A apresentar mensagens correspondentes à consulta Sport Clube da Régua ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta Sport Clube da Régua ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Relembrando - UM DE NÓS - Em Memória de Jaime Ferraz Gabão

Em Memória de Jaime Ferraz Gabão
Nasceu na cidade de Peso da Régua em 13 de Abril de 1924.
Com 68 anos, faleceu a 18 de Junho de 1992, dia do Corpo de Deus, em Lisboa - onde, uns dois meses antes, se submetera a melindrosa intervenção cirúrgica. Portanto hà 23 anos!

UM DE NÓS !
Morreu Jaime Ferraz Gabão. Morreu um de nós, os do ARRAIS. Morreu, por ventura, o colaborador que mais lhe respeitava uma das linhas mais vincadas do seu carácter, bem definida no primeiro número. Dizia-se na apresentação, ENCONTRO NA RUA, que "um jornal é também a história e a consciência de uma terra". Ora, na grande maioria das suas crónicas, Jaime Ferraz Gabão foi a história e a consciência da Régua. Recordou acontecimentos longínquos, quando ao presente lhe pareceram oportunos, e sublinhou o dia a dia, sempre que lhe adivinhava a utilidade de algum eco no futuro. São incontáveis as figuras e figurinhas que desfilaram nas suas memórias da Régua antiga. Trouxe á luz dos jornais, famílias inteiras, quase extintas, o que sempre provocava nos descendentes uma onda de simpatia e gratidão, Tive a oportunidade de ler algumas cartas, vindas de longe, de uma comoção difícil de esquecer. Voltou a dar vida às ruas velhinhas, de comércios e ofícios, hoje fechados na própria nostalgia dos tempos e costumes que não voltam. 
Jaime Ferraz Gabão era um reguense pelo nascimento e pelo coração, mas de origem vareira. Sempre se orgulhou dessa origem. Viveu a geminação Régua-Ovar como um encontro dentro de si próprio. Seguiu-a do seu canto, pequeno mundo de livros e papéis. A falta de saúde não lhe permitiu assistir às cerimónias oficiais.
Estivesse onde estivesse, o seu coração pulsava pela Régua. São disso eloquente testemunho as HISTÓRIAS DO SPORT CLUBE DA RÉGUA e do NOTÍCIAS DO DOURO.

Jaime Ferraz Gabão foi um jornalista espontâneo. Como tantos outros expoentes do nosso jornalismo, foi homem de formação sem formatura. O sentimento dos jornais, o espírito atento e a experiência, foram fazendo dele o apreciado jornalista que veio a ser.
Nos muitos anos de África, passados em Porto Amélia, foi colaborador de quase todos os jornais moçambicanos, muito especialmente do DIÁRIO de Lourenço Marques. Neles praticou um jornalismo de noticiário oportuno e de inabalável sentimento patriótico. Quando a descolonização lhe desmantelou a vida, ficou a lamentar mais os prejuízos da terra portuguesa, do Atlântico ao Índico, que as suas próprias perdas. Foi em Moçambique um saudoso de Portugal e em Portugal um saudoso de Moçambique.

No seu regresso de África, veio a ser, pouco a pouco, a alma e a sobrevivência do NOTICIAS DO DOURO. Por fim, era ele, com a dedicação dos tipógrafos, a conseguir, em cada semana, um número difícil.
Quando o NOTICIAS DO DOURO sofreu, bruscamente, uma grande mudança de clima, Jaime Ferraz Gabão sentiu um desconforto tão inesperado como injusto. Para se recompor da enorme frustração, não lhe bastava ser correspondente do PRIMEIRO DE JANEIRO e colaborador esporádico do JORNAL DE MATOSINHOS. Precisava de mais espaço no jornalismo regional. Teve-o da magnânima e hospitaleira VOZ DE TRÁS-OS-MONTES e, depois, do ARRAIS. Com inquebrantável assiduidade, colaborou nestes jornais do seu espírito e do seu coração, até às últimas migalhas de saúde.

Pelo seu desinteressado altruísmo, Jaime Ferraz Gabão veio a merecer da Cruz Vermelha Portuguesa a "Medalha de Agradecimento" e a "Medalha e Cruz de Mérito". O Sport Clube da Régua, distinguia-o ,desde 1965, como "Sócio de Mérito".
Depois de completar 50 anos de jornalismo, muitas foram as homenagens e distinções merecidas por Jaime Ferraz Gabão: Rotary Clube da Régua, Clube da Caça e Pesca do Alto Douro, Voz de Tráz-os-Montes e Arrais; "Medalha de Mérito Jornalístico" da Câmara Municipal de Peso da Régua e "Louvor pelos relevantes Serviços Prestados à Imprensa Regional" da Presidência do Conselho de Ministros.

A Régua mais Régua, a Régua de Jaime Ferraz Gabão, sentiu bem e logo a sua perda, acompanhando-lhe o féretro ao cemitério do Peso, com recolhida pausa na Igreja Matriz, para celebração de missa de corpo presente. Foram celebrantes os padres António Maria Cardoso e Vital Capelo, por ausência inevitável do padre Luis Marçal.
Toda a cerimónia foi um profundo adeus a Jaime Ferraz Gabão. Um adeus, que as eloquentes palavras do Dr. António Maria Cardoso, seu velho e querido amigo, souberam prolongar no coração e no espírito de toda a gente. Foi uma evocação circunstânciada e sentida. Tão sentida que pôde acender as primeiras saudades de Jaime Ferraz Gabão, pouco antes da terra, da sua terra o tirar, para sempre, da nossa companhia.
- Peso da Régua, Junho de 1992, Camilo de Araújo Correia.*
*Agradeço a José Alfredo Almeida os recortes do Arrais oferecidos e que me permitiram a transcrição integral deste artigo do também já saudoso, companheiro e Amigo Dr. Camilo de Araújo Correia.
  • Em tempo de festas de Nossa Senhora do Socorro na cidade da Régua, recordo Jaime Ferraz Rodrigues Gabão!  
  • Jaime Ferraz Rodrigues Gabão citado no portal do Sport Club da Régua - Aqui!

quinta-feira, 19 de março de 2015

Cartas de longe: Lembrando o PAI, o cidadão, o jornalista Jaime Ferraz Rodrigues Gabão

Testemunhos do tempo
À memória de Jaime Ferraz Rodrigues Gabão

Era Março de 1971.

Moçambique vivia os anos de brasa do conflito armado, em plena guerra colonial.

No batalhão militar de Pemba, constituído, na sua quase totalidade por jovens do recrutamento local, ia processar-se a graduação de um furriel em alferes.

Como convinha, na sua perspectiva, para incentivo e psico exploração junto das forças vivas locais, o comando militar preparou uma pequena cerimónia para a qual , além de muitas individualidades civis e militares, convidou as delegações dos órgãos de comunicação social.

Entre estes últimos encontrava-se um homem por demais conhecido na cidade, onde a par do seu trabalho na Sagal, desde que em 1957 viajara das terra durienses para aquele torrão africano, vinha promovendo através do diário (*Diário de Lourenço Marques-Página de Cabo Delgado) de que era representante, a cidade, os seus valores, os seus anseios, as suas gentes. Fazia-o de forma discreta, sem alardes, ele que era um homem discreto, adverso a fúteis protagonismos, mas com uma garra e uma capacidade de trabalho e dedicação, que não passava despercebido o seu espírito de iniciativa e labor em prol da urbe que o acolhera.

Tinha nome esse grande Homem: JAIME FERRAZ RODRIGUES GABÃO, ele que era o chefe natural duma família de bem com nome gravado naquele chão macua; naquele chão que foi de luta, mas também de trabalho, de suor e lágrimas, mas também de alegrias e felicidades.

E foi este homem que me deixou na memória aquilo a que eu chamo um “pormenor” de comportamento, gravado na memória do tempo, desde esse dia, tão distante e tão próximo, da cerimónia no batalhão militar, na bela cidade, então Porto Amélia.

Findas as formalidades oficiais da cerimónia castrense de imposição de galões ao jovem alferes, o comandante convidou todos os presentes para um lanche/convívio no bar de oficiais.

Todos acorreram solícitos, inclusive todos os outros representantes dos órgãos de comunicação social, distribuindo os habituais sorrisos e lindas palavras de circunstância com as entidades civis e militares presentes.

E foi com alguma surpresa e interrogativos pensamentos que o jovem oficial, viu o senhor Gabão– como o conhecia, – em passada larga, denotando inusitada pressa, abandonar o local, sem se dispor a tomar parte no convívio e repasto “elegante” que se seguiu.

Inicialmente, estranhou a atitude e não conseguiu divisar o real motivo de tão apressado debandar.

Não questionou ninguém, mas também não seria necessário. A resposta concreta, sem palavras ou justificações circunstanciais, chegou-lhe logo no outro dia: o jornal diário do nosso repórter Gabão foi o único a publicar a reportagem do acontecimento. Os outros deram-no à estampa dois ou três dias depois.

O nosso homem, mais uma vez, fez jus àquilo que a cidade lhe já conhecia: primeiro a obrigação, o trabalho, depois a devoção. Melhor, primeiro a profissão, depois o camarão, os whiskys, os eventos de fachada.

Foi este o tal “pormenor”, que poderá sugerir uma banalidade circunstancial, mas que o jovem alferes não deixou escapar da sua memória, e que mais se foi avivando na medida em que foi aprendendo no tempo a reconhecer onde no concreto residem os valores das pessoas.

E por julgar um dever, aqui o deixa relatado para lembrar mais um grande homem que, por quase duas décadas, foi do Pemba, do Cabo Delgado, do Moçambique, que, como nós, aprendeu a amar.

Hoje, lembrei-me de ti, JAIME FERRAZ GABÃO...
- Em 14 de Janeiro de 2003 - por Francisco José Branquinho de Almeida Portugal.

Vamos, Jaime, vamos...

Faz um ano que me deixaste. O 18 de Junho é mais uma data da minha memória. Como este Mundo ainda não me arrancou o coração do peito nem me chupou o sangue onde ferve a minha alma, aqui estou a escrever-te para que me ouças na transcendência da comunicação espiritual que os laicos materialistas não entendem, mas fingem aceitar quando lhes interessa para o alcançar das efémeras ambições urdidas na penumbra das intrigas.

Venho convidar-te para irmos ao outro lado do mar, esse mar das Descobertas, do escorbuto, dos sofrimentos e da morte. Vamos revisitar a África onde uma geração caminhou, lutou e morreu sem saber que, um dia, o seu sacrifício seria espezinhado nas alcatifas dos sapatos de pelica.

Anda, Jaime, vamos a Porto Amélia, à cidade ondulada, a mirar-se no espelho do Ìndico, tão linda e tão calma que nem a tempestade lhe arranca as palmeiras. Vamos à praia das areias prateadas, mergulhar nas águas mornas e transparentes, com os corais ali à mão e o sal lá em frente, na linha do horizonte, quase a querer dormir, acariciando-nos os corpos. Caminharemos pela estrada de terra vermelha enquanto, ao longe, na temba isolada junto ao farol, o tam-tam do batuque vai crescendo, num frenesim de sensualidade e de suor, de crença e de dor, de delírio e de espanto.

Vamos a tua casa ver se ela ainda está rodeada de acácias, se a porta se abre e se há mesa para comermos papaias e mangas e ananases e cocos e toda a fruta nascida da virgindade do mato.

À noite, com a lua iluminando a baía, daremos uma volta pelo bairro, diremos "Olá" aos cipaios, tomaremos um café no "Polo Sul" e conversaremos sobre a Régua e as suas gentes, o meu Pai teu companheiro de Escola, as saudades das uvas com broa.

O cais estará vazio porque não é dia de S. Vapor, apetece-nos uma "Laurentina" no Marítimo, passaremos pelo Niassa até nos quedarmos no pequeno terraço da Pensão Miramar com os teus Amigos a contarem histórias do algodão e a fumarem "LM". Então, o cacimbo, virá como um nevoeiro, do lado do mar; o Paquitequete encher-se-á de ruídos e de corridas labirínticas, o Gary Cooper não dará mais tiros aos índios no barracão cinema dos monhés, subiremos a Rampa ou as Escadinhas e saudar-nos-emos com um abraço "Até amanhã".

Anda, Jaime, não hesites, vamos lá, a Porto Amélia, onde ficaram as lágrimas da tua despedida, obrigado a partires quase sem nada, fazeres as malas à pressa porque não querias ver os teus amigos de ontem transformados, repentinamente em revolucionários de sempre, porque te enojou a cobardia de uns tantos que julgavam ser possível apanhar o maximbombo do novo poder.

Vamos a Moçambique gritar que nós não temos culpa do que fizeram uns senhores que chegaram a Lisboa feitos heróis, idolatrados como salvadores, que nunca vestiram uma farda nem sabiam onde ficava África; que, por ideologias e parentescos internacionais, voltaram as costas a milhares de Portugueses que julgavam ter merecido a dignidade e a honra de reconstruirem nas matas e nas cidades a grandeza de uma Pátria.

Vamos, Jaime, vamos a Porto Amélia, dizer àqueles que, muito depois de teres vindo, te continuaram a escrever cartas de estima, que a culpa não é nossa, que não fomos refractários nem desertores, que não os abandonamos, mas nos impuseram o abandono.

Vamos, Jaime, vamos...
- Por M. Nogueira Borges-Porto-1992

QUEM FOI JAIME FERRAZ RODRIGUES GABÃO

Nasceu na cidade de Peso da Régua em 13 de Abril de 1924. Com 68 anos, depois de uma vida plena de altruismo, na alegria de fazer e conservar Amigos, dedicado à família e à sua terra, a cidade de Peso da Régua, mesmo quando residente em Moçambique, em Porto Amélia, onde ganhou o respeito, a admiração e a gratidão de todos - pelo que sempre a recordava como um apaixonado - Jaime Ferraz Gabão, Delegado do nosso jornal naquela cidade, faleceu a 18 de Junho, Dia do Corpo de Deus, em Lisboa - onde, há uns dois meses, se submetera a melindrosa intervenção cirúrgica.

Era casado com D. Nailde Soutelinho Vieira Ferraz Gabão; pai dos srs. Jaime Luis V. Ferraz Gabão (Brasil) e Júlio Manuel Ferraz Gabão (Régua); irmão de Margarida Ilharco Ferraz (falecida Porto), António Jorge Ilharco Ferraz (falecido-Régua) e Henrique Ferraz R. Gabão (Costa da Caparica); avô de três netas e um neto.

Jaime Ferraz Gabão, decano dos jornalistas da Imprensa Regional (em Trás-os-Montes e Alto Douro), começou carreira na Imprensa do Douro, tendo colaborado em jornais como "Jornal da Régua" (extinto), "Noticias do Douro" (Régua), "Noticias da Beira" (Beira-Moçambique), "Diário de Moçambique" (Beira-Moçambique), "Diário de Lourenço Marques" (Lourenço Marques-Moçambique), etç. Era delegado de "O Jornal de Matosinhos" (Matosinhos) e do "Primeiro de Janeiro" (Porto), e redactor de "O Arrais" (Régua) e de "A Voz de Trás-os-Montes" (Vila Real).

Funcionário da Estação Vitivínicula do Douro, diretor de vários clubes desportivos em Porto Amélia, foi distinguido como Sócio de Mérito do Sport Clube da Régua e homenageado pela Câmara Municipal de Porto Amélia, onde colaborou no Emissor Regional de Cabo Delgado.

Foi ainda agraciado com um "Diploma de Louvor" da Presidência do Conselho de Ministros (sob proposta do nosso jornal), com um "Diploma da Cruz Vermelha Portuguesa", pelo seu trabalho na Delegação da Régua e homenageado pelo Clube de Caça e Pesca do Alto Douro e pelo Rotary Clube da Régua, etç.

Vida, assim, intensamente vivida, em exemplaríssima dedicação à Comunidade, bem merece que o seu nome seja perenizado na sua Cidade-Berço. De resto, parece ter sido esse o sentir da multidão que o acompanhou à última jazida, depois da Missa de Corpo Presente, na Igreja Matriz, a que presidiu, por deferência do Pároco, sr. P. Gouveia e do seu Coadjutor, Sr. P. Vital (que celebrou), o Director de "A Voz de Trás-os-Montes", particular e dedicado Amigo de Jaime Ferraz Gabão.
- A Voz-de-Trás-os-Montes de 25 de Junho de 1992.

(Transferência de arquivos do sitio "Peso da Régua" que será desativado em breve)

domingo, 31 de agosto de 2014

Conheça o Reguense Jaime Ferraz Rodrigues Gabão

Cruzar a linha não é muito fácil, em especial quando não há vantagens ou ganhos em retorno. É nesta hora que você percebe e entende quem tem consideração, quem reconhece!
Conheça o Reguense Jaime Ferraz Rodrigues Gabão
As cartas enviadas desde Porto Amélia em Moçambique sobre o Sport Clube da Régua.
Jaime Ferraz Rodrigues Gabão

Nasceu na cidade do Peso da Régua em 13 de Abril de 1924.
Com 68 anos, faleceu a 18 de Junho de 1992, dia do Corpo de Deus, em Lisboa - onde, uns dois meses antes, se submetera a melindrosa intervenção cirúrgica.

Tive a oportunidade de ler algumas cartas, vindas de longe, de uma comoção difícil de esquecer. Voltou a dar vida às ruas velhinhas, de comércios e ofícios, hoje fechados na própria nostalgia dos tempos e costumes que não voltam.  
Jaime Ferraz Gabão era um reguense pelo nascimento e pelo coração, mas de origem vareira. Sempre se orgulhou dessa origem. Viveu a geminação Régua-Ovar como um encontro dentro de si próprio. Seguiu-a do seu canto, pequeno mundo de livros e papéis. A falta de saúde não lhe permitiu assistir às cerimónias oficiais.
Estivesse onde estivesse, o seu coração pulsava pela Régua. São disso eloquente testemunho as HISTÓRIAS DO SPORT CLUBE DA RÉGUA e do NOTÍCIAS DO DOURO.

Jaime Ferraz Gabão foi um jornalista espontâneo. Como tantos outros expoentes do nosso jornalismo, foi homem de formação sem formatura. O sentimento dos jornais, o espírito atento e a experiência, foram fazendo dele o apreciado jornalista que veio a ser.
Nos muitos anos de África, passados em Porto Amélia, foi colaborador de quase todos os jornais moçambicanos, muito especialmente do DIÁRIO de Lourenço Marques. Neles praticou um jornalismo de noticiário oportuno e de inabalável sentimento patriótico. Quando a descolonização lhe desmantelou a vida, ficou a lamentar mais os prejuízos da terra portuguesa, do Atlântico ao Índico, que as suas próprias perdas. Foi em Moçambique um saudoso de Portugal e em Portugal um saudoso de Moçambique.

No seu regresso de África, veio a ser, pouco a pouco, a alma e a sobrevivência do NOTICIAS DO DOURO. Por fim, era ele, com a dedicação dos tipógrafos, a conseguir, em cada semana, um número difícil.
Quando o NOTICIAS DO DOURO sofreu, bruscamente, uma grande mudança de clima,Jaime Ferraz Gabão sentiu um desconforto tão inesperado como injusto. Para se recompor da enorme frustração, não lhe bastava ser correspondente do PRIMEIRO DE JANEIRO e colaborador esporádico do JORNAL DE MATOSINHOS. Precisava de mais espaço no jornalismo regional. Teve-o da magnânima e hospitaleira VOZ DE TRÁS-OS-MONTES e, depois, do ARRAIS. Com inquebrantável assiduidade, colaborou nestes jornais do seu espírito e do seu coração, até às últimas migalhas de saúde.

O Sport Clube da Régua, distinguia-o, desde 1965, como "Sócio de Mérito".
Depois de completar 50 anos de jornalismo, muitas foram as homenagens e distinções merecidas por Jaime Ferraz Gabão: Rotary Clube da Régua, Clube da Caça e Pesca do Alto Douro, Voz de Tráz-os-Montes e Arrais; "Medalha de Mérito Jornalístico" da Câmara Municipal de Peso da Régua e "Louvor pelos relevantes Serviços Prestados à Imprensa Regional" da Presidência do Conselho de Ministros.


- Peso da Régua, Junho de 1992, Camilo de Araújo Correia.*


Conheça algumas das cartas enviadas e publicadas pelo Jornal Notícias do Douro, sobre o SC Régua.
Clique nas imagens acima para ampliar
Transcrito do site - Sport Clube da Régua

Alguém disse: Cruzar a linha não é muito fácil, em especial quando não há vantagens ou ganhos em retorno. É nesta hora que você percebe e entende quem tem consideração, quem reconhece! Minha gratidão imensa ao Dr. José Alfredo Almeida, Amigo sempre presente pela pesquisa dos textos, ao pessoal do Notícias do Douro pela autorização, na pessoa do Dr. Armando Mansilha, salientando também o velho Amigo, funcionário e jornalista Fernando Guedes, que se encarregou de fotocopiar os recortes acima expostos e ao Sport Clube da Régua, a quem meu saudoso Pai ofertou amor e inúmeras horas de dedicação intensa, desinteressadas e permitiu a digitalização-publicação no site do clube. Seu pensamento-coração, mesmo longe, em terras de África (Porto Amélia, hoje Pemba), estavam também no rincão natal. - Jaime Luis Gabão, 4 de Maio de 2011.
    • JAIME FERRAZ RODRIGUES GABÃO no GOOGLE !

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Tombou uma árvore - José Coutinho Pinto Júnior

Paulatinamente, no inverno da vida, vão tombando e desaparecendo das velhas ruas da Régua, árvores fortes, com raízes profundas, que foram abrigo frondoso em nossa infância e estruturadoras da personalidade de muitos de nós que exaltamos o Douro... Neste entardecer melancólico de todos os dias, abraçamos a saudade a cada árvore que desaparece... a cada folha que cai como lágrima, nas ruas frias de uma Régua diferente, a caminho do esquecimento... 
- Jaime Luis Gabão - Fevereiro de 2014.
Um amigo da Régua

Na vida é sempre assim: chegamos e partimos, vivemos e sonhamos, vencemos e perdemos, esquecemos e lembramos. Por isso, o nosso tempo de vida é sempre fugaz e efémero, mesmo quando acreditamos que somos capazes de alcançar a Eternidade. Assim, não faz sentido dizermos que a morte  de alguém é o fim. O mais certo, é pensarmos que apenas faz sentido chorar a morte de alguém que amamos, se antes nos regozijarmos com a sua vida, com o que construíram, com o exemplo de vida e de valores que nos deram, com a obra que nos legaram. Quando morre um amigo assim, sentimos que perdemos uma parte de nós, mas quando esse amigo é um homem bom e justo e que dedicou  a sua vida inteira à  terra que foi o berço, às pessoas simples e humildes e às organizações sociais, de solidariedade e culturais, quem mais perde é a humanidade.

Na Régua, no dia 11 de Fevereiro, a humanidade perdeu o nosso amigo José Coutinho, um reguense dos "quatro costados". Tinha 85 anos e, como alguém escreveu, o Senhor Coutinho, como era carinhosamente tratado, será lembrado na história pela sua acção grandiosa como Presidente da Junta de Freguesia do Peso da Régua, lugar que pela vontade do povo desempenhou durante três décadas. Mas, o seu nome será também lembrado pelo seu exemplo cívico, pela solidariedade afectiva com as pessoas mais desfavorecidas e pela sua cidadania activa em prol do bem comum e do progresso da sua terra que muito amou, servindo-a com paixão em diversas  instituições, tais como o Sport Clube da Régua, a Cruz Vermelha, o Clube Caça e Pesca, a Associação da Região do Douro para Apoio aos Deficientes e a sua Associação Humanitária de Bombeiros.

