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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

28 de Novembro

A  AHBVPR celebra hoje o seu 134º aniversário, o que faz dela a mais antiga do Distrito e uma das mais antigas do País, motivo de orgulho para todos nós.
De 23 de Abril de 2010:
(Clique na imagem para ampliar)

Dedicado ao Bombeiro Auxiliar Zé Penajóia.
28 de Novembro… é o dia do aniversário da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua e mais um dia de festa para a cidade.

O programa, ao longo dos anos, é quase sempre o mesmo, é por norma inalterável, apenas muda circunstancialmente quando há inaugurações de benfeitorias no património e a bênção de novos carros de fogo e de ambulâncias. Acima de tudo, nesse dia, a população espera nas ruas da cidade, o desfile do corpo de bombeiros, com os sons e colorido da fanfarra a abrir, faça sol, frio ou chuva. Mas, começa-se sempre com a alvorada de fogo de morteiros. Depois, com os directores dos corpos sociais presentes, erguem-se no mastro as três bandeiras: a da associação, a do município e a de Portugal. De seguida, caminha-se para os cemitérios de Godim e do Peso, para em sinal de respeito se deixar uma flor nas sepulturas de bombeiros e directores falecidos. Assiste-se à celebração da Missa Solene na Igreja Matriz com muita fé e grande devoção divinal. Perto do meio-dia, recebem-se na entrada do quartel as principais autoridades municipais e nacionais, os representantes das colectividades locais, os amigos e velhos beneméritos. No Salão Nobre, quase sempre cheio de convidados, o ritual persiste nos agradecimentos e nas cortesias e ouvem-se bons discursos a exaltar o voluntariado e os generosos bombeiros de todos os tempos. Não se esquece o mérito e dedicação dos mais assíduos que são reconhecidos com medalhas de louvor. Finalmente, a festa prolonga-se no tradicional almoço de confraternização entre bombeiros, directores, associados, benfeitores e muitos amigos convidados.

Em cada aniversário, a cidade aproxima-se mais dos seus bombeiros. É isto mesmo que recorda o Dr. Manuel Augusto Escaleira, como antigo director do jornal “O Arrais”, no interessante texto “Vida por Vida”, em que expressa da melhor firma o significado de um aniversário dos Bombeiros da Régua, o festejado 103º. da Associação:

“Não é preciso ser angélico para verificar que, no mundo em que vivemos, campeia o ódio, o egoísmo e a inveja. Poderíamos também notar que os homens esquecidos da sua dignidade, são frequentemente um… para o seu semelhante.

Por isso, é reconfortante ver os exemplos de doação ao serviço, por parte de um punhado de almas generosas que tudo dão, sem nada esperar em troca.

(…)

Dentre eles destacam-se os Bombeiros Voluntários.

O seu trabalho merece o reconhecimento de rodas as pessoas de carácter e o seu realce nos meios da comunicação social.

Talvez, não seja a pessoa mais indicada para o fazer, mas sinto por estes homens desprendidos, abnegados e corajosos um respeito extraordinário.

Imagino-os numa festa familiar, num convívio de amigos ou durante o sono repousante. Toca a sirene… Eis que correm, como para ganhar um prémio, em direcção ao Quartel. Aí, num ápice, equipam-se e partem.

Vão sem uma palavra de revolta ou um gesto de enfado, para se entregarem totalmente ao trabalho, não pensando na fadiga, nem olhando a perigos.

Quantas vezes não foi a sua chegada pronta que impediu a destruição total dos bens ou a perda de vidas humanas!...

E, quando regressam, cansados, sinto-lhes no rosto sereno, a alegria do dever cumprido. Por tudo isto estes Homens merecem o nosso apreço, compreensão e estima.

Não admira, portanto o entusiasmo que anualmente se gera à volta do Aniversário dos Bombeiros Voluntários da Régua. Os nossos bombeiros completaram o seu 103º Aniversário.

Foi um dia de festa, mais uma festa íntima, como é próprio da família unida. A vila e o concelho do Peso da Régua estão com os seus bombeiros, porque os bombeiros estão com os reguenses.”

Costumam os bombeiros aproveitar o aniversário da associação para tirar fotografias das cerimónias mais brilhantes e de fazerem o seu retrato pessoal do seu agrado, numa posse de desvanecimento individual, para o guardarem em casa numa moldura, a avivar as memórias do seu passado. Foi o que fez o bombeiro José de Matos de Carvalho – o Zé Penajóia, como os seus amigos o tratam - fardado a rigor, junto ao Mercedes Baribbi, o carro de fogo que sempre gostou de conduzir, ao deixar-se fotografar num dia festivo, que será da década de 1980.

O Zé Penajóia foi um dos últimos bombeiros do quadro de especialistas e auxiliares. Essa classificação, como estava definida no velho regulamento dos corpos de bombeiros, foi legalmente extinta. Alguém que desconhece a riqueza do voluntariado entendeu que não eram necessários. Assim, deixou de ser permitido que muitas pessoas não possam dar a sua ajuda como especialistas de uma actividade. Até há bem pouco tempo, por exemplo quem era médico ou enfermeiro prestava no seio dos bombeiros os cuidados de enfermagem e de saúde e quem era motorista profissional conduzia as ambulâncias e os veículos de fogo. O quadro de bombeiros especialista e auxiliares não devia ter acabado, faz falta às corporações, pelo que tem de ser recuperado. O exemplo do Zé Penajóia prova como, através do voluntariado, certas pessoas podem ser úteis. No seu caso, ele alistou-se por volta de 1976 e serviu nos bombeiros até Março de 2010. Desde então, passou a integrar o chamado Quadro de Honra da Associação, o lugar para os bombeiros mais antigos e que deixaram a prática da actividade.

Durante 34 anos, o Zé Penajóia foi bombeiro auxiliar motorista. Sempre que os fogos apertavam era chamado para conduzir os veículos pesados. Muitas vezes, o Comandante Cardoso pediu a sua colaboração. Mas, conduziu também as ambulâncias de transporte de doentes quando não havia profissionais disponíveis para tanto serviço. Chegou a ir a Espanha, a Valhadolid, para trazer de volta um doente que aí se encontrava hospitalizado. Era a primeira vez que uma ambulância dos bombeiros da Régua tinha de passar as fronteiras do país. Não havia bombeiros que quisessem fazer esse serviço. Ele não hesitou em aceitar a missão. A viagem correu-lhe bem, sem nenhum percalço pelo caminho. Alguns anos depois, voltava a fazer nova viagem a Espanha, para transportar de ambulância um cidadão internado numa clínica.

Este é um dos muitos serviços que cumpriu com dedicação, zelo e sacrifício. A Direcção e o Comando da Associação distinguiram e louvaram-no com a atribuição de algumas medalhas: Cobre (1985), Prata (1991), Ouro (1994, 2000 e 2007), pelo tempo de bons e assíduos serviços e de dedicação e efectivos serviços prestados à causa do bombeiros portugueses.

Quem conhece o Zé Penajóia sabe que é um homem de certezas. A paixão pelos bombeiros transmitiu-a ao seu filho Marco Paulo, sapador no Batalhão do Porto e as suas duas netas, à Liliana e à Margarida, uma estagiária e a outra infante, na corporação da Régua. Tem 70 anos, mas possui uma indomável genica, que não lhe faz aparentar tanta idade. É um dos mais velhos e mais conhecidos chaufferes de táxi com o que ganha a vida. Tem uma casa de pasto, a Adega Penajóia, no Largo do Tanque Redondo, no Salgueiral, apreciada por servir bom vinho do Douro e refeições económicas confeccionadas com os sabores antigos. Nesse seu “santuário” gosta de evocar memórias de pessoas que não se esquecem, de velhos bombeiros e Comandantes que lhe marcaram o resto da sua vida.

Este homem não é indiferente ao presente, tem-lo visível numa fotografia que mostra o Corpo de Bombeiros da Régua, exposta ao olhar do público na sua adega. Não há ninguém que não se sinta seduzido pelos valores humanos que ali permanecem imutáveis. É mais um sinal da sua admiração pelos bombeiros. Embora haja quem desconheça, o Zé Penajóia encontra-se presente no meio desses anónimos bombeiros simples e humildes, que com o seu exemplo de coragem, abnegação, altruísmo e amor ao próximo, podem não figurar com o seu nome nas páginas da história, mas são os únicos verdadeiros heróis da nossa vida.
- Peso da Régua, Abril de 2010, J. A. Almeida.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

OUTONO na Régua

 "O outono é um caminhante melancólico e gracioso que prepara admiravelmente o solene adágio do inverno" - George Sand
Outono - Djavan (video)
Clique  nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA) e editados para este blogue. Video OUTONO - autor e cantor Djavan. Edição de texto, imagens e video de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Só é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

PESO DA RÉGUA - Outono...

Clique  na imagem para ampliar. Imagem de autoria do Dr. José Alfredo Almeida (JASA) e editada para este blogue. Edição de texto e imagem de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

OUTONO

sol quente de outono
a mão do amigo morto
toca meu ombro
- Nakamura Kusatao

uma árvore em flor fica despida no outono. A beleza transforma-se em feiúra, a juventude em velhice e o erro em virtude. Nada fica sempre igual e nada existe realmente. Portanto, as aparências e o vazio existem simultaneamente
- Dalai Lama

encontramo-nos, quando o outono vestia a tarde com seus ventos e o tempo já brincava de riscar os nossos rosto.
- Aíla Sampaio

a felicidade esta nas folhas das árvores, cabe somente a você decidir se viverá um outono ou uma primavera
- Matheus Urruth

roube da primavera o seu aroma, do verão a sensualidade, do outono a transformação, do inverno o recomeço e reconstrua-se
- Viviane Basso

não permita que o outono lhe tire a esperança da primavera.
- Frase Cristã

Clique  nas imagens para ampliar. Imagens de autoria do Dr. José Alfredo Almeida (JASA) e editadas para este blogue. Edição de texto e imagens de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

OUTONO

Sei como voltar:
as cores do meu outono desenham caminhos.
- Yberê Líbera
Gosto do outono porque ele é frio suficiente para refrescar o calor...
E é quente o suficiente para aquecer o frio!
- Lidiane Araújo Mejozebato
Nos dias de outono as folhas largam no ar um cheiro de sono.
- Cristina Saba
Repara que o outono é mais estação da alma do que da natureza.
- Nietzsche
Se um dia lágrimas vierem ao seu rosto, não pense no porquê! Pense nas folhas do outono, elas não caem porque querem, e sim porque chegou a hora.
- Raphael Bacellar
Clique  nas imagens para ampliar. Imagens de autoria do Dr. José Alfredo Almeida (JASA) e editadas para este blogue. Edição de texto e imagens de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Outro rio, outros barcos

O rio Douro fez parte da minha instrução primária, como a geografia e aritmética. A escola ficava na Rua das Vareiras, ali a dois passos. Não tínhamos recreio coberto, nem descoberto. Nos intervalos pequenos corríamos em grande algazarra para a Meia Laranja, varandim sobranceiro ao rio. Nós maiores descíamos a rampa até ao cais. Ali, ao mesmo tempo que brincávamos, esquecidos da palmatória do Senhor Morais, íamos assistindo ao tráfego do rio.

Chegavam carros de bois, em grande chiadeira, com a sua pipa de vinho fino debaixo de um molho de canas de milho. Pelo cansaço dos bois e as pragas dos carreiros se adivinhava o Inferno dos caminhos. Outros partiam, aliviados da pipa, de moço à frente a dizer iete… iete… e carreiro atrás, de mãos nas chedas, para não cair. Aquele copinho a mais… uma ou outra camioneta aparecia já, a destoar com as suas estridências no costumado arruido do cais.

