José Afonso de Oliveira Soares, natural do Peso da Régua, é reconhecido enquanto artista e decano dos jornalistas de província, por João de Araújo Correia. Dirige a sua vida à causa social enquanto bombeiro, vindo a comandar a corporação entre 1893 e 1927.
O Senhor Soares, como era conhecido na terra, à qual se dedicou toda a vida, assistiu às épocas conturbadas da viragem do século XIX para o século XX, mantendo-se alheio à política. Desenvolve a sua actividade profissional, além do voluntariado nos bombeiros, no campo das artes plásticas, da literatura e do jornalismo[i].
Nos bombeiros, Afonso Soares, não faz parte do grupo de sócios fundadores, embora apoie a causa desde início, inscrevendo-se como sócio contribuinte. Em 1885, procura fundar uma biblioteca no quartel, revelando, desde logo, um grande interesse pela literatura. Sabemos, no entanto, segundo José Almeida, que essa biblioteca não “mais seria que uma estante com livros raros”[ii]. Eleito comandante da corporação em 1893, sendo o segundo da história desta associação, ocupa o cargo até 1927, ano em que abandona no comando, pois os estatutos não lhe permitiam continuar devido à idade.
Afonso Soares não se destaca no panorama artístico nacional. Embora João de Araújo Correia o designe como “desenhador, gravador, modelador e pintor”, admite, por outro lado, que Afonso Soares não evolui, em primeiro lugar, devido ao seu “feitio dispersivo” e, também, por causa do meio onde se encontrava, longe de “escolas, de estímulos e entusiasmos”[iii]. Mesmo assim, Afonso Soares mantém o seu dinamismo enquanto pintor, efectuando diversos retratos, que tratamos neste trabalho, além de outras obras, algumas delas descritas por João de Araújo Correia no conto Configurações[iv].
Dedicando-se, paralelamente, à escrita, destaca-se como jornalista na imprensa regional, chegando a ser director do Jornal da Régua (1930). Realiza uma monografia, História da Vila e Conselho de peso da Régua (1936), editado pela Câmara Municipal do Peso da Régua. A referida obra acaba por ser publicada numa segunda edição em 1979, o que demonstra a sua importância para a divulgação da cidade e para estudos locais e regionais, mantendo-se ainda actual. Esta monografia, realizada no início do século XX é a única obra de referência deste género acerca do Peso da Régua[v].
A obra plástica que se conhece consiste sobretudo em retrato desenhado, publicado na monografia que realizou e na imprensa, o retrato a óleo sobre tela, pertencentes à colecção de retratos da SCMPR. Como referimos anteriormente, Afonso Soares demonstra uma capacidade diversificada em vários géneros – desde a literatura às artes plásticas, revelando-se um artista de carácter regional, autodidacta, mantendo-se informado cerca das evoluções técnicas da época, nomeadamente da fotografia. Vai socorrer-se deste processo técnico, como faziam os demais pintores, para executar os retratos que conhecemos. Com formação em desenho técnico[vi], o seu traço revela-se com uma qualidade superior em relação à técnica de óleo sobre tela, que não dominava.
A execução técnica das obras revela a ausência de formação académica em pintura, no entanto, a execução do desenho parece-nos muito bem elaborada. A falta de formação na área da pintura leva-o a cometer alguns erros na modelação cromática quer nos fundos, quer nas carnações, retratando figuras hieráticas e inexpressivas. Sentimos que o autor se preocupa, essencialmente, com a semelhança das feições do retrato com o retratado, decorando a execução do retrato psicológico das personagens.
A prática da pintura permite-lhe aperfeiçoar a técnica de óleo sobre tela, a ponto de ser reconhecido enquanto, pintor e de ter legitimidade para fundar na Régua uma escola/ ateliê, onde ensina gratuitamente[vii]. Deduzimos que este reconhecimento público se reflecte na quantidade de obras que Afonso Soares realiza para a SCMPR, o que nos permite supor que nos inícios do século XX, este se torna o “ pintor oficial” da instituição.
Em comparação com os outros pintores expostos na sala das sessões do hospital, as obras executadas por Afonso Soares, um autodidacta, são plasticamente inferiores. No entanto, cumpriram, na perfeição, o objectivo da SCMPR, o de prolongar no tempo a memória de quem contribuiu para a Misericórdia, funcionando como exemplo e incentivo a novos benfeitores, como já referimos no capítulo anterior.
- João Tomé Duarte* - CITEM
- João Tomé Duarte* - CITEM
[i] TÓRO – O concelho do Peso da Régua.
[ii] ALMEIDA, José Alfredo – Recordar o Comandante Afonso Soares.
[iii] CORREIA, João de Araújo – Horas Mortas. Régua: Imprensa do Douro, 1968,p.23.
[iv] Ibidem,pp.23-26.
[v] Bandeira de Tóro (1946) e José Braga – Amaral (2007), realizam estudos monográficos acerca de Peso
da Régua, no entanto, não conseguem ir além do estudo de Afonso Soares, excepto nos assuntos das
épocas contemporâneas aos referidos autores.
[vi] Supomos ser esta a formação inicial de Afonso Soares pois José Alfredo Almeida refere que o início da
sua actividade profissional é nas obras da Linha do Douro entre Marco de Canaveses e Peso da Régua
como “técnico e desenhador”. Cf. ALMEIDA – Recordar o Comandante Afonso Soares.
[vii] Ibidem.
* Este texto dedicado a José Afonso de Oliveira Soares, antigo Comandante dos Bombeiros da Régua, recordado como pintor, faz parte do relatório de estágio curricular e profissional no Museu do Douro de João Tomé Duarte, com o título “Retratos dos benfeitores da Santa Casa da Misericórdia do Peso da Régua no Museu do Douro : estudo da coleção” (edição de Autor, Porto, 2011). Agradecemos ao autor a autorização para a sua publicação.
A fotografia, cedida pelo Senhor Abeilard Vilela para o Arquivo dos Bombeiros da Régua, testemunha o lançamento da primeira pedra para o Monumento Sacadura Cabral, realizado em Agosto de 1925. Podemos ver ao centro, Júlio Vilela a discursar, atrás deste os bombeiros da Régua com o estandarte da sua corporação e à esquerda o Comandante Afonso Soares acompanhado de Camilo Guedes Castelo Branco.
Clique nas imagens para ampliar. Este texto está também publicado na edição do semanário regional "O Arrais" de 22 de Março de 2012. Texto e sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos.