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quarta-feira, 14 de março de 2012

No Aniversário da Associação de Bombeiros

 Branca Martinho

Deixai-me hoje falar-vos na Associação dos Bombeiros Voluntários da nossa terra, que tem jus ao nosso carinho e merece parabéns pelo brilho com que se apresenta, pelos anos que já lhes passaram em cima, pelos actos de heroísmo a marcar na sua vida, já bem longa, de benemerências.

É uma das mais garbosas que conheço. Onde se apresentarem, distinguem-se e fazem figura.
Prestaram ontem homenagem aos seus mortos que sufragam anualmente, no aniversario da sua fundação, e honraram todos os vivos com a sua visita, os vivos que os têm ajudado.

Confesso que me alegrei ao vê-los tão ufanos da sua auto-bomba, a melhor que conheço e a mais completa, e bem assim a ambulância onde não se pode exigir mais.

Notei a satisfação incontida que sentiam pelos maravilhosos carros que possuem.

Louvores portanto, aos Ex.mos Directores, Comandantes e membros desta Associação.

A todos saúdo e louvo; e sob o sol que tornava mais viva a cor vermelha dos carros brilhavam os capacetes que pareciam oiro de irrepreensivelmente limpos.

O amor que os leva a conservar esta Associação vem de Pais a filhos, e já se comunica aos netos, não deixa ficar calada a minha alma sempre desejosa de ver progredir a nossa terra.

Mas apesar de sacrifícios sem conta, temos hoje a Associação de Voluntários dotada dos mais modernos métodos de trabalho e equiparada às mais brilhantes corporações, graças também a vários beneméritos que generosamente a teem ajudado.

A nossa terra deve sentir-se honrada e enobrecida por esta corporação. Todos os seus membros têm dado boa conta de si, e nos momentos de maior perigo lançam-se às chamas prontos a arrancar delas, aqueles que estão condenados a morrer.

Os bombeiros da Régua têm nomeada, e tanta que há dias ouvi uma frase que me fez sorrir…
Ateara-se um incêndio numa cidade ou vila próxima, mas a primeira coisa que se ouviu aos bombeiros dessa vila foi: Nós trabalhamos mas não chamem os da Régua.

Não sei se é blague, se uma graça para elevar os bombeiros da minha terra, mas por aqui se reconhece o seu valor.

Não queriam nessa terra que chamassem os bombeiros da Régua, por os saberem valentes.

Quantas pessoas vêem passar indiferentemente este punhado de homens bravos, enérgicos no perigo, resolutos na desgraça alheia, prontos a dar sem nada receber?

E no entanto pobres e ricos, nobres e plebeus, pequenos e grandes, lhe devem um acto heróico, um esforço extraordinário, uma vontade firme, nunca recusada ao mais humilde.

Têm nome e fama os nossos bombeiros, e ao vê-los tão perfilados e elegantes nos seus uniformes, fiquei consolada.

Ainda bem que esta corporação singra!

Ainda bem que há quem pratique a caridade sem nada esperar, olhando unicamente o bem da humanidade; ainda bem que nos tempos que correm há homens de coração e acção.

Já pensasteis, caros leitores, na abnegação e caridade que representa o seu trabalho, a luta com as chamas prontas a tirar-lhe a vida, todos os perigos a que se expõem para nos salvarem e aos nossos haveres?

E vêem eles agradecer!

Nós é que nunca devemos esquecer a gratidão que nos merecem. Auxiliemo-los na construção do seu quartel em obras há tanto tempo, e que necessita ser terminado.

Deste modo reconhecer-nos-emos dos grandes serviços que nos têm prestado até hoje estes heróis, estes homens de valor.

Quinta de Campanhã, 29-11-1948

Nota: Este texto de D. Branca Martinho, publicado no jornal Noticias do Douro, edição de 5 de Dezembro de 1948,  foi  assinado com o pseudónimo de Berta Maria que  usava para escrever a sua coluna semanal, intitulada “Brigada de Caridade”, dedicada aos   assuntos de beneficência, caridade e as  causas de bem fazer e do voluntariado e das instituições mais acarinhadas por ela, como era o caso da Associação Humanitária de Bombeiros da Régua, o que a distinta benemérita  demonstra   nestas   palavras de sentido respeito  homenagem aos bombeiros e directores, a estes heróis, a estes homens de valor, como ela os distingue que comemoraram em 1948,   o 68º Aniversário da Associação de Bombeiros… com imensas dificuldades para acabar a “construção do seu quartel em obras há tanto tempo”. Assim, se  faz a história dos Bombeiros da Régua.
Clique nas imagens para ampliar. Este texto está também publicado na  edição do semanário regional "O Arrais" de 8 de Março de 2012. Texto e sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Fevereiro 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos. 

quarta-feira, 7 de março de 2012

D. Branca Martinho - Sócia Honorária dos Bombeiros da Régua

"Não basta interpretar o mundo, nem sequer transformá-lo; antes de  começarmos pelo mundo, devemos começar por nós” - Rob Riemen

José Alfredo Almeida*
Sobre a notoriedade de D. Branca Martinho escreveu Bandeira de Toro, na monografia O Concelho do Peso da Régua, editada em 1946, as palavras seguintes:

“O vosso nome (…) perpetuado em obras de assistência, nas instituições religiosas e de caridade, impôs-se à consideração e veneração da sociedade reguense. E justo foi o descerramento do vosso retrato na galeria honorífica da Corporação dos Bombeiros Voluntários e que, quanto mais não seja, ficará ali presente in aeternum, como símbolo dos vossos benefícios.”

Aquele seu retrato continua a brilhar desde 1923, primeiro no Quartel que ficava numa velha casa da Rua dos Camilos e, actualmente, está exposto na galeria dos benfeitores do Museu dos Bombeiros da Régua, baptizado com o nome de Museu João de Araújo Correia, ao lado de outras ilustres figuras da sociedade reguense  como Dr. Antão de Carvalho  e sua irmã Zélia de Carvalho, Dr. Júlio Vilela, Jaime Guedes, Cândida Braz Fernandes e  Teófilo Clemente.

Branca Martinho manteve uma relação de verdadeira veneração com a Corporação dos Bombeiros da Régua que conheceu desde tenra idade pela experiência do seu pai, Bernardo Lopes Vasques Osório que, ao lado do Comandante Manuel Maria de Magalhães e outros generosos cidadãos, fez parte da Comissão Instaladora e foi um dos que, em 28 Novembro de 1880, fundaram a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, com fim principal de deter um corpo de bombeiros voluntários.

Bernardo Lopes Vasques Osório, nascido em Ourense, na Galiza, foi um dos muito galegos que, com os vareiros de Ovar, nos finais do século XVIII, se estabeleceram na Régua, uns para trabalhar na vinha e outros fazer negócios. Os vareiros trouxeram o sal e o peixe para vender. Os galegos saibraram os montes abandonados depois da filoxera, plantaram vinhas novas e fixaram-se, com as suas novas famílias, no ramo do comércio, abrindo lojas e tabernas.

Aos vareiros e galegos, como a família de Vasques Osório, a Régua comercial, de hoje, muito lhes deve. Os novos empreendedores não vieram para apenas trabalhar e fazer fortunas, ao criarem laços com a comunidade souberam ser solidários e humanistas. O pai de Branca Martinho testemunha o exemplo de cidadania dos nossos povoadores antepassados que estiveram nas origens da associação humanitária dos bombeiros da Régua. O fim principal foi o de servir a população reguense, zelar pela sua segurança de vidas e bens e proporcionar-lhe a satisfação de necessidades de índole recreativa e cultural. Com a sua ajuda do sangue galego e vareiro, os bombeiros da Régua foram a primeira força de protecção civil e socorro a ser constituída no distrito de Vila Real.

Nos finais dos anos 20, a Branca Martinho reforçou ainda mais os laços aos bombeiros da Régua quando o seu marido Artur Gonçalves Martinho passou a presidir à Direcção da Associação. A sua ajuda passar a permanente e mais intensa, procurando por todos os meios auxílios na sociedade para que os bombeiros não tivessem que encerrar as portas do seu Quartel. A generosidade da viúva Vilela, vareira de sangue, e do portuense Jaime de Sousa, mais tarde designado Comandante Honorário, revelaram-se essenciais Foram estes dois empresários que valeram aos bombeiros quando precisaram de ajuda: a empreendedora do ramo dos transportes de aquilaria proporcionou gratuitamente uma casa para instalarem o Quartel e o empresário do Porto presenteou-os com um pronto-socorro, novo em folha, de marca Buick. Hoje aquele carro não está no serviço activo, é uma admirável relíquia que ainda sai à rua nos dias festivos para mostrar a sua elegância conservada no cromados e no seu vermelho reluzente.

D. Branca Martinho foi uma grande benemérita dos bombeiros da Régua. À sua maneira, seguiu o exemplo o exemplo da D. Antónia Adelaide Ferreira, a primeira sócia contribuinte, e de muitas outras senhoras que prestaram auxilio e devoção à missão humanitária bombeiros. Era comum afirmar que “queria fazer algo por esta Briosa Corporação, e só um pequeno átomo que lhe consagro, faço-o por dever e devoção”. Por devoção, fez muito pelos bombeiros e pela causa do puro voluntariado. Não podemos esquecer que, a partir de certa altura, os bombeiros precisaram de dinheiro para garantir prontidão e qualidade nas suas missões de socorro. Quando faltavam subsídios, a benemérita incumbiu-se de encenar e levar ao palco peças de teatro amador com o grupo As Andorinhas. Os seus espectáculos como tinha qualidade eram pelo público e garantiram as receitas que os bombeiros necessitavam para resolver dificuldades. Não realizou só esse trabalho, quando os bombeiros precisaram de uma nova ambulância para o transporte dos doentes, como aconteceu nos inícios dos anos 60, ela escrevia nos jornais veementes pedidos a entusiasmar a contribuição solidária da população.

O carinho que Branca Martinho sempre dedicou aos bombeiros estão explícitos num seu pensamento, quando disse que associação era a “…mais simpática que existe, e só quem já precisou dos seus sacrifícios levados ao heroísmo poderá avaliar a nobreza da sua missão e o Bem que ela faz sobre a humanidade…”.

Os bombeiros da Régua reconheceram a sua dedicação, a direcção presidida o Dr. Júlio Vilela, advogado de prestígio e um humanista de sublime sensibilidade cívica, nas cerimónias do 75º aniversário da Associação, em 28 de Novembro de 1955, distinguiu-a como benemérita, entregando-lhe o título de Sócia Honorária.
Mais tarde, D. Branca Martinho agradeceu a distinção, aquele genuíno de acto de gratidão, por escrito numa carta eivada de sentimentos de ternura e orgulho pela causa dos bombeiros da sua terra, que encontramos esquecida no arquivo e aqui se revela na íntegra:

“Exmo Senhor Dr. Júlio Vilela,
Digmo Presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua

Faltaria a meu dever dos mais sagrados se não viesse agradecer ao meu caro amigo, e em si, a toda a Exma Direcção e Corpo Activo, o diploma e a medalha de sócia honorária dessa briosa Corporação, aliás, sem merecimento algum da minha parte.
Fiquei confundida com a lembrança e ao abraça-lo quis ainda dizer que em si abraçava todos os membros dessa Associação, mas não o pode fazer tal a comoção que de mim se apoderou.
A festa da comemoração foi fluida e grandiosa na sua simplicidade e a compreensão do nosso povo ajudou a torna-la maior e mais bonita! Vi, passar num encanto mágico, os capacetes doirados pelas ruas da nossa vila; vi mão de crianças e de uma mulher cobri-lhe de flores. Lembravam estrelas a fulgir em noites quentes de estio.
Não passará jamais das nossas almas o esplendor deste grandioso dia de festa.
Desde nova tenho acompanhado esta corporação com carinho, a quem me ligam laços de viva simpatia e admiração.
Por isso quero apresentar-lhe com os mais comovidos agradecimentos as minhas calorosas felicitações pela forma simples e elegante como tudo decorreu.
Engastaram V. Excias não sem sacrifício e esforço mais um belíssimo diamante na coroa de louros que souberam conquistar pelo denodo e valentia com que servem a humanidade. Pedirei a Deus para que esta Associação singre pela vida fora, servida sempre por homens de acção e de mérito como V. Excia.

São os votos sinceros da Branca V. Martinho
Régua 6-12-1955”.
Nascida na Régua, no dia 2 de Janeiro de 1893, onde veio a falecer a 31 de Janeiro de 1964, com a provecta idade de 71 anos, foi uma mulher de carácter e de crença religiosa firme que dedicou toda a sua vida a fazer a caridade cristã. Caridade em nome dos pobres, ao serviço do seu semelhante mais desfavorecido e abandonado à sua sorte, sem lugar no trabalho e excluído de uma sociedade impotente para garantir os apoios sociais que não eram garantidos pelo Estado. Na sociedade do seu tempo, o seu exemplo de partilha, generosidade, solidariedade e de compaixão a sua atitude cívica marcou a diferença numa causa humanitária que visou o respeito pela vida e dignidade humana dos pobres.

Os reguenses chamaram-lhe a Protectora dos Pobres. O Governo concedeu-lhe a Ordem da Benemerência. A Igreja, pelas mãos do Papa Pio XII, atribuiu-lhe a medalha Pro Ecclesia et Pontifice. Na homenagem póstuma, realizada nos anos 70, foram enaltecidas a sua personalidade e a sua obra sublimada pelo dom eloquente da palavra dos oradores Padre Manuel Sequeira Teles e João de Araújo Correia. O escritor, no seu livro Palavras Fora da Boca (Imprensa de Douro, de 1972), imprimiu o discurso que ali proferiu. Com arte literária e um sentido crítico apurado, enalteceu a D. Branca, como a tratou, a incutir a ideia que fora sua amiga e contemporânea, admirou os dotes físicos, a beleza do seu corpo enquanto mulher jovem, enobreceu-lhe o carácter, salientou os talentos e considerou-a o último símbolo do catolicismo português.

Vale a pena citar um pouco mais do interessante discurso que descreve a homenageada com acertadas considerações:

“D. Branca Marinho foi protectora dos pobres desta vila. Protegeu-os de maneira que a sua mão esquerda ignorasse o que fazia a sua mão direita? Não foi esse o sistema da sua caridade. Foi caritativa, mobilizando auxiliares contra a indigência, batendo ao ferrolho dos cofres ricos e importunando, se assim se pode dizer, os ouvidos da governação. Horrorizada com os tugúrios onde agonizavam os pobrezinhos da nossa terra, nunca perdeu o azo de pedir, a qualquer espécie de mando, a construção de bairros asseados para gente humilde. Nunca foi ouvida.
(…) Dotada de múltiplos talentos, embora não os granjeasse como se vivesse para os servir, obrigou-os a servir a sua causa, que foi a do bem-fazer organizado para o tornar profíquo.”

Há quem pense que D. Branca Martinho que era assumidamente católica fez uma caridade à moda antiga. Querem dizer que a sua atitude cívica foi meramente de cariz assistencialista e que a acção de nada teve de extraordinário, nunca chegou a resolver os problemas reais das pessoas. Não será esta, seguramente, opinião dominante daqueles que a conheceram ou apenas dela ouviram falar como uma mulher dotada de rara sensibilidade para tratar com nobreza as questões da pobreza.

O voluntariado de D. Branca Martinho seria, neste nosso tempo, reconhecido como de “acção social”, realizando tarefas básicas de dar comida a quem tinha fome, vestir quem precisava de roupas, cuidar de doentes, crianças e aliviar a  solidão dos idosos. Pode-nos parecer muito pouco para quem, nos finais dos anos 30, enfrentou problemas sociais delicados, como elevado o desemprego dos trabalhadores rurais que a própria autarquia reconhecia ser impotente para resolver e, em desespero, chegou a pedir ao Governo para que elaborasse um plano de emergência, mas nunca teve qualquer resposta. Eram tempos difíceis, muitas as famílias conheceram o desemprego e a fome que, sem meios para o seu sustento, acorriam às cantinas onde era oferecida uma refeição, a de Sopa dos Pobres. A   realidade social  era negra, nas ruas  gente muito pobre estendia à mão à esmola e à caridade.

D. Branca Martinho que pertenceu à alta origem social e possuía fortuna pessoal de valor, podia ter-se alheado da situação social de pobreza que se passava em sua volta, mas empenhou-se na acção cívica e procurar encontrar no seio da sociedade civil uma resposta que aliviasses os principais males de seres humanos que não encontraram nenhum Estado social que melhorasse a sua condição de vida. Olhou de frente a pobreza e a miséria e, apoiada na doutrina social da Igreja, através da Conferência de S. Vicente de Paula, percebeu as fragilidades da sustentabilidade económica da região da duriense. Afinal, o comércio do vinho do Porto, continuava a ser um caso de insucesso, não melhorava a vida dos que trabalhavam na agricultura e, muito pior, não conseguia redistribuir na sociedade reguense a riqueza gerada.

Esta mulher foi uma figura que marcou fortemente uma época. Quando morreu com mais de 90 anos de idade, em sua casa na Rua da Ferreirinha, os jornais locais unanimemente manifestaram o sentir de uma perda de uma vida humana que reclamou atenção para os problemas de pobreza e desigualdades sociais. Em sua memória fizeram os maiores elogios, utilizando a imagem de uma delicada metáfora: “Caíu uma flor… ficou o perfume”, realçando o seu valor como pessoa altruísta desta forma: “reguenses perdiam a Rainha da Caridade”, para concluir que o seu exemplo permanecia vivo: “…a Caridade viva, Divina Azul como o Céu, bela como a flor que cai… Esta a Caridade que a Sr. D. Branca viveu toda a sua vida”. De imediato s autarquia  reconhece o seu valor da benemérita e atribuiu o seu nome a uma rua.
O seu legado de humanidade mantêm-se vivo. Lembra D. Cristina Borrajo, voluntária e vicentina que lhe continuou as incitativas de auxílio aos pobres do nosso tempo. Confessou que, como a D. Branca o fazia, tem em prática uma intensa acção de caridade: “Neste momento sabemos que há muitas necessidades, principalmente, envergonhadas; mas há outros apoios que não havia no seu tempo e que ela tentava suprir.”

O exemplo de D. Branca Martinho é um apelo à participação dos cidadãos e da solidariedade voluntária, cada vez mais necessária para responder aos novos problemas de pobreza que voltamos a viver. Ao contrário do que se possa pensar, a caridade nunca acaba.



Clique nas imagens para ampliar. Este texto está também publicado em 2 partes nas edições do semanário regional "O Arrais" de 23 de Fevereiro e 1 de Março de 2012. Texto e sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Fevereiro 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos. (Revisto e atualizado em 6JUL2012)

 *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua. 

sábado, 14 de agosto de 2010

D. Branca Martinho - No Arrais

Publicação de "O ARRAIS"
Poderá ampliar para "tela inteira" (full screen) utilizando as "ferramentas" disponíveis no "box" acima.
(link: http://embedit.in/dBfkCIJ98o - Arquivo em formato "pdf")

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

terça-feira, 13 de julho de 2010

Benemérita dos Bombeiros da Régua - D. Branca Martinho

Por: Padre Avelino Branco

Nesta revista, que se publica apenas uma vez por ano, queremos arquivar e apreciar os acontecimentos dignos de registo, ocorridos na nossa terra, durante esse lapso de tempo.

Um deles, dos maiores, não de gáudio mas de luto foi a morte da Senhora D. Branca Martinho, em 31 de Janeiro de 1964. Neste caso, mais que registar um facto, um óbito, “Princesa do Douro” quer prestar homenagem a uma nobre figura de mulher, que deixou atrás de si um rasto brilhante de virtudes e benemerências, inequívoco exemplo de esposa, dona de casa, mãe...cristianismo vivido em sua pureza integral.

Não quer a modesta revista que tens nas mãos, caro leitor, incorrer na falta, que o “Transmontano”, antigo jornal da Régua, em artigo publicado a 2 de Julho de 1922, precisamente com o mesmo título deste. Verberava nos seguintes termos: - “...Porque é reparável (sic) e profundamente triste que os jornais que tamanho ruído fazem em volta de casos sem importância e pessoas de méritos suspeitos, se quedem petrificados, num silêncio irreverente, perante uma alma esplêndida, que passa serenamente deixando através da vida um rasto luminoso de actos de caridade e altruísmo”.

E neste ano de graça de 1964, para chorar o desaparecimento da Senhora D. Branca Martinho, vestir-se-ia de lutuosos crepes; para realçar suas virtudes, cantar seus feitos memoráveis, veste-se de gala, só lhe doendo sua modéstia de estilo e forma, esta pobreza que mais lhe não permite que lançar pequenino grão de incenso no turíbulo de hosanas, aceso no coração de todos os reguenses.

De todos os reguenses, sim, porque, na homenagem póstuma do seu funeral. Não houve rico nem pobre, velho ou criança que não estivesse presente, de olhos humedecidos e coração a sangrar. Foi um penhor de saudade e gratidão, pelo agradável que era conviver-se com Senhora tão simpática e pelos benefícios espirituais e materiais profusamente repartidos por suas generosos mãos.

Nasceu a 2 de Janeiro de 1891. Ali na casa da R. dos Camilos, num lar profundamente cristão.

É ela própria que faz do seu Pai a seguinte apreciação: “Homem modesto e honesto, perfeito modelo de cristão”.

A casa dos pais é a escola dos filhos, é a primeira universidade, a que na marca o rumo, que pela vida fora, havemos de seguir; só em jardim bem cultivado podia desabrochar tão mimosa e colorida flor.

Da sua infância evoco apenas o seguinte episódio, contado por ela própria, numa das páginas do seu diário: “Na escola, todos os anos vestíamos criancinhas pobres. Condiscípulas nossas, o que me dava já muito prazer. Era um dia de grande alegria naquela casa. Quase sempre no dia um de Maio. Às contempladas dava-se um lanche que nós cozinhávamos sob a direcção duma professora” .

Enfim, o que o berço dá a tumba o tira. Vinha-lhe do berço este geito de repartir, de sentar à mesa da alegria os menos protegidos da sorte.

Deus tinha-a predestinado para o exercício da caridade em grande estilo.

E visto que falei na escola, acrescento: no capitulo de instrução, apesar de se ter revelado inteligente, viva e atenta, o que se podia chamar uma boa estudante segundo o testemunho da sua competente mestra, não fez estudos médios ou superiores, como hoje se diz, porque não estava em moda naqueles tempos. Apenas teve cursos de aperfeiçoamento em português e piano.

Todavia, os que com ela privaram pela vida fora, puderam apreciar a sua vasta cultura, e sobretudo a lucidez, precisão e profundeza dos seus conhecimentos religiosos. Era senhora dum humanismo cristão do mais fino quilate.

Uma grossa e bem seleccionada literatura serviu de pábulo à sua inteligência invulgar.

Aí colheu uma estrutura de pensamento, uma justeza de critérios, que lhe permitiam pesar com exactidão escritos de literatos, os mais ilustres, acontecimentos e factos ocorrentes na vida, os mais intrincados.

Casou aos 20 anos de idade, em 6 de Agosto de 1913, com o Senhor Artur Gonçalves Martinho.

O que mais tarde escrevia sobre a festa do seu casamento, é uma de tantas provas da sinceridade, franqueza, humildade, que exornavam sua nobilíssima alma. Tinha o dom de ver claro e ler em si própria como em livro aberto, o que, por vezes, é tão difícil.

Quem há que não admire este passo das suas memórias? - “Não foi com os olhos em Vós, Senhor, que contraí casamento, mas porque me diziam - é um bom partido, e um bom rapaz. Na véspera fui com uma irmã receber Nosso Senhor e confessar-me. Se fosse hoje!... como não iria lavada toda e purificada em Vós, Senhor! Compreendia pouco o que ia fazer e as responsabilidades que cairiam sobre os meus ombros”.

Mas a verdade é que deu sobejas provas de compreender bem o que fez e das responsabilidades que assumiu.

Se tinha sido modelo de rapariga solteira, não o foi menos de esposa, mãe e dona de casa.

Pelo que aos nossos ouvidos chegou. Sabemos que a sua juventude foi marcada pelo recolhimento, modéstia, piedade. Era duma alegria transbordante e duma inocência sem mácula.

Aos seus ouvidos soou um dia esta frase: “A Senhora nunca foi tocada pela maldade”. Não reagiu, apesar da sua modéstia, porque a consciência de facto a não acusava. Mas reagia e impacientava-se quando lhe faziam elogios.

O seu retrato de esposa, fê-lo ela própria no seu diário íntimo, na folha de 5 de Julho de 1929, nestas memoráveis palavras: “Muitas vezes me aflige a ideia de que não faço bem a vontade do meu marido; e como eu desejaria adivinhar-lha... Mas a minha pobre cabeça não o compreende muito bem”.

Aqui está delineado o programa duma boa esposa: fazer feliz o seu marido, na ordem temporal e eterna.
Apesar de que esta preocupação de fazer os outros felizes era um dom todo seu, que lhe conhecemos de sobejo. Dom de simpatia, hábil em descobrir motivos de satisfação para os outros, sempre pronta a louvar, a felicitar, a servir, a dar. Este era o maior prazer da sua vida, e bem o exprimiu nestas linhas das suas memórias: “Quando penso em tantos benefícios que me dais, tanta fartura, tanto com que me cobrir, tantas e tantas consolações...que não mereço... Permiti que nunca me aborreça de dar e sempre tenha com que minorar o sofrimento de quantos se me dirijam, e o faça generosamente”.

Era admirável nesta alma o sentido dos outros.

Se recebia um favor, uma atenção, uma delicadeza, ficava confundida. Nada recebia em vão, com indiferença, ou deixava sem agradecimento. O seu agradecimento, porém, não era mera cortesia. Era deste teor: “Meu Deus abençoai todos aqueles que são bondosos e delicados para convosco”. Assim reza uma das páginas do seu diário.

Também preferia chamar a si todas as amarguras e sofrimentos dos outros. Muitas vezes o pudemos apreciar, e bem se revela este timbre da sua alma na seguinte passagem escrita só para si: “São 11 horas da noite. Que fim de tarde eu passei tão tristonho! Uma angústia enorme me oprimia, sem saber a razão, pois só tenho motivos para estar satisfeita e agradecer. Pedi há dias ao Senhor, quando vi minha mãe aflita e a chorar, que me desse a mim toda a saudade, e a ela a deixasse mais serena”.

Era deste sentido dos outros, desta vivência em corpo místico de Cristo, que arrancava a sua extraordinária acção de caridade, quer individual, quer através da Conferência de S. Vicente de Paulo, à frente da qual esteve mais de 30 anos.

Era verdadeira caridade cristã, e não mero altruísmo naturalista.

Vejamos nesta passagem do seu diário como o seu serviço a lavor dos pobres era repassado de espírito sobrenatural: “Quando passava hoje pela avenida do rio abordaram-me duas mulherzinhas para que metêssemos uma velhota (a Monge, lhe chamam) no Asilo, ou lhe valêssemos, visto que estava na maior miséria.

Na volta entrei lá. Realmente a velhinha está na maior miséria. Não vê. Só tem trapos na cama. Não tem ninguém que a possa sustentar, pois a família também é pobre. Quanta miséria há pelo mundo, Senhor!... Meu Deus permiti que possamos metê-la no Asilo. Em tempos falámos-lhe em ir para essa casa de caridade. Não quis. Respondeu que antes queria morrer. Agora já vai, pois chegou à maior miséria, que é estar doente, sem meios, sem ter um carinho, sem poder arrastar-se a mendigar, como costumava. Aceitá-la-ão agora? Virgem Santíssima permita que sim”.

Era assim.

Pois nem por isso, ou talvez por isso, deixou de saborear o travo amargo, que por vezes têm as obras de Deus. Por tanto bem fazer, não lhe faltaram ingratidões, injustiças, calúnias e até insultos.

Mas tudo isso considerava sempre pouco para oferecer ao Senhor. A meditação frequente dos tormentos da Paixão de Cristo, faziam-lhe ver o nada dos seus próprios sofrimentos.

De facto tudo referia a Deus, e tudo interpretava à luz meridiana do Evangelho.

Por exemplo, quando se preparava para deixar a casa de seus pais, a fim de ir viver com o marido em casa própria, alguém lhe observava: “Deixa o seu Pai sozinho? Não está cá a sua Mãe... Ao que ela respondeu: “Realmente assim é e custa-me muito fazê-lo. Mas, reconheço também que meu marido está ansioso por mudar para a casa de baixo, e então, Senhor, puz em prática a tua santa doutrina - Deixarás teu Pai e tua Mãe, e seguirás o teu marido - Assim farei, embora o coração sofra e os outros me julguem mal”.

A sua vida foi na verdade uma cartilha de existencialismo cristão.

Profundamente humana, enraizada no real, mas sabendo colocar todas as pedras, toda a imensa gama dos acontecimentos do dia a dia, no tabuleiro construído por uma razão potente e uma fé esclarecida.

Não desperdiçava nunca boa ocasião que se lhe de parasse, nem lhe escapava o mais insignificante pormenor.

Se toda a mulher, por especialidade da sua psicologia feminina, tem o segredo do pormenor, a Senhora D. Branca, que era mulher de boa madeira, tinha esta qualidade sublimada.

Descrevendo, por exemplo, uma peregrinação a Lourdes, quando a vemos embrenhada na contemplação do ambiente grandioso de religiosidade, na observação dum milagre que tanto a comoveu, na mistura de vozes de várias línguas a rezar, na beleza da paisagem e dos monumentos, salta-lhe da caneta esta frase: “Terminei hoje aqui as 9 primeiras sextas”.

E aquela graça que punha no arranjo dum altar, da sua casa, da sua própria pessoa, que era senão a ciência do pormenor, aliada a um temperamento artístico, como se viu nos seus teatros, nas suas festas infantis e de sociedade, nas suas músicas, nos seus escritos?

Tinha ainda o segredo de fazer com simplicidade as coisas difíceis, e de estar sempre ocupada em coisas de alto merecimento.

Já quase no fim da sua vida, enquanto num hospital convalescia de gravíssima operação, escrevia cartas e falava pessoalmente às numerosas amigas que a visitavam das obras de restauro da querida igreja da sua terra, tendo assim conseguido uma soma, que ultrapassou a centena de milhar de escudos, para as obras.

E sendo verdadeiramente grande, também era, como não podia deixar de ser, profundamente humilde.

Não foi para mais ninguém, mas só para si e para Deus que escreveu um dia estas palavras: “Adoro-Vos, Senhor... sentindo-me imensamente feliz, quando vejo os outros subirem mais alto”.

Outra expressão que gostava de dizer quando via alguém com ânsias de brilhar era esta: “Foge Branca para a valeta!”

Mas ela tinha também a miragem das alturas, dos vastos horizontes espirituais, do céu sem nuvens, mas sem o saber, ou julgando- se sempre a inútil, “no primeiro degrau da escada”

Era, porém, nessa ânsia de subir, que buscava e tinha a convivência dos santos, das almas de Deus, dos Príncipes da Igreja, de todos quantos pudessem transmitir-lhe mais ciência divina e mais virtude. Dialogar com os bons sobre assuntos de espiritualidade era o seu mais delicioso entretimento, e no seu escrínio de correspondência há verdadeiros monumentos de Teologia Ascética e Mística em literatura epistolar.

O seu apreço pela hierarquia era insuperável. Bem o deixou vincado nesta passagem das suas memórias: “Hoje, quando pensava ou meditava durante o tempo do meu repouso, tive pena de não ter um filho sacerdote”.

Enfim, tenho de pôr termo a esta pequena história duma grande alma, história escrita por ela mesma, como no caso de Santa Teresinha.

Efectivamente já deves ter reparado, estimado leitor, que a espinha dorsal deste breve escrito é formada por palavras escritas pela própria biografada.
(Clique nesta e nas imagens acima para ampliar)

Como dissemos inicialmente, estes apontamentos biográficos pretendiam ser homenagem sincera e justa à Senhora D. Branca, que vive e viverá sempre na nossa memória e no nosso coração. Mas agora que chegamos ao fim, verificamos que isto são sobretudo pontos de meditação para todos, particularmente para a mulher, seja ela solteira ou casada, mãe ou simples dona de casa.

Que tão altos exemplos frutifiquem são os nossos ardentes votos.

Notas:
1 - O antetítulo do texto é da responsabilidade do autor deste arquivo.
2 - Este texto foi publicado na revista “Princesa do Douro”, em 1964, edição de J. Alcino Cordeiro - Régua.
3 - A fotografia da D. Branca Martinho encontra-se exposta no Museu dos Bombeiros da Régua, tendo sido “inaugurada” em sua homenagem, em 1923, durante as comemorações do 43º aniversário da Associação.

- Colaboração de J. A. Almeida para "Escritos do Douro" em Julho de 2010.