terça-feira, 17 de abril de 2012

Uma Galera

João de Araújo Correia

Numa das minhas peregrinações, dei comigo no mais gracioso hotel que o leitor possa imaginar em terra portuguesa.

Casa sobre o alto, pintada de branco, pintada de branco, à margem de um rio doce, logo me atraiu como se me dissesse: entra, descansa, hospeda-te aqui, senta-te à minha mesa, deita-te nos meus lençóis, que serás bem servido. Não conhecerás o luxo bafiento, mas conhecerás a simplicidade, o asseio, o bom gosto…

E assim foi. Meti-me naquele abrigo, que me agasalhou como prometera e eu necessitava. Ali ficaria, até hoje, se a vida me não obrigasse a regressar ao meu trabalho.

Mas, se quero descansar, basta-me recordar o hotelzinho. Monto a cavalo na recordação e ali me sinto outra vez, acarinhado como pessoa de família pela senhora que dirige a hospedaria. Custa-me dizer hoteleira…

Mal que ali cheguei, prendi a minha burra a uma argola. Quero com isto dizer que meti debaixo de um telheiro o meu carrinho, que foi meu companheiro durante muitos anos. Nunca me deixou ficar mal numa subida e adaptava-se a todos os caminhos.

Se fosse preciso, ganhava asas num pronto para saltar por cima de um obstáculo deparado numa azinhaga. Carro assim não torno eu a adquirir.

Metia-me dentro dele para percorrer os arredores do hotelzinho. Foi assim que visitei vilas e aldeias adormecidas entre pinheirais e um grande mosteiro, desabitado e morto. Esperava, à beira de um abismo, o dia de Juízo. Tenebroso mosteiro, só a minha imaginação o povoou de frades.

De uma das vezes que atravessei uma risonha vila, apeei-me da burra, como quem diz do carro, para espreitar uma casinha baixa, de portas abertas para um grande largo. Era um quartel de bombeiros… Mas, tão antigo, em seu material, que era um museu de bombas e capacetes, machados e agulhetas, tudo disposto para acudir a incêndio ateado aí cem anos antes.

Estive, vai-não-vai, para pegar nele e traze-lo para a Régua, oferecê-lo aos bombeiros da minha terra, que tinham quartel novo, no trinque, e não tinham guardado, do quartel velho, grandes recordações. Podiam, em edifício à parte, manter aquele museu como saudade do século passado. Podiam oferecê-lo à memória de quem fundou, há cerca de um século, a primeira associação de bombeiros da Régua.

Que resta desse tempo? Uma galera, que andou de jó para já até um dia. Consta-me que foi parar, emprestada que não dada, a um quartel do Porto.

Hoje, que os nossos bombeiros ampliaram o quartel, devem chamá-la a si como relíquia dos seus velhos tempos. Já lhes não falta espaço onde a meter e exibir.

Os bombeiros da Régua, que tanto cabedal fazem da sineta de Canelas, que só a Canelas pertence, devem recolher, quanto antes, a galera que só a eles deve pertencer. Venha para a Régua, quanto antes, a galera que levou a muito incêndio, em tempos idos, os bombeiros da Régua. Tanto mais, que é uma linda galera, muito bem conservada… Parece que acabou de sair de mãos de artista.

Nota: O escritor redigiu esta crónica no jornal “O Arrais”, edição de 22-6-78, com o pseudónimo de Joaquim Pires. Tem o interesse histórico de o autor ter incentivado a criação de um MUSEU, o que veio a ser fundado em 1980, como o seu nome, por ocasião do primeiro centenário da Associação. Chama atenção ainda para a perda de um primeiro carro de transporte de bombeiros que terá sido oferecido. Tanto quanto sabemos, essa velha galera, de nome “Pátria”, está guardada no quartel dos Bombeiros de Provezende.
Clique nas imagens para ampliar. Este texto está também publicado na edição do semanário regional "O Arrais" de 19 de Abril de 2012. Texto e sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Abril de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Museu do Douro - Exposição "As Pontes do Rio Douro"

 Museu do Douro [18 abril - 17 horas]
Convite
Helena Freitas
Gabinete de Comunicação

