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segunda-feira, 29 de julho de 2013

O SENHOR CARDIANO

Texto inédito escrito por Abeilard Vilela em Abril deste ano, oferecido pelo autor ao seu Amigo Dr. José Alfredo Almeida para publicação neste blogue. É lembrança de um homem que recordava a Régua e personalidades do seu tempo. Abeilard Vilela faleceu em 11 de Julho de 2013 em Coimbra.

O SENHOR CARDIANO

Meu Amigo:
Eu sabia que falhas como a que lhe vou passar a referir teriam que acontecer, quando me abalancei as escrevinhar duas coisas sobre o que vivi no meu tempo. Na verdade, eu deveria ter sido menos apressado em satisfazer-lhe o pedido que me fez, devendo, antes, ter acumulado metodicamente as que me iam saltando da memória, até que eu próprio viesse a chegar à conclusão que todo o historial já se esgotara. Assim como fiz, várias questões foram inevitavelmente omitidas.

Nesta oportunidade, penso que teria ficado bem incluir, no grupo das pessoas típicas do meu tempo, uma, que, realmente, nunca mais esqueci e que ainda retenho bem na minha mente. É a do senhor Cardiano, homem que me impressionava pela maneira como dificilmente andava, apoiado num grosseiro bengalão, a caminho da sua casa, próximo do asilo. Ele teria, por volta do ano de 1935 – ainda eu era rapazinho – talvez já mais de 60 anos, ao que me parecia. Era um homem baixote, pesado, arredondado de formas. Desfilava na rua, vestindo roupas de cotim, botas grossas, chapéu bem largo, que dava para ser utilizado nas vinhas, se preciso fosse. Do bolso das calças, do lado direito, dependurado e bem saído, salientava-se, vistosamente, um grande lenço tabaqueiro, de cor vermelha e muito em voga, dos que mais usavam os trabalhadores das vinhas.

Daquilo que eu julgava saber dele, tinha-o como um extraordinário e respeitável tanoeiro, que os proprietários do Douro procuravam afincadamente para o preparo do vasilhame. Julgo que se tornou, com o andar dos tempos, também um excelente provador, ouvido quando conveniente. De tanoeiro, passando a provador, breve passou a proprietário, juntando fortuna. De letras, julgo que pouco saberia, mas tinha revelado dotes suficientes que o tornariam respeitável.

No Colégio de Lamego, conheci e fui amigo de dois netos seus, que, creio-o, seguiram carreiras mais ilustres, para os lados do Porto. Nunca mais os vi. Mas, agora, que me lembro do seu avô, acho oportuno relembrá-lo, com o respeito devido a um homem de trabalho, talvez um homem merecedor de algum estudo, que poderia vir a descobrir que este senhor Cardiano foi um daqueles que ajudou, dentro da modéstia da sua figura, a engrandecer o nosso Douro, com a arte das suas mãos e com os dotes papilares da sua língua.

Creio que ficará bem, no relatos que fiz, o enquadramento deste raro trabalhador - de que já não existirá hoje qualquer referência. Guardo dele respeitosa memória. Nunca lhe dirigi uma palavra, mas, quando o via passar, eu bem o olhava com toda a minha curiosidade, até porque o “senhor Cardiano” era um homem diferente de todos os outros da nossa comunidade.
- Abeilard Vilela, Coimbra, 30 de Abril de 2013.
Clique na imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2013. 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Faleceu ABEILARD VILELA, escritor reguense e um dos primeiros guarda-redes do Sport Clube da Régua

ABEILARD VILELA - Faleceu ontem à noite, dia 11 de Julho de 2013, após indisposição súbita, na cidade de Coimbra, com 91 anos de idade, este grande reguense que foi o primeiro guarda-redes das mais antigas equipas do Sport Clube da Régua e irmão do saudoso advogado Dr. Júlio Vilela.
Paz a sua alma!
Texto inédito escrito por Abeilard Vilela em Abril deste ano, oferecido pelo autor ao seu Amigo Dr. José Alfredo Almeida para publicação neste blogue. É lembrança de um homem que recordava a Régua e personalidades do seu tempo.
O SENHOR CARDIANO

Meu Amigo:
Eu sabia que falhas como a que lhe vou passar a referir teriam que acontecer, quando me abalancei as escrevinhar duas coisas sobre o que vivi no meu tempo. Na verdade, eu deveria ter sido menos apressado em satisfazer-lhe o pedido que me fez, devendo, antes, ter acumulado metodicamente as que me iam saltando da memória, até que eu próprio viesse a chegar à conclusão que todo o historial já se esgotara. Assim como fiz, várias questões foram inevitavelmente omitidas.

Nesta oportunidade, penso que teria ficado bem incluir, no grupo das pessoas típicas do meu tempo, uma, que, realmente, nunca mais esqueci e que ainda retenho bem na minha mente. É a do senhor Cardiano, homem que me impressionava pela maneira como dificilmente andava, apoiado num grosseiro bengalão, a caminho da sua casa, próximo do asilo. Ele teria, por volta do ano de 1935 – ainda eu era rapazinho – talvez já mais de 60 anos, ao que me parecia. Era um homem baixote, pesado, arredondado de formas. Desfilava na rua, vestindo roupas de cotim, botas grossas, chapéu bem largo, que dava para ser utilizado nas vinhas, se preciso fosse. Do bolso das calças, do lado direito, dependurado e bem saído, salientava-se, vistosamente, um grande lenço tabaqueiro, de cor vermelha e muito em voga, dos que mais usavam os trabalhadores das vinhas.

Daquilo que eu julgava saber dele, tinha-o como um extraordinário e respeitável tanoeiro, que os proprietários do Douro procuravam afincadamente para o preparo do vasilhame. Julgo que se tornou, com o andar dos tempos, também um excelente provador, ouvido quando conveniente. De tanoeiro, passando a provador, breve passou a proprietário, juntando fortuna. De letras, julgo que pouco saberia, mas tinha revelado dotes suficientes que o tornariam respeitável.

No Colégio de Lamego, conheci e fui amigo de dois netos seus, que, creio-o, seguiram carreiras mais ilustres, para os lados do Porto. Nunca mais os vi. Mas, agora, que me lembro do seu avô, acho oportuno relembrá-lo, com o respeito devido a um homem de trabalho, talvez um homem merecedor de algum estudo, que poderia vir a descobrir que este senhor Cardiano foi um daqueles que ajudou, dentro da modéstia da sua figura, a engrandecer o nosso Douro, com a arte das suas mãos e com os dotes papilares da sua língua.

Creio que ficará bem, no relatos que fiz, o enquadramento deste raro trabalhador - de que já não existirá hoje qualquer referência. Guardo dele respeitosa memória. Nunca lhe dirigi uma palavra, mas, quando o via passar, eu bem o olhava com toda a minha curiosidade, até porque o “senhor Cardiano” era um homem diferente de todos os outros da nossa comunidade.
- Abeilard Vilela, Coimbra, 30 de Abril de 2013.
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2013. 

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Um homem único

Gostava de ser capaz de dizer a toda a gente quem foi aquele Mandela, aquele herói invulgar, que suportou 27 anos de cadeia, por ter lutado em favor da libertação do seus irmãos negros, tendo por arma única a palavra, que manteve esclarecida, sem sentir ódios aos seus compatriotas de cor branca, como seria comum a todos os outros humanos.

Teve companheiros leais nessa luta, mas ele, Mandela, foi o condutor de todos os outros, dos negros impacientes - que não eram senhores do seu chão – e dos de cor diferente - que se alcandoraram num poder que não podia ser exclusivamente seu.

