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quinta-feira, 8 de maio de 2014

Viagem Inesquecível a Chaves

Esta viagem de comboio, na linha do Corgo, foi há mais de 85 anos…!

Poderia ter sido mais uma, igual a muitas outras, que se fizeram nessa magnifica linha de caminho-de-ferro, mas esta deve ter sido bem diferente. Se bem que não se conheçam os motivos que terão levado os bombeiros da Régua, acompanhados de uma grande comitiva, de irem a Chaves, essa viagem não ficou esquecida no tempo.

Alguém se lembrou de registar os pormenores mais significativos dessa “Excursão à vila de Chaves, promovida pelos bombeiros voluntários da Régua, no dia 19 de Julho de 1925”. Com a intenção de informar a posteridade, ainda escreveu aquela única mensagem numa folha, onde arquivou as melhores cinco fotografias, inesquecíveis tanto para eles como para nós, agora.

Não sabemos com que finalidade os bombeiros da Régua promoveram esta excursão a Chaves. Agradecemos que alguém nos ajude, se para tanto dispuser de elementos capazes. Terá sido uma vigem de lazer? Uma viagem de cortesia à associação flaviense congénere? Quem eram as pessoas que os receberam na estação? Que foram festejar? Um aniversário dos bombeiros de Chaves? Uma inauguração de novo quartel ou de outro melhoramento? Parece haver um segundo estandarte para além do dos Bombeiros da Régua, mas será dos Bombeiros de Chaves? A locomotiva (uma Ensechel E 224) parece estar decorada com elementos alusivos aos bombeiros. Se assim é, poderemos imaginar que tenha sido uma viagem especial, com programa fora do normal.

Uma certeza, talvez mesmo a única: os bombeiros da Régua foram recebidos com toda a pompa e entusiasmo pela população de Chaves. Com o respeito que se impunha, de estandarte bem erguido, os nossos bombeiros desfilaram garbosamente pelas ruas principais, exibindo à frente homens bem conhecidos, como Lourenço Medeiros, mais tarde comandante, e o destemido patrão Álvaro Rodrigues da Silva.
Há viagens de comboio que valem a pena.

Uma delas, se ainda fosse possível, seria a da Linha do Corgo. Quem a fez no tempo dos comboios a vapor, dos velhos “Texas”, como eram carinhosamente conhecidos, teve a última oportunidade de apreciar o percurso de uma das mais bonitas linhas de caminho-de-ferro do nosso país. O traçado entre Vila Real e Chaves encerrou em 1990, o troço entre Régua e Vila Real encontra-se encerrado, por tempo indefinido, desde 2009, para obras de melhoramento.

Os que adquiriram bilhete na estação da Régua para a viagem de 19 de Julho de 1925 fizeram, com certeza, uma viagem inesquecível.

Primeiro, um percurso panorâmico, ao longo de 25 km, da Régua a Vila Real, que serpenteia por entre vinhedos e nos permite a contemplação das águas do Corgo, a correr lá ao fundo do escarpado vale, depois a atracção dos cumes do Marão a encimar as penedias agrestes na linha do horizonte. Depois de Vila Real, onde normalmente a locomotiva se reabastecia de água e carvão, a paisagem completamente diferente da veiga e planalto de Vila Pouca de Aguiar, avistando-se, ao longe, as límpidas águas do Tâmega.

Sem atraso no horário, este comboio especial fez as paragens habituais nos apeadeiros e estações mais importantes. Conhecedor experiente da arquitectura sinuosa da linha, o maquinista aportou “à tabela” à estação de Vidago. Em obediência às instruções do chefe da estação, parou o comboio em linha de estacionamento, como procurasse um tempo perdido, marcado pelo fascínio de uma nova época.

Antes, o comboio tinha feito uma breve pausa no apeadeiro de Zimão. Alguém mais crente no divino recordou a bondade do padre Manuel do Couto, admirado pelo povo da sua humilde terra natal de Telões.

Este missionário distinguia-se pelo atendimento em confissão de quantos a ele recorriam, pelo amor à escrita, pela paixão pelo bem e, muitas vezes, passavam pela sua pessoa maravilhosos e inexplicáveis milagres. Ouviam-se contar relatos dos seus milagres, no meio dos ruídos da composição em andamento, só possíveis num homem, como ele, a caminho da santidade: "O Padre Manuel ia muito prós lados de Chaves pregar. Ia quase sempre numa mula. Mas um dia, não sei porque razão (talvez a mula estivesse doente), resolveu apanhar o comboio na estação de Zimão. Como não tinha dinheiro para o bilhete ( andava sempre sem dinheiro, apesar da família ser rica), o revisor obrigou-o a sair, já ele estava sentado, dentro do comboio. O Padre Manuel, como era obediente, saiu logo para fora. Mas, mal pôs os pés no chão, a máquina deixou de trabalhar. As pessoas que estavam na estação e dentro das carruagens ficaram pasmadas e meio assustadas. Foi então que o Padre Manuel disse ao revisor: Ou me deixais entrar, ou o comboio não sairá da Estação. O revisor olhou para o chefe da estação e para o maquinista. Estavam sem pinta de sangue. O chefe da estação não esperou nem mais um segundo e deu ordem para o Padre Manuel entrar no comboio. O que se segue é que, mal ele pôs os pés na escada do vagão, o comboio começou logo a andar" (texto retirado do http://paradadocorgo.blogs.sapo.pt/).
Na estação de Vidago, a locomotiva parava para um descanso e o maquinista procedia a afinações. Como havia tempo de sobra, os bombeiros, na companhia de ilustres elementos da comitiva, que seguiam nas carruagens de 2ª classe, aproveitaram a frescura do dia para folgarem. Nas redondezas encontraram uma casa de pasto que lhes serviu um delicioso bacalhau frito e um vinho branco à maneira. Saíram acompanhados do fotógrafo de serviço, que não se esqueceu de fotografar a locomotiva, festivamente adornada com ramos de árvores e duas bandeiras, a ganhar fôlego para o resto da viagem. Como estava sol, desceram a alameda ladeada de plátanos até à entrada do majestoso Palace Hotel, único na beleza da sua fachada principal, deslumbravam-se com o parque de vegetação abundante. Ao lado, ficava a estância termal, apreciada pelos poderes curativos das suas águas, bem frequentada de aquistas metódicos nos tratamentos diários e movimentada de turistas do entardecer, perdidos na sombra e na frescura dos arvoredos.

