sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Dr. Júlio Vilela: um grande presidente de direcção
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
A passagem do testemunho
Além dos convidados oficiais, onde se destacava o Eng. Álvaro Mota, presidente da Câmara Municipal e o Senhor Padre Luís Marçal Gouveia, esteve presente o velho comandante para, com muita devoção e carinho, para apadrinhar o seu sucessor e colocar-lhe as divisas na sua farda azul. Com este solene e distinto acto, o velho comandante fechava um ciclo nos bombeiros do Peso da Régua. As três décadas do comando de Carlos de Cardoso dos Santos foram de grande estabilidade no Corpo de Bombeiros. As várias direcções que o acompanharam, ao longo de 31 anos, deram o melhor para o engrandecimento da associação, deixando um trabalho positivo no melhoramento do quartel e na modernização do parque de viaturas de incêndios e de saúde.
Ao assumir novas funções de comandante, Fernando de Almeida que, até essa data, era o presidente da direcção (1988-1990), teve de abdicar desse seu cargo social. A sua desistência provocou a demissão de todos elementos dos órgãos sociais. E, perante, a situação foram convocadas, nos termos estatutários, as eleições.
Imediatamente duas listas de associados apresentaram as candidaturas: a liderada por José Manuel Moura e outros elementos da direcção anterior e uma alternativa, chefiada pelo professor Renato Aguiar, ex-presidente socialista da Autarquia e, por inerência presidente da assembleia-geral, que tinha sido derrotado para a presidência da Câmara Municipal, pelo social-democrata Álvaro Mota
Os sócios da Associação, em assembleia-geral, realizada no dia 12 de Outubro de 1990, escolheram, por escassos cinco votos, a lista de José Manuel Moura (1990-92). Os bombeiros, parece que apoiantes da lista contrária, reagiram mal e com algum desagrado à escolha. Agindo mais com a emoção do que com a razão, a totalidade do Corpo Activo decidiu auto-suspender as suas funções….Assim mesmo! Queriam dar um exemplo de força, mas apenas conseguiram mostrar falta de razão na atitude, ausência de valores éticos e um total sentido de irresponsabilidade.
Esse momento de crise e mal-estar prejudicou, uma vez mais, a imagem dos bombeiros, manchou a história da Associação e envergonhou a memória dos seus fundadores. Esquecendo as regras do civismo e do humanismo, os homens sem valores procuram mais valorizar as suas aspirações pessoais em vez de respeitarem sentimento colectivo e a valia histórica da instituição.
O caso foi comentado nos jornais locais e nacionais como uma crise nos bombeiros. A gravidade dos factos não dignificou em nada o prestígio da centenária associação e dos bombeiros com e sem farda que, ao longo de sucessivas gerações, a respeitaram e a tornaram cada vez mais eficiente e maior.
Com a legitimidade de ter sido um ilustre director, o Dr. Camilo de Araújo Correia, numa deliciosa crónica intitulada “Uma Chamada na eternidade”, publicada “O Arrais”, de 17 de Outubro de 1990, sentiu a necessidade de comentar o caso, no seu estilo de humor critico, bonomia e fina ironia, com uma lição de moral aos bombeiros faltosos:
“Pelo que os jornais disseram abertamente e os amigos falaram à boca pequena, a última eleição dos elementos directivos dos bombeiros voluntários do Peso da Régua teve aspectos de braço de ferro e ranger de dentes.
Não cabe no meu comentário referir as serpentinas e garrafinhas de cheiro que das duas falanges atiraram uma à outra, traduzindo pútridos fermentos de incuráveis frustrações.
Eu sei que eleições são eleições e falanges são falanges. O que eu não sabia era que o recurso ao “vale tudo” pudesse um dia acontecer nos garbosos e briosos bombeiros da minha terra.
Mas aconteceu.
Os rapazes do Corpo Activo, toldados pelo miasma político latente, pousaram a machadinha, só porque não ganhou a lista da sua simpatia!!! E não se julgue que foi gesto indigesto de momento. Noventa por cento dos bombeiros já se negou a prestar serviço.
Esta atitude insuspeitada em mais de cem anos de História impoluta, não surpreendeu, tanto assim, o homem que hoje sou, um pouco capaz de acreditar em tudo.