O comportamento de Mandela – quando liberto da longa reclusão que suportou – fez-me lembrar o comportamento de um militante do PCP, quando tive a oportunidade de conversar com ele, pouco depois de liberto do Tarrafal, onde acabara de cumprir 23 anos de prisão, às mãos dos juízes dos plenários do pequeno Salazar. Este comunista notável chamava-se “Chico Miguel”. Fora sapateiro de profissão, mas, quando o conheci, era também senhor de muito boas palavras, que ponderava, e de onde sempre sobressaía o seu espírito harmonioso. Depois de uma vida passada na torreira de Cabo Verde, longe da família, surpreendeu-me a sua enorme capacidade para perdoar aos seus verdugos.

Pergunto-me a mim próprio se os sofrimentos longos e injustos não desenvolverão nos homens a tendência estranha para o desenvolvimento do sentimento de perdoar aos que deles abusaram, talvez porque considerem estes gente menor, gente irresponsável.

Que mais posso eu – homem que andei pela Guiné, que vi a fragilidade dos negros, gente lançada para os matos, atemorizada por feitiços, e explorada pelo homem branco à medida dos seus próprios interesses – que mais posso eu dizer, para relevar a excecional personagem de Mandela? Porque, para falar da imortal figura deste tão grandel africano, ser-me-ia necessário conhecer mais profundamente outras suas particularidades.

É ele uma personalidade que vou reter na minha memória, talvez à frente de todos os outros que me sensibilizaram: o 1º dos primeiros!...
- Coimbra, 27 de Junho de 2013, Abeilard Vilela.
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Clique na imagem para ampliar. Sugestão de texto e imagem de José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagem e texto de J. L. Gabão para os blogues "Escritos do Douro"  e "ForEver PEMBA" em Junho de 2013.Este artigo pertence aos blogues Escritos do Douro e ForEver PEMBA. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos. 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Carta para o José Alfredo Almeida

Meu caro Amigo José Alfredo Almeida:

Quero expressar-lhe o meu agradecimento, por me vir alimentando o meu ânimo com várias das suas mensagens, pois que, com a pouca mobilidade que já tenho, elas têm sido uma excelente maneira de passar o meu tempo sem grandes caturrices e até com alguma boa disposição.

As suas excelentes reportagens fotográficas conduzem-me muitas vezes ao passado e, de certo, têm-me dado uma aparência de rejuvenescido, criando-me a vontade de revisitar a região.

As imagens que me têm sido dadas a apreciar levam-me, a maior parte delas, a locais que eu bem conheci e a que me ligam pequenos pormenores de natureza vária. Uns lembram-me amigos da mocidade, outras pequenas aventuras de caça, outras, ainda, locais onde com outros rapazotes conversava, talvez aproveitando alguma pequena sombra  que nos refrescasse.

Da margem esquerda do nosso rio – que é, hoje, muito diferente do que era – lembro-me das noites tradicionais do arraial de 15 de Agosto, quando das festas do Socorro, porquanto era no areal que nele existia que assistíamos ao fogo de qualidade que era lançado e que nos proporcionava belos momentos, enquanto nos dessedentávamos e comíamos, gozando o fresco da noite.

Nesta mesma margem esquerda, tomávamos os nossos refrescantes banhos, como nunca mais tomei em parte alguma.

Longe da minha terra, amante dela, tornei-me, no entanto, muito mais exigente quanto à diversificação das suas fotografias. Talvez porque arrastado pela saudade dos tempos idos e talvez porque gostava de ter à mão e próximo do meu coração todo o Douro por onde andei “in illo tempore”, gostava de ver outro tipo de fotografias suas, talvez mais abrangentes, que cobrissem espaços específicos de toda a nossa região.

De resto, se a Régua é a princesa do Douro, o nosso Douro, todo ele, é o rei dos reis em todo o mundo.

Tenho a certeza de que o meu Amigo será capaz  de obter, com a sua arte e bom gosto, surpreendentes imagens, correspondendo às excelsas belezas que a nossa região oferece a todos os que as olham.

Sobre o Douro há já muitas e boas imagens, mas o meu Amigo é bem capaz de lhes acrescentar mais algumas, com o seu amor e arte.

Não contém esta minha proposta qualquer nota desfavorável quanto àquelas fotos que tenho apreciado e da sua criação, mas é um meu anseio natural, se quiser colaborante, ver-lhes alargado os horizontes, tornando pelas nossas mãos a região ainda mais conhecida.

Não quero, também deixar de lhe mostrar o meu apreço por vários mails que me tem mandado, uns dando-me nota de gente ilustre  que tive a oportunidade de conhecer e que fazem parte da história da Régua, mas outros, por conterem notas divertidas e mordazes, que tenho apreciado saborosamente.

Devo esclarece-lo que o meu Amigo preenche com outro meu Amigo o cardápio dos meus únicos fornecedores de mails. Por isto, daqui lhe mando o meu BEM HAJA!

Com um abraço.

- Abeilard Vilela, Junho de 2013

Clique na imagem para ampliar. Sugestão de texto e imagem do Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2013.Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.    

sexta-feira, 15 de março de 2013

A Régua de outros tempos…

A transmissão dos conhecimentos que vamos adquirindo ao longo dos anos de vida – conhecimentos de ordem prática, de que cada um recolhe  lições como  as entende – parece-me, realmente, ser um procedimento conveniente. Em resultado das sensibilidades e do entendimento das coisas por cada um, - talvez, até, por vezes, com entendimentos contraditórios, dos mesmos fenómenos – julgo eu que resulta para  cada um de todos os outros e para todos, simultaneamente, um afunilamento de percepções mais ou menos diferentes, mesmo mais ou menos opostas. Apreciadas e amadurecidas pelas sociedades, tais percepções constituem a verdadeira história e conduzem-nos aos conhecimentos certos, em todas as suas formas, considerando as suas causas e permitindo-nos prever melhor as consequências. Estes conhecimentos, vindos de várias fontes, são os que correspondem às realidades vividas em cada tempo, afastam ficções, são menos inexactos, mais merecedores de confiança.

É dentro desta convicção que me abalanço a  relembrar factos que vivi em tempos passados – há mais de meio século – que, por vezes, me sairão tratados com menos acerto, traído que serei pelo muito tempo já decorrido, nunca se podendo esquecer que eu próprio sofri mudanças de entendimento, acompanhando as evoluções tecnológicas, o efeito das modernidades, as influências dos avanços da nossa sociedade. Na verdade, os meus olhos de hoje não entendem as coisas de hoje com o entendimento que, certamente, teriam tido setenta anos antes. Os mesmos factos, passando sobre eles o tempo, evoluem também, por razões de modernidade e de desenvolvimento, por todas as razões que nos cercam.

Ressalvando possíveis adulterações das realidades que vivi naquele tempo, pelas razões tão apressadamente já referidas – ouso relembrar a situação política e social que se atravessava no nosso País no período de 1941 a 1945, andava eu pelos meus 20 anos de idade, quando, então, estava vivendo na Régua, esperando o meu arranque para a vida de trabalho que estava chegada.

Antes de mais, quero destacar que a Régua era marcada pelos acontecimentos nascidos da guerra civil, que pouco antes cessara em Espanha, e pela guerra mundial que acontecia em pleno, logo de seguida à da Espanha.