O ambiente romântico do lugar inspirou a veia poética dos mais sensíveis, donde nasceram quadras de amor dedicados às namoradas. Desconheço se esses versos chegaram às mãos e ao coração das amadas, mas muitos anos mais tarde, alguém se encarregou de lhes desvendar a intimidade para todos nós, dando-se ao cuidado de os publicar nos jornais, hoje esquecidos.
O saudoso jornal dos bombeiros, “Vida por Vida”, foi o periódico escolhido por Horácio Moura Lopes, reguense por adopção, poeta sem livros editados, autor de escritos dispersos pelos jornais da época, para nos dar a conhecer o seu poema “A Luz Que Me Roubaste”:

“Não cesso de dizer a toda a gente
Que o fogo dos teus olhos me cegou:
Onde não me julgares, eu lá estou,
Ceguinho, com o meu bordão à frente.

Há preces em minha alma que pecou
Ao ver-te graciosa, docemente…
Em ti, o “não” fugiu e o “sim” não mente,
Entre nós a amizade já findou.

Não me escrevas, te peço, mais missivas
Para um cego as propostas são altivas.
Hoje, já não te devo interessar.
Mas, se por mim passares, tem cuidado…

A tua voz em timbre modulado
Pode bem minha luz recuperar!”

Como passageiro acidental desta viagem de comboio, fico maravilhado a reler os dois últimos versos, que revelam a pureza dos afectos do poeta à mulher. Emocionam-me como se eu pudesse sentir a sua dor antiga. O amor, sempre o amor, com as suas desilusões e as suas mágoas, tornam as pessoas mais frágeis.

Descubro, por mero acaso, que os versos do poeta Horácio Moura Lopes eram destinados a uma mulher de quem se apaixonou por toda a vida, até ao último dia. Deveria dizer melhor, a paixão mantêm-se na eternidade. Essa mulher acabou por ser muito importante na infância do autor destas linhas. Foi sua primeira professora. A Dona Esmeralda, como eu a conheci sempre, era uma educadora exigente, culta e rigorosa, que ensinou, numa velha escola primária, as primeiras letras e os caminhos da vida, começando por um lugar muito pequenino, como são as Caldas do Moledo.

Não podiam ficar mais tempo parados na estação de Vidago. Como a vida nunca pára, a viagem deste comboio tinha de continuar até ao destino, até à vila de Chaves, onde ia terminar em festa e em alegria. A distância a percorrer era ainda longa. Na marcha lenta do comboio, seriam precisas mais de duas horas de viagem e de conversas para o desembarque dos bombeiros e dos passageiros que os acompanhavam. Na gare da estação, mesmo antes de o fotógrafo fazer as imagens que iam ficar para a História, uma grande multidão de pessoas felizes havia de aguardar os forasteiros reguenses. Iriam viver um momento único, uma recepção de primeira, uma festa de esfuziante alegria, organizada para homenagear os heróicos bombeiros da Régua.
“Senhores passageiros, o comboio vai partir……” anuncia, em voz rouca e dolente, o chefe da estação de Vidago, aprumado num coçado fato cinzento, de apito e a bandeira de serviço na mão. Sente-se já o calor de um verão que se anuncia quente, a descer pelas montanhas verdejantes. A velha locomotiva dá o último silvo, deixando à sua volta uma negra nuvem de fumo e para trás a magia poética de um lugar eterno, onde havemos de regressar.

Com o comboio em movimento, aproveitemos esta vigem na linha do Corgo até ao fim, pela memória daqueles que tiveram o prazer de a fazer. Não tardará nada que este comboio chegue à estação Chaves. A partir desse momento, não deixem de continuar a sonhar porque a vida não será mais a mesma.

Afinal, nos nossos dias, não se pode repetir uma viagem de comboio na linha Corgo, como a que os bombeiros da Régua fizeram em 1925. Limitamo-nos a viajar nessas filigranas de carvão, pela linhas imaginárias da nostalgia, com a paragem nas estações e apeadeiros de memórias fugazes, percorrendo os lugares e as paisagens que, desde as nossas origens, fazem parte dos mapas da nossa geografia sentimental.
- Peso da Régua, Março de 2010, J A Almeida.
(Clique nas imagens acima para ampliar)
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Também pode ler aqui "Viagem Inesquecível a Chaves"
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
VIAGEM INESQUECÍVEL A CHAVES

sexta-feira, 5 de julho de 2013

O DESASTRE DA PONTE

Eram perto das 18.45 da 1º de Maio de 1964. Mais uma tarde primaveril acabava num horizonte cercado de montes de vinhas verdejantes e as aguas serenas de um rio pasmado na beleza das suas margens. De repente, um estrondoso ruído iria marcar de dor e sofrimento a sossegada vila da Régua.

Cumprindo com exactidão o horário, uma camioneta de passageiros da EAVT fazia o percurso habitual e rotinado, entre a cidade de Lamego e a Vila do Peso da Régua. Atravessava a ponte nova, já nos últimos tabuleiros – ponte destinada a uma linha ferroviária que nunca veio a ser construída. Avistava-se, já muito pertinho, o velho casario do Corgo, o imponente cais de mercadorias da estação do caminho-de-ferro, os táxis e camionetas de carreira a aguardarem passageiros, no Largo da Estação, onde também esta iria fazer a última paragem de giro... 
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2013. Recorte cedido pelo Dr. José Alfredo Almeida. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sábado, 3 de novembro de 2012

Retalhos da net - Era uma vez um combóio lá pelo Douro...

Transcrição - Out 27 18:00 

Estações Esquecidas em Vila Pouca de Aguiar

A Casa da Cultura de Vila Pouca de Aguiar acolherá, entre sábado 27 de Outubro e 25 de Novembro, a exposição Estações Esquecidas – 125 anos da Linha do Tua, com fotografia e vídeo de Sílvia Gonçalves.
Esta coleção permitirá fruir da riqueza natural da linha ferroviária do Tua e abrir espaço à reflexão sobre o seu futuro, num momento em que parte significativa do percurso se encontra desativada.

A relação intrínseca entre a natureza da exposição e a história do edifício da Casa da Cultura, antiga estação da Linha do Corgo, constituirá o mote para a tertúlia de inauguração de Estações Esquecidas – 125 anos da Linha do Tua. A iniciativa, marcada para sábado 27 de Outubro, pelas 18 horas, visa resgatar Memórias da Linha do Corgo, histórias de partidas e chegadas, peripécias e romances na antiga estação ferroviária de Vila Pouca de Aguiar.

Os participantes da tertúlia estão convidados a contribuir, com fotografias, documentos ou objetos relacionados com a Linha do Corgo, para a exposição permanente que está a ser desenvolvida, para a Casa da Cultura, pela VitAguiar, EM.
- Redacção

Clique  na imagem para ampliar. Imagem e texto do site do " @tual - Diário do Alto Tâmega e Barroso trenscritos e editados para este blogue com a devida vénia - Sugestão de Carlos Pinheiro e José Alfredo Almeida. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

BOMBEIRO AO MEU JEITO

De certo modo sempre tive os nossos Bombeiros dentro do meu ser.

Em criança era o saudoso Abílio T. Dias, carinhosamente “Bibi” lá em casa, que mal a sirene soava o seu “chamamento”, logo largava o que quer que fosse que o ocupasse, na pressa de chegar, dizendo para o meu pai:-padrinho está a tocar a sirene…

Quando mais tarde chegava, quantas vezes só no dia seguinte, o ritual de sempre. Ardeu muito, onde foi e muitas mais perguntas que trouxessem algum alívio pela aflição que sempre sentia, como se fossem os meus que estivessem em causa. Se porventura era algum acidente de estrada, relatava-nos os danos das viaturas e a situação clínica dos ocupantes.

O “Bibi”, no seu jeito humilde, mas de muita satisfação e maior orgulho pela farda que garbosamente envergava, era a minha referência em cada desfile, que eu não perdia nunca, pendurado na varanda lá de casa, na Rua dos Camilos.

Na adolescência subi muitas vezes as escadas até lá acima, para ir ao Sr. Marinheira levantar e entregar os primeiros livros, não os escolares, que esses transitavam do meu irmão mais velho. O pingue – pingue também me levou muitas vezes ao Quartel.

Com o primeiro ordenado veio a minha inscrição de associado.

Um dia, já na ternura dos 40, o Sr. Eduardo M. Sebastião convidou-me para fazer parte da lista para a direcção. Ainda não tinha acabado de expor o projecto que tinha em mente e já o meu, claro que sim, o interrompia.

Um convite tão honroso só podia ter aquela resposta.

Ao fim de 6 anos, o amigo Eduardo já com 20 anos de director deu por finda a missão.

O Dr. Alfredo Almeida deu-lhe continuidade e ao convite formulado para que eu continuasse, anui com a mesma alegria e satisfação.

Nesses 12 anos, o apelo das marchas e aprumo da Fanfarra, que me acompanhava desde a 1ª apresentação em 15 de Agosto de 1976, aquando das Festas em Honra de Nª Sª do Socorro, avivou-se.

Como o jeito para os instrumentos musicais era pouco, o meu escape foi assumir a direcção da mesma.

Em muitas cidades, vilas, aldeias do nosso cantinho à beira-mar plantado elevei bem alto o Estandarte e marchei consciente que ia ali o meu Torrão Natal. Quanto orgulho e porque não, vaidade até, ao ouvir à nossa passagem os aplausos e a exclamação, são do Peso da Régua, a que se juntava no final o reconhecimento das Comissões de Festas.

Tínhamos que declinar muitos convites, pois a agenda ficava preenchida de um ano para o outro.

Com os nossos Bombeiros tornei-me ainda mais reguense, ao calcorrear e conhecer todos os cantinhos das nossas freguesias, em angariação de fundos, quando o cofre normalmente vazio, requeria algum fundo de maneio extra para socorrer a tantas necessidades.

Um dia a minha avó nos seus 86 anos, só pedia que a levassem no carro dos Bombeiros.

Não queria ir “fechada” num carro fúnebre. O saudoso Comandante Gouveia e a Direcção fizeram-lhe a vontade. O Buick levou a minha querida avó até à última morada. Vou ficar em dívida o resto da minha vida.

As medalhas de bronze e prata com que me galardoaram aquando dos 5 e 10 anos de bons serviços directivos estão orgulhosamente encaixilhados e expostas na sala de visitas ao lado do meu mais querido legado, os meus filhos.

Aos nossos Bombeiros o meu sincero reconhecimento por me terem permitido pertencer a tão honrosa, altruísta e solidária Instituição.

P S - O bom amigo Dr. Alfredo Almeida, há bem pouco tempo, foi o meu cicerone na cortesia de apreciar as recentes obras de requalificação do Quartel Delfim Ferreira. Uma obra digna de realce e de visita obrigatória.
- Miguel Ribeiro Gonçalves
Ao Dr. Alfredo Almeida                                               
Digmo Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua.

Caro amigo,

Fico-lhe grato pelo apreço que deu ao meu artigo, o que para mim foi uma surpresa.

Eu apenas disse o que penso, pois não aceito que certos críticos, que se calhar nunca sentiram a dor duma queimadura e não sabem distinguir o imaginário duma realidade, venham à praça lançar bocas que apenas servem para desmoralizar aqueles que, estóica e voluntariamente, expõem as suas vidas ao serviço da vida dos outros; mesmo que involuntariamente, cometam erros, que as circunstancias tantas vezes tornam inevitáveis; apagar um incêndio como aqueles a que assistimos pela TV, não é o mesmo que apagar a chama duma vela em dia de aniversário e cuspir nos dedos para apagar o pavio: do lado de cá tudo parece fácil, mas do lado de lá, no terreno, o cenário é real e não imaginário!

O Dr. pede-me que escreva sobre os bombeiros da Régua; porém,  eu não tenho matéria suficiente para o fazer, porque, embora o meu apreço pela instituição, não acompanhei de perto a sua história. Posso, no entanto, informá-lo da razão do meu orgulho por ela, que não é exclusividade minha, mas sim, como sabe, o orgulho de quase toda, senão mesmo toda a população do concelho, desde há muitos anos.

Como sabe, eu era ferroviário. Durante a década de 50 do século passado, era eu então factor de 2ª classe, estava na bifurcação do Corgo, a regular a circulação dos comboios procedentes da linha do Alto Douro e da linha do Corgo com destino à Régua e vice-versa, e a entrada e saída do material circulante de e para as oficinas ali existentes.

Um dia, numa conversa a propósito do incêndio da Casa Viúva Lopes, (ao qual não assisti) com o Manuel Fernandes, um operário (já falecido) que era bombeiro e trabalhava naquelas oficinas, fiquei a saber o prestígio que os bombeiros da Régua ao longo da sua historia  haviam granjeado a nível nacional; prestígio confirmado mais tarde pelo Manuel Montezinho, um dos mais acérrimos defensores da construção do conhecido por “bairro dos bombeiros”, quando era membro da direcção, então presidida pelo senhor Dr. Aires Querubim.

Fiquei entusiasmado, propus-me ser sócio da associação e, salvo o erro, terá sido o Manuel Fernandes a tratar da minha inscrição que, se a memória me não falha, com o número 1025. Não fiz nada de especial; afinal, no seu lema de vida por vida, nunca se sabe se um dia, um bombeiro perde a sua vida, para salvar a minha. E quem diz a minha, diz a de muitos outros.
Ninguém é obrigado a ser sócio da associação. Porém, para com uma instituição de voluntários, cabe-nos o dever moral de, voluntariamente também, contribuirmos para a sua grandeza que analogicamente, contribui para o orgulho da nossa terra, competindo à sua direcção e aos próprios bombeiros, com a sua dedicação, a nobre tarefa de alimentá-lo.

Da Régua, uma a uma, todas as instituições nos têm levada. Porém um dos mais ricos patrimónios desta cidade, é a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso Régua, e essa, ninguém nos pode levar.

Com os melhores cumprimentos, 
- José de Oliveira Guerra, Peso da Régua 05-9-2012
  • Bombeiros da Régua no Google (imagens)
Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 13 de Setembro de 2012. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue sómente com a citação da origem/autores/créditos.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Retalhos da net: DORMIR NA RÉGUA...

"T'ás maluco? Vais dormir à Régua? 'Ninguém' dorme na Régua!". Foi esta a reação quase insomníca, de ontem à tarde, assumida por um vila-realense empedernido, quando lhe anunciei que, por uns dias, ia ficar num hotel da Régua, para acompanhar uma missão da UNESCO que vai avaliar da compatibilidade da construção de uma barragem na foz do Tua com o estatuto de "património mundial" do Alto Douro Vinhateiro.

Por natureza identitária, um vila-realense que se preze não gosta da Régua, melhor, "ignora" a Régua, da mesma forma que se "irrita" com essa "irrelevância" regional que é Chaves. Para um cidadão de Vila Real, a sua cidade é um fenómeno isolado, porque entende que Trás-os-Montes (e o Alto Douro) apenas pode, e deve, ser representado pela sua ímpar urbe. E isto não se discute, por mais modesto que um vila-realense possa e queira ser. Há Vila Real e, depois, só há, para lá do Marão, o Porto. E é tudo! É claro que, um pouco mais "lá para cima", há, mas já bem depois, uma "coisa" a que se chama Bragança (e, de caminho, Mirandela e Macedo, além de umas adjacências onde "não se vai", a não ser a caminho de Espanha). Mas tudo isso já é muito "diferente".

A Régua esteve situada a 29 km de Vila Real (hoje já é bem menos), pela "estrada velha", que passava por Santa Marta e cujas curvas nos causavam enjoos infantis. Em alternativa, fazia-se quase uma hora de viagem, pela velha linha férrea do Corgo, para ir aí apanhar, até aos anos 60 (quando a camionagem do Cabanelas nos passou a fazer enjoar pelo Marão), o comboio para o Porto. Mais tarde, a Régua ficou um pouco mais próxima, quando se ia pela encosta contrária, por Nogueira. Mas vamos ser justos: por que diabo um vila-realense ia à Régua? Para nada, a menos que fosse para passar para Viseu, ou para ir a à Senhora dos Remédios a Lamego, num assomo de romaria. Ou, como experiência etnológica, se decidisse passar por lá para comprar rebuçados, às mulheres aventaladas à porta da estação e fotografar a mais pequena barbearia do mundo (que deixo a imagem, ontem registada). Às vezes, em fins de semana invernosos, também se passava pela Régua para "ver" as cheias, quando o Douro, antes das barragens (já estou a fazer política "unescal", como notaram), alagava a marginal.

Nós, em Vila Real, o que é que conhecíamos da Régua? Praticamente, só as "pequenas". Por um excedente de produção de qualidade que nunca ninguém soube explicar, a Régua enviava para Vila Real, para estudar, algumas das mais bonitas garotas que o liceu Camilo Castelo Branco alguma vez teve (e que olhos, senhores!). Os irmãos ou os primos desse "pequename", assumindo uma espécie de "template" automobilístico, vinham sempre à "Bila" de NSU, que traziam aos ralis, às gincanas ou apenas, como dizíamos, para "armar aos cágados", à porta da Gomes, em dias de circuito, a aquecer ruidosamente os escapes. Por essas e por outras é que eu, durante anos, quase que me convenci que, na Régua, não era "gente" quem não andasse de NSU, como se por aí estivesse estabelecido o principal consumo mundial dessas viaturas. "For the record", convém dizer que essas simpáticas colegas vinham cuidadosamente "policiadas" por uma austera (mas muito competente) professora de matemática reguense, a Dona Raquel. Ah! e por falar em policiamento, é também muito importante recordar aqui os "polícias da Régua", tidos como dos mais rigorosos da região, sempre de farta bigodaça e pança proeminente, os quais, dizia-se, eram ferozes a derimir questiúnculas pesadas na zona do Peso (a Régua chamava-se, ou chama-se ainda, nunca percebi bem onde o debate toponímico ficou, Peso da Régua), onde, dizia-se, os ciganos imperavam. "É pior que um polícia da Régua!" era uma frase que, por décadas, se ouvia em Vila Real, para designar alguém com mau feitio. E da Régua chegava, pela voz melodiosa de Carlos Ruela, a "Rádio Alto Douro", para despeito vila-realense, onde imperava um deserto radiofónico.

Muito mais tarde, fomos "descobrindo" que a Régua também tinha, além do vinho do Porto (ninguém, nessa altura, bebia vinho do Porto, confessemos!, salvo no Natal, casamentos e batizados), o Douro e a sua beleza natural, a qual, lamento ter de dizê-lo, nunca contribuiu muito para melhorar a imagem da (agora) cidade, que é um eterno objeto arquitetónico sem grande interesse, com pontes e viadutos a mais. Da Régua vamos ouvindo ainda, SIClicamente, nas televisões, os protestos às 13 ou às 20 horas (horas oficiais dos protestos, no Portugal contemporâneo) dos produtores de vinho da região, sempre cuidadosamente filmados em frente ao "estadonovense" edifício da Casa do Douro, com lavradores querendo mais "benefício" (o conceito demoraria algum tempo a explicar aqui) e, claro, apoios do Estado.

Mas, atenção!, na Régua, ou perto dela, comeu-se quase sempre bastante bem (e este bloguista não é indiferente ao tema, como é sabido). Mais recentemente, ia-se ao "Douro In", agora vai-se ao "Castas e Pratos" (fui lá ontem e foi um jantar soberbo!), sito nos velhos armazéns da estação ferroviária. Mais longe, lá para a Folgosa, o Rui Paula continua a dar cartas no "DOC" (depois de as ter dado no "Cepa Torta", em Alijó, e mesmo mantendo o "DOP", junto à Bolsa do Porto). Para uma experiência um pouco mais "radical", porque terá de se defrontar inevitavelmente com o mau feitio do dono da casa, e sempre avisando com antecedência, vá-se pelo cabrito à "Repentina", já fora de portas. E, para melhor discutir a barragem que por aqui nos traz, poder-se-ia acabar a tarde no "Calça Curta", bem junto à velha estação do Tua.

Eu sou um vila-realense atípico: sempre achei alguma graça à Régua. E hoje vou cá dormir, pensando (sem nostalgias, garanto!) no que será feito das belas reguenses do meu tempo. Boa noite!
Clique nas imagens para ampliar. Imagem e texto do blogue "duas ou três coisas", com a devida vénia. Sugestão do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue sómente com a citação da origem/autores/créditos.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Retalhos da net: A desprezada, abandonada e vandalizada LINHA DO CORGO

Imagem "Estação de Vila Real" de "Aventar". Clique para ampliar.
In Notícias de Vila Real - 22/08/2012 - A Linha do Corgo, que durante anos fez a ligação entre a Régua e Chaves, foi encerrada. Caminhos-de-ferro, estações e todas as infra-estruturas de apoio estão agora deixadas ao abandono. Em Vila Real, o cenário é igual a tantos outros, mas agora chegou a vez de esta estação ser vandalizada.

A degradação abunda quando num acto de recordar se caminha junto àquilo que em tempos foram os carris que diariamente transportava pessoas, animais e bens. As linhas dos caminhos-de-ferro foram o motor de desenvolvimento para aldeias mais recônditas, foram o que as tirou do isolamento e permitiu às populações saírem de suas casas e conhecerem o “mundo”. Agora e em pleno século XXI muitas dessas aldeias, em tempos isoladas mas que com os caminhos-de-ferro passaram a ter vida, voltaram agora a ficar como estavam há muitos anos atrás. 

Mas se o isolamento dos mais desfavorecidos pouco importa aos sucessivos governos, pelo menos devia interessar-lhes o património e os anos de investimento que agora foram deixados ao abandono. 

A Estação dos Caminhos de Ferro de Vila Real situa-se numa zona bastante movimentada da cidade. Uma zona apetecida e com valor histórico, mas nem isso impediu que as suas janelas e portas fossem arrombadas e partidas, num acto de vandalismo em que a destruição por puro prazer nos parece a única motivação. 

O centenário edifício da estação está entregue a uma associação cujo fim é o turismo, no entanto, e ao que pudemos verificar no local, o que por lá acontece é tudo menos turístico.

Problema levantado em assembleia
Na penúltima edição da Assembleia Municipal de Vila Real, um deputado do Partido Social Democrata (PSD) e outro do Bloco de Esquerda (BE) levantaram a questão do abandono a que a estação estava sujeita. Já na altura, há cerca de três meses, estes dois deputados temiam pela segurança da estação. Sem nada ser feito, o pior veio mesmo acontecer. 

As portas e janelas que estão voltadas para a antiga linha estão destruídas, fechaduras arrombadas, vidros partidos. A instalação eléctrica foi, na sua maioria, destruída ou roubada, e agora Joaquim Barreira Gonçalves, deputado da assembleia e Chefe de Divisão da Cultura e Turismo da autarquia, que alertou para esta questão, teme “que haja um incêndio que destrua a infra-estrutura”. 

As preocupações do deputado vão mais longe. Em declarações ao NVR, o responsável referiu que nas instalações encontra-se “material considerado museológico, como um armário que pertenceu ao chefe da estação, e que facilmente pode ser roubado ou destruído”.

Na altura da penúltima assembleia, os deputados reivindicaram tomadas de posição para que a Estação fosse recuperada, mas nada foi feito. No entanto, Barreira Gonçalves, reforçou essa tomada de posição: “devem ser tomadas atitudes para que a estação seja recuperada. Ela está em boas condições”, deixando ainda em cima da mesa um dos possíveis destinos para o edifício devoluto: “podia ser alvitrada para a estação de camionagem, visto que na zona dos carris existe imenso espaço para os autocarros”, disse. 

Por agora, e sem solução à vista, resta esperar que os actos de vandalismo não continuem a destruir o património vila-realense, e que uma resposta a este problema chegue rapidamente. 
- Sara Alves

Vídeo da Linha do Corgo. Viagem numa automotora de série 9500 da CP, numa manhã de Primavera, entre a Régua e Vila Real.
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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Retalhos da net: Luz - Da Régua ao Pocinho


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Blogue "Jacarandá" - DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012

Na linha de caminho-de-ferro, da Régua para o Pocinho. Nesta última estação, o caminho-de-ferro termina. Já não vai até Barca d’Alva, muito menos até Espanha. É a Linha do Norte, que começa no Porto, em S. Bento ou na Campanhã, e ia até Espanha, recebendo ainda passageiros das linhas “afluentes” do Tâmega, do Corgo, do Tua e do Sabor, todas fechadas, condenadas, abandonadas e destruídas. É uma das mais belas linhas de comboio do mundo, com dezenas de quilómetros à beira do Douro, por vezes a meia dúzia de degraus ou poucos metros do rio. Traçada entre vales e vinhas, serviu, durante um século, gente e mercadoria e sobretudo vinho e materiais para a vinha. Afastou os barcos rabelos, foi afastada pelos camiões e pela estrada. Em qualquer parte do mundo, pelo menos nos países civilizados onde houvesse linhas de caminho-de-ferro como estas, sobretudo as do Douro e do Tua, tudo seria feito, em nome da cultura, da qualidade de vida, do turismo decente, da história, da decência, do ambiente e da estética, para que fossem preservadas. Não é assim entre nós! Triste sina!
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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Recortes - ESTAÇÃO DA RÉGUA - Início do Projecto