A vida do José Coutinho teve sentido. A Régua precisa de homens como ele. Só estes fazem grande a terra onde nasceram. Foi isso que fez o José Coutinho como político e, sobretudo, um exemplar cidadão. Morreu um amigo da Régua. Que da sua vida saibamos colher o que tanto semeou e, acima de tudo saibamos aprender, a  sua  grande lição de civismo e dignidade.

Hoje, que lembro o nosso amigo José Coutinho,  estou mais certo que morrer, como dizia o poeta Fernando Pessoa, é só não ser visto... E foram estas as palavras que gostei de ouvir ao padre Luís Marçal no dia em que o seu corpo foi a enterrar ou, melhor, ele já ia a caminho da Eternidade.
- Régua, 15 de Fevereiro de 2014, José Alfredo Almeida (In "Patria Pequena")

domingo, 24 de novembro de 2013

GERIR O NOSSO TEMPO…

As iniciativas designadas de “projetos que fazemos para a nossa vida” são abundantes, mas nem sempre realizáveis. No quadro lógico, o relacionamento assume maior relevo comparativamente aos elementos isolados e, se bem aplicado, reforça a amizade, e o trabalho produzido a bem de uma causa torna-se mais profícuo, reforçando a legitimidade daquilo para que somos eleitos.

Os projetos são intervenções que devem ser capazes de atestar coerência. Tal é conseguido se não se afastarem daquele que é, ou se assume que deva ser, o fundamento da sua existência, a concretização de um sonho que alimentamos desde criança.Tal situação estimula a seletividade dos nossos pensamentos e torna a avaliação das nossas iniciativas como um fator importante para o desenvolvimento das nossas capacidades.

Numa perspetiva prática para desenvolver um trabalho, não importa ter muitas ideias. Importa ter ideias e capacidade de concretização. Não chega saber-se aquilo que se quer. É fundamental transmitir isso aos outros.

Tive a felicidade de servir em várias causas. Eleito para a Direção do Sport Clube da Régua, desempenhei vários cargos durante anos. Fiz parte de algumas Comissões de Festas de N. S.ª do Socorro. Durante quatro anos exerci o cargo de vereador do Município da nossa terra, tendo, nessa altura, proposto que fosse dado o nome a uma rua do malogrado Bombeiro que morreu tragicamente no incêndio da Casa Viúva Lopes, João Figueiredo, mais conhecido por João dos Óculos, proposta que foi aprovada por unanimidade, estando essa rua localizada no Bairro de N. S.ª do Socorro. Atualmente faço parte da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia. Por fim, quero falar daquilo que não foi a última causa que servi, mas aquela que me marcou mais – fazer parte da Direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua durante cerca de quinze anos, sempre como primeiro secretário. E digo isto porque, no momento em que o Senhor Doutor Aires Querubim teve que deixar o cargo de Presidente da Direção por ter assumido o de Governador Civil, foi-me proposto pelos meus colegas que o substituísse, o que não aceitei por entender que as minhas aptidões estavam mais viradas para aquilo que desempenhava.

Participei e trabalhei na concretização de vários projetos, sendo que os de maior relevância foram o alargamento do Quartel e a construção do Bairro. Empenhei-me, não só eu, mas também todos os meus colegas de Direção, para que um sonho antigo que já vinha de alguns anos atrás – o bairro – se tornasse numa realidade. Não posso esquecer o momento em que, tendo o Senhor Doutor Aires Querubim sido nomeado para o cargo que exerceu brilhantemente como Governador Civil, lhe pedi para interceder junto do Fundo do Fomento da Habitação para o desbloqueamento do projeto, o que fez com todo o entusiasmo e competência e, assim, tornou realizável aquilo que já se vinha arrastando há longo tempo, anterior mesmo às Direções de que fiz parte. Foi com muita emoção que assinei o contrato para a sua construção.

Também um momento alto na minha passagem pela Direção dos nossos Bombeiros foi aquele em que, com muito entusiasmo e crença, consegui, juntamente com o saudoso Comandante Senhor Cardoso, como eu o tratava, trazer para a nossa terra a realização de um Congresso no ano do centenário da nossa Associação.

Foi um momento alto que vivi aquando da votação para a realização de tão importante e apetecido evento, já que havia outras Corporações interessadas, entre as quais a do Porto, mas foi escolhida a do Peso da Régua. Houve, na altura, quem duvidasse da nossa capacidade, pois era entendimento de alguns que a nossa terra não possuía estruturas capazes de albergar mais de um milhar de participantes, entre Bombeiros com farda e sem farda. É certo que na altura não possuíamos hotéis ou residenciais, tanto aqui como nas redondezas, capazes de albergar tamanho número de participantes.

Mas, como “querer é poder”, conseguimos, com a ajuda de muitos reguenses, que receberam em suas casas alguns elementos diretivos das corporações de quase todo o país, dos Seminários de Godim e de Poiares e de um salão da Real Companhia Velha, onde foram colocados colchões insufláveis que nos foram cedidos pelo Regimento Militar de Lamego, alojar centenas de Bombeiros que vieram no dia anterior ao do encerramento. Tivemos, ainda, a cedência do pavilhão, que na altura ainda estava em final de construção, da Escola João de Araújo Correia, onde foi servido um jantar a todos quantos nos honraram com a sua vinda e foram mais de um milhar.

A abertura do Congresso, que teve lugar no Cine-Teatro Avenida, foi presidida pelo então Ministro da Administração Interna, Eng.º  Eurico de Melo, e ao seu encerramento assistiu o Senhor Presidente da República, General Ramalho Eanes, com um almoço no salão Nobre da Casa do Douro.

Foram momentos que jamais esquecerei, aqueles que vivi naquele dia ao ver desfilar na minha terra centenas de Bombeiros e dezenas de viaturas!

Foi com muito orgulho que, em ambos os momentos, assumi as honras da Casa, por ausência inesperada do então Presidente da Direção, Senhor António Bernardo Pereira. Jamais esquecerei o que, em dada altura, me perguntou o então Presidenta da Liga dos Bombeiros Portugueses, Padre Vítor Melícias, se eu ainda sabia onde ficava o Norte e o Sul do País.

Estive presente em vários Congressos, deslocando-me sempre em representação da Direção e na companhia do nosso tão querido e saudoso Comandante, Carlos Cardoso dos Santos, tais como em Aveiro, Estoril, Guarda, Viana do Castelo e Viseu, mas, como é natural, aquele de que guardo as melhores recordações, é do nosso, feito com muito trabalho e sacrifício de toda a Direção, mas também de vários reguenses e de elementos de outras corporações do distrito que connosco tiveram a amabilidade de colaborar, excetuando-se a de Mesão Frio, que não concordou com a nossa eleição.

Não poderei esquecer, ainda, a colaboração que tivemos do nosso Município, presidido pelo saudoso Professor Renato Aguiar, do qual obtivemos grandes ajudas, inclusive a de fazer coincidir com o Congresso a realização da Feira do Douro, que tanto o abrilhantou.

Sempre me empenhei, com a colaboração de todos os meus colegas de Direção, entre os quais destaco o incansável trabalho desempenhado pelo nosso Tesoureiro, Senhor Heitor Gama, por fazer o melhor que sabia e podia para o engrandecimento e bem-estar dos nossos Bombeiros e da nossa Associação, citando a criação da Fanfarra e a realização das Festas de Natal. Para fazer face às despesas com tais realizações e ainda quando era necessário adquirir uma viatura, lá íamos percorrer todas as freguesias do nosso concelho, levando a cabo peditórios para a recolha de fundos. Sempre fomos recebidos com o maior carinho e boa-vontade, acompanhados pelo Corpo Ativo, que, juntamente com a Direção e o Comando, sempre quis colaborar.

Fui responsável pela saída dos últimos números do jornal Vida por Vida, interrompida pelos seus custos, que se tornaram difíceis de suportar pela Associação.

Por fim, recordo duas situações que vivi, nas quais desempenhei o trabalho de um bombeiro com farda. A primeira foi quando fomos chamados para a extinção de um fogo na Quinta do Castelo, em Medrões. Na falta do Comandante e de Bombeiros que se encontravam em serviço em Moura Morta, tive que conduzir uma viatura transportando para o local, com autorização do Comandante, material e alguns homens que foram desempenhando funções, aos quais se juntaram depois os seus colegas vindos do local onde se encontravam.

O outro foi quando trabalhava na secretaria desempenhando funções que me estavam adstritas. Atendi um telefonema em que era pedida uma ambulância para transportar um acidentado em estado grave em Vilarinho dos Freires. Havia viatura, mas faltava quem a conduzisse. Imediatamente interrompi o que estava a fazer para ir socorrer quem dos Bombeiros necessitava.

E foi assim que passei dos melhores momentos da minha vida, servindo com amor, carinho e abnegação as causas que abracei desinteressadamente.
- Manuel Montezinho. Actualizado em Novembro de 2013

Clique na imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2013. Actualizado em Novembro de 2013. Texto e imagem cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O SENHOR CARDIANO

Texto inédito escrito por Abeilard Vilela em Abril deste ano, oferecido pelo autor ao seu Amigo Dr. José Alfredo Almeida para publicação neste blogue. É lembrança de um homem que recordava a Régua e personalidades do seu tempo. Abeilard Vilela faleceu em 11 de Julho de 2013 em Coimbra.

O SENHOR CARDIANO

Meu Amigo:
Eu sabia que falhas como a que lhe vou passar a referir teriam que acontecer, quando me abalancei as escrevinhar duas coisas sobre o que vivi no meu tempo. Na verdade, eu deveria ter sido menos apressado em satisfazer-lhe o pedido que me fez, devendo, antes, ter acumulado metodicamente as que me iam saltando da memória, até que eu próprio viesse a chegar à conclusão que todo o historial já se esgotara. Assim como fiz, várias questões foram inevitavelmente omitidas.

Nesta oportunidade, penso que teria ficado bem incluir, no grupo das pessoas típicas do meu tempo, uma, que, realmente, nunca mais esqueci e que ainda retenho bem na minha mente. É a do senhor Cardiano, homem que me impressionava pela maneira como dificilmente andava, apoiado num grosseiro bengalão, a caminho da sua casa, próximo do asilo. Ele teria, por volta do ano de 1935 – ainda eu era rapazinho – talvez já mais de 60 anos, ao que me parecia. Era um homem baixote, pesado, arredondado de formas. Desfilava na rua, vestindo roupas de cotim, botas grossas, chapéu bem largo, que dava para ser utilizado nas vinhas, se preciso fosse. Do bolso das calças, do lado direito, dependurado e bem saído, salientava-se, vistosamente, um grande lenço tabaqueiro, de cor vermelha e muito em voga, dos que mais usavam os trabalhadores das vinhas.

Daquilo que eu julgava saber dele, tinha-o como um extraordinário e respeitável tanoeiro, que os proprietários do Douro procuravam afincadamente para o preparo do vasilhame. Julgo que se tornou, com o andar dos tempos, também um excelente provador, ouvido quando conveniente. De tanoeiro, passando a provador, breve passou a proprietário, juntando fortuna. De letras, julgo que pouco saberia, mas tinha revelado dotes suficientes que o tornariam respeitável.

No Colégio de Lamego, conheci e fui amigo de dois netos seus, que, creio-o, seguiram carreiras mais ilustres, para os lados do Porto. Nunca mais os vi. Mas, agora, que me lembro do seu avô, acho oportuno relembrá-lo, com o respeito devido a um homem de trabalho, talvez um homem merecedor de algum estudo, que poderia vir a descobrir que este senhor Cardiano foi um daqueles que ajudou, dentro da modéstia da sua figura, a engrandecer o nosso Douro, com a arte das suas mãos e com os dotes papilares da sua língua.

Creio que ficará bem, no relatos que fiz, o enquadramento deste raro trabalhador - de que já não existirá hoje qualquer referência. Guardo dele respeitosa memória. Nunca lhe dirigi uma palavra, mas, quando o via passar, eu bem o olhava com toda a minha curiosidade, até porque o “senhor Cardiano” era um homem diferente de todos os outros da nossa comunidade.
- Abeilard Vilela, Coimbra, 30 de Abril de 2013.
Clique na imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2013. 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Faleceu ABEILARD VILELA, escritor reguense e um dos primeiros guarda-redes do Sport Clube da Régua

ABEILARD VILELA - Faleceu ontem à noite, dia 11 de Julho de 2013, após indisposição súbita, na cidade de Coimbra, com 91 anos de idade, este grande reguense que foi o primeiro guarda-redes das mais antigas equipas do Sport Clube da Régua e irmão do saudoso advogado Dr. Júlio Vilela.
Paz a sua alma!
Texto inédito escrito por Abeilard Vilela em Abril deste ano, oferecido pelo autor ao seu Amigo Dr. José Alfredo Almeida para publicação neste blogue. É lembrança de um homem que recordava a Régua e personalidades do seu tempo.
O SENHOR CARDIANO

Meu Amigo:
Eu sabia que falhas como a que lhe vou passar a referir teriam que acontecer, quando me abalancei as escrevinhar duas coisas sobre o que vivi no meu tempo. Na verdade, eu deveria ter sido menos apressado em satisfazer-lhe o pedido que me fez, devendo, antes, ter acumulado metodicamente as que me iam saltando da memória, até que eu próprio viesse a chegar à conclusão que todo o historial já se esgotara. Assim como fiz, várias questões foram inevitavelmente omitidas.

Nesta oportunidade, penso que teria ficado bem incluir, no grupo das pessoas típicas do meu tempo, uma, que, realmente, nunca mais esqueci e que ainda retenho bem na minha mente. É a do senhor Cardiano, homem que me impressionava pela maneira como dificilmente andava, apoiado num grosseiro bengalão, a caminho da sua casa, próximo do asilo. Ele teria, por volta do ano de 1935 – ainda eu era rapazinho – talvez já mais de 60 anos, ao que me parecia. Era um homem baixote, pesado, arredondado de formas. Desfilava na rua, vestindo roupas de cotim, botas grossas, chapéu bem largo, que dava para ser utilizado nas vinhas, se preciso fosse. Do bolso das calças, do lado direito, dependurado e bem saído, salientava-se, vistosamente, um grande lenço tabaqueiro, de cor vermelha e muito em voga, dos que mais usavam os trabalhadores das vinhas.

Daquilo que eu julgava saber dele, tinha-o como um extraordinário e respeitável tanoeiro, que os proprietários do Douro procuravam afincadamente para o preparo do vasilhame. Julgo que se tornou, com o andar dos tempos, também um excelente provador, ouvido quando conveniente. De tanoeiro, passando a provador, breve passou a proprietário, juntando fortuna. De letras, julgo que pouco saberia, mas tinha revelado dotes suficientes que o tornariam respeitável.

No Colégio de Lamego, conheci e fui amigo de dois netos seus, que, creio-o, seguiram carreiras mais ilustres, para os lados do Porto. Nunca mais os vi. Mas, agora, que me lembro do seu avô, acho oportuno relembrá-lo, com o respeito devido a um homem de trabalho, talvez um homem merecedor de algum estudo, que poderia vir a descobrir que este senhor Cardiano foi um daqueles que ajudou, dentro da modéstia da sua figura, a engrandecer o nosso Douro, com a arte das suas mãos e com os dotes papilares da sua língua.

Creio que ficará bem, no relatos que fiz, o enquadramento deste raro trabalhador - de que já não existirá hoje qualquer referência. Guardo dele respeitosa memória. Nunca lhe dirigi uma palavra, mas, quando o via passar, eu bem o olhava com toda a minha curiosidade, até porque o “senhor Cardiano” era um homem diferente de todos os outros da nossa comunidade.
- Abeilard Vilela, Coimbra, 30 de Abril de 2013.
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2013. 

terça-feira, 9 de julho de 2013

Recortes... Domingo de manhã !

Estádio Municipal Artur Vasques Osório, Peso da Régua, ‎domingo, ‎7‎ de ‎julho‎ de ‎2013:
Ensine o seu filho a gostar de Desporto, em vez de o ensinar a gostar apenas de ganhar.
(Anónimo)
No desporto, quem mais perde é quem não o pratica.
(Prof°. Haroldo Falcão)
Competir?... Sim. Mas, acima de tudo, a amizade.
(Inscrição encontrada nos ginásios da China)
Sobre o Sport Clube da Régua neste blogue.

Clique nas imagens para ampliar. Imagens de autoria de J. L. Gabão e editadas para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sábado, 20 de abril de 2013

UM ALUNO MEU

Nota - Esta deliciosa crónica - e ainda muito actual no seu tema - a apelar ao sentimento grandioso de humanismo dos bombeiros foi publicada no jornal "Vida por Vida", órgão oficial da A. H. dos Bombeiros da Régua, em 6 de Maio de 1968. O seu autor, um grande professor do ensino primário, um talentoso jogador de futebol do Sport Clube da Régua, um homem bom, que foi um grande e anónimo benemérito da nossa instituição, faleceu, com 80 ano de idade, no dia 14 de Abril de 2013. Ao Professor Eurico, como caridosamente o tratávamos, esteja onde agora estiver, os bombeiros da Régua reconhecem a sua maior gratidão pela ajuda que lhes prestou em toda a sua vida. Que na Eternidade, a sua Alma descanse em Paz.
- José Alfredo Almeida, Abril de 2013
…é que eu gostava muito de ser bombeiro
Professor Eurico A. Patrício

Ao som da sirene, na sua expressão infantil, mas já denotadora de personalidade forte, costumo notar-lhe uma mudança brusca, como que se todo o seu íntimo fosse abalado por frenesim que lhe transmite vida, ânimo, movimento.

A atenção desvia-se-lhe e o seu olhar fita-se para além da janela, abstracto, longínquo, como se aquele som, que nos fere os ouvidos, o chocasse irresistivelmente, o obrigasse a fugir da sua carteira de escola e o atraísse, qual poderoso íman, para o som estridente que se prolonga para além do rio, galga montes e leva a má nova ares além.

Fica inquieto, longe de mim e dos companheiros tão próximos. Noto, porém, que no palmito de cara não há manifesto de medo. Não lhe vislumbro no olhar o estigma do receio, antes lhe brilha na expressão algo corajoso que me diz existir no íntimo daquele meu aluno uma necessidade de ir algures, ajudar, salvar, acudir a quem precisa.

Que sei eu? Nestes momentos tenho a convicção, e que prazer indefinível sinto nisso, que aquele rapaz nervoso, irrequieto, mas bom, há-de um dia ser um homem.

Não o será apenas no corpo, que este é mera e fugaz passagem cá por baixo. Há-de sê-lo em espírito, sentimentos, coragem e humanismo, altruísmo.

Há-de renunciar muitas vezes ao prazer, à comodidade e até à segurança pessoal, para correr ágil, apressado, aflito até, à chamada do toque aflitivo que não o convida à alegria nem ao prazer, mas sim, e ele compreende-o bem, ao sacrifício, à abnegação e até, quantas vezes, à dádiva da própria vida.

Frequenta a 3ª classe o miúdo. Não é um aluno brilhante, excepcional, mas não é todavia um mau aluno.

É regular, um pouco acima da mediania. As suas qualidades impõem-no aos condiscípulos que o admiram e respeitam. É  pontual, metódico, ordenado e está sempre pronto a resolver  qualquer dificuldade ao seu alcance e que um colega menos dotado lhe apresente para solução. É altruísta.

Não se envaidece com a superioridade manifesta em relação a uns, nem se amofina que outros mais dotados o excedam. É modesto.

Sente-se bem nas suas possibilidades, mas procura aperfeiçoar-se e progredir lutando teimosa e persistentemente para alcançar os seus objectivos. Gosto muito dos meus alunos. Mas, perdoe-se-me a franqueza por me sentir um pouco mais inclinado para este a que me venho referindo. As suas qualidades granjearam-lhe do seu professor um lugar de primazia e uma admiração particular.

No quartel dos nossos bombeiros soou há dias, forte como sempre, e a chamar os nossos briosos Soldados da Paz à sua humanitária missão, a atroadora sirene.

Como que pressentindo que algo de anormal se iria passar com o pequeno, observei-o dissimuladamente. A reacção habitual manifestou-se, mas desta vez mais forte, mais excitante e mais intimativa.

Eu, que quase adivinhava o que se passava no íntimo do Joaquim, é este o seu nome, para me certificar de que não me enganava, perguntei-lhe se estava doente, se se sentia mal, se queria ir até lá fora. Que não, que estava bem, dizia-me ele. Dizia-o de boca, que a expressão e o corpo traíam-no sem ele o poder evitar.

Os outros miravam-no atentos e pairava no ar uma expectativa que os mantinha presos ao seu companheiro.

Propus-me aproveitar o momento, que tão oportuno se deparava, e interroguei novamente o Joaquim.

- Que tens rapaz, pareces tão aflito?

- Nada sr. Professor, mas…é que eu gostava muito de ser bombeiro.

Que grande lição de amor ao próximo nos deu nesse dia o pequenito!

E eu, cuja missão é guiar crianças para no futuro serem homens na verdadeira acepção da palavra, senti que a escola pode e deve, ao mesmo tempo, indicar-lhes o espinhoso, mas tão nobre caminho que os eleva acima de todos os egoísmos: 

O caminho que conduz às fileiras dos Bombeiros.
- Peso da Régua, 6 de Maio de 1968, professor Eurico A. Patrício (in memoriam)

Clique na imagem para ampliar. Texto e imagem cedidos por Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Abril de 2013. Também publicado no jornal semanário regional "O ARRAIS" edição de 17 de Abril de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

sábado, 13 de abril de 2013

Jaime Ferraz Rodrigues Gabão FARIA HOJE 89 ANOS !

Transcrição de 'Escritos do DOURO - 'SEGUNDA-FEIRA, 18 DE JUNHO DE 2012':

Jaime Ferraz Rodrigues Gabão partiu há 20 anos

O JAIME

Com a chegada do Outono, das primeiras chuvas e de uma friagem a despertar as alergias, inicio o meu luto do Verão. Atenuo a saudade nos arquivos da minha memória e atraco ou aterro nos lugares do sol. Deixem-me aterrar, por hoje, no Moçambique inesquecível.

Era um fim de tarde de um Março de sessenta e oito. O velho DAKOTA da DETA, com óleo a espirrar nos parafusos das asas, vindo de Nampula, fazia a aproximação a Porto Amélia, cidadezinha plantada numa escarpa sobranceira ao Índico. Desenhou um arco para apreciar a baía e, desacelerando sobre o Paquitequete, apontou ao Aeroporto, designação pomposa para um casarão ao lado (e mais ou menos a meio) de uma fita vermelha de terra batida, qual picada de capim aparado. Descemos por um escadote que me lembrou aqueles que, antigamente, se encostavam aos carros de bois para levar os almudes até às pipas. A noite caía com um pôr do sol arrebatador sobre as águas de Wimbe. Em África os dias acordam cedo e esplendorosos como um grito de felicidade e adormecem envoltos numa plangência que angustia as almas mais empedernidas. Cem anos que eu durasse nunca - mas mesmo nunca - esqueceria aqueles anoiteceres com os chiricos e os barucos silenciados pelo concerto das cigarras e uma ferida de sangue inocente a despedir-se do mundo.

Eu viera à frente, feito explorador de logística, na companhia do Pires, furriel alentejano, esfuziante e solidário, sem futurar (mos) a sua morte numa curva da Serra do Mapé, nas terras de Macomia, deixando-me, estupidificado, com o seu fio de ouro no bolso que, numa trágica premonição, me confiara. O resto da tralha e do pessoal chegaria no Pátria(*), aproveitando a sua passagem por Nacala, em rota, desde Lisboa, carregado com mais um contingente.

