Azevedos, no Rossio, em Lisboa, construíram a primeira associação que deteve um corpo de bombeiro de natureza voluntária.

E também foram de encontro ao apelo da autarquia reguense que, apesar de ter comprado duas bombas e algum material de incêndios, não queria organizar, seguramente para não aumentar as despesas, um serviço municipal de incêndios. A edilidade deliberou entregar a organização desse serviço de combate aos fogos à iniciativa cívica dos cidadãos reguenses. O que não podia manter-se era a situação da utilização das bombas de incêndio e o combate aos fogos nas ruas da Régua, onde se localizam os principais armazéns de aguardentes e vinhos licorosos, pelo vontade de qualquer pessoa inexperiente, com errado uso dos equipamento e com resultados nefastos para a vida e os bens dos particulares.

Instalado o quartel numa velha casa, sita no Largo dos Aviadores, o Corpo de Bombeiros, adquirido o fardamento à conta de cada voluntário, os fundadores dos BV da Régua receberam apoio da autarquia, expresso pelo presidente da câmara, Dr. Joaquim Claudino de Morais que, sem reservas, se prontificou auxiliar a instituição tão civilizadora, humanitária e útil em tudo o que estivesse ao seu alcance, tanto como particular como na qualidade de presidente de câmara do concelho. Da autarquia, tiveram como ajuda inicial a entrega das bombas de incêndio e na atribuição de um pequeno subsídio para as despesas de funcionamento.

Como o apoio camarário se revelou insuficiente, os fundadores subscreveram em seu nome as acções de um determinado montante monetário e recorreram à ajuda dos beneméritos e dos associados contribuintes para, com mais facilidade, financiarem os custos da actividade.

Desta forma, os bombeiros da Régua inauguravam um serviço de incêndios, com pouco material, mas com a determinação férrea de garantir socorro com mais eficácia e outra operacionalidade e formação ministrada aos bombeiros que, a dado momento, receberam os ensinamentos do “mestre”, o grande Comandante Guilherme Gomes Fernandes, que se deslocava à Régua para dar as lições e fazer manobras. Nesta fase, os parcos recursos mal chegavam, mas a sociedade reguense, sobretudo, as pessoas mais abastadas, que viviam do comércio e dos negócios dos vinhos, contribuíram com o dinheiro ou património.

A Régua e a sua sociedade dos finais do século XIX, segundo o advogado e publicista D. Joaquim Manso Preto que, em 1869, publicou com as suas impressões pessoais o livro Duas Palavras Acerca da Régua e Arredores, era uma vila que tinha dois mil habitantes. Acrescentava o autor que, a vila, ao tempo, era notável somente pelo comércio de vinhos e tinha poucas ruas, algumas com bons edifícios e outros elegantemente construídos. As pessoas, aquele autor chama-as de honradas e a sua índole bondosa e hospitaleira.

Quem tinha a fama de bondosa, na vila da Régua, era seguramente a D. Antónia Adelaide Ferreira (1811-1896), conhecida gentilmente pelo povo, como a Ferreirinha, ilustre cidadã reguense, a maior vitinicultora do Douro e negociante de Vinhos do Porto, que prosperava com as vendas às firmas inglesas. Era nos arredores da Régua, na Quinta das Nogueiras, na freguesia de Godim, que tinha a sua residência permanente, a grande empresária de vinhos, a Ferreirinha que acompanhava com apreensão a crise da filoxera e os problemas da vida das pessoas no Douro e na vila da Régua, um entreposto comercial e urbano em crescimento.

Além da gestão dos negócios que seguia com rigor e cuidados nos mercados, a Ferreirinha gostava de estar informada pelos seus colaboradores mais próximos, o Francisco Claro e o António Correia. Sabia o que acontecia de importante no país, na região e na  pequena vila da Régua,  pelas conversas frequentes com estes administradores das suas empresas.

Embora não seja certo e seguro, mas o principal fundador e aquele que foi o primeiro comandante do Corpo de Bombeiros da Régua, Manuel Maria de Magalhães, secretário do tribunal judicial, ter-lhe-à dado a conhecer o projecto de constituição de uma associação e de uma companhia de bombeiros voluntários, na Régua, a importância da criação e as suas carências.

Acontece que, como não podia deixar de ser, a Ferreirinha prestou auxilio à criação dos Bombeiros da Régua. Como o fez e em que medida não o sabemos, mas esta notável mulher, detentora de valioso património e de grande fortuna, em 1880 aceitou ser a sua associada contribuinte nº 1. A sua inscrição está assinalada com a assinatura do seu nome no livro de registos da Associação. Do que ela contribuiu sabe-se o que estava previsto nos estatutos. Para os sócios classificados de contribuintes, a empresária pagou uma jóia inicial, no valor de 500,00 reis e foi-lhe debitada uma quota mensal de 200,00 reis.

