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sábado, 4 de abril de 2009

Os Bombeiros no Largo da Estação.

(Clique na imagem para ampliar)

Magnifica imagem de um dia de festivo para os “soldados da paz” da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, que comemorava o seu 75º aniversário, no dia 28 de Novembro de 1955.

Esta imagem é o rosto de uma cidade num tempo da sua história, que aqui mostra o Largo da Estação, um espaço de grandes referência para a vida da cidade do Peso da Régua, o verdadeiro e ainda actual “interface” de comunicações, o lugar das partidas e chegadas das pessoas e mercadorias ligadas ao vinho e à vinha, donde os passageiros partiam em camionetas para outros destinos das Beiras, Trás-os-Montes e Alto-Douro.

Do olhar sobre a imagem ficamos com a beleza do edifício da estação de caminho de ferro e o seu imponente cais de mercadorias, uma rara peça de arquitectura, a ser hoje utilizada para espaços de lazer e restauração, onde o comboio da linha do Douro (1873-1887) chegou em 1879, sendo considerado uma revolução social, económica e humana (se todas fossem assim…) para a região a duriense. Ainda ficamos atentos com a nostalgia dos comboios parados na bela linha do Corgo, um soberbo troço de 25 km, entre montanhas e socalcos do Douro património da humanidade, até Vila Real, inaugurada em 1906 e encerrada em 25 de Março de 2009 (!!!) para se realizarem obras de segurança. Ao fundo da rua, um olhar para a grande casa comercial “Viúva Lopes” com o telhado e paredes consumidas pelo grande incêndio que a atingiu em 1953.

Mas, o nosso olhar na imagem fica preso no grandioso desfile do Corpo de Bombeiros de Peso da Régua, onde estão incorporados bombeiros de associações amigas convidadas, com uma numerosa assistência a ver e apoiá-los, e ainda os carros de fogos que se usavam no tempo, que hoje pela sua fantástica beleza nos fazem sonhar e gostar ainda mais dos nossos soldados da paz. Algumas dessas relíquias, esses carros que povoaram memórias e brincadeiras de infância, os quais podemos ver guardados nos museus dos bombeiros.

Este aniversário de “Bodas de Diamante” da Associação teve um vasto programa de festejos, destacando-se a publicação de uma revista comemorativa, com a colaboração especial do escritor João de Araújo Correia, que escreveu um soneto em memória do bombeiro João dos Óculos, assinalava uma nova fase de crescimento e de modernidade quer em infra-estruturas quer em equipamentos, tudo conseguido por uma Direcção sabiamente dirigida pelo ilustre e prestigiado advogado, Dr. Júlio Vilela e um Corpo de Bombeiros sob a orientação do grande comandante Lourenço Pinto Medeiros (1949-1959).

Para melhor conhecermos esta fase da vida da associação, os seus primeiros setenta e cinco anos de existência, os momentos de sacrifícios e anseios, em que venceu a determinação de todos, transcrevemos um interessante texto assinado pelo Dr. Júlio Vilela, em nome da Direcção, onde diz o seguinte:

“Agradecemos, profundamente sensibilizados, o carinho e o amparo dispensados à velhinha e prestigiosa instituição que temos a honra de representar.

Completa ela agora setenta e cinco anos de existência.

Despida de recursos, a sua vida, tão longa quão prestimosa, é uma soma infindável de dedicações, esforços e sacrifícios.

No entanto, desde o punhado de homens generosos que a fundou e constituiu o seu primeiro Corpo Activo até àqueles que hoje a servem, um pensamento e uma preocupação tomaram o espírito de todos: torná-la cada vez maior e mais eficiente.

Depois de beneficiada com o apetrechamento essencial correspondente à sua importância e às modernas exigências dos serviços de incêndios, inaugura ela, neste momento, o Novo Quartel, primeira e mais premente fase de acabamento do seu edifício-sede, ainda há bem pouco reduzido a um esqueleto que, embora se avizinhasse como projecto de obra grandiosa, era por muitos considerado como a forma definitiva de um sonho.

O sonho, porém, tornou-se dia a dia em realidade, se bem que penosamente.

É outra soma de novas dedicações, novos esforços e sacrifícios irão completar.

A AHBV do Peso Régua sabe, entretanto, e porque julgar continuar a merecer o auxílio de todos, que tal soma vai, mais uma vez, verificar-se”.

Assim, fica-se a saber que a mais bela casa dos bombeiros portugueses, “obra grandiosa” que hoje admiramos, desenhada em 1930, pelo arquitecto portuense Oliveira Ferreira, demorou mais de 20 anos a sair do seu inicial “esqueleto”, caso não fosse essa “soma infindável” de dedicações e sacrifícios de homens bons e generosos, cujos nomes esta Associação terá de escrever em letras de ouro na sua já longa história.

E um deles será sempre, o do Dr. Júlio Vilela.
- Peso da Régua, Março de 2009, José Alfredo Almeida.

- Outros textos publicados sobre os Bombeiros Voluntários de Peso da Régua e sua História:

  • A Tragédia de Riobom - Aqui!
  • Manuel Maria de Magalhães: O Primeiro Comandante... - Aqui!
  • A Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!
  • A cheia do rio Douro de 1962 - Aqui!
  • O Baptismo do Marçal - Aqui!
  • Um discurso do Dr. Camilo de Araújo Correia - Aqui!
  • Um momento alto da vida do comandante Carlos dos Santos (1959-1990) - Aqui!
  • Os Bombeiros do Peso da Régua e... o seu menino - Aqui!
  • Os Bombeiros da Régua em Coimbra, 1940-50 - Aqui!
  • Os Bombeiros da Velha Guarda do Peso da Régua - Aqui!

- Link's:

  • Portal dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua (no Sapo) - Aqui!
  • Novo portal dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!
  • Exposição Virtual dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua - Aqui!
  • A Peso da Régua de nossas raízes - Aqui!

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Textos que valem a pena...

