sábado, 3 de setembro de 2011

As primeiras bombeiras


As primeiras bombeiras que integraram o Corpo de Bombeiros da Régua foram a Isabel Correia, a Patrícia Morais, a Sandra Dias e a Guilhermina Silva.

Estávamos já em 1994. Era o Comandante Fernando de Almeida que começava este novo ciclo iniciado, há algum tempo, inícios dos anos 80, em outras corporações, onde surgiram as primeiras bombeiras.

Aquelas quatro jovens mulheres tornaram-se bombeiras por sua vontade própria. Se bem que, de alguma maneira, ajudou muito o exemplo dos seus pais, antigos bombeiros e elementos da sua fanfarra, que lhes ensinaram os ideais do voluntariado.

Estavam desde crianças habituadas ao imaginário dos bombeiros. Em casa viam as fardas, os capacetes e os machados dos pais que usavam para os fogos e, outras vezes, para desfilarem nas cerimónias festivas. Era costume também serem convidadas no Natal para visitarem o quartel e receberem uma prenda oferecida pela direcção da Associação. Esse privilégio dava motivo para, outras vezes, brincarem nos carros de fogo e nas ambulâncias, a fingir que eram já bombeiros. Aprenderam a conhecer os toques da sirene quando tocava a fogo. Aprenderam a dar importância à coragem, abnegação e sacrifícios dos seus pais sempre que eram chamados para ajudar pessoas em perigo ou em risco de perderem seus haveres. Os bombeiros, em qualquer missão de socorro, têm o dever de salvar a vida do seu semelhante mesmo que a sua posa correr perigo. O seu lema universal está sempre: Vida por Vida. Com esse ideal aprendido, essas jovens sonharam que podiam ser iguais aos seus pais. Acreditaram que se podiam tornar em realidade e seriam, como os pais, bombeiras…! 

As primeiras bombeiras foram audaciosas. A ousadia mudou a vida e a rotina num quartel que estava construído para receber apenas os homens. Eram assim desde 1880, os seus fundadores nunca pensaram que, um dia, as mulheres pudessem vestir como uma farda para combater os fogos. Durante muitos anos, um quartel de bombeiros não era um lugar indicado para as mulheres. Por isso, não havia sequer os espaços destinados para as mulheres exercerem as missões de socorro. Quando foram admitidas as primeiras bombeiras, fizeram obras n o quartel Delfim Ferreira para  dar as  condições  as mulheres de  fazerem, sem reservas nem limites, todas as actividades operacionais  de uma missão de socorro.   

Este foi o primeiro passo para primeiras bombeiras se integrarem sem dificuldades no Corpo de Bombeiros que passaram a fazer as mesmas missões de socorro que os homens. Ao toque da sirene, as bombeiras saíam nos carros de fogo e nas ambulâncias, prestavam assistência nos transportes de doentes e, com a mesma coragem, combatiam tanto nos fogos urbanos como nos florestais.

Era o inicio do novo ciclo numa das mais antigas corporações do país que, sem ser pioneira a incorporar as mulheres no Corpo de Bombeiros, aceitou a mudança com naturalidade e soube contornar a resistência dos valores tradicionais de uma sociedade de um meio rural que limitava papel da mulher apenas ser mãe e dona de casa.  
A participação das mulheres nos corpos de bombeiros estava regulamentada desde 1946 pelo Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros, a que corresponde o Decreto n.º 35857, de 11 de Setembro, que consagrou a possibilidade de dentro de certos limites, ou seja, restringia às actividades de apoio à missão operacionais. Esta legislação revogada em 1951, pelo Decreto n.º 38439, de 27 de Setembro, permitia que mulher pudesse fazer um certo tipo de voluntariado nos corpos de bombeiros. Rezava assim, o artº 6 desse diploma legal:  "Os indivíduos do sexo feminino poderão fazer parte dos corpos de bombeiros nos serviços de enfermagem, condução de viaturas, cantinas, secretaria e outros semelhantes".
  
Mas, mesmo assim, só a partir  dos anos 60 é que a presença feminina em muitos corpos de bombeiros do país se tornou frequente, já que começaram a ser constituídos os chamados Corpos Auxiliares Femininos, onde as mulheres que exerciam missões específicas, mas nunca operacionais, dentro do quadro activo do Corpo de Bombeiros.