A pobreza e a modéstia de vida da nossa gente eram uma evidência: - estava instituído o racionamento dos géneros alimentícios e de muitos outros, o que dificultava a vida, principalmente dos homens das vinhas; a tuberculose (a tísica, como lhe chamavam) matava gente aos milhares; os pequenos proprietários das vinhas confrontavam-se com as poucas senhas de racionamento; os “pés-descalços” de mulheres e crianças  passavam abundantemente pelas ruas da vila e das freguesias; o analfabetismo dominava toda a Região; os empregos eram poucos e mal remunerados; os trabalhadores das vinhas, mourejando desde o romper da manhã até ao findar das tardes, recebiam de salário 9$00 diários, quando calhava encontrarem trabalho; comia-se correntemente sardinha salgada, que se comia pela metade, e que se vendia em barricas, mal cheirosas… A Casa do Douro, cujo edifício acabara de ser construído, dava um ar da sua graça, garantindo trabalho regular a alguma gente da Régua e das terras limítrofes, e que, tal como a actividade dos caminhos-de-ferro, na Régua - importantíssima, pelo movimento que trazia para a vila e pelos empregos que garantia - eram as felizes excepções a tão degradada situação. No Largo da Estação, o movimento era também importante, contrastando com as inactividades regionais.

Se os mais desprotegidos conheciam extremas dificuldades, os mais favorecidos não deixavam de conhecer também algumas dificuldades. Toda a população lutava dificilmente para  garantir algum nível de vida, sendo de destacar a actividade comercial, que continuava o seu relacionamento, embora mais limitado, com toda a Região, de que era o centro.

A Juventude, porém, com poucas escolas capazes de ministrar conhecimentos mais desenvolvidos, estudava em cidades próximas, em Lamego e em Vila Real, desenraizando-se da Régua, a sua terra natal. Grande parte desta juventude, menos favorecida, impossibilitada, ficava pelas aldeias, onde imperavam o analfabetismo e o alcoolismo, com as consequências inerentes.

O desporto – uma actividade própria da juventude – era, na Régua, uma actividade de prática quase impossível. Os terrenos que envolvem a Régua eram caríssimos, fora das veleidades dos jovens da nossa terra. Antes da época em que enquadro estas referências, conheci um espaço, na margem esquerda do rio, a que chamávamos um campo de futebol. Estava situado onde está, hoje, o cais de mercadorias. Quase ao mesmo nível  das águas do rio, que corriam no verão, a mais pequena subida das águas impedia qualquer utilização. Sendo assim, também era impedida qualquer utilização regular, pelo que deixou de ser procurado. A Régua não tinha, sequer, um rudimentar campo de jogos, por isto mesmo a juventude, sem possibilidades de bem utilizar os seus tempos livres, sem bibliotecas, perdia-se pelos cafés, pelos bares onde melhor se bebia, nos bilhares, enfim numa vacuidade censurável.

As actividades comunitárias eram de prática rara e mais raras, ainda, para os jovens. Lembro-me, no entanto, do grupo das “Andorinhas”, que foi criado sob a égide da senhora D. Branca Martinho e em que o meu irmão, Júlio Vilela, foi seu principal dinamizador, animando os palcos com canções brasileiríssimas e com bem cantados fados portugueses, dedilhando a viola, representando e dando dois dedos de conversa com o povo. A iniciativa foi viva durante bastante tempo e bem serviu a população da nossa terra, que aderiu em absoluto aos muitos espectáculos realizados.

Mas, por vezes, aparecem surpresas na monotonia das coisas. Na rua da Ameixoeira, um grupo de rapazes, quase todos trabalhadores nas oficinas do Corgo, resolveram juntar-se, para constituírem um grupo de futebol, que ia dando uns pontapés na bola pelos campos das aldeias dos arredores e num bocadinho de terreno, que viria a ser o “Campo das Figueiras”, bem perto do túnel que está entre o Moledo e o Salgueiral. Este grupo, aperceberam-se disso os seus organizadores, era muito desequilibrado, faltando um mínimo de qualidade em vários postos da equipa.

Paralelamente, também eu, com o meu restrito grupo de amigos, tomámos idêntica iniciativa e constituímos igualmente um grupelho para jogar a bola, grupo que enfermava das mesmas falhas do grupo dos Ferroviários, faltava-lhe gente minimamente habilidosa. Um dia, o Fernando, tipógrafo de profissão, e o Manuel, das oficinas do Corgo, vieram-me pedir que passasse a jogar pela equipa ferroviária, com o que vieram ao encontro de constituirmos um grupo único e de melhor qualidade. Prometi-lhes conseguir também a colaboração de outros jogadores do meu grupelho, como eram o Carvalhais, o António Monteiro, propondo-lhes que, partindo desta unidade, nos esforçássemos por legalizar o novo grupo em constituição, mais lhes prometendo conseguir a colaboração, para o efeito, do meu irmão Júlio, e de vários amigos deste, todos eles homens de alguma notoriedade no nosso meio, o que, de certo modo, poderia dar boas asas ao grupo. Foi assim que, realmente, nasceu o Sport Clube da Régua, que, de imediato, no “campo das Figueiras”, obteve muitas e variadas vitórias, incluindo sobre grupos da cidade do Porto, como o Académico (recheado de jogadores estrangeiros, refugiados de guerra), do Boavista, do Salgueiros e de outros, que, embora de menos categoria, deram um certo nome ao Sport Clube.

Não devo esquecer, contudo, que, para a nossa fama, muito contribui o “Peseta”, glória do Boavista e da Académica de Coimbra, que, como regente agrícola, viera servir para a Casa do Douro. Foi treinador da nossa equipa e deu-nos um mínimo de organização e eficiência, pelo que será um nome a nunca esquecer pelo Sport Clube da Régua.

Parece-me, nesta oportunidade, dever relembrar alguns dos companheiros que, comigo, alinharam no novel S.C. da Régua, onde deram o que mais podiam e sabiam, com dedicação, constituindo um grupo muito igual. Não gostaria de distinguir mais uns do que os outros, mas não posso deixar de referir aqueles que mais directamente me protegiam as redes, os meus “backs”, as minhas defesas: o Carvalhais, meu particular amigo, que já vinha de outras lides, como a da caça, um futebolista que tinha o dom de adivinhar as minhas “saídas” da baliza a destempo, logo me substituindo nelas, o que me facilitava a função; o Jerónimo, a minha melhor defesa, um habilidoso, que desarmava facilmente os adversários, elegante, limpo e leal no jogo, funcionava como um aloquete; e o Colega, poderoso, rápido, com muito bons pés, um excelente atleta. Eu, com eles, constituíamos uma barreira difícil de ultrapassar. Merecem-me estas referências, porque me safaram de muitas dificuldades e em todos os jogos me deixavam bem-disposto e confiante.

Mas uma equipa de futebol não eram quatro, mas sim, naquela altura, 11 elementos: os três médios, de que recordo mais o Santos Melo e o Gervásio, bons jogadores em qualquer parte; e os cinco avançados, de que lembro uma importação vinda de Lamego, o Manelzinho (excelente, um “driblador”), outra, o Toni (vinda do Pinhão, possante e que rematava com muita eficácia) e, ainda, o Canário (pequenino, rápido, um excelente extremo). E alguns outros, menos efectivos na equipa, mas sempre capazes, quando utilizados, e que ajudavam à robustez e pujança da nossa equipa. Estes foram os rapazes que fizeram fama, principalmente no campo das Figueiras, talvez por ser um terreno de pequenas dimensões.

Do campo novo, na curva da estrada, com o nome de José Vasques Osório, já dentro da Régua – que foi uma aquisição excepcional e de uma construção gloriosa – guardo também gratas recordações, mas, nele, vim a jogar  por pouco tempo, que a vida, em breve, me levaria para longe, por pouco  tempo para Chaves (onde, ainda, continuei a jogar futebol pelo “Flávia”) e, mais definitivamente, para a Guiné, onde o Comando Militar não me autorizou, “prudentemente”, a jogar…

Ainda no período de criação do S.C. da Régua, fomos fazer um jogo de apresentação a Vila Real, satisfazendo o desejo de confrontação que tínhamos e para nos avaliarmos em relação à valorosa equipa da capital do distrito. Conseguimos, fora de portas, um empate, o que causou grande alegria, quando do regresso à Régua, a toda a gente que se deslocara em comboio especial a Vila Real e, depois, na vila, onde fomos recebidos com foguetes!... A Régua parecia ter acordado.

Também nos exibimos em Lamego, com menos interesse, por menor valor representativo da representação lamecense, mas em outras deslocações que fizemos, por Trás-os-Montes, pelo Minho e pelo distrito do Porto, continuámos sempre na senda dos bons resultados. Ainda hoje guardo algumas boas recordações das nossas deslocações a Mirandela, Bragança, Chaves, Constantim, Fafe, Amarante, Penafiel, Lamego e outros locais.

Mas seríamos muito injustos se não fizéssemos algumas referências à acção dos vários dirigentes do clube. À cabeça, ponho o meu irmão, o Dr. Júlio Vilela, e faço-o mais uma vez com todo o gosto. Presidente do clube, que foi, foi ele também que estudou e preparou os estatutos, foi ele que dinamizou o aproveitamento do terreno de jogo do novo campo, que, na Régua, foi uma verdadeira novidade. Encontrou o meu irmão companheiros que o ajudaram na sua tarefa, como foram o Azevedo (da padaria), um dirigente que me ofereceu do seu bolso umas botas de futebol, e outros, como o Bonifácio, que, semanalmente, apitava e bem, sem reclamações, os jogos que fazíamos, apesar da sua costela ser, à evidência, reguense. E o Mendes de Carvalho. E outros dois, também padeiros, mas cujo nome já não recordo…

Até eu… que tentei arrancar alguns jovens para a prática do basquete e do atletismo, mas sem êxito. Ainda consegui que se fizesse um festival nas traseiras da Câmara, mas não passei daí, que os jovens não aderiram com qualquer interesse.

Foi assim que, naquela época dos anos 40, vimos implantado na Régua o passatempo do futebol, com um espírito saudável, de amadorismo puro, mas com algum relevo. Hoje, homem velho, sinto alguma vaidade pela minha comparticipação em tal motivação útil e saudável. Creio que o futuro do clube está garantido, já tem algum suporte histórico, por ele passou já muita gente que beneficiou da sua existência. Mas o S.C. da Régua não pode viver de memórias, antes tem de se revitalizar todos os dias. Os resultados do clube não se medem pelos resultados dos jogos, mais se avaliam pelo compostura dos seus sócios e dos seus atletas, pela abrangência das suas actividades, pela extensão cívica de toda a sua acção. “Mens sana in corpore sano” - deverá ser um lema cada vez mais a orientar as gentes do S. C. da Régua, vencendo barreiras e dificuldades sem esmorecimentos.

Viva a Régua!
- Peso da Régua, Março de 2013, Abeilard Vilela
Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo AlmeidaEdição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Naquele meu tempo

O CORETO do extinto 'Jardim Alexandre Herculano'

Naquele meu tempo – digamos melhor, entre os anos de 1933 e 1943 – indo a minha idade dos 11 aos 21 anos, eu tinha um grupo de “amigos do coração”, junto dos quais eu,  nas redondezas, costumava satisfazer os meus prazeres, o da conversa de todos os dias, o dos passeios a pé até ao Salgueiral, o dos “copos” (com que nos desdenhávamos e onde havia do melhor…), o das idas até Além Douro, o dos pontapés na bola em qualquer sítio, enfim, os gostos de rapaz. Neste grupo, que me lembre, estavam o Carlos Cardoso dos Santos (que ainda não pensava servir como Comandante dos Bombeiros), o Engenheiro Joaquim Rodrigues Guerra (um amigo “malandreco”, que mais parecia ser ainda um menino…), o Rogério  (uma jóia de rapaz e, talvez, o melhor jogador  de futebol, filho da nossa terra, que a “parca” ceifou deste mundo com escassos 30 anos, vítima da tuberculose que, então, nos espreitava a todos…), o Cassiano (que ganhava a vida na loja do “Mumu” e de quem eu nunca mais nada soube) e mais um ou outro que, eventualmente, se aproximava deste nosso grupo, que era bastante fechado.

Em curtos períodos daquela década, acontecia nos afastarmos uns dos outros, por causa dos estudos fora da Régua ou por outros afazeres, muitas vezes eventuais.

Lembro-me com especial saudade dos passeios que dávamos até ao Salgueiral, muitas vezes quase até ao Moledo, melhor dizendo, até ao nosso campo das Figueiras, onde se iniciou, à falta de melhor, o Sport Clube da Régua. Fazíamos quilómetros e quilómetros sem darmos por ela, conversando saudavelmente sobre tudo e sobre nada, um dichote daqui, um dichote dali, aproveitando temas ocasionais, que iam do cruzamento com pessoas por quem passávamos até às ocorrências locais e nacionais de cada dia, e que desbravávamos até ao tutano… Outras vezes, aos fins de tarde, íamos lanchar (quantas vezes, quase jantar…) ao “Gato Preto”, na avenida João Franco, onde apreciávamos a boa “pinga”, que, frequentemente, acompanhávamos com umas coxas de leitão,  com umas iscas de bacalhau ou com umas sardinhas de escabeche, etc. e tal…!

Noutras ocasiões, virávamos as nossas passeatas para o sentido contrário, até à Ponte de Ferro, na qual parávamos e donde admirávamos a nossa terra, lá ao longe, e mirávamos o nosso lindo rio, claro... Raramente íamos para lá da Ponte, nela ficávamos, entretidos com o movimento, com os carros de bois, com pessoas que a atravessavam, assim nela ficávamos…

De noite, a cidade mantinha-nos dentro dela, com atractivos diferentes, mais íntimos, guardando-nos no café Imperial, se bem me lembro do seu nome, o único por ali existente. Nele, ficávamos até cerca da meia-noite, se tanto… Aqui, conversávamos urbanamente (boa noite, como passou e coisas deste jeito), ou espreitando uma rapariga que calhasse passar nas redondezas, quando, então, nos chegávamos a levantar da mesa para a apreciar melhor… No café, muito naturalmente, falávamos também dos futebóis, do Benfica e do Sporting, que o Porto ainda não tinha a corpulência de hoje, o que o Pintinho da Costa inverteu... Conhecíamos as futebolices pelas transmissões pela rádio, que a TV ainda não existia cá, pelas nossas bandas… Embora na urbe, não tínhamos tendências para bailes, que não os havia, salvo em raros ambientes familiares.

No verão era frequente irmos passar o tempo para a margem esquerda do rio, bem em frente da cidade. Tomando umas banhocas e secando ao sol benigno… Para lá chegarmos, utilizávamos a barca do “Carvalho”, que uma possante remadora movimentava.

Então, de que outras figuras da Régua me lembro? Verdadeiramente típicos, recordo-me do Porrório, um coitado, um modesto homem, quase sempre com uma “pinguinha” na asa – não muita, salve-o Deus, Nosso Senhor - um pobre estimado por toda a gente, uma verdadeira curiosidade. Refiro muitas vezes os seus encontros com o meu irmão Júlio, quando este regressava do seu escritório, perto do monumento dos aviadores. O Porrório costumava esperá-lo perto da loja do Borrajo, por onde pairava frequentemente. Quando o meu irmão chegava, era certo saudarem-se os dois com um “Vivó Benfica”, que logo tornava o Porrório mais “social”. Depois, aconteciam chorrilhos de disparates muitas vezes provocados por outras pessoas, que assistiam deliciadas e embevecidas à conversa que se  travava, como era costume. A gente que estava nas imediações do Borrajo, do Zé Pinto, da Padaria não deixava de se aproximar, fazendo monte. Depois, um pequeno cortejo iria desfilar, muito lentamente, até casa do meu irmão, na rua da Ferreirinha. Era assim quase todos os dias, ninguém se cansando com o palavreado que travavam, com o meu irmão sempre atencioso com o Porrório, de quem verdadeiramente era amigo e que muito estimava. Constituíam um espectáculo muito singular e atraente. Que paciência o meu irmão tinha, ele, uma pessoa tão diferentes na cultura e na mente!... A conversa acabava sempre com um cigarrito e com o fósforo que o acendia, que o meu irmão lhe dava, satisfazendo-se ambos. Mas, não esqueçamos o embaraço que assaltava o Porrório, quando o meu irmão lhe pedia que dissesse bem a palavra “inconstitucionalmente”, que o Porrório nunca foi capaz de pronunciar capazmente, antes gaguejando e gaguejando cada vez mais, como se atropelando a si próprio, proferindo uma palavra sempre diferente, que ninguém entendia… Depois, sozinho, continuava a proferir uns sons, rua fora.

Levados a sério estes encontros, eles proporcionariam interessantíssimos espectáculos “circenses”, com um palhaço rico e um palhaço pobre no máximo das suas capacidades histriónicas, a que todos adeririam com prazer e com respeito.

De outras figuras – que considero não propriamente típicas, mas sim algo “senhoriais“ e singulares, a  quem eu respeitava, não só por serem muito mais idosas do que eu era, mas mais por gozarem de excepcional prestígio entre os concidadãos – sou capaz de fazer algumas referências.

Antes de qualquer outro, refiro a figura de meu avô Gaspar Monteiro, homem prestimoso, um homem alto e forte, decidido, conceituado, que eu estimava com todo o meu coração e que para mim serviu sempre de exemplo que eu gostava de seguir. Seria sempre o meu preferido.

Talvez a seguir, lembro o doutor Antão de Carvalho, paladino da nossa região, que desfilava nas nossas ruas sob o olhar respeitoso de toda a gente, impressionando com os seus cabelos  muito alvos, apoiando-se na sua bengala, com passos cautelosos mas firmes. Como grande senhor que era, os nossos conterrâneos cumprimentavam-no, descobrindo-se à sua passagem. Criança que eu era lembro-me bem de sempre descer do passeio para lhe facilitar a passagem, enquanto ele me retribuía a atitude com um acenar de mão ou um sorriso, o que me sabia muito bem. Eu conhecia-o das relações que ele tinha com os meus pais e das conversas que tinham sobre as causas da nossa região, que, não as entendendo, me impressionavam, por serem longas e vivas. Deste grande senhor, paladino da nossa região, guardo uma imagem ainda muito viva, apesar de passados alguns 80 anos!...

Outra figura que retenho, menos seguramente, é a do Artur Martinho, homem com aparato de fidalgo, com algum tamanho, que desfilava teso como um perdigão, e que toda a gente respeitava.  Costumava parar pelas lojas do Zé Pinto e do Borrajo, no Cimo da Régua, onde ficava por horas e horas. Tinha um automóvel descapotável, que muito me impressionava. Era sua esposa, a senhora D. Branca, estimável protectora dos pobres da Régua, que gozava de enorme prestígio, como pessoa de bem.

Lembro-me de muitas outras pessoas da nossa terra. Do Lourencinho, por exemplo, figura ilustre dos nossos Bombeiros, que me dava nas vistas pela sua apresentação, como me lembro de outras, também ligadas aos Bombeiros, como o Claudino, o seu irmão Teófilo e o Coutinho, todos muito estimados pela população.

Fugazmente, lembro-me de muitas outras pessoas, afastadas de mim, principalmente pelas distâncias na idade, que nos separavam. Recordo-me, no entanto, do popular Dário, como bom caçador de perdizes que era, que morreu no rio Douro, numa cheia, ao ser apanhado pelo redemoinho que a ponte de pedra ocasionava, que lhe afogou o barquinho em que ia, exactamente quando se preparava para caçar uns patos bravos. Esta tragédia sensibilizou muitos reguenses.

Curiosamente, recordei – exactamente neste momento - o médico Dr. Ernesto Santos, que vivia uns metros acima do edifício da Câmara, passando na rua dos Camilos, montado num cavalo branco, a caminho de Poiares ou coisa semelhante, para lá do Corgo. Também para ele, o automóvel ainda não lhe estava à mão.

Aproveito para lembrar outro reguense que ficou extremamente popular, quando ousou inscrever-se numa “Volta a Portugal”, em bicicleta. Refiro-me ao Sotero, que ganhava o seu pão vendendo lotaria. Fez, na Volta, fraca figura: atacado por qualquer indisposição intestinal, ficou enfraquecido, mas conseguiu finalizar a prova, o que, para a gente da Régua, foi uma grande facécia. Coitado, sem médicos que especialmente o acompanhassem, que podia ele mais conseguir?

Houve outras figuras, que, na altura, me ofereceram especial atenção, talvez, principalmente, pelos laços familiares que me ligavam a elas. Não querendo excessivamente alargar-me em referência que me tocam de alguma maneira, ouso ainda citar, mais uma vez, o meu irmão, o Dr. Júlio Vilela, que, além de muito bom advogado, era um excelente companheiro nas paródias, um bom fadista, que tocava viola e que cantava bem o samba. Era homem que sabia estar bem em qualquer palco, companheiro solidário de toda a gente, homem que gostava da mesa, onde apreciava um bom vinho e a boa comida. Foi importante para os nossos Bombeiros e para o Sport Clube da Régua. Todos o disputavam para sua companhia. Parece-me ficarem bem aqui, estas referências aligeiradas.

Outra citação que, aqui, também não ficará mal de todo, embora por motivos menos elogiosos, é aquela que vou fazer a meu cunhado Manuel Carlos Pereira, o Lalá dos seus amigos e da família. Ele, meio amalucado, foi possuidor de um espampanante Ford V8, que, na época, era um automóvel quase revolucionário. Este meu cunhado fartou-se de leviandades. Foi um autêntico “terrorista”, quando, pelas ruas da Régua, passava a toda a velocidade, amedrontando os reguenses e pondo a GNR a olhar para o lado, para não ver o V8 a roncar por ali fora.

Enfim, talvez muitas outras pessoas merecessem  ser referidas. Os casos que citei, foram os que me vieram à mente de imediato. Outros me saltariam, se mais tardasse em encerrar esta memória. Por exemplo, de súbito, vieram-me ao cima as facécias do Rebelo, popularíssimo funcionário da Casa do Douro, ao pé e quem ninguém conseguia manter-se sério. Tornou-se célebre pelos seus despachos “tribunalíceos”, cheios de humor e de curiosidade, ditos de viva voz, com toda a ênfase e  seriedade. Foi uma pena não haver na altura, os gravadores com a mesma facilidade de hoje, assim se perdendo intervenções que “escangalhariam” qualquer reunião de parodiantes.

De quem me terei esquecido?... Lamento, mas tenho já as minhas naturais limitações, que a minha memória já não é o que sempre foi. Mas, para fazermos um pequeno retrato dos meus tempos na Régua, como éramos e o que fazíamos,  creio que já chega. Ficaram as lembranças de um tempo, com preocupações diferentes das de hoje, com modos de viver mais restritos e menos abertos. A vida de hoje pouco tem a ver com a da década que claramente delimitei. Os avanços tecnológicos foram imensos, a televisão, a penicilina, os aviões a jacto eliminaram os de hélice. Até o tradicional comboio, suporte de muita e muita  gente, foi praticamente eliminado pelo automóvel, embora com algum proteccionismo de políticos e a força dos industriais do sector, assim o individual se sobrepondo ao colectivo, ignorando, disparatadamente, o maior custo individual  dos transportes e a sua menor rentabilidade. Porém, hoje somos mais livres e os horizontes mais extensos. Coisas para meditar… Ou não será assim?...
- Abeilard Vilela, Fevereiro de 2013.

Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de texto do Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Fevereiro de 2013.. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.    

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A Minha Rua dos Camilos

Assalta-me sempre o sentimento da saudade, quando deito os meus olhos sobre uma fotografia que tenho exatamente da rua dos Camilos, que mostra o que ela era há cerca de 79 anos, isto é, na segunda metade da década  dos anos 30 do século passado, principalmente o trecho desta rua que ia da curva onde funcionavam as oficinas dos Janeiros até ao entroncamento com a rua de Serpa Pinto. É um trecho que me recorda os meus doces  tempos de rapazote e, até, os da meninice.

Ela era uma rua sem perigos, segura, onde todos se conheciam. Na fotografia que tenho presente, salienta-se o prédio onde morava o meu patriarcal avô – Gaspar da Silva Monteiro, de muito boa memória  e onde eu vivi dos 11 aos 14 anos de idade. Este prédio, na fotografia, encobre um outro, contíguo, onde eu nasci e onde vivi até um pouco antes de 1930. O prédio onde viveu o meu avô está separado do da Casa do Douro pela rua da Alegria, o qual por sua vez tinha em frente, no passeio oposto, a casa do “Menino d'Ouro” e uma pequena loja, onde o Né (Rodrigues) viria a montar a sua ourivesaria. Um pouco mais ao lado, a casa onde moravam os Coutinhos, que tinham um seu denodado representante no corpo ativo dos nossos  humanitários Bombeiros.

Caminhando neste mesmo passeio, iríamos encontrar, um pouco mais adiante, uma barbearia, uma outra loja da família do Né e a oficina do latoeiro, de cujos proprietários não me lembram os nomes. Dois passos mais ao lado íamos encontrar o prédio e a loja do Valente Velho e a padaria do Azevedo, um dos fundadores do Sport Clube da Régua, já à esquina da rua. Nesta bifurcação com a rua de Serpa Pinto, estavam as lojas dos Fortunatos, do Borrajo e do Zé Pinto, todos estimados comerciantes. Alguns anos depois, iríamos ver fixado nesta bifurcação um polícia sinaleiro, quando o trânsito automóvel se intensificou.

Se nos aproximássemos de novo da casa do meu avô, encontraríamos um quelho, logo à entrada do qual, se encontrava uma outra ourivesaria e, ao fundo, as limitadíssimas instalações dos Bombeiros Voluntários.

Nesta fotografia que tenho referido, evidencia-se o intenso movimento da rua, mas sendo ainda pouco denso o movimento automóvel, que eram poucos os carros existentes na altura. Pelo contrário, era notável o movimento dos carros de bois, que carregavam as pipas, e passavam chiando, chiando, animando os animais. Naquele tempo, desfilavam na rua as varinas com os pregões, anunciando os seus produtos, e passavam outras mulheres, que carregavam grandes cestas com pão para entregarem a freguesas certas. Era também significativo o movimento de outras mulheres, que carregavam a roupa que lavavam no rio e que, depois, coravam.

Pouco antes da fotografia, fora aberto o novo edifício da Casa do Douro, que ficou repleto com os trabalhadores que nele serviam, sendo comum encontrarem-se pequenos grupos de pessoas a conversarem à porta de entrada da instituição, que também era um ponto de encontro das pessoas. A Casa do Douro era uma pedra preciosa para a Régua e para todo o Douro, era uma instituição importante, só comparável aos regimentos militares de Vila Real e de Lamego e ao próprio caminho de ferro, que serpenteava por toda a região e a fazia feliz.

A rua dos Camilos – o centro da Régua, outros lhe chamavam o “cimo da Régua” – parecia já, em verdade, um formigueiro de gente, de gente ativa, de gente ligada às vinhas e ao comércio, principalmente. Do alto das varandas das casas em que vivi – a casa do meu avô tinha marcado o número 44 – eu passava muito do meu tempo de rapaz a admirar o bulício de tanta gente, muito me admirando a pacatez das ruas de Lamego, que eu visitava com frequência.

Na altura das vindimas, todo o movimento da rua  mais aumentava ainda, merecendo-me destaque a passagem das rogas para as vindimas, que vinham de Trás os Montes e da Beira, homens e mulheres cantando, assobiando pelos seus apitos, tocando bombos e tambores, chamando, com a sua alegria, a população às janelas e varandas, toda a gente em festa, todos se correspondendo.

A rua dos Camilos, correndo desde a rua de Serpa Pinto até à estação dos comboios, tinha, neste lado contrário ao do trecho já referido, aspetos de carater inteiramente diferenciado, pois que víamos muita gente que não conhecíamos a sair e a entrar para a estação a todas as horas do dia, e, na situação de espera, alguns (ainda não muitos) carros de transporte coletivo de passageiros, de Lamego e de Castro Daire, alem de um ou outro táxi, concorrendo com os camiões.

Não muito longe da Estação, quase em frente a um celebérrimo hotel Borges, a ponte dos Guindais, que atravessava a linha dos comboios, e, que naquele tempo, usava de má fama: toda a gente a via, mas ninguém falava dela, salvo em dichotes de humor malicioso. O respeito, respeitinho é muito lindo!...Entre este pontão e o Largo da Estação estava erigida a linda Capela do Asilo, outra instituição meritória, que honrava a Régua.

Todas as referências desta já extensa memória se referem - há que o esclarecer – à vida diurna da Régua, tal como eu a senti, mas, após as 21 horas de cada dia, a vida da população em geral, era quase impercetível. As pessoas tinham de ir cedo para a cama para repousarem, que o dia seguinte seria de intenso trabalho e de negócios, como a rua dos Camilos bem o demonstrava. Só alguns jovens perturbavam os silêncios das noites, para o que a simples presenças de meia dúzia de elementos da GNR (aquartelada no fundo da Rua da Alegria) chegava perfeitamente para evitar excessos, assim se respeitando a ordem pública, porventura sempre em risco, tão insuficiente era a iluminação existente.

A atividade cultural era então muito restrita, ficando-se, praticamente por pequenos encontros de alguma gente mais informada aos fins da tarde, junto dos estabelecimentos do Borrajo e do Zé Pinto, alem de uns convívios do doutor Júlio Vilela com alguns dos seus admiradores, convívios que fazem parte da própria história da Régua, sempre a altas horas da noite, constituindo notas de amizade e de franca lealdade, que ainda hoje, gostosamente relembro. De referir que as conversas tocavam os assuntos mais diversos, com a exceção dos assuntos políticos, que isso não se coadunava com o espírito do regime que, na altura, vigorava.

Havia na época dois cafés nas imediações das oficinas dos Janeiros, ambos com uma frequência não muito intensa, onde os clientes mais velhos iam saborear o “cafezinho do costume”, e, os mais novos, iam jogar um pouco o bilhar e alongar-se em conversas singelas, embora disputadas, sobre o Benfica e o Sporting, que o Porto ainda não tinha atingido a maioridade desportiva. Também aqui, nos cafés, não se falava de política, nem sequer quando, em 1936, da guerra civil de Espanha.

