(Estatutos de 1880 - Clique na imagem para ampliar)
Os Estatutos da Associação
- Dos primeiros aos actuaisNão se perdeu a acta da reunião em que os vinte e sete cidadãos, constituídos numa Comissão Instaladora da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, discutiram e aprovaram os primeiros estatutos e regulamento do corpo de bombeiros.
Essa acta que fomos encontrar nos arquivos do Governo Civil de Vila Real, permite-nos conhecer alguns dos pormenores que levaram à fundação da Associação.
Por esse documento, sabemos que essa reunião teve lugar na casa da extinta Associação Comercial da Régua que se situava na Rua da Boavista – a actual Rua Serpa Pinto - no dia 25 de Junho de 1880. E, que estiveram presentes os sócios fundadores e o Excelentíssimo Doutor Joaquim Claudino de Morais, advogado e, ao tempo, Presidente de Câmara Municipal da Régua. Encontrava-se naquela assembleia como presidente da comissão que tinha elaborado o projecto de estatutos da associação e regulamento do corpo de bombeiros.
Iniciada a sessão pelo presidente da Comissão Instaladora, Manuel Maria de Magalhães que tinha a secretariar José Joaquim Pereira Soares dos Santos, foi ouvido o Dr. Claudino – como era conhecido - que se escusou de fazer comentários sobre documentos e, como não podia participar, “pediu para ser dispensado em razão dos seus muitos afazeres, protestando auxiliar a instituição tão civilizadora, humanitária e útil em tudo o que estivesse ao seu alcance, tanto como particular como na qualidade de presidente de câmara deste concelho”.
Lido o projecto dos estatutos da Associação, composto por 44 artigos, pelo sócio fundador António Roberto Pinto, foi colocado à discussão e não havendo quem pedisse a palavra, foi posto à votação, primeiro na generalidade e, depois, na especialidade, tendo sido aprovado, por unanimidade, apesar de esse facto não ter sido registado na referida acta. O mesmo se passou quanto à discussão e a aprovação do regulamento do Corpo de Bombeiros, também aprovado por unanimidade.
Cumpridas as formalidades, os estatutos e o regulamento foram enviados ao Governo Civil de Vila Real que, nos termos das leis administrativas em vigor, deu a sua aprovação pelo Alvará de 12 de Agosto de 1880, assinado pelo Dr. José Ayres Lopes, Governador Civil Substituto de Vila Real.
Vale a pena destacar alguns dos aspectos dos primeiros estatutos da Associação.
A) Dos Fins
No artº1 estava consagrado socorrer os habitantes desta vila e das povoações limítrofes por ocasião dos incêndios ou suas consequências.
Artº4 acrescenta que pode ser recreativa, havendo casa de leitura, bilhares e mais jogos lícitos, quando as circunstâncias do cofre o permitam.
B) Da Categoria de Sócios
Estavam previstas quatro categorias: sócios honorários, contribuintes, activos ou de trabalho e auxiliares.
Os sócios honorários eram os que pela sua posição social ou pelos serviços que tenham prestado à associação for conferida essa honra. Estes não são obrigados ao pagamento de da jóia ou quota mensal, porém tem a obrigação moral de correrem para o desenvolvimento da Associação empenhando para isso todo o seu valimento. Sob proposta da Direcção ou de qualquer sócio deviam ser eleitos em Assembleia –Geral.
Ficaram, desde logo, nomeados sócios honorários desta associação: O Governador Civil de Vila Real, O Deputado do Circulo, o Administrador do Concelho, o Presidente da Câmara Municipal, o Abade da freguesia e todos os Comandantes ou Chefes das associações desta natureza.
Os contribuintes eram os que não podiam trabalhar na extinção dos incêndios e que prestam auxílio pecuniário, o qual consistia na quantia de 500 reis pela admissão e na quota mensal de 200 reis. Estes eram propostos por outros sócios e eram aprovados pela Direcção.
Os sócios activos ou de trabalho eram os que faziam parte da Companhia de Incêndios, mas que tinham atribuições marcadas no respectivo regulamento. Estes sócios eram nomeados pelo Comandante, segundo o seu número e graduação.
Os sócios auxiliares eram os que, não tendo residência na Régua, podiam prestar auxílio à Companhia de incêndios aos serviços que lhe sejam indicados pelo Comandante. Estes eram nomeados pelo Comandante.