Foi em Porto Amélia - esqueçamos más recordações - que conheci um dos grandes Amigos da minha vida: o JAIME. Para os leitores deste semanário, a quem devotou o melhor da sua colaboração, e dos reguenses em geral, a quem prestou variados préstimos: o JAIME FERRAZ GABÃO. Labutava nos escritórios de uma empresa algodoeira - a Sagal - e como correspondente, para toda a província de Cabo Delgado, do DIÁRIO (de Lourenço Marques). Com ele reencontrei as minhas (as nossas) raízes e mutuamente nos amparamos nas saudades delas. Saído da Capital Vinhateira em busca de uma vida mais desafogada... Pertencia aos cabouqueiros de África que se misturavam com as raças e as etnias numa confraternização de que só duvidavam os que nunca tiveram a oportunidade de serem felizes naquelas paragens. Não me admirava, assim, que, mesmo com a lembrança dos socalcos, ele desejasse morrer na terra onde readquiria a dignidade, acariciado pelas manhãs claras e as noites cacimbadas.

Passamos horas, nas cadeiras da pensão Miramar, ouvindo "estórias" das savanas, bebemos cerveja no Marítimo e café no Pólo Sul derramando o olhar para o pequeno cais à espera de um dia de "S. Vapor", vimos "E o Vento Tudo Levou" no cinema-barracão, subimos e descemos as escadinhas que ligavam a parte alta à Jerônimo Romero do comércio, abriu-me a porta e sentou-me à mesa de sua casa sem horas nem lugares marcados, relacionou-me na sociedade civil e facilitou-me as páginas do seu jornal sem uma censura ou "sugestão".

Mal sabia ele que haveria de acabar os seus dias na terra que o viu nascer, obrigado ao regresso por uma descolonização exemplar, com os olhos húmidos pelas lembranças dos corais da praia dos coqueiros e dos campos de algodão.

Quando vou ao Peso(**) visitá-lo, trago comigo o seu sorriso moçambicano.

- Por M. Nogueira Borges - In Arrais de Novembro de 2003

(*) = Pátria - Navio de passageiros português da antiga Companhia Colonial de Navegação e que fazia o transporte de cargas e passageiros entre o continente europeu (Lisboa) e a costa Africana (antigas colônias de Portugal).

(**) = Peso - Parte alta da cidade de Peso da Régua. Ali se localiza o cemitério onde Jaime Ferraz Rodrigues Gabão está sepultado.

De Jaime Ferraz Rodrigues Gabão:
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012.  Atualizado em Abril de 2013. Todos os direitos reservados. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

sexta-feira, 15 de março de 2013

A Régua de outros tempos…

A transmissão dos conhecimentos que vamos adquirindo ao longo dos anos de vida – conhecimentos de ordem prática, de que cada um recolhe  lições como  as entende – parece-me, realmente, ser um procedimento conveniente. Em resultado das sensibilidades e do entendimento das coisas por cada um, - talvez, até, por vezes, com entendimentos contraditórios, dos mesmos fenómenos – julgo eu que resulta para  cada um de todos os outros e para todos, simultaneamente, um afunilamento de percepções mais ou menos diferentes, mesmo mais ou menos opostas. Apreciadas e amadurecidas pelas sociedades, tais percepções constituem a verdadeira história e conduzem-nos aos conhecimentos certos, em todas as suas formas, considerando as suas causas e permitindo-nos prever melhor as consequências. Estes conhecimentos, vindos de várias fontes, são os que correspondem às realidades vividas em cada tempo, afastam ficções, são menos inexactos, mais merecedores de confiança.

É dentro desta convicção que me abalanço a  relembrar factos que vivi em tempos passados – há mais de meio século – que, por vezes, me sairão tratados com menos acerto, traído que serei pelo muito tempo já decorrido, nunca se podendo esquecer que eu próprio sofri mudanças de entendimento, acompanhando as evoluções tecnológicas, o efeito das modernidades, as influências dos avanços da nossa sociedade. Na verdade, os meus olhos de hoje não entendem as coisas de hoje com o entendimento que, certamente, teriam tido setenta anos antes. Os mesmos factos, passando sobre eles o tempo, evoluem também, por razões de modernidade e de desenvolvimento, por todas as razões que nos cercam.

Ressalvando possíveis adulterações das realidades que vivi naquele tempo, pelas razões tão apressadamente já referidas – ouso relembrar a situação política e social que se atravessava no nosso País no período de 1941 a 1945, andava eu pelos meus 20 anos de idade, quando, então, estava vivendo na Régua, esperando o meu arranque para a vida de trabalho que estava chegada.

Antes de mais, quero destacar que a Régua era marcada pelos acontecimentos nascidos da guerra civil, que pouco antes cessara em Espanha, e pela guerra mundial que acontecia em pleno, logo de seguida à da Espanha.

A pobreza e a modéstia de vida da nossa gente eram uma evidência: - estava instituído o racionamento dos géneros alimentícios e de muitos outros, o que dificultava a vida, principalmente dos homens das vinhas; a tuberculose (a tísica, como lhe chamavam) matava gente aos milhares; os pequenos proprietários das vinhas confrontavam-se com as poucas senhas de racionamento; os “pés-descalços” de mulheres e crianças  passavam abundantemente pelas ruas da vila e das freguesias; o analfabetismo dominava toda a Região; os empregos eram poucos e mal remunerados; os trabalhadores das vinhas, mourejando desde o romper da manhã até ao findar das tardes, recebiam de salário 9$00 diários, quando calhava encontrarem trabalho; comia-se correntemente sardinha salgada, que se comia pela metade, e que se vendia em barricas, mal cheirosas… A Casa do Douro, cujo edifício acabara de ser construído, dava um ar da sua graça, garantindo trabalho regular a alguma gente da Régua e das terras limítrofes, e que, tal como a actividade dos caminhos-de-ferro, na Régua - importantíssima, pelo movimento que trazia para a vila e pelos empregos que garantia - eram as felizes excepções a tão degradada situação. No Largo da Estação, o movimento era também importante, contrastando com as inactividades regionais.

Se os mais desprotegidos conheciam extremas dificuldades, os mais favorecidos não deixavam de conhecer também algumas dificuldades. Toda a população lutava dificilmente para  garantir algum nível de vida, sendo de destacar a actividade comercial, que continuava o seu relacionamento, embora mais limitado, com toda a Região, de que era o centro.

A Juventude, porém, com poucas escolas capazes de ministrar conhecimentos mais desenvolvidos, estudava em cidades próximas, em Lamego e em Vila Real, desenraizando-se da Régua, a sua terra natal. Grande parte desta juventude, menos favorecida, impossibilitada, ficava pelas aldeias, onde imperavam o analfabetismo e o alcoolismo, com as consequências inerentes.

O desporto – uma actividade própria da juventude – era, na Régua, uma actividade de prática quase impossível. Os terrenos que envolvem a Régua eram caríssimos, fora das veleidades dos jovens da nossa terra. Antes da época em que enquadro estas referências, conheci um espaço, na margem esquerda do rio, a que chamávamos um campo de futebol. Estava situado onde está, hoje, o cais de mercadorias. Quase ao mesmo nível  das águas do rio, que corriam no verão, a mais pequena subida das águas impedia qualquer utilização. Sendo assim, também era impedida qualquer utilização regular, pelo que deixou de ser procurado. A Régua não tinha, sequer, um rudimentar campo de jogos, por isto mesmo a juventude, sem possibilidades de bem utilizar os seus tempos livres, sem bibliotecas, perdia-se pelos cafés, pelos bares onde melhor se bebia, nos bilhares, enfim numa vacuidade censurável.