Os meus olhos de hoje dão-me a leitura das coisas daquele tempo, tal como as senti, naturalmente.

Nas descrições que fiz, no entanto, cometi um lapso, que seria imperdoável, se não o confessasse: não referi que do cimo da rua da Alegria, já na rua dos Camilos, se avista, dominante, o nosso rio Douro, uma enorme corrente de água - quando das cheias, quase imensa - que sempre condicionou os nossos sentimentos. De um rio bravio e de que gostávamos, fizeram os homens um lago calmo, navegável, mas com uma faceta ou com outra,  um rio quase espiritual, mais se ainda se não esquecermos o valor da faina única dos seus “rabelos”, que noutro tempo garantiram a chegada do néctar duriense à cidade do Porto e à consequente exportação.

A fotografia não nos mostra o rio, mas nem um só reguense ignora o seu rio lindo, que lhes corre aos pés e que é a razão do nosso amor à região que ele, amorosamente, vai continuar a saudar por toda a eternidade.

Que saudades eu tenho daqueles tempos, dos amigos, das brincadeiras!

Era uma felicidade plena, que sempre se sobrepôs a todos os contratempos da vida!
- Abeilard Vilela, Janeiro de 2013

Clique  na imagem para ampliar. Sugestão do Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Janeiro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

terça-feira, 20 de março de 2012

José Afonso de Oliveira Soares

José Afonso de Oliveira Soares, natural do Peso da Régua, é reconhecido enquanto artista e decano dos jornalistas de província, por João de Araújo Correia. Dirige a sua vida à causa social enquanto bombeiro, vindo a comandar a corporação entre 1893 e 1927.
O Senhor Soares, como era conhecido na terra, à qual se dedicou toda a vida, assistiu às épocas conturbadas da viragem do século XIX para o século XX, mantendo-se alheio à política. Desenvolve a sua actividade profissional, além do voluntariado nos bombeiros, no campo das artes plásticas, da literatura e do jornalismo[i].
Nos bombeiros, Afonso Soares, não faz parte do grupo de sócios fundadores, embora apoie a causa desde início, inscrevendo-se como sócio contribuinte. Em 1885, procura fundar uma biblioteca no quartel, revelando, desde logo, um grande interesse pela literatura. Sabemos, no entanto, segundo José Almeida, que essa biblioteca não “mais seria que uma estante com livros raros”[ii]. Eleito comandante da corporação em 1893, sendo o segundo da história desta associação, ocupa o cargo até 1927, ano em que abandona no comando, pois os estatutos não lhe permitiam continuar devido à idade.
Afonso Soares não se destaca no panorama artístico nacional. Embora João de Araújo Correia o designe como “desenhador, gravador, modelador e pintor”, admite, por outro lado, que Afonso Soares não evolui, em primeiro lugar, devido ao seu “feitio dispersivo” e, também, por causa do meio onde se encontrava, longe de “escolas, de estímulos e entusiasmos”[iii]. Mesmo assim, Afonso Soares mantém o seu dinamismo enquanto pintor, efectuando diversos retratos, que tratamos neste trabalho, além de outras obras, algumas delas descritas por João de Araújo Correia no conto Configurações[iv].
Dedicando-se, paralelamente, à escrita, destaca-se como jornalista na imprensa regional, chegando a ser director do Jornal da Régua (1930). Realiza uma monografia, História da Vila e Conselho de peso da Régua (1936), editado pela Câmara Municipal do Peso da Régua. A referida obra acaba por ser publicada numa segunda edição em 1979, o que demonstra a sua importância para a divulgação da cidade e para estudos locais e regionais, mantendo-se ainda actual. Esta monografia, realizada no início do século XX é a única obra de referência deste género acerca do Peso da Régua[v].
A obra plástica que se conhece consiste sobretudo em retrato desenhado, publicado na monografia que realizou e na imprensa, o retrato a óleo sobre tela, pertencentes à colecção de retratos da SCMPR. Como referimos anteriormente, Afonso Soares demonstra uma capacidade diversificada em vários géneros – desde a literatura às artes plásticas, revelando-se um artista de carácter regional, autodidacta, mantendo-se informado cerca das evoluções técnicas da época, nomeadamente da fotografia. Vai socorrer-se deste processo técnico, como faziam os demais pintores, para executar os retratos que conhecemos. Com formação em desenho técnico[vi], o seu traço revela-se com uma qualidade superior em relação à técnica de óleo sobre tela, que não dominava.
A execução técnica das obras revela a ausência de formação académica em pintura, no entanto, a execução do desenho parece-nos muito bem elaborada. A falta de formação na área da pintura leva-o a cometer alguns erros na modelação cromática quer nos fundos, quer nas carnações, retratando figuras hieráticas e inexpressivas. Sentimos que o autor se preocupa, essencialmente, com a semelhança das feições do retrato com o retratado, decorando a execução do retrato psicológico das personagens.
A prática da pintura permite-lhe aperfeiçoar a técnica de óleo sobre tela, a ponto de ser reconhecido enquanto, pintor e de ter legitimidade para fundar na Régua uma escola/ ateliê, onde ensina gratuitamente[vii]. Deduzimos que este reconhecimento público se reflecte na quantidade de obras que Afonso Soares realiza para a SCMPR, o que nos permite supor que nos inícios do século XX, este se torna o “ pintor oficial” da instituição.
Em comparação com os outros pintores expostos na sala das sessões do hospital, as obras executadas por Afonso Soares, um autodidacta, são plasticamente inferiores. No entanto, cumpriram, na perfeição, o objectivo da SCMPR, o de prolongar no tempo a memória de quem contribuiu para a Misericórdia, funcionando como exemplo e incentivo a novos benfeitores, como já referimos no capítulo anterior.
- João Tomé Duarte* - CITEM 

[i] TÓRO – O concelho do Peso da Régua.
[ii] ALMEIDA, José Alfredo – Recordar o Comandante Afonso Soares.
[iii] CORREIA, João de Araújo – Horas Mortas. Régua: Imprensa do Douro, 1968,p.23.
[iv] Ibidem,pp.23-26.
[v] Bandeira de Tóro (1946) e José Braga – Amaral (2007), realizam estudos monográficos acerca de Peso
 da Régua, no entanto, não conseguem ir além do estudo de Afonso Soares, excepto nos assuntos das
 épocas contemporâneas aos referidos autores.
[vi] Supomos ser esta a formação inicial de Afonso Soares pois José Alfredo Almeida refere que o início da
 sua actividade profissional é nas obras da Linha do Douro entre Marco de Canaveses e Peso da Régua
 como “técnico e desenhador”. Cf. ALMEIDA – Recordar o Comandante Afonso Soares.
[vii] Ibidem.

* Este texto dedicado a José Afonso de Oliveira Soares, antigo Comandante dos Bombeiros da Régua, recordado como pintor, faz parte do relatório de estágio curricular  e profissional no Museu do Douro  de João Tomé Duarte, com o título “Retratos dos benfeitores da Santa Casa da Misericórdia do Peso da Régua no Museu do Douro : estudo da coleção” (edição de Autor, Porto, 2011). Agradecemos ao autor a autorização para a sua publicação.

    A fotografia, cedida pelo Senhor Abeilard Vilela para o Arquivo dos Bombeiros da Régua, testemunha o lançamento da primeira pedra para o Monumento Sacadura Cabral, realizado em Agosto de 1925. Podemos ver ao centro, Júlio Vilela a discursar, atrás deste os bombeiros da Régua com o estandarte da sua corporação e à esquerda o Comandante Afonso Soares acompanhado de Camilo Guedes Castelo Branco.

Clique nas imagens para ampliar. Este texto está também publicado na edição do semanário regional "O Arrais" de 22 de Março de 2012. Texto e sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março  de  2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos. 

sábado, 31 de dezembro de 2011

O Sport Clube da Régua

Neste último dia do ano de 2011, não esquecemos:  Sport Clube da Régua - Fundada em Novembro de 1944 é a Associação Desportiva com maior representatividade da cidade do Peso da Régua e com a qual a cidade mais se identifica. Muito contribuem para isso as cores vermelho e branco em forma gironada das suas bandeiras assim como os símbolos do Barco Rabelo e do Douro estampados nos seus escudos. "Poderá dizer-se que é o clube do coração de todos os Reguenses - In http://sportcluberegua.blogspot.com/
O distinto causídico Dr. Júlio Vilela, figura inesquécivel do universo reguense...
Botões de Punho...
Emblema de Lapela...
Mais três relíquias dos anos 40, demonstrativas do amor que os fundadores tinham pelo nosso clube. Estes botões de punho e os emblemas de lapela, são o embrião daquilo a que hoje se chama Merchandising. Por isto, vejam o que "à frente" estavam estes dirigentes. O estar "à frente", o ser pioneiro, é uma das grandes características do nosso S.C. Régua.
Palavras para quê? São seis insignes reguenses que fizeram parte de uma direcção dos anos 40/50 tendo à cabeça como Presidente o Exmo. Dr. Rui Machado, também ele médico do clube.
De pé da esquerda para a direita: Abeilard, Carvalhais, Peseta, Nora, Canudo, Jerónimo e Colega.
Em baixo da esquerda para a direita: António Monteiro, Tadeu, Gervásio, Canário e Fernando.
Esta fotografia representa a equipa de 1945, um ano após a formação do nosso clube. De todo o espólio fotográfico de que dispômos é a mais antiga, como consequência têm um valor incalculável. Muitos dos reguenses ainda se lembram destes pioneiros e gloriosos atletas.
Cartas de longe: As cartas enviadas por Jaime Ferraz Rodrigues Gabão, desde Porto Amélia em Moçambique sobre o Sport Clube da Régua.
Uma das cartas:

quarta-feira, 27 de julho de 2011

RECORDAÇÕES MARCANTES: Coisas dos nossos bombeiros

Abeilard Vilela

É-me sempre difícil dizer "não" a qualquer pedido que me  seja feito por bem. É o caso presente, quando, como agora, o Dr. José Alfredo Almeida, esclarecido presidente dos nossos Bombeiros Voluntários, me solicita que escreva mais duas palavras sobre estes, com factos que guarde na minha memória.

Na realidade, aconteceu que a minha vivência na Régua, a minha terra, se registou apenas durante a  época em que fui um rapazote, já que, aos 24 anos de idade, zarpei para a Guiné, onde me mantive até meados de 1976.

Quer isto dizer que, realmente, não tenho muito conhecimento de factos ligados aos Bombeiros, ou melhor, vivi todo o prestígio que os bombeiros tinham naquele tempo, quando, então, mais me interessavam  os futebóis, com a fundação esforçada do Sport Clube, a construção do campo, as vitórias e as derrotas  (que doíam muito...).

Mas lembro-me de uma constante, que acontecia sempre, qual era o sobressalto de toda a população reguense, quando a sirene (antes, eram os sinos das igrejas...) atiravam para os ares uivantes apelos, clamando pela ajuda dos bombeiros e dos populares.

A cada reguense mais batia o coração, nessas alturas. E muita gente acorria aos locais dos acidentes, assim dando o seu apoio, nem sempre da forma mais recomendável, como terá acontecido numa certa noite de verão, quando um violento incêndio lavrou na margem esquerda do nosso rio, bem em frente da Estação da CP, num prédio de um abastado proprietário de Lamego. Muitos populares, atravessando a velha ponte de ferro sobre o rio, acorreram ao local, onde com toda a brevidade logo chegaram os nossos bombeiros.

Tenho bem presente na memória o esforço destes, que rapidamente estenderam centenas de metros de mangueiras, procurando fazer chegar a água do rio ao prédio que o incêndio devorava… O calor intenso que fazia naquela noite associou-se ao calor do fogo: os tonéis, que existiam nos baixos do prédio, carregados de  vinho fino com a dilatação dos gazes, estoiraram, e o vinho, em catadupa, passou a correr pela valeta da estrada, parecendo um riozinho.
As  gentes aí, perderam o tino: homens e mulheres (e até a miudagem!...) mergulharam as bocas no vinho que corria. Muitos populares passaram a ver o fogo como uma dádiva justa, mais do que uma infelicidade. E, lamentavelmente, alguns bombeiros juntaram-se aos populares, e,  talvez porque sendo jovens, não souberam resistir à pressão dos espectadores.

É certo, também, que entre  os presentes corriam versões que davam má nota aos méritos do proprietário, talvez as queixas habituais dos pobres contra os ricos...  Seja como for, destes anormais comportamentos resultou um oportuno inquérito, que, na altura teve o seu eco. Assim, mais uma vez se comprovando que  "sobre o melhor pano cai a nódoa"...

Outro acidente que recordo, foi o incêndio que destruiu as instalações da nossa Câmara Municipal e que teve dimensões espectaculares, apesar dos esforços denodados dos nossos bombeiros, que o combateram corajosamente.  Foi um incêndio que me emocionou profundamente e que muito me ajudou a dedicar a maior estima pelos nossos bombeiros.

De muitos, guardo ainda uma longínqua recordação, vendo vários em atitudes prestimosas de serviço, atitudes que eram para mim um exemplo cívico inestimável. Sendo eu, então, já menos menino, olhava  para os nossos bombeiros com todo o respeito, admirando-os, porquanto eles, sem esperanças em retribuições e vantagens, ajudavam, os outros, pelo simples amor ao próximo.

Lembro, ainda hoje, algumas figuras que todos estimavam: o Teófilo, o Claudino, o quarteleiro Zé Pinto, todos "paus para toda a colher", todos solidários nos esforços que faziam. E  lembro outras figuras prestigiosas e respeitáveis, vindas de todos os meios sociais.

Na altura, eu tinha outras preocupações, era muito novo, mas já me sentia uma reserva daqueles que estavam ao serviço dos seus semelhantes e a quem olhava com toda a atenção e estima. Tantos anos decorridos, mantenho viva a minha admiração. Mas as coisas correm na vida com a sequência que cada momento oferece. E põem-se com toda a naturalidade e inevitabilidade.

Afinal, a vida é assim mesmo, não é verdade?

Nota: O nosso bem haja a Abeilard Vilela! Agradeço-lhe comovidamente não só como Presidente da Direcção da Associação mas também como um reguense interessado pelas causas sociais. Nos seus 90 anos de vida, acredite que nos deixa o registo de memórias de momentos únicos e de mais três figuras inesquecíveis da Régua, como são os Clementes (o Teófilo e o Chefe Claudino) e o quarteleiro Zé Pinto, infelizmente já falecidos, do exemplo de cidadania activa e o muito que marcaram na história dos Bombeiros da Régua. – J. Alfredo Almeida, Peso da Régua, Julho de 2011. 
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RECORDAÇÕES MARCANTES: Coisas dos nossos bombeiros
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 21 de Julho de 2011
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Colaboração do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.