Textos que vale a pena transcrever, ler e reler (transcrição):

«Roriz, História de uma quinta no coração do Douro»

Gaspar Martins Pereira / Edições Afrontamento, 2011

ÀS VEZES, dava jeito falar de livros que não foram escritos por amigos; editados ou produzidos por amigos. Poderia falar, não com mais liberdade, que é sempre a mesma, mas com mais crédito: ninguém pensaria que digo o que digo por amizade.

Este é um caso desses. O Gaspar Martins Pereira, o João Van Zeller e membros da família Symington estão entre os meus amigos.

Feita esta declaração de interesses, tenho a dizer-vos que este livro é maravilhoso. Por isso não só felicito o seu autor e os seus editores e produtores, como lhes agradeço. Prestaram um excelente e raro serviço à História, ao país e ao Douro.

Permitam-me distinguir, evidentemente, o historiador Gaspar Martins Pereira. O trabalho dele, a meio caminho entre a História social, a História económica a História local, com longos devaneios por outras narrativas, incluindo políticas e familiares, é raro no nosso país. Ele soube pôr em prática o melhor estilo e os melhores métodos da monografia local, com fortíssimas implicações regionais e nacionais, o que não é coisa fácil. Fez tudo isto dentro de uma tradição que ele continuou, enriqueceu e desenvolveu: a da investigação sobre a região do Douro, sobre as quintas do Douro, sobre o Vinho do Porto, sobre o comércio do vinho do Porto. Os mais importantes contributos contemporâneos para esta história devem-se a ele, às equipas que ele animou, ao trabalho que fez, às instituições que criou ou ajudou a criar, tanto no Porto, na Universidade, como na região, designadamente o Museu do Douro. E reparem que não é pouca coisa. Douro e Vinho do Porto representam o mais importante produto do comércio externo português durante talvez dois séculos. Sem eles, Portugal seria hoje diferente.

Neste livro, o Gaspar conseguiu um feito extraordinário: o de quase transformar uma quinta numa pessoa! Por isso eu digo, no breve prefácio, que ele fez biografia de quinta, o que não é comum. Vários exemplos conhecidos da mesma arte ficam-se frequentemente pelas longas listas e elencos de custos e preços, de produções e proprietários. Neste caso, há listas e elencos, pois claro, com minúcia e rigor, mas há sobretudo um protagonista, em volta do qual evoluem e giram personagens e famílias, dramas e alegrias, durante séculos.

A Quinta de Roriz é aqui tratada como se fosse uma jóia de família, o que aliás talvez seja mesmo. Há jóias que passam de mãos em mãos, de gerações em gerações, que por vezes voltam à mesma família, que depois surgem na posse de improváveis proprietários para novamente regressar a nomes conhecidos. Há jóias que provocaram divórcios e casamentos, nascimentos e dramas, alianças e combates. Há jóias que tornam famosos os que as possuem, há jóias às quais vale a pena dedicar atenção, meios e esforços. Nesse sentido, a Quinta de Roriz é uma jóia de família. Que se cruzou com várias famílias e assim vai continuar a acontecer. Até porque as próprias famílias acabaram por se cruzar entre si.

Deste livro, muitas seriam as referências obrigatórias, mesmo numa breve apresentação como esta. Mas ficar-me-ei por alguns pontos concretos. Este é um exemplo da continuidade de uma exploração (não poderei dizer empresa no sentido literal do termo) através dos séculos. Não há assim tantos casos conhecidos. Esta quinta beneficiou de diferentes factores que lhe asseguraram essa longa vida.

O primeiro, o seu equilíbrio, a ecologia, a localização e a paisagem. Os seus contornos, como exploração, ajudaram. A ninguém ocorre desmembrar ou fracturar a quinta.

O segundo, a sua excepcional beleza. Poder-se-á dizer que a estética não é um grande valor para a economia ou a produção. Mas a verdade é que tenho a certeza (e conheço testemunhos) que a sua beleza permitiu a criação de relações muito especiais, nomeadamente sentimentais, entre a Quinta e os seus proprietários.

O terceiro foi uma boa estrela da Quinta. Esta teve sorte. Quase todos os seus proprietários se esforçaram por manter o melhor e melhorar o possível. Um sábio jogo entre tradição e renovação, entre os costumes e a inovação, fez com que a Quinta, mau grado exigir um enorme esforço, nunca se transformasse num fardo. Quem a teve, gostava de a ter e respeitava-a. Eis uma atitude fundamental quando falamos de agricultura, de produção vinícola e de património construído e ecológico.

Em conclusão: o livro que temos diante de nós ilustra da melhor maneira a continuidade da exploração, da entidade “quinta”, graças à capacidade de inovação e de actualização. Sem esquecer o factor sentimental que tantas vezes liga os homens às coisas, às pedras e à terra. E ficámos a perceber melhor que há uma espécie de quinta diferente de todas as outras. Há quintas, há fazendas, há herdades, há montes... Depois, há as quintas de vinho. Que noutros países se podem mesmo chamar château ou domaine! A quinta de vinho é especial. Pela organização, pelo produto, pela continuidade da produção, pela mitologia e pelo sentimento. Este livro é um belo exemplo e uma capaz demonstração do que digo.

Outra referência deste livro diz respeito, como menciono no prefácio, às ligações entre portugueses e estrangeiros, entre portugueses e ingleses, entre a lavoura e o comércio, entre a produção e a exportação. Como se sabe (no Norte, sabe-se de certeza, no Sul e em Lisboa, não é seguro...) o Douro e o Vinho do Porto foram sempre motivo de lutas e preconceitos, de contrariedades e contradições. Sob muitos aspectos, nada de novo. Quotas de exportação, preços, fidelidade de contratos, margens de lucro e qualidade do produto foram e são frequentemente motivo de oposição. Aqui também. Com algumas particularidades. Por exemplo, os comerciantes e exportadores produziam pouco, visitavam pouco a região. Ou então o facto de uma cidade a 100 quilómetros de distância ter obtido o nome do produto, o entreposto, o armazém, o prazo de envelhecimento, a sede das empresas, o emprego e as mais valias! Estes são factos reais, não apenas preconceitos. Finalmente, a circunstância de a parte mais importante do comércio e da exportação estar entre mãos de estrangeiros, nomeadamente ingleses. Sobre estas diferenças, construíram-se mitos e querelas ainda hoje recordados e por vezes acordados. Diz-se que o vinho do Porto foi obra dos portugueses, dos durienses e dos lavradores; e que os ingleses apenas souberam aproveitar o que aqueles fizeram, inventaram e trataram. Mas também se diz que foram os ingleses os verdadeiros criadores do vinho do Porto e que os portugueses, pobres e atrasados, apenas souberam produzir o que lhes mandavam. Esta querela, como tantas outras, é inútil e estéril, mas anima as discussões no Douro e no Porto, nos cafés e na Feitoria! Na verdade, o vinho do Porto, o maior contributo material português para a história da humanidade, é resultado do encontro, da convergência, da oposição e da cooperação entre aqueles todos. Produtores, lavradores, comerciantes, exportadores, portugueses, ingleses e holandeses acrescentaram algo e inventaram alguma coisa para o fabrico deste vinho. E desta região.

A este propósito, uma última referência, talvez não explicitamente inscrita neste livro, mas que está implicitamente da primeira à última página: a força do lugar, a força do sítio, a obra da região. A construção e a vida desta quinta mostram bem que o vinho, sobretudo o de muita qualidade, não é simples fruto da Natureza. É obra do homem. Dos trabalhadores. Dos pedreiros. Dos enólogos. Dos lavradores. Dos proprietários. Dos comerciantes. Dos adegueiros. Dos agrónomos. Dos consumidores, enfim. Por isso, ao longo dos séculos, o vinho foi mudando e adaptando-se. Por isso, o vinho e as quintas foram mudando as terras e a região. Foram feitos muros e socalcos. Fizeram-se plantações. Transformou-se a paisagem. Mas, em troca, a paisagem mudou os homens, criou-lhes hábitos, modelou as suas vidas. Em grande parte, a história desta quinta, tão bem contada neste livro, revela, como se de uma câmara escura se tratasse, a história de uma região, de um vinho e de um povo. Os que fizeram este vinho acabaram por ser feitos por ele. E as quintas estão no centro deste processo de união entre o trabalho e a natureza, entre os homens e as terras.

Uma vez mais, felicito e agradeço ao Gaspar Martins Pereira, ao João Van Zeller, à família Symington e às Edições Afrontamento o que hoje nos ofereceram. Bem hajam.

E termino com duas notas pessoais. A primeira, para saudar os novos proprietários da Quinta de Roriz, a família Symington. Conheço-os do Douro e do Porto. Fui recebido em casa deles, explicaram-se o que faziam, mostraram-me várias das suas quintas. Tenho a certeza que a Quinta de Roriz fica em boas mãos. Uma vez, falando com Peter Symington, noutra quinta maravilhosa, a Quinta do Vesúvio, conversávamos sobre as relações entre portugueses e ingleses. A propósito de alguns preconceitos existentes nas relações entre os dois, nunca esquecerei o que ele me disse, a certo momento, já com um ligeiro sotaque do Porto: “Ó António, nós já somos da prata da casa!”.

A segunda é quase um arrependimento. Por falta minha, nunca visitei a Quinta de Roriz a convite do João Van Zeller. Várias vezes ele tomou essa iniciativa, mas eu, por motivos vários, nunca tive a oportunidade de aceder. Do que me arrependo. Mas a verdade é que, por duas vezes, visitei a Quinta sozinho, por meus próprios meios e iniciativa. Nos anos setenta e nos anos oitenta. Uma vez, andei por lá sozinho, a ver e fotografar. Outra, seguido por amável caseiro que me mostrou parte da vinha. Não entrei dentro de casa, que apenas conheço de fotografias. Mas tive ocasião de verificar o que se dizia: que a Quinta de Roriz tem qualquer coisa de doce e mágico. É realmente de uma beleza inexcedível! E, uma vez mais, não deve o que é apenas à natureza e ao local. Deve também muito, quase tudo, aos homens e as mulheres que a fizeram!
Lisboa, 26 de Outubro de 2011

Luz - Comboio de Vila Real à Régua, Linha do Corgo, 1983

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

BOMBEIRO AO MEU JEITO

De certo modo sempre tive os nossos Bombeiros dentro do meu ser.

Em criança era o saudoso Abílio T. Dias, carinhosamente “Bibi” lá em casa, que mal a sirene soava o seu “chamamento”, logo largava o que quer que fosse que o ocupasse, na pressa de chegar, dizendo para o meu pai:-padrinho está a tocar a sirene…

Quando mais tarde chegava, quantas vezes só no dia seguinte, o ritual de sempre. Ardeu muito, onde foi e muitas mais perguntas que trouxessem algum alívio pela aflição que sempre sentia, como se fossem os meus que estivessem em causa. Se porventura era algum acidente de estrada, relatava-nos os danos das viaturas e a situação clínica dos ocupantes.

O “Bibi”, no seu jeito humilde, mas de muita satisfação e maior orgulho pela farda que garbosamente envergava, era a minha referência em cada desfile, que eu não perdia nunca, pendurado na varanda lá de casa, na Rua dos Camilos.

Na adolescência subi muitas vezes as escadas até lá acima, para ir ao Sr. Marinheira levantar e entregar os primeiros livros, não os escolares, que esses transitavam do meu irmão mais velho. O pingue – pingue também me levou muitas vezes ao Quartel.

Com o primeiro ordenado veio a minha inscrição de associado.

Um dia, já na ternura dos 40, o Sr. Eduardo M. Sebastião convidou-me para fazer parte da lista para a direcção. Ainda não tinha acabado de expor o projecto que tinha em mente e já o meu, claro que sim, o interrompia.

Um convite tão honroso só podia ter aquela resposta.

Ao fim de 6 anos, o amigo Eduardo já com 20 anos de director deu por finda a missão.

O Dr. Alfredo Almeida deu-lhe continuidade e ao convite formulado para que eu continuasse, anui com a mesma alegria e satisfação.

Nesses 12 anos, o apelo das marchas e aprumo da Fanfarra, que me acompanhava desde a 1ª apresentação em 15 de Agosto de 1976, aquando das Festas em Honra de Nª Sª do Socorro, avivou-se.

Como o jeito para os instrumentos musicais era pouco, o meu escape foi assumir a direcção da mesma.

Em muitas cidades, vilas, aldeias do nosso cantinho à beira-mar plantado elevei bem alto o Estandarte e marchei consciente que ia ali o meu Torrão Natal. Quanto orgulho e porque não, vaidade até, ao ouvir à nossa passagem os aplausos e a exclamação, são do Peso da Régua, a que se juntava no final o reconhecimento das Comissões de Festas.

Tínhamos que declinar muitos convites, pois a agenda ficava preenchida de um ano para o outro.

Com os nossos Bombeiros tornei-me ainda mais reguense, ao calcorrear e conhecer todos os cantinhos das nossas freguesias, em angariação de fundos, quando o cofre normalmente vazio, requeria algum fundo de maneio extra para socorrer a tantas necessidades.

Um dia a minha avó nos seus 86 anos, só pedia que a levassem no carro dos Bombeiros.

Não queria ir “fechada” num carro fúnebre. O saudoso Comandante Gouveia e a Direcção fizeram-lhe a vontade. O Buick levou a minha querida avó até à última morada. Vou ficar em dívida o resto da minha vida.

As medalhas de bronze e prata com que me galardoaram aquando dos 5 e 10 anos de bons serviços directivos estão orgulhosamente encaixilhados e expostas na sala de visitas ao lado do meu mais querido legado, os meus filhos.

Aos nossos Bombeiros o meu sincero reconhecimento por me terem permitido pertencer a tão honrosa, altruísta e solidária Instituição.

P S - O bom amigo Dr. Alfredo Almeida, há bem pouco tempo, foi o meu cicerone na cortesia de apreciar as recentes obras de requalificação do Quartel Delfim Ferreira. Uma obra digna de realce e de visita obrigatória.
- Miguel Ribeiro Gonçalves
Ao Dr. Alfredo Almeida                                               
Digmo Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua.

Caro amigo,

Fico-lhe grato pelo apreço que deu ao meu artigo, o que para mim foi uma surpresa.

Eu apenas disse o que penso, pois não aceito que certos críticos, que se calhar nunca sentiram a dor duma queimadura e não sabem distinguir o imaginário duma realidade, venham à praça lançar bocas que apenas servem para desmoralizar aqueles que, estóica e voluntariamente, expõem as suas vidas ao serviço da vida dos outros; mesmo que involuntariamente, cometam erros, que as circunstancias tantas vezes tornam inevitáveis; apagar um incêndio como aqueles a que assistimos pela TV, não é o mesmo que apagar a chama duma vela em dia de aniversário e cuspir nos dedos para apagar o pavio: do lado de cá tudo parece fácil, mas do lado de lá, no terreno, o cenário é real e não imaginário!

O Dr. pede-me que escreva sobre os bombeiros da Régua; porém,  eu não tenho matéria suficiente para o fazer, porque, embora o meu apreço pela instituição, não acompanhei de perto a sua história. Posso, no entanto, informá-lo da razão do meu orgulho por ela, que não é exclusividade minha, mas sim, como sabe, o orgulho de quase toda, senão mesmo toda a população do concelho, desde há muitos anos.

Como sabe, eu era ferroviário. Durante a década de 50 do século passado, era eu então factor de 2ª classe, estava na bifurcação do Corgo, a regular a circulação dos comboios procedentes da linha do Alto Douro e da linha do Corgo com destino à Régua e vice-versa, e a entrada e saída do material circulante de e para as oficinas ali existentes.

Um dia, numa conversa a propósito do incêndio da Casa Viúva Lopes, (ao qual não assisti) com o Manuel Fernandes, um operário (já falecido) que era bombeiro e trabalhava naquelas oficinas, fiquei a saber o prestígio que os bombeiros da Régua ao longo da sua historia  haviam granjeado a nível nacional; prestígio confirmado mais tarde pelo Manuel Montezinho, um dos mais acérrimos defensores da construção do conhecido por “bairro dos bombeiros”, quando era membro da direcção, então presidida pelo senhor Dr. Aires Querubim.

Fiquei entusiasmado, propus-me ser sócio da associação e, salvo o erro, terá sido o Manuel Fernandes a tratar da minha inscrição que, se a memória me não falha, com o número 1025. Não fiz nada de especial; afinal, no seu lema de vida por vida, nunca se sabe se um dia, um bombeiro perde a sua vida, para salvar a minha. E quem diz a minha, diz a de muitos outros.
Ninguém é obrigado a ser sócio da associação. Porém, para com uma instituição de voluntários, cabe-nos o dever moral de, voluntariamente também, contribuirmos para a sua grandeza que analogicamente, contribui para o orgulho da nossa terra, competindo à sua direcção e aos próprios bombeiros, com a sua dedicação, a nobre tarefa de alimentá-lo.

Da Régua, uma a uma, todas as instituições nos têm levada. Porém um dos mais ricos patrimónios desta cidade, é a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso Régua, e essa, ninguém nos pode levar.

Com os melhores cumprimentos, 
- José de Oliveira Guerra, Peso da Régua 05-9-2012
  • Bombeiros da Régua no Google (imagens)
Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 13 de Setembro de 2012. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue sómente com a citação da origem/autores/créditos.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Retalhos da net: Luz - Da Régua ao Pocinho


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Blogue "Jacarandá" - DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012

Na linha de caminho-de-ferro, da Régua para o Pocinho. Nesta última estação, o caminho-de-ferro termina. Já não vai até Barca d’Alva, muito menos até Espanha. É a Linha do Norte, que começa no Porto, em S. Bento ou na Campanhã, e ia até Espanha, recebendo ainda passageiros das linhas “afluentes” do Tâmega, do Corgo, do Tua e do Sabor, todas fechadas, condenadas, abandonadas e destruídas. É uma das mais belas linhas de comboio do mundo, com dezenas de quilómetros à beira do Douro, por vezes a meia dúzia de degraus ou poucos metros do rio. Traçada entre vales e vinhas, serviu, durante um século, gente e mercadoria e sobretudo vinho e materiais para a vinha. Afastou os barcos rabelos, foi afastada pelos camiões e pela estrada. Em qualquer parte do mundo, pelo menos nos países civilizados onde houvesse linhas de caminho-de-ferro como estas, sobretudo as do Douro e do Tua, tudo seria feito, em nome da cultura, da qualidade de vida, do turismo decente, da história, da decência, do ambiente e da estética, para que fossem preservadas. Não é assim entre nós! Triste sina!
  • Sobre comboios do DOURO (neste blogue)

sábado, 3 de abril de 2010

No Centenário da República - Um fogo esquecido no Asilo José Vasques

O incêndio que deflagrou no Asilo José Vasques Osório, uma casa de beneficência às crianças pobres e desprotegidas, na madrugada do dia 14 de Fevereiro de 1919, é um dos que merece especial relevo na história dos bombeiros da Régua, pelo heroísmo e a abnegação revelada pelos seus homens.

Este fogo esquecido está apagado nas memórias das pessoas. A Régua ainda não fez a história do acontecimento que lhe deu origem. Pouco se sabe e, esse pouco, encontra-se apenas relatado nas notícias dos jornais da época e nas evocações dos bombeiros.

A sua origem do fogo no Asilo José Vasques Osório está relacionada com um acontecimento que marcou a vida política nacional após o derrube da Monarquia. Depois de 5 de Outubro de 1910, os monárquicos procuraram restaurar a Monarquia, através de movimentos de insurreição, em incursões monárquicas, para devolverem o trono ao Rei D. Manuel.

Na última incursão monárquica, o capitão Paiva Couceiro declarou a restauração da Monarquia, no dia 19 de Janeiro de 1919, na cidade do Porto. Aí nomeou um governo provisório que, durante 25 dias, vai administrar o norte do país, num regime efémero conhecido por “Monarquia do Norte” ou como os republicanos lhe chamavam o “Reino da Traulitânia”.

O triunfo vitorioso das forças monárquicas – chamados de trauliteiros ou talassas - depressa se alargou às principais cidades e vilas do norte do país. Em quase todas derrubam o regime republicano, pela força das armas. Num interessante estudo dessa época, a historiadora Helena Moreira da Silva, dá conta que “em várias localidades esse acontecimento é assinalado com o hastear de bandeiras azuis e brancas nos mastros dos edifícios públicos, o Hino da Carta, o repicar dos sinos, procissões e com o enceramento de serviços públicos…As populações davam largas ao seu contentamento, rebentando foguetes e prendendo democratas republicanos da terra. Convictos de que com a Monarquia seria possível ter novamente a paz e prosperidade…”

A vila Régua foi uma das tomadas pelas tropas monárquicas. Conseguiram sem grande oposição mas com atrocidades, perseguições e detenções a algumas pessoas partidárias de regime republicano, restaurar a Monarquia, ao içarem nos mastros do edifício dos paços do concelho, uma bandeira azul e branca.
Os excessos dos trauliteiros contra algumas pessoas são conhecidos. Quem quiser saber mais pode ler, nos jornais da época, um depoimento impressionante do Sr. Joaquim Pinto Barbosa, preso nos arredores da Régua e barbaramente agredido. Na Régua, para garantir o poder, mantiveram um improvisado quartel-general numas das dependências do Asilo José Vasques Osório, por ficar no centro da vila e perto da estação dos caminhos-de-ferro.

Esta situação manteve-se por alguns dias, até o legítimo governo da República reagir e mandar esmagar este movimento monárquico através de uma grande ofensiva militar para restabelecer a ordem pública nas cidades e nas vilas dominadas pelos monárquicos

Na vila da Régua, as operações de combate as tropas monárquicas aconteceram durante o dia 13 de Fevereiro de 1919 e prolongaram-se pela madrugada do dia seguinte.

A população reguense passou momentos de inquietude e de alarme. Os revoltosos não se renderam e dificultaram, com a destruição do tabuleiro da ponte rodoviária, o acesso de Lamego à Régua. Travou-se, então, um combate com um forte tiroteio de artilharia. As tropas monárquicas encontravam-se entrincheiradas no Asilo José Vasques Osório. Na margem esquerda do rio, estavam colocados os militares da 2ª Divisão do Exército, comandados pelo General Abel Hipólito, para atacarem e derrotarem os revoltosos. Pela madrugada, estes davam-se por vencidos e debandaram para a estação para fugirem num comboio que se encontrava da linha do Corgo, em direcção a Vila Real.

Mas antes, descontrolados com a situação, mostravam a sua face mais violenta e trágica, ao cometerem atrocidades. Assim, para que as suas armas de artilharia e granadas não caíssem nas mãos dos republicanos, lançavam violento fogo ao Asilo e na estação do caminho-de-ferro, provocavam danos no edifício e a destruição dos

O fogo destruiu um edifício simbólico da vila, que havia sido doado por um ilustre benemérito, para acolhimento e educação de crianças pobres e abandonadas. Os seus prejuízos materiais foram incalculáveis A tragédia só não foi maior porque os bombeiros saíram aos primeiros sinais de incêndio, badalados pelo velho o sino da Capela do Cruzeiro. Não vacilaram nem temeram com medo de serem atingidos no combate das tropas, a única preocupação foi de combater o fogo, com zelo e coragem, impedindo as chamas de atingir o material de guerra.

Em 1919, os bombeiros da Régua entravam na história de um conturbado acontecimento da primeira república, que sem se envolverem como protagonistas activos, acabavam como anónimos heróis. Ignorando a realidade histórica associada a este fogo os bombeiros, como uma organização humanitária e da paz, souberam cumprir no melhor profissionalismo a sua missão de socorro e protecção de vidas e bens.
(Clique nas imagens acima para ampliar)

Evidenciando a valentia dos briosos bombeiros, Gaspar da Silva Monteiro, um dos fundadores da Associação, lembrava numa carta, datada de 20 de Agosto de 1928, dirigida ao Presidente do Ministério, o acontecimento assim:

“Na noite de 13 para 14 de Fevereiro de 1919, quando as forças realistas, que operava neste sítios, abandonaram o grande edifício do Asilo José Vasques Osório, onde tinham estabelecido quartel e a cujas dependências puseram fogo, a corporação dos bombeiros da Régua, não olhando aos perigos que corria de ser alcançada pelas balas trocadas entre essas tropas e aquelas que, lado oposto ao rio, se estavam combatendo, acorreu destemidamente a prestar serviços, evitando que fosse totalmente queimado aquele estabelecimento de caridade que dava abrigo, pão e ensino a dezenas de crianças pobres.”

Quando no centenário da implantação da República se evoca o passado dos bombeiros da Régua perspectiva-se o futuro, com a esperança que, pelos valores da igualdade, solidariedade e fraternidade, se continue a promover uma sociedade mais justa

Na verdade, o Asilo José Vasques Osório volta a renascer das cinzas daquele fogo, devido à generosidade humana, que acreditou sempre nesses ideais, para que continuasse a servir até aos nossos dias, como uma “Casa da Criança”.
- Peso da Régua, Abril de 2010, J. A. Almeida.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Tragédia na Ponte da Régua

Eram perto das 18.45 da 1º de Maio de 1964. Mais uma tarde primaveril acabava num horizonte cercado de montes de vinhas verdejantes e as aguas serenas de um rio pasmado na beleza das suas margens. De repente, um estrondoso ruído iria marcar de dor e sofrimento a sossegada vila da Régua.

Cumprindo com exactidão o horário, uma camioneta de passageiros da EAVT fazia o percurso habitual e rotinado, entre a cidade de Lamego e a Vila do Peso da Régua. Atravessava a ponte nova, já nos últimos tabuleiros – ponte destinada a uma linha ferroviária que nunca veio a ser construída. Avistava-se, já muito pertinho, o velho casario do Corgo, o imponente cais de mercadorias da estação do caminho-de-ferro, os táxis e camionetas de carreira a aguardarem passageiros, no Largo da Estação, onde também esta iria fazer a última paragem de giro.
Ao chegar prestes do fim da ponte, a camioneta cruza com um carro, um pequeno Austin Mini. Colidem lateralmente. A camioneta descontrola-se e guina para a esquerda. Sobe o passeio, derruba o gradeamento de ferro e precipita-se numa queda de 30 metros. A camioneta cai sobre lajes e pedregulhos que ladeiam a margem do rio, próximo do local onde as crianças costumavam brincar e tomar banho, conhecido como “Cais da Junqueira”. Desfaz-se em ferros retorcidos e vidros partidos. Gera-se o pânico nos passageiros. Surpreendentemente, um passageiro, o Sr. Matos Ferreira, sai ileso e a primeira coisa que faz é voltar a trás, à procura de um botão caído do seu casaco no meio daqueles destroços.
Pouco tempo depois, chegavam os primeiros bombeiros, o José Manuel Clemente e o pai, que ficam horrorizados com o cenário encontrado. São estes dois homens que prestam os primeiros socorros às vitimas feridas, ajudando-as a sair do interior da camioneta. De imediato, pedem reforços para responder com dignidade à gravidade da situação. Chegam os médicos e enfermeiros que trabalham na Régua e em Lamego, entre os quais é de salientar a presença do Dr. João de Araújo Correia. Começaram a ser retirados os corpos sem vida, o condutor e o cobrador da camioneta. Entre as manchas de sangue, aparecia calçado feminino, pastas de estudantes, uma colecção de pontos de matemática, chapéus de homem, um tubo de pasta dentífrica e as folhas de um ponto de matemática, com o nome do dono, Camilo Bernardes Pereira. Os feridos continuavam a ser retiradas do meio dos ferros retorcidos. Mais uma jovem sem vida, Maria Henriqueta, filha do vice-presidente da câmara, Roque Cruz.

Entretanto, os feridos são transportados nas ambulâncias dos bombeiros para a urgência do Hospital D. Luís I. Pouco tempo depois, corre a notícia de que acabava de falecer mais uma criança. Durante a madrugada, outra menina não resiste aos ferimentos. No dia seguinte, uma outra desiste de viver.
Acabam de perder a vida, neste trágico acidente, cinco adolescentes, na primavera da vida, e dois homens adultos. A Régua vive momentos de grande pesar, deixando-se enlutar pela tragédia das três famílias atingidas.
Para memória futura, João de Araújo Correia, chamado ao local para prestar assistência aos feridos, na sua qualidade de médico, não deixou de evocar a dor e o sofrimento dos sinistrados, dos familiares, dos amigos, de toda a população nem deixou de criticar a falta de civismo dos condutores, em geral, pouco dispostos a cumprirem o código, e lamentou que a tragédia acontecesse numa ponte nova, mas sem condições mínimas de segurança para circulação de veículos nos dois sentidos. Quem o ouviu, nesse tempo? Ninguém..! Fizeram ouvidos de mercador, foi como se nada ali tivesse acontecido. Passados muitos anos, naquela ponte, tudo permanece igual, mas com riscos cada vez maiores. Tudo isso faz parte de uma séria reflexão que ele próprio expôs na crónica “Duas Pontes”, publicada no jornal “Comércio do Porto”, de que aqui se transcreve o essencial:
“Mais um desastre de viação e, desta vez, horroroso. Cinco meninas em flor, ainda estudantes, e dois homens válidos, dois trabalhadores, encontraram a morte dentro de um autocarro, despenhado do alto de uma ponte, na Régua, sobre a margem direita do rio Douro.

Mas, além dos mortos, os feridos... O hospital da Régua foi hospital de sangue no fim de uma batalha. Quem assistiu àquelas ansiedades, àqueles estertores, continua a sonhar amargo pesadelo. O dia 1º de Maio de 1964, dia de rosas, fica assinalado, na Régua, como dia de goivos e martírios.

De quem foi a culpa? A culpa, senhores, não foi de ninguém. A culpa deve atribuir-se ao fatalismo, crença absoluta do automobilista português no que tem de acontecer. Com semelhante credo, tanto lhe faz guiar mal como bem, tanto lhe faz obedecer como desobedecer ao exame de condução. O código só tem valor antes do exame. Feito o exame, é letra morta.

Fanático do fatalismo, o motorista português é suicida sem desgosto e assassino sem rancor. E, se assim se pode dizer, um inocente. Maneira de o desviar de si próprio, fazer-lhe crer no livre arbítrio ou no determinismo, seria castigá-lo, de modo que lhe doesse, quando prevarica. Mas, a lei portuguesa e o tribunal português são benignos com o motorista desastrado. No fim das audiências, ouve-se dizer: pobre de quem morre.

Sobre a má filosofia, o vinho, a pressa, a inveja, o delírio - fazem da estrada portuguesa um cemitério. Não o seria se a lei fosse mais dura, e o tribunal menos indulgente.

Pobre estrada portuguesa! Em vez de caminho florido, é um calvário, uma fábrica de lutos. Na Régua, há hoje exemplos da maior “dor humana". Dois casais felizes perderam, cada um, duas filhas. São, como diria Camilo, sepulcros vivos de duas filhas mortas.
Quem acode à nossa estrada? Quem acode à família portuguesa? O caso da Régua é um grito que implora eco na consciência nacional. Tanta morte em estrada tão pequenina! Os desastres, em Portugal, são o dobro e o tresdobro dos inevitáveis.

O caso da Régua, à parte o erro ou erros de condução, é atribuível a outra espécie de incúria. Se, na ponte malfadada, estreita e desprotegida, com duas guardas que são dois ornatos, fossem proibidos cruzamentos e ultrapassagens, o desastre não teria ocorrido. Mas, nem do lado de Lamego, nem do lado da Régua, há sinal proibitivo. Nem sequer se reforça, num letreiro, o mandamento que obriga a moderar a marcha numa ponte. Não há nada! O que ali se faz, de vez em quando, é espantoso. Vai, pela sua mão, um motorista pacato. De repente, sem tir-te nem guar-te, passa-lhe à esquerda uma sombra. É um automóvel que vai para o outro mundo e quer levar consigo outros automóveis. Mais adiante, o motorista pacato avista uma nuvem. É outro automóvel, que vem ao seu encontro para o matar e fazer do seu carrinho um bolo. Pobre motorista pacato!

Na Régua, há duas pontes. Há a ponte nova, onde se deu o desastre, e a ponte velha, inutilizada por avaria do tabuleiro, mas, com pilares tão rijos, que pede tabuleiro novo. Se lho dessem, teria a Régua duas pontes, bastantes para o seu tráfego. Seriam duas pontes sem desastres, porque o trânsito se faria em sentido único. Ia-se da Régua a Lamego pela ponte velha e regressava-se à Régua pela ponte nova”.
Diz-se que o tempo tudo apaga, mas não parece ser verdade, quando se recordam os acontecimentos da tragédia na ponte da Régua, que não está esquecida por ninguém. Lembram-se dela os familiares das vítimas, onde a dor permanece viva, os feridos que sobreviveram da queda, acreditando que foi um milagre que lhes aconteceu nesse dia.

Os bombeiros também não esquecem o dia da tragédia. Aqueles que ajudaram na operação de salvamento e no transporte dos feridos e os que acompanharam o funeral das duas irmãs da família Roque Cruz, transportadas no velho pronto socorro Buick pela ruas da Régua, entre o hospital e o largo da Igreja Matriz, no Peso, onde se celebraram as últimas cerimónias religiosas.
Esta era a única missão que os bombeiros gostavam de não ter cumprido. Como aconteceu nas últimas viagens, ficou uma dor e luto profundo no coração daqueles homens que pelo caminho interminável da vida, choraram a morte daquelas crianças do acidente trágico, em cima da ponte nova da Régua.

Os nossos bombeiros prefeririam não ter participado nesta missão de dor que enlutou a população da sua vila natal, pelo facto de um acontecimento abrupto ter cortado o fio da vida a algumas jovens da sua comunidade e terem de ser eles a conduzir os restos mortais à última morada. Mas dar acolhimento a tal preferência seria traírem a razão da sua existência na Régua. A dor custa a suportar a todo o ser humano. É nessas ocasiões que as pessoas em sofrimento mais precisam da presença, do apoio e do auxílio dos amigos. Os bombeiros, igualmente em sofrimento, marcaram a sua presença amiga, oferecendo o seu auxílio até ao fim, até ao fel amargo da dor dos familiares destroçados. No meio das lágrimas que choraram mantiveram alta a nobreza que sempre os tem caracterizado.
- Peso da Régua, Dezembro de 2010. Colaboração de J A Almeida* para Escritos do Douro 2010. Clique nas imagens acima para ampliar.
  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua de onde é natural e de figuras marcantes do Douro.
Jornal "O Arrais", Sexta-Feira, 1 de Dezembro de 2010
Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua
Tragédia na Ponte da Régua - 1º de Maio de 1964.
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Tragédia na Ponte da Régua - 1º de Maio de 1964

    segunda-feira, 10 de setembro de 2012

    Retalhos da net: DORMIR NA RÉGUA...

    "T'ás maluco? Vais dormir à Régua? 'Ninguém' dorme na Régua!". Foi esta a reação quase insomníca, de ontem à tarde, assumida por um vila-realense empedernido, quando lhe anunciei que, por uns dias, ia ficar num hotel da Régua, para acompanhar uma missão da UNESCO que vai avaliar da compatibilidade da construção de uma barragem na foz do Tua com o estatuto de "património mundial" do Alto Douro Vinhateiro.

    Por natureza identitária, um vila-realense que se preze não gosta da Régua, melhor, "ignora" a Régua, da mesma forma que se "irrita" com essa "irrelevância" regional que é Chaves. Para um cidadão de Vila Real, a sua cidade é um fenómeno isolado, porque entende que Trás-os-Montes (e o Alto Douro) apenas pode, e deve, ser representado pela sua ímpar urbe. E isto não se discute, por mais modesto que um vila-realense possa e queira ser. Há Vila Real e, depois, só há, para lá do Marão, o Porto. E é tudo! É claro que, um pouco mais "lá para cima", há, mas já bem depois, uma "coisa" a que se chama Bragança (e, de caminho, Mirandela e Macedo, além de umas adjacências onde "não se vai", a não ser a caminho de Espanha). Mas tudo isso já é muito "diferente".

    A Régua esteve situada a 29 km de Vila Real (hoje já é bem menos), pela "estrada velha", que passava por Santa Marta e cujas curvas nos causavam enjoos infantis. Em alternativa, fazia-se quase uma hora de viagem, pela velha linha férrea do Corgo, para ir aí apanhar, até aos anos 60 (quando a camionagem do Cabanelas nos passou a fazer enjoar pelo Marão), o comboio para o Porto. Mais tarde, a Régua ficou um pouco mais próxima, quando se ia pela encosta contrária, por Nogueira. Mas vamos ser justos: por que diabo um vila-realense ia à Régua? Para nada, a menos que fosse para passar para Viseu, ou para ir a à Senhora dos Remédios a Lamego, num assomo de romaria. Ou, como experiência etnológica, se decidisse passar por lá para comprar rebuçados, às mulheres aventaladas à porta da estação e fotografar a mais pequena barbearia do mundo (que deixo a imagem, ontem registada). Às vezes, em fins de semana invernosos, também se passava pela Régua para "ver" as cheias, quando o Douro, antes das barragens (já estou a fazer política "unescal", como notaram), alagava a marginal.

    Nós, em Vila Real, o que é que conhecíamos da Régua? Praticamente, só as "pequenas". Por um excedente de produção de qualidade que nunca ninguém soube explicar, a Régua enviava para Vila Real, para estudar, algumas das mais bonitas garotas que o liceu Camilo Castelo Branco alguma vez teve (e que olhos, senhores!). Os irmãos ou os primos desse "pequename", assumindo uma espécie de "template" automobilístico, vinham sempre à "Bila" de NSU, que traziam aos ralis, às gincanas ou apenas, como dizíamos, para "armar aos cágados", à porta da Gomes, em dias de circuito, a aquecer ruidosamente os escapes. Por essas e por outras é que eu, durante anos, quase que me convenci que, na Régua, não era "gente" quem não andasse de NSU, como se por aí estivesse estabelecido o principal consumo mundial dessas viaturas. "For the record", convém dizer que essas simpáticas colegas vinham cuidadosamente "policiadas" por uma austera (mas muito competente) professora de matemática reguense, a Dona Raquel. Ah! e por falar em policiamento, é também muito importante recordar aqui os "polícias da Régua", tidos como dos mais rigorosos da região, sempre de farta bigodaça e pança proeminente, os quais, dizia-se, eram ferozes a derimir questiúnculas pesadas na zona do Peso (a Régua chamava-se, ou chama-se ainda, nunca percebi bem onde o debate toponímico ficou, Peso da Régua), onde, dizia-se, os ciganos imperavam. "É pior que um polícia da Régua!" era uma frase que, por décadas, se ouvia em Vila Real, para designar alguém com mau feitio. E da Régua chegava, pela voz melodiosa de Carlos Ruela, a "Rádio Alto Douro", para despeito vila-realense, onde imperava um deserto radiofónico.

    Muito mais tarde, fomos "descobrindo" que a Régua também tinha, além do vinho do Porto (ninguém, nessa altura, bebia vinho do Porto, confessemos!, salvo no Natal, casamentos e batizados), o Douro e a sua beleza natural, a qual, lamento ter de dizê-lo, nunca contribuiu muito para melhorar a imagem da (agora) cidade, que é um eterno objeto arquitetónico sem grande interesse, com pontes e viadutos a mais. Da Régua vamos ouvindo ainda, SIClicamente, nas televisões, os protestos às 13 ou às 20 horas (horas oficiais dos protestos, no Portugal contemporâneo) dos produtores de vinho da região, sempre cuidadosamente filmados em frente ao "estadonovense" edifício da Casa do Douro, com lavradores querendo mais "benefício" (o conceito demoraria algum tempo a explicar aqui) e, claro, apoios do Estado.

    Mas, atenção!, na Régua, ou perto dela, comeu-se quase sempre bastante bem (e este bloguista não é indiferente ao tema, como é sabido). Mais recentemente, ia-se ao "Douro In", agora vai-se ao "Castas e Pratos" (fui lá ontem e foi um jantar soberbo!), sito nos velhos armazéns da estação ferroviária. Mais longe, lá para a Folgosa, o Rui Paula continua a dar cartas no "DOC" (depois de as ter dado no "Cepa Torta", em Alijó, e mesmo mantendo o "DOP", junto à Bolsa do Porto). Para uma experiência um pouco mais "radical", porque terá de se defrontar inevitavelmente com o mau feitio do dono da casa, e sempre avisando com antecedência, vá-se pelo cabrito à "Repentina", já fora de portas. E, para melhor discutir a barragem que por aqui nos traz, poder-se-ia acabar a tarde no "Calça Curta", bem junto à velha estação do Tua.

    Eu sou um vila-realense atípico: sempre achei alguma graça à Régua. E hoje vou cá dormir, pensando (sem nostalgias, garanto!) no que será feito das belas reguenses do meu tempo. Boa noite!
    Clique nas imagens para ampliar. Imagem e texto do blogue "duas ou três coisas", com a devida vénia. Sugestão do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2012. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue sómente com a citação da origem/autores/créditos.

    sexta-feira, 5 de julho de 2013

    O DESASTRE DA PONTE

    Eram perto das 18.45 da 1º de Maio de 1964. Mais uma tarde primaveril acabava num horizonte cercado de montes de vinhas verdejantes e as aguas serenas de um rio pasmado na beleza das suas margens. De repente, um estrondoso ruído iria marcar de dor e sofrimento a sossegada vila da Régua.

    Cumprindo com exactidão o horário, uma camioneta de passageiros da EAVT fazia o percurso habitual e rotinado, entre a cidade de Lamego e a Vila do Peso da Régua. Atravessava a ponte nova, já nos últimos tabuleiros – ponte destinada a uma linha ferroviária que nunca veio a ser construída. Avistava-se, já muito pertinho, o velho casario do Corgo, o imponente cais de mercadorias da estação do caminho-de-ferro, os táxis e camionetas de carreira a aguardarem passageiros, no Largo da Estação, onde também esta iria fazer a última paragem de giro... 
    Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2013. Recorte cedido pelo Dr. José Alfredo Almeida. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.