Os barcos rabelos, em linha ou lado a lado, conforme o espaço acostável disponível, esperavam as pipas, balouçando-se pesadamente ao som do chap, chap das ondas miudinhas que vinham morrer entre eles.

Os mareantes eram homens silenciosos. Andavam por ali a preguiçar ou a fazer comida em pequenos potes de ferro. Mas, começando o embarque das pipas alinhadas no cais, desatavam a praguejar e a dar ordens que só eles entendiam. Causava uma certa ansiedade ver aqueles homens descalços e de calças arregaçadas até ao meio das pernas, muito lépidos, a rebolar sobre duas pranchas frágeis, acima das águas do rio, as pipas que o barco ia engolindo. Mais uma… mais uma… Os homens subiam as pranchas com esforço e lentidão e desciam-nas rápidos como lavandiscas. Do alto da apegada o arrais dava indicações no arrumo da preciosa carga.

Para nós, a partida dos barcos rio abaixo, não tinha grande encanto. A chegada sim. Por mais distraídos que andássemos, havia sempre um que os descobria, mal despontavam as velas na curva do Salgueiral.

- Lá vem um!...

- São dois!...

- Olha aquele… que grande!

Os rabelos chegavam em frente da Régua como imponentes majestades de um reino fabuloso. A vela caía como um suspiro de gigante cansado.

Aqueles homens encardidos pelo sol e pelo vento atracavam o barco em pouco minutos. Ainda hoje me impressiona a sua destreza.

Pressentindo instintivamente o fim do intervalo, partíamos como revoada de pardais. Chegávamos aos bancos da escola muito suados, de coração a bater e olhos cheios de rio. De um rio que não é este, de barcos de ferros, ventrudos como dinossauros.

- Camilo de Araújo Correia
In revista Tribuna do Douro, Maio de 2005.

Clique nas imagens para ampliar. Texto cedido pelo Dr. José Alfredo Almeida e editado para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Estrelas de Papel

Clique  na imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Antão de Carvalho - O retrato de uma paixão pelo Douro

“A Régua nunca avaliou o seu grande talento, embora o estremecesse carinhosamente” 
Pina de Morais (Noticias do Douro, 1948)

     Quando visitei, pela primeira vez, o Museu dos Bombeiros da Régua surpreendeu-me ver exposto um retrato de Antão de Carvalho na galeria dos sócios beneméritos. Confesso que desconhecia, por completo, que tivesse qualquer afinidade pessoal ou institucional de relevância na história da associação.
     O que eu sabia da biografia do Dr. Antão Fernandes de Carvalho em nada o relacionava com factos ou acontecimentos da história da Corporação dos Bombeiros. Sabia que era natural de Vila Seca de Poiares, onde nasceu em 1871 e que se tinha formado em Direito pela Universidade de Coimbra. Proprietário rural e viticultor exercera com fama a profissão de advogado e desempenhara funções políticas relevantes, entre as quais, as de Presidente da Câmara do Peso da Régua, Deputado da Nação e Ministro da Agricultura.
        Conhecia-lhe referências da sua acção como paladino do Douro, o mais combativo, reivindicativo e devotado defensor regional, e o fervor pelas ideias do regime republicano, o qual que representou politicamente na Régua ainda no tempo da monarquia. Coubera-lhe a missão de, no dia 10 de Outubro de 1910, em substituição do monárquico presidente da câmara ler, no salão nobre dos Paços do Concelho, com a assistência de muito povo, forças militares, autoridades civis e representantes de associações locais – aqui, quase de certeza, estariam presentes os directores da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários - o texto de proclamação da República.
       Com a queda da monarquia, Antão de Carvalho assumiria a presidência da câmara da Régua e, no cumprimento dessas suas funções, suspeitei eu que tivesse concedido significativo auxílio e cooperação à Corporação de Bombeiros, fundada em 28 de Novembro de 1880 e, agora, comandada por um intelectual de mérito, José Afonso de Oliveira Soares. Embora distinguida por “Real Associação” pelo Rei D. Luís, na instituição o espírito republicano sentia-se presente em muitos associados e bombeiros que professavam os ideais do novo regime. Por certo, estes bombeiros voluntários esperavam que Antão de Carvalho fomentasse mais apoio, já que careciam de materiais para os fogos e de instalações apropriadas para a sua sede e o quartel. 
       A ter assim acontecido, o que eu não tinha a certeza, estava estabelecido o elo de ligação de Antão de Carvalho e o Corpo de Bombeiros para que, mais tarde, fosse distinguido o como Sócio Benemérito. O meu entendimento precisava de ser confirmado com um testemunho credível, mas as pesquisas foram infrutíferas. Com valor e interesse encontrava uma carta manuscrita pela D. Zélia Carvalho, sua irmã, a agradecer a gratidão dos bombeiros pelas dávidas e, no Salão Nobre, estava uma pintura do retrato do cunhado António Fernandes Carvalho.
    De qualquer forma, sentia-me orgulhoso por esta figura histórica de importância nacional, dotado de valores e de humanismo, o activista militante na defesa de região duriense, estar presente na história dos bombeiros. Sinceramente até deixei de considerar importante saber qual terá sido o seu contributo para com os bombeiros mas, para mim, estaria relacionado com a sua acção como presidente da câmara, no período de 1915-1925, Julgava eu - e bem, afinal - que poderia ter prestado à corporação uma valiosa colaboração institucional, assim garantindo às populações a protecção e o socorro de bens e vidas.
     Mas quando eu menos esperava, ao consultar edições antigas do jornal Notícias do Douro, encontrei a justificação para que aquele retrato de Antão de Carvalho estivesse guardado no museu dos bombeiros. O essencial estava narrado numa notícia que dava o seu falecimento, no dia 13 de Agosto de 1948. Assim, nestes termos simples: “...que à Presidência do snr. Dr. Antão ficou devendo valiosos serviços, entre os quais, quais a instalação do seu quartel da Rua dos Camilos.”
      Foi nesse quartel, uma velha casa sem condições, onde os carros e as ambulâncias mal cabiam, que os bombeiros estiveram instalados, desde 1923 até 1954. Tiveram de esperar muito tempo, nesse local, para abrirem as portas do novo quartel, uma construção de raiz, projectada por arquitecto famoso, mas conseguiram realizar o objectivo que ficará por concretizar nos mandatos de Antão de Carvalho na presidência da Câmara.
       Quando morreu Antão de Carvalho, o Douro e a Régua ficaram de luto. As principais instituições que ele estivera ligado, como a Câmara Municipal, a Casa do Douro e o Grémio dos Vitinicultores, colocaram bandeira a meia haste. O mesmo fez a Associação Humanitária em sinal de respeito pela perda do seu distinto Sócio Benemérito. Os directores e um piquete de bombeiros fizeram-se representar nas cerimónias fúnebres. Os bombeiros carregaram com a sua urna aos ombros até ao pronto-socorro Buick que a transportou para Vila Seca de Poiares, onde o seu corpo foi repousar, por alguns momentos, na velha casa de família, a Casa Amarela. Por fim, sempre acompanhado pelos bombeiros, o cortejo retomou o caminho em direcção do cemitério de Poiares e aí foi sepultado.

“O Dr. Antão de Carvalho ocupa um lugar primancial na galeria dos grandes homens de todos os tempos que o Douro tem tido”- Júlio Vasques (A Defesa do Douro,1930)

     Antão de Carvalho não morreu, se pensarmos que ficou a sua obra que construiu com empenho cívico, determinação, inteligência e muita paixão a pensar no bem colectivo. Como o mais carismático e eminente dos paladinos do Douro fez parte de elite social, económica, cultural e política que dirigiu um movimento de defesa dos lavradores do Douro: a disciplina da produção, o aumento dos preços e o escoamento do vinho do Porto. Ele foi líder principal de uma reforma institucional do sector vitinícola duriense. Na sua casa, no Largo Sacadura Cabral, nº61, na Régua, redigiu as bases e depois o contra-projecto que criou na Régua, em 1932, uma organização associativa para representar interesses da lavoura, a Federação Sindical dos Vitinicultores do Douro - Casa do Douro.
        Os amigos chamaram-lhe o “João das Regras” do Douro e que representava a “Voz do Douro”.Pina de Morais, escritor nascido em Valdigem seu contemporâneo, com quem conviveu na defesa da mesma causa, definiu-o como um “Jurista Romântico”. Escreveu numa brilhante crónica, depois da sua morte, a lamentar a sua perda irreparável para o Douro, onde sintetizou a razão do qualificativo: “Jurista romântico escrevi eu. Era de facto um jurista romântico, pois aliava a estrutura rígida da lei, o romantismo dos homens de 1820 e o seu sonho infinito que nimba as almas que se dão inteiramente ao torrão onde nasceram.”
       O escritor João de Araújo Correia traçou-lhe o génio nestas palavras: “Pertencia a uma raça hoje extinta à superfície da terra portuguesa. Era orador. Como advogado, tinha desenvolvido o verbo congenial na prática forense. Fora da teia eleva-o à sublimidade num comício em prol do Douro. Tão orador era, que não sabia escrever. Só sabia ditar.” (..) Antão de Carvalho, homem de palavra tão fácil, que subia com ela ao céu da fantasia numa tertúlia de gente positiva, manteve-se no foro e na política  sem o mínimo desvio. Foi ministro sem deixar de ser jurisconsulto. Se se desgarrava, durante uma conversa, nunca se desgarrou a inquirir testemunhas nem a rezar o credo democrático”
       O seu talento e a sua paixão pelo Douro mereceram do autor do romance Sangue Plebeu, onde evoca o motim de 1915, em Lamego, esta nota de apreciação: “Teria uma biografia brilhante, excepcional, se tivesse ficado nos grandes meios ao serviço do seu país. Tanto melhor para o Douro, porque este não teve nunca, que eu saiba, quem puzesse tanto coração, quem se identificasse e vibrasse com as suas alegrias e sofresse com as suas dores…” 
       A paixão pelo Douro e à sua terra natal, à Régua foi o estado de alma permanente de Antão de Carvalho que o próprio exarou no seu testamento público: “Coerente com os princípios morais, sociais e políticos que dominaram a minha agitada vida e pelos quais indefectivelmente lutei, afirmo, neste solene momento, a minha concordância com a moral cristã na República e o meu anseio de que esta se adapte ao imperativo do progresso, em marcha para uma mais perfeita e justa organização social. No isolamento em que actualmente vivo, tenho sempre presentes no espírito e no coração esta sagrada Região Duriense e a linda terra da Régua, bem como acima de tudo a modesta aldeia em que nasci, dando por bem empregados o trabalho e sacrifícios de toda a ordem que durante anos lhe consagrei.
O meu funeral será feito à vontade do meu testamenteiro, dos adiante nomeados, que aceitar desempenhar o respectivo cargo. Desejo no entanto, que ele seja modesto e simples, espelho do que fui em vida, sem convites ou sugestões e que o meu corpo vá repousar no jazigo de família, ereto no cemitério de Poiares, deste concelho, junto de meus pais e irmãos, como tal considerando o meu bom cunhado António, passando se assim entenderem, na ridente aldeia de Vila Seca, onde nasci, estando ou não depositado algum tempo na velha “Casa Amarela”, relíquia familiar, ou na formosa capelinha de que minha irmã Zélia é desvelada protectora.
Será a ronda do morto sem descanso como na atormentada vida se viu.”
      Razão terá, certamente, João de Araújo Correia, que no artigo “Dois Paladinos” (in Comércio de Porto, de 30-10-65), faz uma enérgica apologia aos históricos defensores da região: “ O Douro, sempre em crise latente, podia contar com os seus paladinos. Confiava neles, secundando-os com os seus vivos e assinaturas. Hoje, se não tiver alguém que o alumie, não sabe donde lhe vem o mal nem de que lado lhe virá o remédio”. Como é verdade quando diz que o Douro de hoje precisa de o voltar a escutar sobre as eterna questão duriense: “Sempre que o Douro sofre, com vinhos por vender ou à espera de pagamento, vou ao cemitério do Peso entrevistar Júlio Vasques. Subo ao cemitério de Poiares para conversar como Dr. Antão de Carvalho. Fora de fantasia, é capaz de me apontar o bom caminho…”.
        Se hoje a sociedade esquece ou ignora os seus melhores, aquele retrato de Antão de Carvalho evoca as memórias de um homem singular que deixou marcas que perduram no nosso tempo. Agora que os lavradores do Douro vivem outra grave crise e que a Casa do Douro por ele idealizada, se encontra quase à beira do fim, percebemos quanto importante e necessário foi este homem para a região duriense, para todos nós que dependemos da economia do vinho.
     Aquele seu retrato está no lugar certo, no lugar daqueles se entregam ao bem, num exemplo de dedicação, altruísmo e generosidade incessante para com o seu semelhante, valores e princípios que Antão de Carvalho defendeu apaixonadamente na sua passagem muito intensa pela vida Significa também dos bombeiros gratidão a um benemérito que em muitos pequenos gestos, tão pequenos que não ficaram registados em nenhum lugar, a não ser numa página de um jornal, mas que tanto significaram para os bombeiros. Quem sabe, se não foi graças, a essa velha casa adaptada a Quartel que lhes permitiu o sonho de construírem um quartel, nesses difíceis anos 30 no Douro e no país, que é o mais belo edifício da cidade do Peso da Régua.
      Se os bombeiros devem muito a Antão de Carvalho, a Régua e região duriense devem-lhe muito mais – ele que foi o maior defensor do Douro e do Vinho do Porto.
- *José Alfredo Almeida, Março de 2012
Parte 1


Parte 2

*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.
Clique nas imagens para ampliar. Este texto está também publicado nas edições do semanário regional "O Arrais" de 22 e 29 de Março de 2012Texto e sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos.    

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

NOVEMBRO

(Gravura editada de imagem recolhida na net)

Quando o céu escurece nas tardes de Novembro,
Lembro:
O silêncio de um quarto alugado
Com uma velha a tossir no do lado
E gente cansada nas ruas do vento.
Quando as plantas apodrecem nas sacadas
- Uma chuva miudinha a entorpecer o mundo -
Abraça-me a saudade de antigas namoradas
- Promessas breves de um segundo -
Como cobertores de Inverno em corpo gelado.
Quando as pombas se arrolam no telhado
E se aproxima a neblina do mar,
A noite, deslizando na ampulheta do dia,
Espera os enjeitados da democracia.
Quando as Avós estendem as roupas dos netos
Nas cordas de uma vida de restos,
De fatalismos há muito arquivados,
Calando passados,
É como se viver
Fosse quase morrer.
Quando as árvores amarelecem
E se despem
Como esqueletos de ossos
Sem a carne da vida,
Os olhos ( os nossos e os vossos )
Choram as esperanças traduzidas
No silêncio das palavras reprimidas.
Quando os pássaros, esbaforidos,
Fogem aflitos
Para a defesa dos beirais,
Defecam no cego que tapa o acordeão
E na mão do pedinte sob os umbrais;
Quando os cauteleiros apregoam a sorte
E os sinos anunciam a morte,
A chuva lava o chão
Para onde irá o meu caixão.

- De M. Nogueira Borges* extraído com autorização do autor de sua obra "O lagar da Memória".
  • Também pode ler M. Nogueira Borges no blogue "ForEver PEMBA". *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua.

terça-feira, 4 de maio de 2010

As cartas de João de Araújo Correia

(Clique na imagem para ampliar)

Hoje ninguém ou quase ninguém escreve cartas, sejam de mera circunstância, afectos, negócios ou cortesia. Já lá vai o tempo em que se revelava sentidos pesares, em papel timbrado com fita preta ou se felicitava pelos sucessos pessoais. Tão pouco se escreve para corresponder a uma declaração de amor. As cartas perderam a sua função. Hoje manda-se uma pequena mensagem e, quando muito, envia-se um email. Começou uma nova era, a do correio electrónico. Pressagia-se que as cartas, como ainda as conhecemos, começam a ser uma coisa de outro mundo. Se não são já de um outro mundo, pelo menos, fazem parte de um mundo que já passou, de pessoas mais humanistas, como foram os nossos pais e avós, que gostavam de se comunicar num correio de trocas de cartas.

A.M. Pires Cabral é o autor de um interessante trabalho sobre as cartas de João de Araújo Correia. Quem o leu, entende-o como um breve estudo de introdução às cartas que o escritor escreveu a muitas das personalidades do seu tempo, amigos, leitores, conhecidos e oficiais do mesmo ofício, como foi o seu caso. Não sendo um suplemento do seu trabalho, surpreende-nos com a revelação de algumas cartas que o escritor fez questão de lhe dirigir, anotando-as com um pequeno comentário, a contextualizar os motivos de cada uma delas.

O seu trabalho e as cartas transcritas podem ser lidos no “In Memoriam de João de Araújo Coreia”, que acumula outros bons estudos e curiosas evocações pessoais, dedicados em homenagem ao escritor reguense, no ano em que se contam 25 anos após a sua morte.

Estas são algumas das cartas de João de Araújo Correia inéditas, mas ao que se sabe, fazem parte de uma vasta correspondência que escritor deixou guardada nos seus baús. Parece que aguardam quem as leia, estude, organize por temas e ideias, ou mesmo outros critérios, para que possam, muito em breve, ser publicadas em forma de livro. Alguém se encontra encarregado de realizar esse trabalho. Se o espólio do escritor guarda as cópias, os seus originais andam espalhados por múltiplos arquivos pessoais. Ninguém ignora que são incontáveis os destinatários das suas missivas e que, em alguns casos, caíram na posse de escrupulosos herdeiros, avessos a que elas percam o foro íntimo e privado.

O escritor duriense era mestre a escrever uma carta. Há quem afirme que o fazia ao “correr das teclas” da máquina de escrever. E, que nunca escrevia por escrever, como que se estivesse a cumprir uma obrigação. Como diz Pires Cabral, tinha uma verdadeira perícia no saber “bolear uma carta de maneira a que não fosse um recado seco, mas algo emocionalmente envolvido.”

Convém lembrar que João de Araújo Correia esteve, desde sempre, ligado aos bombeiros da Régua.

O escritor, como devoto admirador dos bombeiros, foi amigo de muitos directores, comandantes e dos velhos Soldados da Paz. Nunca escondeu a sua carinhosa simpatia e dedicação pelos valores do voluntariado e do associativismo. O seu pai que fora bombeiro, por algum tempo nas primeiras corporações, no tempo dos fundadores, permitiu-lhe conhecer os primórdios da instituição. Em sua casa guardou, até morrer, uma tábua dos sinais de incêndios, que o faziam saber em que rua da vila andava o fogo, quando sino da Capela do Cruzeiro dava os respectivos toques. Conviveu de perto com alguns dos bombeiros da velha guarda, com quem fez tertúlias, como os seus amigos, o artista e Comandante Afonso Soares e o delicado Lourenchinho. A convivência que deles tinha, levou-o a escrever sobre alguns dos seus personagens mais castiços. Recordou-nos do passado, figuras da estatura de Camilo Guedes, José Avelino, o Riço, o Justino Lopes Nogueira e o funeral do capelão Padre Manuel Lacerda, que não chegou a ver passar na rua…! Emocionou-se com a morte trágica do bombeiro João Figueiredo, o João dos Óculos, no incêndio da Casa Viúva Lopes, ao dedicar-lhe um soneto. Teve a sorte de frequentar o primeiro quartel e de admirar a velha estante cheia de livros, que o seu olhar de rapazinho de dez ou onze anos, nunca mais os esqueceu. Mais tarde, aceitou dar a sua colaboração no jornal da associação “Vida por Vida”, órgão oficial dos bombeiros, dirigido pelo talento literário do seu filho Camilo. Nas páginas desse extinto boletim, anos a fio, escreveu ele admiráveis crónicas, mais tarde reunidas nos livros “Pátria Pequena” e “Enfermaria do Idioma”.

João de Araújo Correia correspondeu-se, amiúde vezes, com os directores dos bombeiros da Régua. Algumas das cartas que lhes dirigiu, fomos encontrar arquivadas em velha caixas de madeira, ao lado de documentos menos valiosos, como facturas, orçamentos com previsões de grandes sonhos e obras e relatórios de contas do muito se recebeu e que se gastou.

Quando as consultamos, sentimos que o escritor nelas nos revela a sua envolvência no meio social. As suas pequenas observações da ambiente quotidiana privilegiam o valor e trabalho dos bombeiros como um exemplo de grandeza humana.

Aos seus olhos, os bombeiros são uma força invicta: “Quando tudo falece, pela palavra tudo, a longa vida dos nossos bombeiros é um sinal de força invencível. Comparo-a à vida de uma árvore, que tenha escapado à fúria dos temporais para se prolongar como símbolo de eternidade” e merecem-lhe este elogio: “A Régua, se não vegeta, é porque vai vivendo no ânimo dos seus Bombeiros.” Com uma apreciação assim, é suficiente para os bombeiros lhe ficarem, para sempre, gratos.

As cartas de João de Araújo Correia para os bombeiros da Régua, para lá do esmero e originalidade da linguagem em que são escritas, testemunham a sensibilidade do escritor, a sua urbanidade, o respeito no trato afectuoso pelos seus concidadãos, e a grande consideração que tributa à associação e ao seu corpo de bombeiros.

Propomos a leitura atenta de seis cartas das suas cartas:

PRIMEIRA CARTA:

"Exmo Senhor
Alfredo Baptista
Dig.mo Secretário da Direcção dos B. Voluntários

Eu e minha irmã solteira, Maria Ana de Araújo Correia, sócios contribuintes dessa Associação, agradecemos reconhecidos os serviços prestado pela sua ambulância no dia 18 do corrente. O que se não agradece, por falta de palavras próprias, é a solicitude com que foi executado. Há dedicações tão perfeitas, que só a gratidão silenciosa, indelevelmente guardada no coração, lhes poderá corresponder. Pertence a essa espécie, inefável por natureza, o modo como os Bombeiros procederam, transportando minha irmã, recentemente operada de fractura óssea, desde a Casa de Saúde de Lamego até o meu domicílio.
Queira V. Ex.ª aceitar os meus respeitosos cumprimentos.

Peso da Régua, 28 de Abril de 1955"

SEGUNDA CARTA:

“Peso da Régua, 4 de Agosto de 1960

Ex.mo Senhor
Dr. Júlio Vilela
Dig.mo Presidente da Direcção dos
Bombeiros Voluntários do Peso da Régua

Ex.mo Senhor e meu prezado Amigo:

Venho renovar a V. Exª o meu bem-haja pela sessão efectuada em minha honra, a 30 de Julho último, no salão nobre da associação a que V. Exª preside.
A sessão, realizada acto contínuo à minha chegada de Lisboa, onde escritores e amigos me festejaram como publicista, desvaneceu-me como reguense amigo da terra. Pude verificar o contrário do que imaginava. A Régua, pouco afecta a espiritualidades, salvou-se no meu conceito do labéu de ingrata com quem a representa, melhor ou pior, fora do limite das suas barreiras. Graças a V. Exº e outros membros da direcção, nomeadamente o Sr. Alfredo Baptista, patenteou-se a meus olhos e à consciência do resto do país a dignidade da nossa vila. Bem o estimo por mim e pelo meio em que vivo. Seria vergonhoso que o meu amor ao Douro, manifesto em cada um dos meus escritos, fosse correspondido com desdém na sua capital.
Respeitosamente me subscrevo,

De V. Exª
Admirador, patrício e amigo reconhecido”

TERCEIRA CARTA:

“Peso da Régua, 27 de Janeiro de 1970

Ex.mo Senhor
Dr. José Lopes Vieira de Castro
Dig.mo Presidente da Associação dos
Bombeiros Voluntários do Peso da Régua

Ex.mo Senhor:

Respondo ao prezado ofício de V. Ex.ª datado de 22 do corrente.
Tanto V. Ex.ª como a Ex.ma Direcção a que preside consideram imprescindível a minha colaboração do boletim VIDA POR VIDA. Não estou de acordo com V. V.Ex.as neste particular, Não falta quem escreva no boletim VIDA POR VIDA para lhe manter a boa tradição de brilho e de valor.
Concordo com V. V. Ex. as em considerar que foram alheios à actual Direcção os motivos que me afastaram do boletim VIDA POR VIDA. Nestas condições, recusar-me a colaborar de novo seria demasiada impertinência e até grosseria. Sou incapaz de praticar esses delitos perante a boa vontade que V. V. Ex. as manifestam no sentido do meu regresso ao VIDA POR VIDA – órgão de uma associação digna do meu zelo e até do meu sacrifício.
De acordo com a minha saúde, que vai sendo pouca, e com o meu vagar, quase sempre reduzido a escassos minutos, colaborarei confiado nas atenções que mereçam as minhas atenções. Assim o espero de V. Exª e de quem superintenda na redacção do jornal.
É-me grato manifestar a V. Exª, nesta oportunidade, a minha consideração e respeitosa estima.

A BEM DA HUMANIDADE”

QUARTA CARTA:

“Peso da Régua, 26 de Novembro de 1971

Exmo Senhor
Joaquim Lopes da Silva Júnior
Dig.mo Vice-Presidente da Direcção dos Bombeiros

Meu Ex.mo Amigo:

Venho agradecer-lhe o honroso convite para me associar às comemorações de novo aniversário dos nossos bombeiros. Muito obrigada por se lembrarem mim para tomar parte numa série de solenidades que inspiram grande simpatia. Sempre me comoveu, desde a minha infância, uma festa tão inefável como festa de família.
Muito gostaria de comparecer, como sócio contribuinte, no grupo dos meus consócios e perante o Corpo Activo para o saudar por mais uma vitória. Não é pequena vitória completar sem declínio 91 anos de idade.
Opõe-se ao meu desejo, neste fim de Novembro, a minha pouca saúde e outros empecilhos. Não me é possível removê-los neste momento para me sentar, como no ano passado, à mesa dos meus amigos, que são os nossos Bombeiros. Mas, para provar que lhe quero bem, não desisto de colaborar com eles no intervalo das festas.
É já um truísmo cansado isto de se dizer, a propósito dos nossos bombeiros, que são a única gente que teima em representar, neste nosso meio, um papel tão nobre, que a distingue da apatia comum. Convém, no entanto, fazer desse truísmo um motivo de orgulho. Convém repeti-lo em cada ano com tanta satisfação como desgosto. A Régua, se não vegeta, é porque vai vivendo no ânimo dos seus Bombeiros.

Cordialmente me subscrevo,

De V. Exª
Amigo certo e reconhecido”

QUINTA CARTA:

“Peso da Régua, 27 de Novembro de 1975

Ex.mo Senhor
Dias Montesinho
Bombeiros Voluntários
Peso da Régua

Ex.mo Senhor:

Na pessoa de V. Excia, digníssimo secretário da Direcção dos Bombeiros desta vila, felicito a nobilíssima corporação por mais um ano de vida. Cumpro este dever como se cumprisse um voto religioso. Quando tudo falece, pela palavra tudo, a longa vida dos nossos bombeiros é um sinal de força invencível. Comparo-a à vida de uma árvore, que tenha escapado à fúria dos temporais para se prolongar como símbolo de eternidade.
Por falta de saúde e outras atribulações, é-me impossível tomar parte nas festas comemorativas do venerável aniversário. Fico-me por casa, sem deixar de agradecer a V. Exª o honroso convite para o acompanhar na execução do programa constante do seu ofício 83/75.

De V. Exª
Cordial e respeitosamente”

SEXTA CARTA:

“13 de Julho de 1980

Ex.mo Senhor
Secretário da Direcção dos
Bombeiros do Peso da Régua

Ex.mo Senhor:

Para corresponder ao amável convite de V. Excia, para colaborar num livro comemorativo do centenário da sua Associação, tive a honra de lhe remeter, pelo Sr. António Luís Pinto, empregado da Imprensa do Douro, três originais.
Trata-se de uma crónica inédita, intitulada História dum Soneto, e de dois artiguinhos que devem ser agora republicados.
Suponho que nenhum dos meus escritos, enviados a V. Excia pelo Sr. António, destoarão da índole do livro. Todos aludem a tempos idos da Associação.
Como tenho tido medo a gralhas tipográficas, não dispensarei a revisão de provas. Podem estas ser enviadas pelo dito Sr. António Luís Pinto – seja qual for a tipografia que imprima o livro.
Com a maior estima e consideração.

At.ª e Obg.ª”

Se os bombeiros da Régua para evocar João de Araújo Correia não sabem expressar mais palavras de admiração, saudade e respeito, não se esquecem de retribuir a gratidão e a luz com os foi distinguindo ao longo de toda uma vida. Os bombeiros conhecem, como mais ninguém, esta verdade: não há no mundo exagero mais belo que a gratidão, ela é a memória do coração…!
- Peso da Régua, Abril de 2010, J. A. Almeida.

O Retrato de D. Luís I

Aquele retrato emoldurado do Rei D. Luís, que sobressai na penumbra de uma parede da sala museu dos bombeiros da Régua, só pode causar algum mistério e uma certa admiração aos que desconhecem os méritos e a grandeza da associação.

O retrato do rei, de meia-idade, de olhar expressivo, misto de serenidade e bondade, faz parte da galeria de retratos de ilustres benfeitores e beneméritos da associação.

A razão para o rei figurar entre importantes personalidades da sociedade reguense é simples. Os primeiros bombeiros e fundadores da Associação deram a El- Rei D. Luís o título de sócio e Presidente Honorário, como manifestação da sua gratidão pelo reconhecimento de Sua Majestade à associação com a atribuição de uma das maiores distinções honoríficas: o titulo de Real.

Por carta régia, assinada em 13 de Junho de 1882, o Rei D. Luís, atribuiu à AHBV do Peso da Régua o título de Real, nestes termos:

“Dom Luís por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves faço saber aos que lerem esta minha carta que atendendo ao que me representou a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Regoa e querendo dar-lhe público testemunho do apreço de que tenho a mesma Associação pelos seus úteis e filantrópicos fins a que se destina. Hei por bem conceder-lhe o título de REAL, podendo assim de ora em diante intitular-se Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Regoa”.

Uma associação que ostenta o retrato de um rei entre os seus maiores benfeitores revela serem radiosos os seus primórdios e estar repleto de glórias o seu passado. Fundados em 1880, os bombeiros da Régua nasceram da ideia de um grupo de 26 homens generosos, liderados pelo escrivão de direito Manuel Maria de Magalhães, que do nada, sem grandes apoios, souberam criar um corpo de bombeiros voluntários, inspirado na tradição humanista. Esse ideal vingou, cresceu e tornou-se cada vez maior nos nossos dias, reinventando-se nos seus nobres objectivos para conquistar o futuro. Por isso, o retrato de D. Luís tem um valor simbólico, ao fazer evocar o génio e a determinação dos fundadores da associação.

Em 28 de Novembro de 1882, a Associação comemorava o 2º aniversário da “instalação”. A organização estava no princípio. Eram dados os primeiros passos para afirmação de uma organização sólida na segurança e protecção de bens e vidas e que servisse para engrandecimento, bem-estar social, económico e cultural dos cidadãos reguenses. Os seus fundadores, homens de grande valia e formação moral, projectaram-na para servir os seus ideais humanistas. Só assim se explica que, quase desde a nascença, tenha alcançado o reconhecimento pelo poder público de um serviço de utilidade pública.

Não admira que a primeira grande distinção nacional tenha deixado regozijados o seu director, o Comandante Manuel Maria de Magalhães e os associados mais dinâmicos. O título de Real Associação era um sinal de prestígio para todos os bombeiros. Até àquela data, era das poucas associações humanitárias que podiam orgulhar-se de contar no seu historial, uma distinção honorífica tão valiosa.

Este homens, entendendo o seu significado e a sua importância para a afirmação dos bombeiros, querendo engrandecer as comemorações desse aniversário, decidiram organizar uma festa de agradecimento a Sua Majestade D. Luís I. Pretendiam demonstrar-lhe não só a gratidão pelo louvor concedido, mas também fazer em sua honra uma cerimónia de inauguração de um “retrato de sua Majestade, o Senhor El-Rei D. Luís I, Presidente Honorário da Associação.”

O Rei D. Luís esteve oficialmente, por duas vezes, na Régua. A primeira foi em 1872, ainda a corporação dos bombeiros não tinha sido fundada. O monarca deslocou-se para se inteirar do início dos trabalhos de construção da ponte rodoviária que ia ligar a Régua a Lamego. Sensível às causas sociais, ao tomar conhecimento que não havia hospital na localidade que visitava, apelou a que se criasse um, para o que fez, de imediato, uma contribuição monetária no valor de 500 mil réis. Os reguenses fizeram-lhe a vontade. Em pouco tempo, fundaram numa velha casa da Rua de Medreiros, um hospital, ao qual deram o nome do rei: Hospital D. Luís I. Mais tarde, em 1889, esse hospital foi transferido para a Casa Grande, um velho solar brasonado, onde funcionou até 1957, ano em que passou a ocupar um edifício construído de raiz, na Praça Delfim Ferreira. Apesar de ter cada vez menos valências e serviços, o velho hospital público, mantém-se em funcionamento, se bem que integrado no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto-Douro.

Em 1881, o Rei D. Luís voltou a visitar à Régua, deslocando-se num comboio especial, numa viagem pela linha do Douro, acabada de construir, que fez a partir da estação do Porto. Chegado com a sua comitiva à estação da Régua, o recém-criado corpo de bombeiros da Régua esperava Sua Majestade com uma guarda de honra, ao qual apresentou continência, acompanhando-o em cortejo pelas ruas principais da vila, até aos Paços do Concelho.

Nessa segunda visita, Sua Majestade travou conhecimento com o Comandante Manuel Maria de Magalhães com quem ficou a manter uma relação de amizade. Isto é o que nos revela na crónica “Bons e Maus Exemplos”, o escritor João de Araújo Correia: “Contavam os antigos reguenses que o Rei D. Luís, dando o título de Real à associação dos nossos bombeiros, em 1882, se relacionou, amistosamente, com o fundador e primeiro comandante da corporação - Manuel Maria de Magalhães.

Contavam também que D. Luís se carteava com ele. Apesar de ser rei, não se desdenhava corresponder-se com um escrivão. Creio que foi escrivão o comandante Manuel Maria de Magalhães.”
(Clique nas imagens acima para ampliar)

Ao tomarmos conhecimento destes pormenores singulares, o retrato de D. Luís I, se já tinha elevado valor histórico, associado ao primeiro reconhecimento da associação pelos poderes públicos da nação, adquire maior significado como motivo orgulho para os seus activos quadros dirigentes, comando e corpo de bombeiros, que nunca podem esquecer um cidadão exemplar como foi o seu fundador e Comandante Manuel Maria de Magalhães.
- Peso da Régua, Maio de 2010, J. A. Almeida.