As actividades comunitárias eram de prática rara e mais raras, ainda, para os jovens. Lembro-me, no entanto, do grupo das “Andorinhas”, que foi criado sob a égide da senhora D. Branca Martinho e em que o meu irmão, Júlio Vilela, foi seu principal dinamizador, animando os palcos com canções brasileiríssimas e com bem cantados fados portugueses, dedilhando a viola, representando e dando dois dedos de conversa com o povo. A iniciativa foi viva durante bastante tempo e bem serviu a população da nossa terra, que aderiu em absoluto aos muitos espectáculos realizados.

Mas, por vezes, aparecem surpresas na monotonia das coisas. Na rua da Ameixoeira, um grupo de rapazes, quase todos trabalhadores nas oficinas do Corgo, resolveram juntar-se, para constituírem um grupo de futebol, que ia dando uns pontapés na bola pelos campos das aldeias dos arredores e num bocadinho de terreno, que viria a ser o “Campo das Figueiras”, bem perto do túnel que está entre o Moledo e o Salgueiral. Este grupo, aperceberam-se disso os seus organizadores, era muito desequilibrado, faltando um mínimo de qualidade em vários postos da equipa.

Paralelamente, também eu, com o meu restrito grupo de amigos, tomámos idêntica iniciativa e constituímos igualmente um grupelho para jogar a bola, grupo que enfermava das mesmas falhas do grupo dos Ferroviários, faltava-lhe gente minimamente habilidosa. Um dia, o Fernando, tipógrafo de profissão, e o Manuel, das oficinas do Corgo, vieram-me pedir que passasse a jogar pela equipa ferroviária, com o que vieram ao encontro de constituirmos um grupo único e de melhor qualidade. Prometi-lhes conseguir também a colaboração de outros jogadores do meu grupelho, como eram o Carvalhais, o António Monteiro, propondo-lhes que, partindo desta unidade, nos esforçássemos por legalizar o novo grupo em constituição, mais lhes prometendo conseguir a colaboração, para o efeito, do meu irmão Júlio, e de vários amigos deste, todos eles homens de alguma notoriedade no nosso meio, o que, de certo modo, poderia dar boas asas ao grupo. Foi assim que, realmente, nasceu o Sport Clube da Régua, que, de imediato, no “campo das Figueiras”, obteve muitas e variadas vitórias, incluindo sobre grupos da cidade do Porto, como o Académico (recheado de jogadores estrangeiros, refugiados de guerra), do Boavista, do Salgueiros e de outros, que, embora de menos categoria, deram um certo nome ao Sport Clube.

Não devo esquecer, contudo, que, para a nossa fama, muito contribui o “Peseta”, glória do Boavista e da Académica de Coimbra, que, como regente agrícola, viera servir para a Casa do Douro. Foi treinador da nossa equipa e deu-nos um mínimo de organização e eficiência, pelo que será um nome a nunca esquecer pelo Sport Clube da Régua.

Parece-me, nesta oportunidade, dever relembrar alguns dos companheiros que, comigo, alinharam no novel S.C. da Régua, onde deram o que mais podiam e sabiam, com dedicação, constituindo um grupo muito igual. Não gostaria de distinguir mais uns do que os outros, mas não posso deixar de referir aqueles que mais directamente me protegiam as redes, os meus “backs”, as minhas defesas: o Carvalhais, meu particular amigo, que já vinha de outras lides, como a da caça, um futebolista que tinha o dom de adivinhar as minhas “saídas” da baliza a destempo, logo me substituindo nelas, o que me facilitava a função; o Jerónimo, a minha melhor defesa, um habilidoso, que desarmava facilmente os adversários, elegante, limpo e leal no jogo, funcionava como um aloquete; e o Colega, poderoso, rápido, com muito bons pés, um excelente atleta. Eu, com eles, constituíamos uma barreira difícil de ultrapassar. Merecem-me estas referências, porque me safaram de muitas dificuldades e em todos os jogos me deixavam bem-disposto e confiante.

Mas uma equipa de futebol não eram quatro, mas sim, naquela altura, 11 elementos: os três médios, de que recordo mais o Santos Melo e o Gervásio, bons jogadores em qualquer parte; e os cinco avançados, de que lembro uma importação vinda de Lamego, o Manelzinho (excelente, um “driblador”), outra, o Toni (vinda do Pinhão, possante e que rematava com muita eficácia) e, ainda, o Canário (pequenino, rápido, um excelente extremo). E alguns outros, menos efectivos na equipa, mas sempre capazes, quando utilizados, e que ajudavam à robustez e pujança da nossa equipa. Estes foram os rapazes que fizeram fama, principalmente no campo das Figueiras, talvez por ser um terreno de pequenas dimensões.

Do campo novo, na curva da estrada, com o nome de José Vasques Osório, já dentro da Régua – que foi uma aquisição excepcional e de uma construção gloriosa – guardo também gratas recordações, mas, nele, vim a jogar  por pouco tempo, que a vida, em breve, me levaria para longe, por pouco  tempo para Chaves (onde, ainda, continuei a jogar futebol pelo “Flávia”) e, mais definitivamente, para a Guiné, onde o Comando Militar não me autorizou, “prudentemente”, a jogar…

Ainda no período de criação do S.C. da Régua, fomos fazer um jogo de apresentação a Vila Real, satisfazendo o desejo de confrontação que tínhamos e para nos avaliarmos em relação à valorosa equipa da capital do distrito. Conseguimos, fora de portas, um empate, o que causou grande alegria, quando do regresso à Régua, a toda a gente que se deslocara em comboio especial a Vila Real e, depois, na vila, onde fomos recebidos com foguetes!... A Régua parecia ter acordado.

Também nos exibimos em Lamego, com menos interesse, por menor valor representativo da representação lamecense, mas em outras deslocações que fizemos, por Trás-os-Montes, pelo Minho e pelo distrito do Porto, continuámos sempre na senda dos bons resultados. Ainda hoje guardo algumas boas recordações das nossas deslocações a Mirandela, Bragança, Chaves, Constantim, Fafe, Amarante, Penafiel, Lamego e outros locais.

Mas seríamos muito injustos se não fizéssemos algumas referências à acção dos vários dirigentes do clube. À cabeça, ponho o meu irmão, o Dr. Júlio Vilela, e faço-o mais uma vez com todo o gosto. Presidente do clube, que foi, foi ele também que estudou e preparou os estatutos, foi ele que dinamizou o aproveitamento do terreno de jogo do novo campo, que, na Régua, foi uma verdadeira novidade. Encontrou o meu irmão companheiros que o ajudaram na sua tarefa, como foram o Azevedo (da padaria), um dirigente que me ofereceu do seu bolso umas botas de futebol, e outros, como o Bonifácio, que, semanalmente, apitava e bem, sem reclamações, os jogos que fazíamos, apesar da sua costela ser, à evidência, reguense. E o Mendes de Carvalho. E outros dois, também padeiros, mas cujo nome já não recordo…

Até eu… que tentei arrancar alguns jovens para a prática do basquete e do atletismo, mas sem êxito. Ainda consegui que se fizesse um festival nas traseiras da Câmara, mas não passei daí, que os jovens não aderiram com qualquer interesse.

Foi assim que, naquela época dos anos 40, vimos implantado na Régua o passatempo do futebol, com um espírito saudável, de amadorismo puro, mas com algum relevo. Hoje, homem velho, sinto alguma vaidade pela minha comparticipação em tal motivação útil e saudável. Creio que o futuro do clube está garantido, já tem algum suporte histórico, por ele passou já muita gente que beneficiou da sua existência. Mas o S.C. da Régua não pode viver de memórias, antes tem de se revitalizar todos os dias. Os resultados do clube não se medem pelos resultados dos jogos, mais se avaliam pelo compostura dos seus sócios e dos seus atletas, pela abrangência das suas actividades, pela extensão cívica de toda a sua acção. “Mens sana in corpore sano” - deverá ser um lema cada vez mais a orientar as gentes do S. C. da Régua, vencendo barreiras e dificuldades sem esmorecimentos.

Viva a Régua!
- Peso da Régua, Março de 2013, Abeilard Vilela
Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo AlmeidaEdição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.