sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O UNIVERSALISMO DE JOÃO DE ARAÚJO CORREIA

M. NOGUEIRA BORGES

João de Araújo Correia é, definitivamente, um vulto saliente do neo-realismo português que faz, quanto a mim, a perfeita justaposição entre o naturalismo concreto e um superior regionalismo que ultrapassa os limites do espaço onde a sua obra se realiza. É visível a ligação ficcionista do meio rural ao urbano através da sua actividade de cronista e palestrante nos ambientes citadinos e também (ou acima de tudo), nos seus contos, onde a aristocracia em decadência de regime e a ascendente burguesia se degladiam, surdamente, na expectativa dos melhores bocados, saltitando entre a terra produtiva e a urbe gastadora em azáfama de fim de ciclo.

É na sua matriz regionalista que, todavia, João de Araújo Correia atinge a pujança determinante do seu carisma. António José Saraiva e Óscar Lopes, na sua “História da Literatura Portuguesa”, distinguem-no: “(…) assimila à mais correntia e elegante prosa a fala oral dos seus aldeãos, e tornou-se capaz como poucos de organizar a narrativa de modo a dispensar a mínima nota judicativa extrínseca à acção, convertendo muitas vezes o próprio narrador rural da primeira pessoa em personagem bem caracterizada e que se mexe à nossa vista.”

A sua obra contém uma marca que sempre me impressionou: um elevado sentido ético, um enorme respeito para consigo e para com os outros; a preocupação de não inventar o verbalismo normalmente associado à incapacidade de (re) criar o enredo; o esforço pelo apuro linguístico e pela verdade da tradição do seu povo. A sua obra é o espelho da simbiose por muitos tentada e não conseguida: a identificação entre o Escritor e o Homem da (con) textura literária e da insígnia cívica. Não há fingimento ou disfarce entre a escrita e o ser que a expressa, aquela dualidade que, muitas vezes, acontece entre a áurea literária e a pequenez humana, entre as tiradas de fraternidade e a frieza e o egoísmo do nome que titula os livros.

Há quem, ao debruçar-se sobre a obra de um Autor (na globalidade da sua estrutura), se preocupe em decifrar ao milésimo os fonemas das palavras, os pormenores da pontuação, a concordância gramatical, a originalidade de coisas novas ou a novidade perante coisas velhas, o ritmo da composição, o estilo que é o cunho do escritor, a intimidade psicológica da sua definição, a distinção entre a forma e o fundo, a beleza estética entre a moldura e o conteúdo que naquela se delimita. João de Araújo Correia não foge a nenhuma exigência, suporta todas as equivalências e dimensiona-se em todas as características críticas.

Aqueles que o apelidam de escritor exclusivamente ruralista pecam por imprudência e precipitam-se na apreciação redutora. O ruralismo não é - bem se sabe- qualidade que calhe a todos. Dir-se-ia, até, raridade que só a pente fino se apanha. Numa sociedade enlatada, plastificada, computorizada e robotizada, escrever-se com e pelo povo é literatura que muitos depreciam por inabitualidade cultural ou presunção elitista. Mas não só hoje. Ontem, um ontem onde muitos românticos se excepcionam, a ficção rural surgiu como uma tipocromia que a muitos pareceu uma revelação pitoresca de uma criação restrita a uma determinada extensão geográfica.

João Araújo Correia rompeu essa esfera local, transportando, para além dos Montes, a saga duriense num eco de genética universalidade. Foi porta-voz e protagonista dos sacrifícios de uma raça que ergueu com sangue, suor e lágrimas a mais bela arquitectura geodésica; ilustrou para o mundo que sabe pensar e amar as grandezas ou as misérias (que também as há em qualquer nobreza) de gentes heróicas ou velhacas, joviais ou taciturnas, francas ou mangadoras, decadentes ou evolutivas, directas ou evasivas, supersticiosas ou desembaraçadas – retrato de qualquer povo em qualquer atlas actual ou passado.

João Araújo Correia escreveu não para ter nome, mas para o dar aos outros, para dar voz a quem não a tinha. Esticou as horas num desinteressado esforço para que as cinzas nos nossos lares nunca se apagassem; para que, em nenhuma parte do mundo, ninguém roubasse a gesta da nossa experiência e as gerações soubessem (saibam) que o sofrimento aqui não é diferente do de qualquer sítio onde não morre o lume da esperança que nos ilumina.

João de Araújo Correia recusou, por feitio e formação, a propaganda das ideologias culturais que alcandoram os apaniguados a símbolos da consciência nacional; afastou-se, por visceral repulsa, de todas as franjas onde se misturam o sofisma da (in) dependência com a mistificação da (im) parcialidade; não foi atracção de luxo em palcos de concentrações de massas, nem deixou que a sua palavra servisse de bandeira para fins diferentes do da Arte: a comunhão entre os homens no respeito pela diversidade.

Nasceu e morreu no chão que o modelou, resistiu à tentação das entronizações, ficou no seu canto sabedor de que, depois da passagem física do ser, é sempre a eternidade da sua memória criativa que resta. Voou longe como uma ave sem gaiola; pousou nas árvores da sua paixão e revoltou-se contra quem as cortou; conheceu os beirais da sua terra porque peregrinou pelos miradouros do sonho; ouviu, nos catres da doença, os gemidos anunciadores da morte e por isso exaltou a vida sem deslealdades.

Nota: Este excelente texto de análise sobre o carácter humano e a obra  “universal” do escritor reguense escrito por M. Nogueira Borges, foi publicado no jornal "O Arrais", do Peso da Régua, em 13 de Julho de 1995.
Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de texto e imagem feita pelo Dr. José Alfredo Almeida (Jasa). Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012 em homenagem de saudade ao Amigo MANUEL COUTINHO NOGUEIRA BORGES. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos.  

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Biblioteca de Maximiano Lemos


João de Araújo Correia

A biblioteca de Maximiano Lemos, inaugurada em 1960, ao comemorar-se o primeiro centenário do seu ilustre patrono, vai ser enriquecida, no próximo Novembro, com uma valiosa colecção de livros oferecidos pela benemérita Fundação Calouste Gulbenkian. Diremos, para ser precisos, que vai funcionar, dentro da Biblioteca de Maximiano Lemos uma das bibliotecas fixas de Fundação Gulbenkian.

Queremos crer que as duas bibliotecas não briguem uma com a outra, antes se auxiliem e completem. A de Maximiano Lemos é livraria pobre e livraria velha, herdeira da primitiva estante dos Bombeiros e acrescida de alguma oferta particular. Mas, sempre conterá, como velha, embora pobre, alguma espécie rara, útil a estudiosos ou bibliófilos. A da Fundação, constituída por livros em barba e todos em folha, será útil ao comum dos leitores. Será própria para os desbravar e lhes estimular o gosto de leitura.

Uns e outros livros deverão acautelar-se de inúteis desvios. Não falta quem se aproprie de livro alheio só para o ter ou deixar perder, nanja para o ler e se instruir com ele. É como se cultivasse a arte de tirar por tirar.

Ninguém deve esquecer, aqui na Régua, o que aconteceu à antiga biblioteca municipal, fundada pelo Dr. Claudino de Morais no século passado. Quando, em 1935, houve incêndio nos Paços de Concelho, já os livros tinham desaparecido. Oxalá não suceda o mesmo aos livros da Biblioteca de Maximiano Lemos, agora enriquecida com a inestimável oferta da Fundação Gulbenkian.
Se há livros que podem emprestar-se para leitura domiciliária, outros há que não devem sair para longe da vista do bibliotecário. São livros raros, insubstituíveis.

Em todos as bibliotecas, há regulamento que protege os livros. Não falte na Biblioteca de Maximiano Lemos. É indispensável que não falte e que se cumpra. Só assim haverá quem ofereça à Biblioteca livros preciosos, colecções de jornais e até manuscritos.

Na Régua, é tradição que falhem todas as iniciativas. Falharam as touradas, as exposições fotográficas, o teatro de amadores, o orfeão, a parada agrícola, os desportos fluviais e até o carnaval inventado pelo Chico Pulga. Tudo falhou, menos a Associação dos Bombeiros Voluntários, fundada em 1880 e de ano para ano, mais florescente.
Da vitalidade da Associação dos Bombeiros fiamos a conservação e o progresso da Biblioteca de Maximiano Lemos. Mas, é indispensável que a Associação seja acompanhada, neste particular, pelos reguenses dados à leitura. Espera-se que espontaneamente se organize o Grupo dos Amigos da Biblioteca de Maximiano Lemos.
- Outubro de 1963
Nota: Esta crónica, inicialmente publicada no extinto jornal “Vida por Vida”,  faz parte do livro Pátria Pequena, editado pela Imprensa do Douro (1977).
Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de texto e imagens feita pelo Dr. José Alfredo Almeida (Jasa). Publicado também no jornal semanário regional "Arrais" em 9 de Agosto de 2012. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A minha RÉGUA ! - 37

Fotos que refletem um estado de alma sobre a nossa cidade


Se participa da rede social 'FaceBook', poderá apreciar a coletânea de imagens 'A Minha Régua' (até ao momento com 646 fotos) no álbum 'Peso da Régua'.
Clique  nas imagens para ampliar. Imagens cedidas por José Alfredo Almeida e editadas para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

Retalhos da net: Luz - Da Régua ao Pocinho


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Blogue "Jacarandá" - DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012

Na linha de caminho-de-ferro, da Régua para o Pocinho. Nesta última estação, o caminho-de-ferro termina. Já não vai até Barca d’Alva, muito menos até Espanha. É a Linha do Norte, que começa no Porto, em S. Bento ou na Campanhã, e ia até Espanha, recebendo ainda passageiros das linhas “afluentes” do Tâmega, do Corgo, do Tua e do Sabor, todas fechadas, condenadas, abandonadas e destruídas. É uma das mais belas linhas de comboio do mundo, com dezenas de quilómetros à beira do Douro, por vezes a meia dúzia de degraus ou poucos metros do rio. Traçada entre vales e vinhas, serviu, durante um século, gente e mercadoria e sobretudo vinho e materiais para a vinha. Afastou os barcos rabelos, foi afastada pelos camiões e pela estrada. Em qualquer parte do mundo, pelo menos nos países civilizados onde houvesse linhas de caminho-de-ferro como estas, sobretudo as do Douro e do Tua, tudo seria feito, em nome da cultura, da qualidade de vida, do turismo decente, da história, da decência, do ambiente e da estética, para que fossem preservadas. Não é assim entre nós! Triste sina!
  • Sobre comboios do DOURO (neste blogue)

terça-feira, 7 de agosto de 2012

6ª Bienal Internacional de Gravura | DOURO 2012 [10 AGO-30 SET]

CONVITE
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Helena Freitas
Gabinete de Apoio à Direção
FUNDAÇÃO MUSEU DO DOURO
Museu do Douro - Prémio Museu Europeu do Ano 2011 | Menção Especial do EMYA
Telefone: + 351 254 310 190 [Geral] + 351 254 310 198 [Directo] | Fax: + 351 254 310 199 
Rua Marquês de Pombal | 5050-282 Peso da Régua | Portugal  
07-08-2012 17:13 | Norte
Bienal de Gravura do Douro arranca sexta-feira com 650 obras de 325 artistas
A Bienal Internacional de Gravura do Douro arranca na sexta-feira e contabiliza este ano 12 exposições, distribuídas por Bragança, Alijó ou Régua, e 650 obras da autoria de 325 artistas, anunciou a organização.
Organizada pelo Núcleo de Gravura de Alijó, a bienal conta com o apoio da Câmara de Alijó e prolonga-se até 30 de setembro.
Em exposição estarão obras de artistas de 63 países, com destaque para David de Almeida, Rafael Trelles, Fernando Santiago, Daniel Hompesch ou Silvestre Pestana.
O diretor e curador da Bienal de Gravura, Nuno Canelas, destacou como novidade desta 6.ª edição a presença da iniciativa no espaço virtual, nomeadamente no Second Life, onde o evento estará representado e pretende expandir a sua ação.
A componente digital e virtual é aliás, um dos objetivos futuros deste evento.
"É uma forma de projetar a arte sem que esta tenha que se subjugar às leis do mercado físico da arte", afirmou Nuno Canelas.
Para o presidente da Câmara de Alijó, Artur Cascarejo, esta Bienal é já "uma referência artística que ultrapassa as barreiras do Douro" e a "maior manifestação cultural e artística da região".
Este ano juntou-se o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança., aos já habituais locais como Vila Real (Teatro Municipal), Régua (Museu do Douro), Foz Côa (Museu do Côa), Favaios (Museu do Pão e do Vinho), Quinta do Portal (Sabrosa) e Alijó (biblioteca, auditório, piscinas municipais e espaço urbano).
Artur Cascarejo considerou que o evento é hoje um "lufar de ar fresco do que se faz na região e no país".
Depois do tributo a Paula Rego na Bienal de 2007 e a Antoni Tàpies (recentemente falecido), o Museu do Douro, na Régua, acolhe agora a exposição -"Homenagem a David de Almeida", com cerca de 30 peças deste mestre da arte contemporânea.
Ao longo das últimas edições, a Bienal de Gravura do Douro tem permitido acumular um vasto património artístico de gravura, que poderá no futuro, segundo Artur Cascarejo, culminar com a construção de um Museu de Gravura Contemporânea.
"Queremos que a cultura seja uma alavanca do ponto de vista social e económico para a região e queremos que o Douro seja também um destino turístico cultural", afirmou o autarca.
- Fonte "PORTO Canal"