Daí que o pensamento dominante nessa época era o de que as mulheres deveriam ser afastadas da actividade principal dos corpos de bombeiros. Essa opinião está bem expressa num artigo de opinião de um dirigente associativo, publicada no boletim ”Vida por Vida”, órgão informativo da Associação, em Novembro de 1970, do qual se transcreve esta parte elucidativa:

"Não há dúvida alguma que dar uma farda de bombeiro a uma mulher, colocar-lhe na cabeça um capacete, na cintura um machado e arriba-la a um pronto socorro para ir juntamente com verdadeiros bombeiros a um incêndio – é trata-se de um exagero da nossa lavra. Deixemos essas excentricidades aos estrangeiros, para muitos dos quais a graça feminina parece não estar a merecer grandes atenções… Mas entre nós – pelo amor de Deus! – defendamos o que ainda resta de virtude nos usos e costumes da nossa boa gente. Nós não estamos ainda preparados para tais exotismos. Não fardemos a mulher de bombeiro. Pode dar, sim senhores, um bonito efeito decorativo; mas não brinquemos como coisas sérias.”

Aquelas ideias, hoje completamente ultrapassadas e sem nenhum  sentido,  traduzem os valores subjacentes de uma sociedade machista e reflecte o papel estereotipado reservado à mulher na sociedade portuguesa. Mas, com o 25 de Abril de 1974 o regime democrático estabeleceu na nova Constituição da República Portuguesa o princípio da igualdade entre o homem e a mulher. Desde logo, essa lei fundamental permite que as mulheres tenham acesso com mais facilidade a profissões reservadas aos homens, como era o caso na protecção civil, nas forças de segurança e nos bombeiros voluntários. 

Nos corpos de bombeiros surgiram também significativas mudanças. A mais importante é que as mulheres podem ingressar nos seus serviços operacionais. Assim, na década de 80, inicia-se um processo de reestruturação do serviço de incêndios e as mulheres têm acesso à carreira de bombeiro, passando estas a figurar como elemento do quadro activo e, já nos anos 90, depois de obtida experiência nas categorias de chefia, dá-se a ascensão das mulheres ao quadro de comando dos bombeiros, isto é, no lugar de Comandante.

Actualmente, segundo a Liga dos Bombeiros Portugueses, há cerca de 10 mil bombeiras em actividade. No Corpo de Bombeiros da Régua, a participação das mulheres, desde então, não aumentou de forma significativa: são apenas seis bombeiras que integram o seu quadro activo.
Depois daquelas primeiras heroínas, as actuais bombeiras que fazem parte do quadro activo do Corpo de Bombeiros da Régua fazem a diferença e, sem qualquer dúvida, para o melhor…!
- José Alfredo Almeida*, Agosto de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
  • *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.
As primeiras bombeiras 
Jornal "O Arrais", quinta feira, 25 de Agosto de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)

Colaboração de texto e imagens do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2011.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Recortes - RÉGUA, antes... RÉGUA, depois...

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Entre Margens: o Douro em Imagens


O Douro une Lamego, Mirandela, Peso da Régua, Porto, Santa Marta de Penaguião e Vila Real através da Fotografia em Espaço Público.
Entre Margens é um projecto que intervém nos centros históricos de 6 cidades da Região do Douro através de exposições de fotografia e espectáculos.

Entidade promotora: Fundação Museu do Douro
Direcção Artística: Procur.arte

Parceiros:
Câmara Municipal de Lamego
Câmara Municipal de Mirandela
Câmara Municipal de Peso da Régua
Câmara Municipal do Porto
Câmara Municipal de Santa Marta de Penaguião  
Câmara Municipal de Vila Real

Na expectativa de poder contar com a V. presença segue o programa do mês de Setembro.
Com os melhores cumprimentos.