(Estatutos de 1935 - Clique na imagem para ampliar)
C) Da admissão de sócio
Podiam fazer parte da associação todas as pessoas de ambos os sexos, tanto nacionais como estrangeiros, sendo que os menores precisavam de autorização dos seus pais ou tutores e as mulheres casadas de autorização de seus maridos.
D) Dos deveres e direitos
Os sócios activos e os contribuintes eram elegíveis para todos os cargos sociais.
Os sócios activos não pagavam mensalidade nem jóia, mas tinham o dever de se fardarem à sua custa.
E) Da competência dos órgãos sociais
A Assembleia-geral residia o poder supremo da Associação que era a reunião dos sócios honorários, activos e contribuintes. A esta competia eleger bianualmente, por escrutino secreto, entre os candidatos ao exercício dos órgãos socais, discutir e votar os relatórios e pareceres Da Direcção, Conselho Fiscal ou Comissões Especiais e conhecer e tratar de qualquer assunto de interesse da Associação.
A Direcção, composta de um presidente, um vice-presidente, primeiro e segundo secretários, tesoureiro, do primeiro comandante e do fiscal da Companhia, devendo, pelo menos três membros pertencer à classe dos sócios contribuintes, competia-lhe fazer cumprir os estatutos, deliberações da Assembleia e todos os regulamentos da Companhia, estando obrigada a prestar anualmente à Assembleia Geral as contas da sua gerência.
Ao Conselho Fiscal, composto por cinco membros, cabia examinar as contas prestadas pela Direcção e dar o seu parecer sobre o relatório de gerência.
F) Das penas disciplinares
As penas aplicadas aos sócios activos e auxiliares seriam aplicadas nos termos do regulamento, não podendo a pena de multa exceder a quantia de 1000 reis por cada transgressão.
G) Da dissolução da Associação
A Associação não podia ser dissolvida a não ser por dois terços da Assembleia-geral. E sendo essa a deliberação, quaisquer fundos da Associação reverteriam em beneficio da família de qualquer sócio activo que houvesse sido vitima de algum incêndio ou se tivesse inutilizado ou se estivessem em precárias circunstancias e, quando isso não se verificasse, entrariam para o fundo do Hospital D. Luís I.
Os estatutos permaneceram inalterados até 1935. Mas, em 19 de Outubro de 1892, uma comissão presidida pelos director José Joaquim Pereira Soares dos Santos, Camilo Guedes, Padre Manuel de Lacerda Oliveira Borges e o Comandante Manuel Maria de Magalhães apresentava em reunião à direcção um projecto de reforma que foi aprovado por unanimidade, “depois de alguma discussão e algumas emendas”. Competia aos associados em Assembleia–geral fazer a aprovação final, o que não chegou a acontecer na sessão realizada em 14 de Novembro de 1892, tendo sido a discussão para nova reunião, que nunca veio a acontecer. Surgiram várias demissões do órgão directivo, o que poderão explicar o desinteresse para concluir a reforma estatutária. Porém, um novo regulamento para os Sócios Activos – hoje equivalente ao Corpo de Bombeiro – seria aprovado na Assembleia-geral realizada em 6 de Março de 1893.
A Direcção, presidida por Roberto Augusto Marinho, decidiu convocar no dia 7 de Maio, uma Assembleia-geral Extraordinária para discutir e aprovar uma alteração parcial.
Na justificação foram apresentados os argumentos seguintes: “que há muito se reconhece a vantagem dos seus Estatutos serem reformados ou alterados, de acordo com as necessidades modernas” e que “ é preciso interessar os elementos oficiais do concelho no sentido que à benemérita Associação lhe não faltem os meios de bem poder desempenhar a sua missão de humanitarismo” e que a reforma “ se impõe neste momento com uma urgência bem merecida” foram alterados os artº 3, 4, paragrafo único do artº 20 e os artº 35, 36 e 48.
Esta alteração parcial foi aprovada pelo Alvará de 18 de Março de 1935, assinado pelo Governador Civil de Vila Real, Horácio Assis Gonçalves. Nesse documento, fez constar que “as referidas alterações estão de harmonia com as disposições legais e se ajustam ao que está preceituado sobre os direitos de reunião e de associação”.