MOVIMENTO CÍVICO PELA LINHA DO CORGO
Entretanto:
Peso da Régua foi elevada à categoria de cidade a 14 de Agosto de 1985. Em 1988 foi reconhecida pelo Office Internacional de la Vigne et du Vin como Cidade Internacional da Vinha e do Vinho.
Muito haveria a contar sobre esta localidade espelhada pelo rio Douro. Contudo o que me leva a falar aqui da localidade de Peso da Régua é única e exclusivamente restrito à sua Estação de Caminho-de-Ferro. Esta é uma região que tem vindo a ganhar uma rede de estradas que a atravessam em várias direcções, mas só mesmo o comboio nos dá a liberdade total para essa viagem de comunhão com a terra.
Não é apenas o que os olhos vêm que nos surpreende. É a nossa própria meditação, embalada no rumor dos carris, que mistura sensações e memórias, busca a compreensão do que não se vê mas se imagina em cada trecho da paisagem. Não é difícil perceber a dimensão titânica do trabalho humano que transformou as montanhas de xisto em patamares de vinhedos. Ou o que foi rasgar a penedia para construir o caminho por onde seguimos, na linha do Douro, aqui e ali suspenso sobre pontes de ferro, a desafiar desfiladeiros.
Há 150 anos, quando ainda se pensava no projecto ferroviário para esta região o transporte de uma das maiores produções nacionais, o vinho do porto, era feito pelo rio nos barcos rabelos. O transporte do vinho, neste «rio de mau navegar», de caudal e leito muito irregulares, cheio de poços, cachões e secos, fazia-se nos tradicionais rabelos. Todos os anos, eram mais de duas mil viagens, cada uma delas demorando vários dias de navegação perigosa. Por isso, o comboio constituiu, durante décadas, a grande esperança desta terra.
Porém o comboio só chega por volta de 1879 exactamente numa altura muito má na produção deste nosso vinho. O oídio e a filoxera tinha desvastado completamente todo o vinhedo do Douro, e o comboio ao invés de ter trazido prosperidade para este povo foi talvêz o principal meio de regressão para um progresso que bem podia ter acontecido, se as elites políticas e financeiras tivesse decidido mais cedo a construção deste Caminho-de-Ferro. As populações empobrecidas pelas consequentes pragas da vinha, viram-se obrigadas a abandonar as suas terras, servindo-se do comboio para emigrarem, procurando outra forma de vida que lhes proporcionassem melhores rendimentos.
Como diz o proverbio “vale mais tarde do que nunca”, foi realmente graças ao comboio, que esta região viu acelarar o processo de reprodução das vinhas e em pouco mais de 10 anos fizeram-se no Douro mais de 20 mil hectares de plantações. O comboio veio assim permitir uma reordenação do território e uma integração no espaço regional.
É a partir daqui que se vai iniciar o projecto de uma via estreita, das primeiras a serem construidas, a Linha do Corgo que iria pôr a descoberto todo o valor paisagístico, e não só, de um vale até à altura desconhecido.

Transcrição de "Um Combóio Chamado Texas - 100 anos de História" - Design by Simon Fletcher. Desenvolvido por Tumblr© Copyright 2010

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sábado, 9 de junho de 2012

E por falar em comboios... Uma maravilhosa viagem na Linha do Corgo

Para quem gosta de viajar no tempo, deixo o extracto de um texto de 1909, de Domingos Ramos, publicado na “Ilustração Transmontana”, que nos descreve uma maravilhosa viagem na Linha do Corgo:

“…Quem desembarca na Regoa e entra no comboio para as Pedras Salgadas, ao começar a subir as alterosas ravinas que o Corgo sulcou experimenta uma sensação de bem-estar, de admiração e alegria que lhe suggestiona qualquer coisa nova e inesperada. O comboio, n'um balouçar que tem o seu quê de berço, embala a gente sem o sentir e lá vae perfurando panoramas cada vez mais diversos e mais bellos. Aqui apparece-nos a graça gentil d'uma horta viridente, acolá a severidade de lombas elevadas, pináculos agudíssimos;  aquilo que a phylloxera não devastou e queimou como raio e a coragem e o aprumo do proprietário ressuscitou, apresenta-se-nos em amphitheatros, que outr'ora tanta riqueza demonstrava; a imponência dos castanheiros, o avelludado dos pinheiros, o rendilhado dos sabugueiros e o assetinado do amaldiçoado tabaco vêem substituir na rapidez do caminhar aquela magica cultura, para nos surgir ao collear um meandro do rio.
Os casaes alvejam ao sol, e os campanários das freguezias, uns no alto dos outeiros e outros no fundo dos valles, parecem ao longe bandos de pombas espavoridas pelo silvo da machina.
Chega-se a Carrazedo e alli a visualidade é de mágica thetral: não nos parece real o que vêmos, mas sim um sonho! Parado na gare, o comboio espera pelo descendente; ei-lo que foge por sobre a nossa cabeça e precipita-se, desgrenhando a pluma de fumo sobre aquelle que o espera; de repente esconde-se, reapparece, descendo sempre até que se approximam.
Prosegue-se em direcção a Villa Real… faltam minutos para a vermos.

Ninguém, por mais força imaginativa de que disponha, é capaz de affirmar que não excedeu toda a sua expectativa o maravilhoso sonho que vê realizado.

É impossível descrever-se.