Helena Freitas
Gabinete de Comunicação

FUNDAÇÃO MUSEU DO DOURO
Museu do Douro - Prémio Museu Europeu do Ano 2011 | Menção Especial do EMYA
Rua Marquês de Pombal | 5050-282 Peso da Régua | Portugal | www.museudodouro.pt | Facebook
Programação para Setembro 2011

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Em tempo de Festas de Nossa Senhora do Socorro recordo Jaime Ferraz Rodrigues Gabão

Em Memória de Jaime Ferraz Gabão - Por M. Nogueira Borges – Publicado no boletim de Festas de Nossa Senhora do Socorro – Peso da Régua - 1994. (Atualização)

Conheci-o em Porto Amélia. O meu destacamento, sediado em Quelimane, viera substituir uns "cocuanes"* que estavam de regresso à Metrópole. Para trás deixava a luxúria dos palmares de Penabe, o esmagamento das infindáveis plantações de chá do Gurué, o silêncio e os ruídos da selva esplendorosa de Mocubela ou Maganja da Costa, a confraternização da boa gente da capital da Zambézia.

Foi em Março de 1968. Em Lisboa, Salazar ainda não agonizava, e Marcelo Caetano repartia o seu tempo entre a Faculdade de Direito, a reescrita do seu Manual de Direito Administrativo e o seu escritório de jurisconsulto ali para os lados da Rua do Ouro, mal sonhando que, em finais desse ano, ocuparia S. Bento para assistir, num desterro brasileiro, ao funeral do Império. Em Lourenço Marques, a Polana estava cheia de sul-africanos e os ecos do Norte mal chegavam às esplanadas.

O Jaime Ferraz Gabão era, a par da sua actividade profissional numa empresa algodeira, o correspondente, para o distrito de Cabo Delgado, do mais prestigiado jornal Moçambicano - o Diário de Moçambique** - e criava, semanalmente, uma página regional onde dava oportunidade a jovens colaboradores. Uniu-nos a paixão pêlos jornais. Essa afinidade gerou entre nós uma profunda estima e, com o tempo, à medida que nos íamos conhecendo, uma amizade tão grande que, ainda hoje, à distância de vinte e seis anos, nem sei como definir.

O Jaime era uma alma generosa e não queria morrer com remorsos nem deixá-los aos vivos. Abandonara a Régua quando os seus sonhos se desfizeram e a realidade que os seus olhos contemplavam era tão crua que não hesitou quando um velho amigo o convidou para abalar até às paragens do indico.

Feito, posteriormente, o reencontro com a Mulher que sempre o acompanhou até ao fim dos seus dias, o meu saudoso amigo ganhou a paz a que todo o ser humano tem direito quando se está de bem com Deus e os seus semelhantes.

África dera-lhe a razão da vida e a justificação para a partilhar. Sob o tecto africano, nos dias abrasadores ou nas noites do cacimbo, o Jaime consumia e retemperava as energias de um homem que, no nosso Douro, herdara o amor do trabalho honrado. Nunca foi patrão nem capataz, nunca ostentou ou humilhou, nunca cortejou poderosos nem desprezou deserdados, nunca separou brancos de um lado e pretos do outro. Amou a África porque a África - caros leitores - é encantamento deslumbrante, um chamamento emocional que arrebata, uma sedução tão arrepiante que não há palavras para a descrever, só sentindo-a, calcorríando as picadas inóspitas e engolindo o seu pó, bebendo água do coco ou dos pântanos solitários, aganando sob o fogo do seu sol ou tremendo nas suas madrugadas de névoa.

Eu entrava em casa do Jaime Ferraz Gabão sem bater à porta, sentava-me à sua mesa sem perguntar onde era o meu lugar, conversávamos horas sem fim no deleite do entardecer, íamos e vínhamos pelas ruas e cafés de Porto Amélia com a naturalidade de quem vivia o tempo todo na fruição plena da fraternidade e as areias da praia de Wimbe já conheciam os nossos pés nas manhãs de Domingo.

Findo o meu tempo de serviço militar regressei à minha aldeia e o Jaime por lá ficou. Ainda recordo, comovido, as nossas lágrimas de despedida.

