sexta-feira, 13 de agosto de 2010

ESQUINA DO TEMPO

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Quando, vindo dos lados do mar, o sol rompe o nevoeiro de fumo da cidade e aquece a frontaria da Empresa em que trabalho, o cego do acordeão arma a sua cadeirinha diante da Casa das Lotarias e senta-se. Chega, pesado de solidão, do bairro da Bainharia, morador de um casebre a desfazer-se sob o olhar de Vímara Peres.

Os acordes de um vira, que se canta e dança para os lados de Viana, furam o barulho dos autocarros e das motorizadas, os claxons apressados dos automóveis e as asneiradas dos transeuntes. Toca bem o ceguinho, tem a sensibilidade no dobro do que lhe falta. É um artista que me suaviza o aborrecimento da rotina, a angústia das lembranças dos que, longe, vão gastando os dias na saudade dos ausentes. Forma-se uma roda para o ver tocar e há sempre quem, esquecendo o pudor, baile ao som da sua música. Os gestos ondulados com o bater ritmado do pé esquerdo a acompanhar os movimentos do fole, o balançar da cabeça de olhos virados para o céu e o trincar da língua a ajudar na execução da melodia, apegam-me à vida. Do alto do meu quinto andar falo com ele e digo-lhe: «Toca ceguinho das minhas tardes de chatice, faz-me esquecer as tristezas e dá-me a mão para continuar a amar e a perdoar. Anda!, refina-me essa chula que me leva aos tempos dos bagos dourados, aos lanches de malvasia com broa, aos Contos Bárbaros de João de Araújo Correia lidos à sombra de uma figueira no quintal da casa onde nasci, ao monte de S. Leonardo com os ecos dos meus berros a esmagarem-se nas fragas que tutelam o Douro e o Torga sem os ouvir. Toca ceguinho, és um irmão nas minhas horas de contas, papeis e telefonemas de aflitos, ar condicionado avariado, as mãos e os óculos e a camisa e o corpo suados e o olhar cansado em cima da secretária. Sou teu (ou és meu?) cúmplice da necessidade de lutar para que o sol não se vá embora sem um sorriso de agradecimento, para que o marketing empresarial continue a falar de produto acrescentado, de lucros, de cash flow, de investimento produtivo para que as setas dos gráficos demonstrativos de resultados subam sempre todos os meses, todos os trimestres, todos os semestres, todos os anos até que a morte apareça e tudo desça para a terra. Não conheces as cores dos carros, nem os contornos das esquinas, nem quem te deita as esmolas no chapéu virado no chão, nem quem te ouve calado O mar enrola na areia que a minha voz de criança tantas vezes entoou, nem quem te espera sempre que o sol vem dos lados do mar. Tu não me vês, mas os meus ouvido estão sempre à espera do bater da tua bengala metalizada no empedrado da rua e da tua música que me lembra o Socorro, os Remédios, a solidão colegial. Quem és tu, afinal? Que condição te fez assim, tocador das tardes de sol de Inverno, entretainer da barafunda do quarteirão citadino com dólares nas montras do câmbio, pasteis requentados nos balcões das confeitarias, o cheiro a óleo queimado, escritórios de paciência, igrejas de preces vespertinas e lágrimas a deslizarem em rugas de sofrimento ou de remorsos, comboios partindo com cansaços sentados em carruagens de segunda. Quem és tu, meu amigo, que tenho (provavelmente) uma cama melhor que a tua, uns olhos para verem coisas lindas e feias (meu Deus!, quantas!), um ordenado que, mesmo esticado, dá para te agradecer, no chapéu cinzento, o prazer de ouvir o teu acordeão do folclore da minha Pátria? Quem és tu, se não um igual, feito de carne e de sangue, cérebro que idealiza futuros, alma que pranteia o passado, mãos que agarram a esperança? Espera por mim. Hoje, quando chegar a hora da minha saída, vamos os dois à beira mar, de braço dado, sentir o sol que aquece a esquina do nosso tempo. Tu tocarás e eu cantarei até que ele vá dormir para o outro lado da terra.»
- Texto de M. Nogueira Borges* extraído da publicação "Lagar da Memória".

  • *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua. Pode ler também os textos deste autor no blog ForEver PEMBA.
  • Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A Magia Acrobática no Dia do Bombeiro

Os bombeiros da Régua não podiam ter escolhido melhor cenário para, no dia 17 de Agosto de 1969, realizarem um exercício de destreza, bravura, disciplina e até de admirável beleza: perfilados nas escadas de ganchos, montadas na fachada de um prédio de habitação, de três andares, apresentavam uma continência a um público que, na Avenida Sebastião Ramires, como então era conhecida, assistia deslumbrado ao espectáculo de magia acrobática e de perfeita sincronia de todos os movimentos.

O prédio escolhido fica na proximidade Quartel dos Bombeiros. Apenas, os separa o Cine-Teatro Avenida, hoje em estado de ruínas. Desconhecem-se as razões para a preferência, mas não terá sido uma opção ao acaso. Coincidência ou não, esse prédio tinha a particularidade de nele encontrarem já sediados, os estúdios da “Rádio - Alto Douro” (1954), uma emissora regional, popular na região duriense, que entusiasmou um auditório fiel e vasto, durante décadas, até o poder político a nacionalizar e a encerrar.

Aquele vistoso exercício fazia parte do programa das comemorações do Dia do Bombeiro – e era também uma homenagem dedicada ao maior bombeiro português, Guilherme Gomes Fernandes - que os bombeiros organizavam, pela primeira vez, na então vila da Régua.

A grandeza do evento exigia meios e recursos financeiros que faltavam aos bombeiros. Mas, não foi difícil conjugaram-se mais vontades e esforços para dar maior brilho às comemorações do “Dia do Bombeiro”. A Comissão de Festas de Nossa Senhora do Socorro, responsável pela organização das festas religiosas, associou-se aos bombeiros. Interessada que o evento alcançasse sucesso e promovesse a missão dos bombeiros, os seus elementos resolvem conceder um importante patrocínio, isto é, dava dinheiro para financiar os principais custos.

A iniciativa de se festejar um “Dia do Bombeiro” era inédita para a Régua. Os pormenores das comemorações do “Dia do Bombeiro” ficaram registados na primeira página do jornal “Vida por Vida”. Aparecem destacadas as actividades realizadas, a presença dos corpos de bombeiros do distrito de Vila Real, alguns de Viseu, Guarda, Bragança, Braga e Porto. A ilustrar o texto estão duas fotografias, uma das quais é a registou este histórico simulacro ataque ao fogo e de salvamento. Um outro aspecto do evento, era a concentração dos bombeiros, no Largo da Estação, seguido do desfile apeado e motorizado das corporações pelas principais ruas da vila da Régua, com cerca de 350 homens e mais de 30 viaturas, que também mereceu relevo. As individualidades reuniam-se num palanque montado em frente da “Casa do Douro”, à Rua dos Camilos, entre as quais se destacava Inspector de Incêndios da Zona Norte, Coronel Alexandre de Magalhães, acompanhado do Presidente da Câmara Municipal do Peso da Régua, Dr. Rui Machado, que receberam as honras das corporações em desfile. A população reguense interessou-se e não deixou de aplaudir e entusiasmar-se na passagem dos corpos de bombeiros, saudando-os com alegria e muita emoção.
O “Dia do Bombeiro”, festejado na Régua, não acabou sem a tradicional merenda volante servida a todos os participantes, no Salão Nobre do Quartel. Como também não faltaram os habituais discursos quer dos dirigentes das organizações dos bombeiros quer do presidente da câmara municipal, por inerência deste cargo, como permitiam os estatutos, também no exercício de Presidente da Assembleia-Geral da Associação.

No seu improvisado discurso, o edil reguense, bom conhecedor da realidade bombeiros locais, começou por elogiar a importância do evento e a acção dos bombeiros da Régua, enaltecendo a sua obra que, na sua opinião, neste tempo, tinha uma dimensão visível e que “já se projecta para além dos seus muros”.

O Sr. Inspector de Incêndios da Zona Norte discorreu para louvar a “obra que a Associação vem realizando há alguns anos”, ao mesmo tempo que manifestava “o seu apreço aos Bombeiros da Régua, por verificar a par do seu bom nome bem cuidado material, homens capazes de fazerem dele o uso mais eficiente”. E, quanto ao exercício que tinha observado, não deixava de “estar certo de que os bombeiros de todas as corporações seriam modelo do exemplo que lhe fora dado no exercício que acabaram de observar, quanto ao companheirismo, espírito de sacrifício, entreajuda e disciplina”.

A intervenção do Eng. Albuquerque Barbosa, ilustre Comandante dos Bombeiros Voluntários Portuenses, também não ficou despercebida, que começou por expressar o seu regozijo “por estar presente nesta festa tão significativa” e, sobre a exibição técnica dos bombeiros da Régua, nada deixou de evidenciar o seu “agrado que lhe proporcionou o exercício efectuado”.

Esta magnifica imagem dos bombeiros Régua estão também muito ligada à percepção de uma das mais interessantes avenidas da cidade, actualmente conhecida por Avenida Antão de Carvalho. Há quem a aprecie pelo cheiro e a frescura das suas frondosas tílias e, muitos outros, por nela se encontrar situado o Quartel dos Bombeiros, o mais ousado e bonito edifício que nela se construiu. Edificado nos anos 30, o Quartel Delfim Ferreira, obra projectada pelo arquitecto portuense Oliveira Ferreira, só veio a ser inaugurada 25 anos depois do “mestre” Anastácio Inácio Teixeira, artesão reguense, erguer a primeira parede de pedras de xisto, numa parcela terreno doada por um executivo da câmara municipal, presidido pelo Dr. Mário Bernardes Pereira, que generosamente melhor amparou os bombeiros.

Nesse tempo, o Quartel dos Bombeiros da Régua fascinava quem por ali passava, nem que fosse só para contemplar os pronto-socorros e as ambulâncias arrumadas, os imponentes sempre à frente, com o realce para o “Nevoeiro”, o Ford e o velho Buick, a reluzirem no vermelho vivo e nos seus cromados de origem.

Se querem saber, é assim ainda hoje, para aqueles que não deixaram de passar na frente do Quartel dos Bombeiros. O fascínio e magia dos bombeiros da Régua não têm fim…!
- Colaboração de José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Agosto de 2010.
  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua de onde é natural e de figuras marcantes do Douro.
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A Magia Acrobática no Dia do Bombeiro no "Arrais"

Poderá ampliar para "tela inteira" (full screen) utilizando as "ferramentas" disponíveis no "box" acima.
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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Recortes: Para a História do Sport Clube da Régua

Clique na imagem para ampliar. Esta imagem faz parte do post "Os bombeiros e o Sport Clube da Régua". Recortes cedidos por  José Alfredo Almeida - Peso da Régua,  para "Escritos do Douro". Link para "A Voz de Trás-os-Montes".