Gaba-se o céu de Itália, especialmente o de Capri, porque imprime à paisagem um tom de lilaz em todo o ambiente; pois ao vislumbrar  a casaria, amparada pela magestade do Marão, se o Sol bate em cheio no kaleidoscópio da vila, parece-nos tudo banhado em cor de rosa a evaporar-se deante de nós.
É ampla a entrada para a villa pela Avenida do Caminho de Ferro.
Lá em baixo o Corgo ferve por entre as penedias e lá vae até ao Douro… …”.
- Domingos Ramos, “Ilustração Transmontana”, 1909

Clique nas imagem para ampliar. Sugestão de texto e imagens de JASA (José Alfredo Almeida) para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Era uma vez um COMBOIO HISTÓRICO ? - A Linha do Tua

Veio em e-mail:

Os sacrifícios do nosso Douro - Os comboios Históricos e a Linha do Tua

Pelo YouTube, vi umas cuidadas reportagens que referiam a importância passada (mas essencial) que, no desenvolvimento do nosso País, tiveram as linhas ferroviárias, e evidenciavam a da via reduzida do Tua, que davam como exemplo e que destacavam pela imagem, essencialmente. Esta linha era uma grande atração... O seu significado para as populações era enorme, porque permitia a interligação delas e a sua integração no mundo em desenvolvimento. O fecho desta linha, hoje, vai conduzir à saída das populações e à consequente desertificação de partes de Trás os Montes e do Alto Douro. Esta desertificação apresenta-se como inevitável, pois que os povos vão ver agravadas as suas condições de vida, que, aliás, foram sempre difíceis. Eles tenderão a virar as costas a um passado não muito generoso e que não quererão ver ainda mais difícil.

Soube-me bem ver estas reportagens do YouTube e outras ainda, restando-me a esperança de que alguns povos – mais resistentes e teimosos – não terão a coragem de abandonar as terras onde sempre eles mourejaram com os seus pais e avós, com muitos sacrifícios. Com efeito, as imagens reportadas fazem-me ainda acreditar que sempre haverá gente de coração sensível, que vai continuar a lutar pela reposição da sua linha e que o mesmo acontecerá com outras gentes que vão também ser penalizadas pelo fecho de outras linhas nas suas regiões, lutas que irão culminar em grandes reclamações conjuntas, a exigirem o respeito devido pelas populações do interior, do Portugal profundo, e contra aqueles que determinaram as medidas que levam à desertificação e lhes esqueceram os inalienáveis direitos e legítimos interesses. Estas linhas férreas eram bens dos povos, que as estimavam e que delas se serviam, como fator de progresso e de segurança contra o isolamento e o abandono.

Gente de fora, gente não servida por estas linhas, gentes sem solidariedade não cuidaram dos sentimentos e necessidades das populações atingidas. Gestores, que respondem pela conservação das linhas abandonadas: desde há muitas décadas que eles se sucedem nos vários poderes, sem que procurassem investimentos na conservação daquelas linhas, que se foram degradando ano a ano, dia após dia. Já em 1945, caminhando eu, “pedibus calcantibus”, pela linha do Corgo, nas imediações de Chaves, pude constatar, espantado, que havia vários troços da linha sem as cavilhas que seguram os carris e que muitas e muitas travessas da via se encontravam num estado de podridão, que punham em risco a circulação dos comboios… Pouco tempo depois, constatei a mesma situação próximo de Mirandela, na linha do Tua. Cerca de 1980, alguns trabalhadores do sector da carga da Rodoviária Nacional, que trabalhavam na estação do Tua, me referiram a sua perceção de que os gestores não estimulavam o rendimento da linha do Douro, nomeadamente da Régua para a fronteira, e que eles próprios iriam ser transferidos para outros locais, mostrando eles um espírito de revolta inesperado, já naquela altura.
Na verdade, a recessão nas conquistas de Abril cedo se revelara já, mas agora é evidente que mais se acentuou. As linhas reduzidas que afluem à linha do Douro, todas elas constituem notáveis atrações de carácter turístico, e mais ainda se a linha principal fosse aberta até à fronteira. Pôr de lado estas linhas é não deixar que toda a região a norte do rio Douro conheça o desenvolvimento que o turismo lhe pode proporcionar, com a melhoria desejável dos níveis de vida das populações. Poderemos considerar tal orientação um verdadeiro atentado contra as populações mais necessitadas.

Interesses ilegítimos forçam a subordinação do desenvolvimento da ferrovia ao desenvolvimento da rodovia, desenvolvimento este contra natura, pela excessiva poluição que provoca, pelo muito maior despesismo com combustíveis e com outros componentes, pela muita maior desequilíbrio da balança comercial pela importância que atinge a importação de automóveis, que se apresenta como um valor pouco rentável, já que a maioria das viaturas se encontra imobilizada em grande parte da sua vida útil. E isto, não contabilizando o enormíssimo número de vítimas que provoca e o custo elevadíssimo da construção e conservação das autoestradas, muitas delas percorridas por carros em número inconcebivelmente insuficiente, de tudo resultando um tremendo erro administrativo, dificilmente aceitável.

A linha do Tua vai continuar na ordem do dia, nomeadamente porque a construção da barragem que leva ao seu encerramento parece posta superiormente em cheque... Com a ajuda das populações, pode muito bem acontecer que todos nós ainda acabemos por ver o comboiozinho resfolgante percorrer os velhos mas renovados caminhos, ladeando vales, seguindo para norte.

Eu gostaria muito de assistir à festa que se realizaria, principalmente por ver nele um comboio amigo que voltava á sua própria casa. Como seria bonito  ver a alegria esfusiante do povo!
- A. Vilela, Maio 2012

(Ativismo virtual - Movimento Civico Pela Linha do Corgo – MCLC - Pela recuperação do transporte de passageiros e mercadorias, por um projecto de turismo sustentável numa viagem pelas encostas do Douro, com a grandeza do Marão, Alvão, Padrela e a beleza da maior região termal do país!)
Clique nas imagens para ampliar. Imagens originais daqui e daqui. Sugestão de JASA (José Alfredo Almeida) para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.