FUNDAÇÃO MUSEU DO DOURO
Museu do Douro - Prémio Museu Europeu do Ano 2011 | Menção Especial do EMYA
Telefone: + 351 254 310 190 [Geral] + 351 254 310 198 [Directo] | Fax: + 351 254 310 199 | E-mail: helena.freitas@museudodouro.pt
Rua Marquês de Pombal | 5050-282 Peso da Régua | Portugal | www.museudodouro.pt | Facebook
(clique nas imagens acima para ampliar)

Nota - (Lusa) -- O Museu do Douro inaugura, na quarta-feira, 18 de Abril, no Peso da Régua, a exposição "Pontes do Rio Douro" que retrata 18 obras de arte ainda em atividade e que foram construídas ao longo de dois séculos.
Esta exposição, que assinala o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios - Do Património Mundial ao Património Local: proteger e gerir a mudança, estará patente até 17 de junho.
A mostra irá percorrer a Região Demarcada do Douro a partir de 2013. (Fontes Visão e pportodosmuseus)

A minha RÉGUA ! - 24

Fotos que refletem um estado de alma sobre a nossa cidade

Clique  nas imagens para ampliar. Novas e inéditas imagens serão publicadas em breve. Imagens cedidas por José Alfredo Almeida e editadas para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Abril de 2012. 
Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroTodos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos. 

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Há fogo

*Jorge Almeida

Há fogo, há fogo, gritava a garotada da minha rua. A sirene era inconfundível, a frequência de sons agudos e graves não enganava. Em correria deixávamos o jogo da bola ou da carica para acorrer ao quartel.

Já lá estavam os mais afoitos e os mais próximos. É no Corgo, é no Corgo, dizia uma voz esganiçada. E os bombeiros não faltavam à chamada. Conforme estavam, em casa, no trabalho ou no lazer, assim vinham aqueles nossos heróis. De automóvel, de bicicleta, de motorizada, a pé. O Manuel, o Silva, o Figueiredo, o João e tantos, tantos outros. E o Chefe Claudino, e mais tarde o Comandante Cardoso… que organização, que autoridade.
Era um gosto ver sair o carro de nevoeiro a toda a velocidade a caminho do salvamento de pessoas e bens. Havia algo de forte, de solidário, de altruísta, de comunitário que a pequenada absorvia.

Os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua representaram sempre, ao mais alto nível, os mais nobres valores da ajuda ao próximo, interpretando individual e colectivamente o lema de “dar de si antes de pensar em si“.

Mas tem sido também uma associação virada para a formação humana em todas as suas vertentes, e para a cultura.
Quando muito jovem, fui um dos utilizadores assíduos da biblioteca. As obras de aventuras Enyd Blyton ou de Emílio Salgari, mas também os clássicos da literatura portuguesa como os de Eça de Queirós e Camilo de Castelo Branco, abriram muitos caminhos para o conhecimento aos jovens da minha geração, numa altura em que a informação disponível rareava, as bibliotecas públicas no interior eram uma miragem, e em que o poder político tinha outras preocupações, bem longe da cultura do povo.

Recordo com muita saudade o testemunho que me foi transmitido por meu tio José Arnaldo Monteiro, o seu referencial à literatura e à cultura em geral, e o carinho que sempre manifestou pela associação. José Arnaldo Monteiro foi um grande resistente à ditadura. Foi dos primeiros reguenses a envolver-se no movimento democrático e a perfilar-se na defesa de causas sociais. Em sua memória, e concretizando um desejo de família, será em breve entregue aos nossos bombeiros o fundamental da sua biblioteca particular.

Saúdo por isso a orientação da direcção presidida pelo dr. José Alfredo que tem feito da vertente cultural uma das suas grandes preocupações.
A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, para além de ser a menina dos olhos da comunidade reguense, atingiu grande prestígio a nível regional e nacional. Honra a memória de todos que a serviram, desenvolve uma profícua atividade no presente, e prepara-se para um grandioso futuro. Instalações, equipamentos e pessoas, sobretudo pessoas, a têm feito crescer, modernizar e consolidar. Mas será sempre com a memória e a cultura que este ideário reguense se perpetuará.

Vivam os Bombeiros.

*Jorge Almeida - Médico. Foi Vereador, Presidente da Assembleia Municipal da Câmara Municipal do Peso da Régua e Deputado na Assembleia da República. Actualmente exerce as  funções de Vogal do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Trás-os- Montes e Alto Douro.

Clique nas imagens para ampliar. Este texto está também publicado na edição do semanário regional "O Arrais" de 12 de Abril de 2012. Texto e sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Abril de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos.