As
primeiras bombeiras que integraram o Corpo de Bombeiros da Régua foram a Isabel
Correia, a Patrícia Morais, a Sandra Dias e a Guilhermina Silva.
Estávamos
já em 1994. Era o Comandante Fernando de Almeida que começava este novo ciclo iniciado,
há algum tempo, inícios dos anos 80, em outras corporações, onde surgiram as
primeiras bombeiras.
Aquelas
quatro jovens mulheres tornaram-se bombeiras por sua vontade própria. Se bem
que, de alguma maneira, ajudou muito o exemplo dos seus pais, antigos bombeiros
e elementos da sua fanfarra, que lhes ensinaram os ideais do voluntariado.
Estavam
desde crianças habituadas ao imaginário dos bombeiros. Em casa viam as fardas,
os capacetes e os machados dos pais que usavam para os fogos e, outras vezes,
para desfilarem nas cerimónias festivas. Era costume também serem convidadas no
Natal para visitarem o quartel e receberem uma prenda oferecida pela direcção
da Associação. Esse privilégio dava motivo para, outras vezes, brincarem nos
carros de fogo e nas ambulâncias, a fingir que eram já bombeiros. Aprenderam a
conhecer os toques da sirene quando tocava a fogo. Aprenderam a dar importância
à coragem, abnegação e sacrifícios dos seus pais sempre que eram chamados para
ajudar pessoas em perigo ou em risco de perderem seus haveres. Os bombeiros, em
qualquer missão de socorro, têm o dever de salvar a vida do seu semelhante
mesmo que a sua posa correr perigo. O seu lema universal está sempre: Vida por
Vida. Com esse ideal aprendido, essas jovens sonharam que podiam ser iguais aos
seus pais. Acreditaram que se podiam tornar em realidade e seriam, como os
pais, bombeiras…!
As
primeiras bombeiras foram audaciosas. A ousadia mudou a vida e a rotina num quartel
que estava construído para receber apenas os homens. Eram assim desde 1880, os seus
fundadores nunca pensaram que, um dia, as mulheres pudessem vestir como uma
farda para combater os fogos. Durante muitos anos, um quartel de bombeiros não
era um lugar indicado para as mulheres. Por isso, não havia sequer os espaços
destinados para as mulheres exercerem as missões de socorro. Quando foram
admitidas as primeiras bombeiras, fizeram obras n o quartel Delfim Ferreira
para dar as condições as mulheres de fazerem, sem reservas nem limites, todas as
actividades operacionais de uma missão
de socorro.
Este foi o primeiro passo para primeiras
bombeiras se integrarem sem dificuldades no Corpo de Bombeiros que passaram a fazer
as mesmas missões de socorro que os homens. Ao toque da sirene, as bombeiras saíam
nos carros de fogo e nas ambulâncias, prestavam assistência nos transportes de
doentes e, com a mesma coragem, combatiam tanto nos fogos urbanos como nos
florestais.
Era o inicio do novo ciclo numa das mais
antigas corporações do país que, sem ser pioneira a incorporar as mulheres no
Corpo de Bombeiros, aceitou a mudança com naturalidade e soube contornar a
resistência dos valores tradicionais de uma sociedade de um meio rural que
limitava papel da mulher apenas ser mãe e dona de casa.
A participação das mulheres nos corpos de
bombeiros estava regulamentada desde 1946 pelo Regulamento Geral dos Corpos de
Bombeiros, a que corresponde o Decreto n.º 35857, de 11 de Setembro, que
consagrou a possibilidade de dentro de certos limites, ou seja, restringia às
actividades de apoio à missão operacionais. Esta legislação revogada em 1951,
pelo Decreto n.º 38439, de 27 de Setembro, permitia que mulher pudesse fazer um
certo tipo de voluntariado nos corpos de bombeiros. Rezava assim, o artº 6 desse
diploma legal: "Os
indivíduos do sexo feminino poderão fazer parte dos corpos de bombeiros nos
serviços de enfermagem, condução de viaturas, cantinas, secretaria e outros
semelhantes".
Mas, mesmo
assim, só a partir dos anos 60 é que a presença
feminina em muitos corpos de bombeiros do país se tornou frequente, já que começaram
a ser constituídos os chamados Corpos Auxiliares Femininos, onde as mulheres
que exerciam missões específicas, mas nunca operacionais, dentro do quadro
activo do Corpo de Bombeiros.
Daí
que o pensamento dominante nessa época era o de que as mulheres deveriam ser
afastadas da actividade principal dos corpos de bombeiros. Essa opinião está
bem expressa num artigo de opinião de um dirigente associativo, publicada no
boletim ”Vida por Vida”, órgão informativo da Associação, em Novembro de 1970,
do qual se transcreve esta parte elucidativa:
"Não há dúvida alguma que dar uma farda de bombeiro a uma mulher,
colocar-lhe na cabeça um capacete, na cintura um machado e arriba-la a um
pronto socorro para ir juntamente com verdadeiros bombeiros a um incêndio – é
trata-se de um exagero da nossa lavra. Deixemos essas excentricidades aos
estrangeiros, para muitos dos quais a graça feminina parece não estar a merecer
grandes atenções… Mas entre nós – pelo amor de Deus! – defendamos o que ainda
resta de virtude nos usos e costumes da nossa boa gente. Nós não estamos ainda
preparados para tais exotismos. Não fardemos a mulher de bombeiro. Pode dar,
sim senhores, um bonito efeito decorativo; mas não brinquemos como coisas
sérias.”
Aquelas
ideias, hoje completamente ultrapassadas e sem nenhum sentido,
traduzem os valores subjacentes de uma sociedade machista e reflecte o papel
estereotipado reservado à mulher na sociedade portuguesa. Mas, com o 25 de
Abril de 1974 o regime democrático estabeleceu na nova Constituição da
República Portuguesa o princípio da igualdade entre o homem e a mulher. Desde
logo, essa lei fundamental permite que as mulheres tenham acesso com mais
facilidade a profissões reservadas aos homens, como era o caso na protecção
civil, nas forças de segurança e nos bombeiros voluntários.
Nos corpos de bombeiros surgiram também
significativas mudanças. A mais importante é que as mulheres podem ingressar
nos seus serviços operacionais. Assim, na década de 80, inicia-se um processo
de reestruturação do serviço de incêndios e as mulheres têm acesso à carreira
de bombeiro, passando estas a figurar como elemento do quadro activo e, já nos
anos 90, depois de obtida experiência nas categorias de chefia, dá-se a
ascensão das mulheres ao quadro de comando dos bombeiros, isto é, no lugar de
Comandante.
Actualmente,
segundo a Liga dos Bombeiros Portugueses, há cerca de 10 mil bombeiras em
actividade. No Corpo de Bombeiros da Régua, a participação das mulheres, desde então,
não aumentou de forma significativa: são apenas seis bombeiras que integram o seu
quadro activo.
Depois
daquelas primeiras heroínas, as actuais bombeiras que fazem parte do quadro activo
do Corpo de Bombeiros da Régua fazem a diferença e, sem qualquer dúvida, para o
melhor…!
-
José Alfredo Almeida*, Agosto de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
- *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.
As primeiras bombeiras
Jornal "O Arrais", quinta feira, 25 de Agosto de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
Colaboração
de texto e imagens do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o
blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2011.
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