Em nossa opinião, os princípios dessa alteração estatutária revelam-se incongruentes com o escopo associativo, se não forem as circunstâncias políticas e económicas dessa época. Os preceitos alterados, muito embora, possam estar em conformidade com a legislação em vigor, o que duvidamos, não se entendem as razões dos associados terem atribuído à Câmara Municipal da Régua, o poder de tomar a protecção da organização da Associação e ainda a responsabilidade para decidir quanto à sua administração e disciplina. Aquela demissão associativa só pode ser compreendida pelas existências de grandes dificuldades financeiras da Associação.
Em 1966, o regime jurídico estabelecido pelo Código Civil para as pessoas colectivas, impõe que sejam modificados os estatutos em vigor. Na Assembleia -Geral Extraordinária realizada em 7 de Junho de 1969 foram aprovados novos estatutos. Contudo, por razões que desconhecemos, a Direcção não procedeu à alteração pela forma legal exigida, a escritura pública. Por esse motivo, tal alteração dos estatutos não entrou em vigor e, como tal, mantiveram-se os estatutos de 1880.
Em 1989, a Direcção presidida por José Manuel Moura, toma a decisão de elaborar os novos estatutos. Na Assembleia-Geral Extraordinária, realizada em 17 de Novembro de 1989, os associados aprovavam uma reforma global dos estatutos. Passavam a ser compostos por sessenta e um artigos com uma nova redacção que se adaptavam as exigências e as transformações sociais que, entretanto, ocorriam na sociedade. Começaram a produzir efeitos jurídicos desde que passaram a constar da competente escritura pública, outorgada em 26 de Abril de 1990, no Cartório Notarial do Peso da Régua.
Aqueles estatutos, de 1990, regeram a vida associativa até 2009, muito embora começasse a ser sentida pela dinâmica e mais participação em actos eleitorais dos associados quando havia mais de uma lista a concorrer aos órgãos sociais. Com a entrada em vigor da Lei nº 32/2007, de 13 de Agosto, que aprovou um novo regime jurídico das associações humanitárias, esta reforma foi imposta para que fosse feita num máximo prazo de dois anos, de forma os estatutos se adequarem às novas exigências previstas nessa lei.
Cumprindo as formalidades de uma legislação inovadora no sector associativo, a Direcção presidida pelo Dr. José Alfredo Almeida, nomeia uma comissão onde para além de se fazer representar, incluiu a directora Eng. Sónia Coutinho, Francisco Cardoso, Manuel Carlos Osório, Dr. Bruno Miguel Lachado e o Dr. José Alberto Marques, presidente da Mesa da Assembleia-Geral. Na sua tarefa, adoptaram um modelo-tipo de estatutos previamente elaborado pela Liga dos Bombeiros Portugueses. Depois de os adequar às necessidades especificas da Associação, ao condicionalismo da sua génese e matriz histórica, elaboraram uma proposta de alteração total dos estatutos que foi discutida e aprovada, por unanimidade, na Assembleia -Geral Extraordinária, realizada em 12 de Março de 2009.
Aquela alteração dos estatutos da Associação, compostos de 94 artigos, tornou-se válida e eficaz com a realização da escritura pública, no dia 22 de Junho de 2009, celebrada no Cartório Notarial do Peso da Régua, (cf. previsto no artº5 da citada lei).
São estes Estatutos de 2009, a lei fundamental da Associação que a consagra como uma entidade com vida e uma personalidade própria. São eles que estabelecem ainda todas as regras fundamentais que asseguram aos associados realizar com objectividade e rigor os fins e ideias definidos pelos fundadores e continuar a manter activa e operacional a sua missão principal, a de ser detentora de um Corpo de Bombeiros Voluntários e, muito recentemente, de cinco bombeiros profissionais, integrados numa Equipa de Intervenção Principal. Procurando responder aos desafios do futuro, e as mudanças da sociedade, os associados mantêm vivos, e sempre renovados, os ideais dos fundadores que a constituíram em 1880, para ser uma útil e benemérita Associação.
- Colaboração de J. A. Almeida* - Régua, para "Escritos do Douro" em Maio de 2011.
- *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.
Os Estatutos da Associação - Dos primeiros aos actuais - Parte 1
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 2 de Junho de 2011
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