Este seu exemplo demonstra muito da sua generosidade, do respeito pelos homens que queriam fazer o bem à humanidade, e também o elevado prestígio social e o seu estatuto de benemérita que lhe era reconhecido. A grande empresária manifestava, assim, a importância pelas causas humanitárias, ao novo voluntariado, que saía do seio da sociedade como resposta e à ausência à incapacidade dos poderes.

Por outro lado, será inédito e mesmo pioneiro nas associações de bombeiros do país, uma mulher se destacar como a principal e, durante muitos, a única associada. Os estatutos das associações, desse tempo, limitavam a participação das mulheres na vida associativa, a não ser que fosse autorizada com uma declaração escrita do marido. Na sociedade reguense dos finais de novecentos, rural e tradicional, a sua atitude revela também uma autonomia do seu papel activo como mulher que, em 1880, ficava, pela segunda vez, no estado civil de viúva.

Apaixonada pelas vinhas e pelo Douro que amou com a sua terra, a Ferreirinha não se deixou desanimar perante a crise da filoxera, que a aproveitou como uma oportunidade para comprar mais quintas, agora na sub-região do Douro Superior, adquirir mais vinhos que depois vendeu aos ingleses a preços mais elevados em períodos de carência.

Nunca o sucesso comercial não a impediu de assumir uma responsabilidade ética e social. Procurou resolver muitos problemas de ordem social em quase toda a região duriense. Contribuiu com o dinheiro para melhorar as condições dos hospitais e de várias instituições de solidariedade social, em quase toda a região duriense. Ajudou pessoas em dificuldades, garantiu trabalho a milhares de jornaleiros, prestou apoio aos mais pobres, doentes, velhos e às crianças desfavorecidas.

A bondade da Ferreirinha tinha como divisa um ideal que ela nunca deixou de pôr em prática: “Cada um na sua terra deverá fazer tudo que seja para bem da Humanidade”. Tudo, talvez, a D. Antónia não tenho conseguido fazer, mas a acção social da grande empresária que nasceu na Régua, há 200 anos, terá reduzido muitos problemas sociais, contribuindo para uma sociedade mais justa.

De uma forma, não surpreendente, os Bombeiros da Régua foram os únicos que, na região do Douro, foram auxiliados pela dinâmica empreendedora. Tiveram sorte de ter a Ferreirinha como sócia contribuinte e, por certo, de mais dávidas. Ao conseguirem atrai-la para o seio da sua associação escolheram a pessoa certa que, não pela riqueza e seus bens materiais, mas porque em tudo se identificava com os seus valores de altruísmo, abnegação e coragem, que definem a sua nobre missão. Enriqueceram com a sua presença  de associada a história da sua fundação  que acaba pôr ser tornar mais apaixonante e cativante quando se evocam estes relatos, desconhecidos para muitos, da vida singular de uma lendária personalidade que se imortalizou, no coração nos bombeiros da velha guarda, do povo duriense, pelo bem que lhes fez.
Depois de mais 130 anos a trabalharem para o bem da humanidade, os Bombeiros da Régua orgulham-se também de associarem à Ferreirinha, o nome da intuição, o seu prestigio, os seus valores humanistas à mulher que sempre, representou e valeu por tudo isso.

Desde 1880, que ao nível da protecção civil, socorro assistência, os bombeiros da Régua, foram perseverantes como uma força invencível, que faz a sua presença constante na comunidade e sejam elementos indispensáveis na vida sua comunidade. Pela utilidade cívica da sua missão, nunca desistiram de manter em actividade um Corpo de Bombeiros Voluntários, para cumprirem religiosamente uma divisa de “Vida por Vida”. E querem, na crise económica actual, com o exemplo das suas vidas singulares contribuir para uma sociedade mais solidária… respeitando a divisa que lhes legou, como uma herança imaterial, a sua sócia contribuinte nº 1, a bondosa Ferreirinha da Régua: Fazer sempre o Bem da Humanidade.

- José Alfredo Almeida*, Régua, Julho de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
  • *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.
Edição de Jaime Luis Gabão para Escritos do Douro 2011 em 3 de Julho de 2011.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Relendo e Relembrando: Exposição «Dona Antónia Adelaide Ferreira»

(Clique na imagem para ampliar)

Transcrição:

Em 2011 completam-se duzentos anos sobre o nascimento de Dona Antónia Adelaide Ferreira, administradora da maior casa agrícola do Douro. O Museu do Douro, em Peso da Régua, assinala a efeméride com a exposição «Dona Antónia Adelaide Ferreira». Uma mostra que pretende dar a conhecer a vida e obra desta figura duriense.


Café Portugal | quarta-feira, 22 de Dezembro de 2010

O director do Museu do Douro, Maia Pinto, disse que a exposição de homenagem à «Ferreirinha da Régua» deverá ser inaugurada em meados do próximo ano e representa uma das principais iniciativas que esta estrutura museológica programou para 2011.

A mostra «Dona Antónia Adelaide Ferreira» pretende evocar a vida singular da mulher que administrou a maior casa agrícola do Douro.

A «Ferreirinha», como carinhosamente é recordada pelos durienses, nasceu a 4 de Julho de 1811, na Régua, e morreu em Março de 1896, na quinta das Nogueiras.

Maia Pinto referiu que vai ser uma exposição reflecte o papel, pouco comum, que uma «mulher empresária desempenhou no mundo machista e conservador do século XIX».

Dona Antónia adquiriu 23 quintas no Douro Vinhateiro, destacando-se nesta actividade pela luta que travou contra a filoxera, uma praga que, na segunda metade do século XIX, destruiu muitas vinhas durienses.

Após a praga, a empresária mandou replantar vinhas, pagou a construção de quilómetros de estradas e de caminhos-de-ferro e chegou a dar trabalho a mil operários.

Paralelamente aos negócios, a «Ferreirinha» destacou-se pela sua dimensão social, já que ajudou a construir os hospitais de Peso da Régua, Vila Real, Moncorvo e Lamego e ajudou ainda a Misericórdia do Porto.

Dois anos depois da sua morte, foi criada a Companhia Agrícola dos Vinhos do Porto, mais conhecida por «Casa Ferreirinha».

Maia Pinto salientou que Dona Antónia é ainda hoje «um símbolo da iniciativa, da perseverança e da luta individual em defesa de um bem colectivo, o Douro e a região vinhateira».

A exposição, que ocupará a ala central da sede do museu, no Peso da Régua, pretende ainda cativar novos públicos para o Douro e dar a conhecer esta «figura incontornável» da história da mais antiga região demarcada do mundo aos alunos e professores da região.

Na agenda do Museu do Douro para 2011, Maia Pinto destacou ainda o arranque da exposição de fotografia «Entre Margens», que terá direcção artística da Procur.arte, e se desenvolverá até 2013 em Mirandela, Lamego, Vila Real, Régua, Santa Marta de Penaguião e Porto.

Local: Museu do Douro, Peso da Régua
Link: Museu do Douro 

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Cartas de Longe: Personagens do Douro - A Ferreirinha

D.Antónia, que nasceu no concelho de Godim no ano de 1810 viveu a sua infância na casa de Travassos, vindo a falecer em 1896 na casa das Nogueiras.

Dois anos depois da sua morte foi criada a Companhia Agrícola dos Vinhos do Porto, mais conhecida por "Casa Ferreirinha".

Ao falar do Douro, há nomes que se impõem e o de D. Antónia Adelaide Ferreira é um deles, conhecida carinhosamente por "Ferreirinha" ou "Ferreirinha-da-Régua" pelas gentes da sua terra.

Seu avô, Bernardo Ferreira, que vivera no tempo de D. José I, foi obrigado, sob pena de prisão, pelo Marques de Pombal, a grangear umas terras denominadas de Montes e de Rodo, convertendo-as em bonitas quintas. Por este processo não muito ortodoxo, o Marquês de Pombal conseguiu que muitos proprietários na época aumentassem os seus bens agrícolas, beneficiando desta maneira a região do Douro.

Um dia, quando Bernardo Ferreira regressava dum passeio, parando para descansar e matar a sede ao seu cavalo na fonte de Covelinhas, foi interpelado por duas patrulhas francesas, a quem teria respondido num impecável francês. As patrulhas pensaram tratar-se de um desertor e fuzilaram de imediato o pobre senhor sem ouvirem qualquer explicação. O Douro acabava assim de perder um grande homem.

Deixou três filhos, José, o mais velho, o António, e o mais novo, o Francisco.

José Bernardo Ferreira, de grande bondade e respeito, foi o pai de D. Antónia Adelaide Ferreira, que seria mais tarde a grande administradora da maior casa agrícola do Douro.

António Bernardo Ferreira era o mais inteligente e de espírito mais comerciante. Quando ainda só se falava de um possível confronto das lutas liberais, este senhor mete-se num barco rabelo e vai até Vila Nova de Gaia, onde vende os armazéns com todo o vinho por preço inferior ao praticado na altura. Quem não gostou nada deste negócio foi o irmão mais velho, porque os bens também eram dele e não fora consultado para o efeito.

Mas o negócio estava realizado e com o produto da venda compraram todo o vinho existente no Douro, transportando-o de seguida em carros de bois e récuas para a Figueira da Foz.

Entretanto rebenta a guerra civil e os armazéns de Vila Nova de Gaia são saqueados e o vinho derramado para o rio Douro pelos soldados enlouquecidos pela guerra. Mas enquanto o Norte sofria na carne a desgraça de uma guerra civil e a barra do Douro estava bloqueada, estes senhores faziam as exportações do vinho generoso para Inglaterra pela barra da Figueira da Foz.

Fizeram um excelente negócio e a família Ferreira ficou muito mais rica e poderosa...

O outro irmão, o Francisco, embora honrado, era um pouco excêntrico. Vivia no Alentejo e só voltou ao Douro para receber a herança depois da morte trágica de seu pai.

D. Antónia Adelaide Ferreira e António Bernardo Ferreira, primos em primeiro grau e filhos de José Ferreira e António Bernardo Ferreira respectivamente, unem suas vidas pelo matrimonio e têm dois filhos, a menina Maria d'Assunção, mais tarde Condessa de Azambuja, e um rapaz a quem deram o nome do avô e do pai.

Mas só depois da morte do primeiro marido é que o espírito empreendedor desta senhora se manifesta de forma admirável, fazendo grandes plantações no Douro e obras de benfeitoria, tornando-se numa figura de primeira grandeza. Tão importante que o Duque de Saldanha, então Presidente do Conselho, pretende que o seu filho, o Conde de Saldanha, contraia matrimonio com a filha de tão distinta senhora.

D. Antónia recusa tal convite, embora se sentisse muito honrada, alegando para o efeito a tenra idade de sua filha, que só tinha onze anos, e que também gostaria que fosse ela a escolher o seu esposo. O Duque, habituado a não ser contrariado, manda os seus homens raptar, numa noite, a menina, à Casa de Travassos.

Mãe e filha, quando souberam o que lhes pretendiam fazer, fugiram, vestidas de camponesas e ajudadas por amigos, por caminhos difíceis, para Espanha e depois para Londres, onde se refugiaram. Depois da filha casada com o Conde de Azambuja, D. Antónia casa com Francisco José da Silva Torres, seu secretário.

Com pouco mais de meio século de existência e no auge das suas capacidades de administradora, D. Antónia compra todo o vinho do Douro para dessa forma ajudar os agricultores na luta contra os baixos preços praticados por consequência de uma crise de abundância.

Com todo o vinho comprado e guardado nos seus armazéns, eis que surge uma praga terrível chamada "filoxera" que destrói a quase totalidade dos vinhedos, lançando os durienses na miséria. Era horrível de se ver... Mas com o poder negocial que se lhe conhecia e com todo o vinho nos seus armazéns, D. Antónia pôde com facilidade negociar da melhor maneira com os ingleses tornando a casa agrícola Ferreira muito mais rica. Depois da catastrófica praga da filoxera, manda replantar as vinhas. Paga a construção de quilómetros de estrada e de caminho de ferro, dá trabalho a mil operários e, desta forma, cobre as suas vinte e três quintas com milhões de cepas.

Em 1880 D. Antónia ficou novamente viúva, mas mesmo assim continuou com a sua obra benfeitora, ajudando a construir os hospitais do Peso da Régua, Vila Real, Moncorvo e Lamego. Mandou também construir no Moledo um palácio para acolher o rei D. Luis, as termas, a piscina e um fabuloso parque. Ajudou a Misericórdia do Porto, ficando esta obrigada a socorrer qualquer familiar seu, se porventura a roda da vida fosse menos favorável. Criou inúmeras bolsas de estudo, entre as quais é de realçar a concedida ao engenheiro agrónomo, Dr Tobias Sequeira.

D. Antónia, que nasceu no concelho de Godim no anos de 1810, viveu sua infância na casa de Travassos, vindo a falecer em 1896 na casa das Nogueiras. Dois anos depois da sua morte foi criada a Companhia Agrícola dos Vinhos do Porto, mais conhecida por "Casa Ferreirinha".

O Douro perde assim sua rainha, contando o povo ainda hoje muitas histórias interessantes a seu respeito.
- In Villa Regula, Setembro de 1999, texto de Marco Aurélio Peixoto.

(Transferência de arquivos do sitio "Régua" que será desativado em breve)