Um dia, nas sequelas da tal exemplar descolonizaçâo, ele voltou, também, às suas origens. Foi um trauma de que nunca se curou. Aquilo foi como uma traição que, na sua boa fé, não contava; um murro medonho na esquina da sua vida, na pureza da sua certeza patriótica. Desgastado e amargurado, vendo, mais uma vez, o seu ideal a fugir-lhe, mastigou em seco muitas desilusões e incompreensões. Pertencia àquele tipo de homens que não tem pele de elefante porque cultivava a franqueza e a capacidade de perdão. Custava-lhe a ruindade à sua volta, os anátemas dos retornados, a indiferença por uma terra e por uma causa que interiorizara tão profundamente que alturas tinha em que já não sabia se as raízes eram mais fortes - ou mais fracas - do que as saudades dolorosas dos batuques, do cheiro das queimadas, dos dias em mangas de camisa, da leveza das brisas da baía de Pemba, do carregado das trovoadas no mato, do odor a catinga ou dos gritos da hiena sem companhia.

O jornalismo enganou-lhe as recordações, sublimando-as em descrições sempre apaixonadas mas nunca desonestas. Sabia que um jornal, fosse qual fosse o seu dono, não era um palco de propaganda, nem um púlpito de ressabiados pessoalismos, nem um ócio de frustrados a envenenarem relações, nem um palanque onde os vencidos políticos ruminassem vinganças. Praticou um jornalismo de transparência porque não ocultava o relevante e, quando assumia a opinião, não ofendia sentimentos nem provocava a consciência alheia. Tinha a educação herdada do berço e cultivada no pragmatismo do quotidiano. Escreveu muitas páginas de memórias das terras e das gentes por onde andou e viveu sem verbalismos ou maniqueísmos. Viveu o dilema dos que, conhecedores dos largos espaços, se ressentem, sofrídamente, das estreitezas dos horizontes, onde, afinal, a poesia da alma se reflecte no limite dos muros da indiferença das coisas e das pessoas. Sem sabedorias arcádicas ou carreiras/academistas, mas possuidor de um entusiástico autodidactismo. O Jaime Ferraz Gabão transformava a simplicidade escondida na mais bela descoberta. Homem solidário, condoía-se de um pé descalço e não dominava as revoltas do seu sangue. Se é preferível a responsabilidade dos gestos que não praticamos porque outros nos impedem aos que não fazemos porque a eles nos recusamos, o Jaime culpava-se de todas as injustiças do dia a dia da vida. Era um espírito em permanente responsabilização e nunca contente de ver realizar-se o que se deve. Se aqui recordo o Jaime Ferraz Gabão neste livrinho das Festas em Honra de Nossa Senhora do Socorro, onde ele sempre colaborava com alegria, não é só para que conste, mas também para implorar à nossa Padroeira que, não se esquecendo de todos nós - os vivos - não olvide o meu querido e saudoso Amigo que, na Fé, viveu sempre, mesmo quando a morte já lhe rondava os passos.
- Por M. Nogueira Borges – Boletim das Festas de Nossa Senhora do Socorro de 1994 (“recorte” cedido gentilmente por J A Almeida).

* - "cocuanes" termo adaptado do idioma macua e que quer dizer velho(os), no caso: "...viera substituir uns militares mais antigos".
**retifico - Jaime Ferraz Gabão era correspondente e distribuidor para Cabo Delgado do Diário de Lourenço Marques com sede em Lourenço Marques, atual Maputo. Embora colaborasse eventualmente com outros jornais moçambicanos e portugueses, o Diário de Moçambique estava sediado na cidade da Beira e, se a memória não me falha, seu correspondente para Cabo Delgado era o também saudoso Administrador Zuzarte.
  • Jaime Ferraz Rodrigues Gabão citado no portal do Sport Club da Régua - Aqui!
  • Cartal de Longe - Lembrando o cidadão e  o jornalista Jaime Ferraz Rodrigues Gabão - Aqui!
  • UM DE NÓS - Em Memória de Jaime Ferraz Gabão - Aqui!
  • Várias 'ligações'(post's) que comentam Jaime Ferraz Rodrigues Gabão - Aqui!

RECORDANDO... - Por Jaime Ferraz Rodrigues Gabão, a propósito das Festas de Nossa Senhora do Socorro

Em Memória de Jaime Ferraz Gabão - Por M. Nogueira Borges – Publicado no boletim de Festas de Nossa Senhora do Socorro – Peso da Régua - 1994.