João de Araújo Correia
Numa
das minhas peregrinações, dei comigo no mais gracioso hotel que o leitor possa
imaginar em terra portuguesa.
Casa
sobre o alto, pintada de branco, pintada de branco, à margem de um rio doce,
logo me atraiu como se me dissesse: entra, descansa, hospeda-te aqui, senta-te
à minha mesa, deita-te nos meus lençóis, que serás bem servido. Não conhecerás
o luxo bafiento, mas conhecerás a simplicidade, o asseio, o bom gosto…
E
assim foi. Meti-me naquele abrigo, que me agasalhou como prometera e eu
necessitava. Ali ficaria, até hoje, se a vida me não obrigasse a regressar ao
meu trabalho.
Mas,
se quero descansar, basta-me recordar o hotelzinho. Monto a cavalo na
recordação e ali me sinto outra vez, acarinhado como pessoa de família pela
senhora que dirige a hospedaria. Custa-me dizer hoteleira…
Mal
que ali cheguei, prendi a minha burra a uma argola. Quero com isto dizer que
meti debaixo de um telheiro o meu carrinho, que foi meu companheiro durante
muitos anos. Nunca me deixou ficar mal numa subida e adaptava-se a todos os
caminhos.
Se
fosse preciso, ganhava asas num pronto para saltar por cima de um obstáculo
deparado numa azinhaga. Carro assim não torno eu a adquirir.
Metia-me
dentro dele para percorrer os arredores do hotelzinho. Foi assim que visitei
vilas e aldeias adormecidas entre pinheirais e um grande mosteiro, desabitado e
morto. Esperava, à beira de um abismo, o dia de Juízo. Tenebroso mosteiro, só a
minha imaginação o povoou de frades.
De
uma das vezes que atravessei uma risonha vila, apeei-me da burra, como quem diz
do carro, para espreitar uma casinha baixa, de portas abertas para um grande
largo. Era um quartel de bombeiros… Mas, tão antigo, em seu material, que era
um museu de bombas e capacetes, machados e agulhetas, tudo disposto para acudir
a incêndio ateado aí cem anos antes.
Estive,
vai-não-vai, para pegar nele e traze-lo para a Régua, oferecê-lo aos bombeiros
da minha terra, que tinham quartel novo, no trinque, e não tinham guardado, do
quartel velho, grandes recordações. Podiam, em edifício à parte, manter aquele
museu como saudade do século passado. Podiam oferecê-lo à memória de quem
fundou, há cerca de um século, a primeira associação de bombeiros da Régua.
Que
resta desse tempo? Uma galera, que andou de jó para já até um dia. Consta-me
que foi parar, emprestada que não dada, a um quartel do Porto.
Hoje,
que os nossos bombeiros ampliaram o quartel, devem chamá-la a si como relíquia
dos seus velhos tempos. Já lhes não falta espaço onde a meter e exibir.
Os
bombeiros da Régua, que tanto cabedal fazem da sineta de Canelas, que só a
Canelas pertence, devem recolher, quanto antes, a galera que só a eles deve
pertencer. Venha para a Régua, quanto antes, a galera que levou a muito
incêndio, em tempos idos, os bombeiros da Régua. Tanto mais, que é uma linda
galera, muito bem conservada… Parece que acabou de sair de mãos de artista.
Nota:
O escritor redigiu esta crónica no jornal “O Arrais”, edição de 22-6-78, com o
pseudónimo de Joaquim Pires. Tem o interesse histórico de o autor ter
incentivado a criação de um MUSEU, o que veio a ser fundado em 1980, como o seu
nome, por ocasião do primeiro centenário da Associação. Chama atenção ainda
para a perda de um primeiro carro de transporte de bombeiros que terá sido
oferecido. Tanto quanto sabemos, essa velha galera, de nome “Pátria”, está guardada
no quartel dos Bombeiros de Provezende.
Clique nas imagens para ampliar. Este texto está também publicado na edição do semanário regional "O Arrais" de 19 de Abril de 2012. Texto e sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Abril de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.
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