Abeilard Vilela
É-me sempre difícil dizer "não" a qualquer pedido que me seja feito por bem. É o caso presente, quando, como agora, o Dr. José Alfredo Almeida, esclarecido presidente dos nossos Bombeiros Voluntários, me solicita que escreva mais duas palavras sobre estes, com factos que guarde na minha memória.
Na realidade, aconteceu que a minha vivência na Régua, a minha terra, se registou apenas durante a época em que fui um rapazote, já que, aos 24 anos de idade, zarpei para a Guiné, onde me mantive até meados de 1976.
Quer isto dizer que, realmente, não tenho muito conhecimento de factos ligados aos Bombeiros, ou melhor, vivi todo o prestígio que os bombeiros tinham naquele tempo, quando, então, mais me interessavam os futebóis, com a fundação esforçada do Sport Clube, a construção do campo, as vitórias e as derrotas (que doíam muito...).
Mas lembro-me de uma constante, que acontecia sempre, qual era o sobressalto de toda a população reguense, quando a sirene (antes, eram os sinos das igrejas...) atiravam para os ares uivantes apelos, clamando pela ajuda dos bombeiros e dos populares.
A cada reguense mais batia o coração, nessas alturas. E muita gente acorria aos locais dos acidentes, assim dando o seu apoio, nem sempre da forma mais recomendável, como terá acontecido numa certa noite de verão, quando um violento incêndio lavrou na margem esquerda do nosso rio, bem em frente da Estação da CP, num prédio de um abastado proprietário de Lamego. Muitos populares, atravessando a velha ponte de ferro sobre o rio, acorreram ao local, onde com toda a brevidade logo chegaram os nossos bombeiros.
Tenho bem presente na memória o esforço destes, que rapidamente estenderam centenas de metros de mangueiras, procurando fazer chegar a água do rio ao prédio que o incêndio devorava… O calor intenso que fazia naquela noite associou-se ao calor do fogo: os tonéis, que existiam nos baixos do prédio, carregados de vinho fino com a dilatação dos gazes, estoiraram, e o vinho, em catadupa, passou a correr pela valeta da estrada, parecendo um riozinho.
As gentes aí, perderam o tino: homens e mulheres (e até a miudagem!...) mergulharam as bocas no vinho que corria. Muitos populares passaram a ver o fogo como uma dádiva justa, mais do que uma infelicidade. E, lamentavelmente, alguns bombeiros juntaram-se aos populares, e, talvez porque sendo jovens, não souberam resistir à pressão dos espectadores.
É certo, também, que entre os presentes corriam versões que davam má nota aos méritos do proprietário, talvez as queixas habituais dos pobres contra os ricos... Seja como for, destes anormais comportamentos resultou um oportuno inquérito, que, na altura teve o seu eco. Assim, mais uma vez se comprovando que "sobre o melhor pano cai a nódoa"...
Outro acidente que recordo, foi o incêndio que destruiu as instalações da nossa Câmara Municipal e que teve dimensões espectaculares, apesar dos esforços denodados dos nossos bombeiros, que o combateram corajosamente. Foi um incêndio que me emocionou profundamente e que muito me ajudou a dedicar a maior estima pelos nossos bombeiros.
De muitos, guardo ainda uma longínqua recordação, vendo vários em atitudes prestimosas de serviço, atitudes que eram para mim um exemplo cívico inestimável. Sendo eu, então, já menos menino, olhava para os nossos bombeiros com todo o respeito, admirando-os, porquanto eles, sem esperanças em retribuições e vantagens, ajudavam, os outros, pelo simples amor ao próximo.
Lembro, ainda hoje, algumas figuras que todos estimavam: o Teófilo, o Claudino, o quarteleiro Zé Pinto, todos "paus para toda a colher", todos solidários nos esforços que faziam. E lembro outras figuras prestigiosas e respeitáveis, vindas de todos os meios sociais.
Na altura, eu tinha outras preocupações, era muito novo, mas já me sentia uma reserva daqueles que estavam ao serviço dos seus semelhantes e a quem olhava com toda a atenção e estima. Tantos anos decorridos, mantenho viva a minha admiração. Mas as coisas correm na vida com a sequência que cada momento oferece. E põem-se com toda a naturalidade e inevitabilidade.
Afinal, a vida é assim mesmo, não é verdade?
Nota: O nosso bem haja a Abeilard Vilela! Agradeço-lhe comovidamente não só como Presidente da Direcção da Associação mas também como um reguense interessado pelas causas sociais. Nos seus 90 anos de vida, acredite que nos deixa o registo de memórias de momentos únicos e de mais três figuras inesquecíveis da Régua, como são os Clementes (o Teófilo e o Chefe Claudino) e o quarteleiro Zé Pinto, infelizmente já falecidos, do exemplo de cidadania activa e o muito que marcaram na história dos Bombeiros da Régua. – J. Alfredo Almeida, Peso da Régua, Julho de 2011.
Colaboração do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
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RECORDAÇÕES MARCANTES: Coisas dos nossos bombeiros
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 21 de Julho de 2011
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