Quem se surpreendeu até à comoção foi aquele menino que anda dentro de nós e um dia recordei.
(…)
Naquele tempo os meninos vestiam a farda para serem homens. Os homens de hoje despem-na para serem nada.
Quero fazer uma chamada na eternidade, nesta hora de passar a revista cá terra a uma formatura de nadas:
- Manuel Maria de Magalhães…
- Presente!
- José Afonso de Oliveira Soares…
- Presente!
- Joaquim de Sousa Pinto…
- Presente!
- Camilo Guedes Castelo Branco…
- Presente!
Sempre fiéis à sua Corporação, à sua terra, a si próprios! Mesmo no infinito”.
Agora, no infinito, o Dr. Camilo ao lado desses garbosos e cultos comandantes - o poeta, o pintor e o jornalista - numa amena e humorada cavaqueira de amigos, estará, por certo, a sorrir para alguns dos seus conhecidos velhos bombeiros, que só sabiam correr para apagar os fogos com o coração cheio de humanidade. Eles, certamente, no vagar do tempo estarão a desvendar pedaços de novas e divertidas histórias, com a mesma ternura e ironia, que nos comovem de pertencer a esta nossa grande família. E, que deixa de herança aos vindouros, um incalculável património imaterial, o maior legado das memórias colectivas dos bombeiros voluntários da Régua.
Estes extraordinários homens fazem não só parte do nosso passado, mas muito mais, do presente e do futuro. Sabemos que eles são fiéis à sua corporação e à sua terra em qualquer lado…mesmo na Eternidade. Se queremos ser os melhores bombeiros cá na nossa terra, se queremos honrar os seus testemunhos de vida, precisamos de escutar as suas palavras, os seus conselhos…os seus ralhos, para percebemos bem o valor e a grandiosidade da instituição.
E, quem não for capaz de os entender não será capaz de entender mais ninguém…!
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
O desfile na Figueira da Foz
Este desfile acontecia no fim de uma longa viagem, que tinha começado ao amanhecer na Régua, preparada como uma romagem de gratidão para apresentarem aos bombeiros figueirenses o sincero reconhecimento pela atribuição do título de sócia - honorária à associação humanitária duriense. Com esta honrosa distinção enaltecia-se não só a sua brilhante história como o trabalho e o mérito de uma equipa de dirigentes notáveis e de um jovem comandante cheio de aspirações. A notícia do jornal “Vida por Vida” dizia que os bombeiros da Régua partiram rumo à Figueira da Foz para “agradecerem a honrosa distinção e patentearem o quanto a Régua se sentia cativada pela deferência”.
Ao olhar para as fotografias do desfile, que se revelam pela primeira vez, as recordações desse tempo vêem à memória como se estivéssemos a assistir um filme antigo em que, os nossos garbosos e briosos bombeiros, vão ganhando uma nova vida, encantando-nos com os seus momentos de humanidade. Foram assim os anos de comando de Carlos Cardoso dos Santos. Esta viagem, que ele sonhou, não foi um simples passeio. Seguia na caravana uma representação que ia divulgar o nome da Régua como berço do vinho do Porto. A viagem serviu para os bombeiros levarem na sua bagagem a beleza natural da Régua e da região demarcada do Douro, à altura um destino turístico completamente desconhecido no país, a fama do nosso vinho fino, único no Mundo, e as potencialidades do Alto-Douro Vinhateiro, que foi em 2001 consagrado como património da humanidade, considerado “no mapa da pequenez que nos coube, a única evidência incomensurável capaz de assombrar o mundo”.
Deve dizer-se ainda que Carlos Cardoso foi o principal responsável pelo forte dinamismo do Corpo de Bombeiros e pelas relações de amizade e de intercâmbio de saberes e experiências, que se estabeleceram com outras importantes congéneres do país. Depois, como um homem bom, procurou fazer sempre a amizade e fraternidade entre os homens que vivem do bem comum e da solidariedade humana.
Sem saudosismos do passado, gostávamos de voltar a fazer outra viagem à famosa praia da Claridade, com os meus ideais de Carlos Cardoso dos Santos, seguindo os novos itinerários geográficos, para renovar os laços de amizade dos homens ligados ao vinho e à vinha com os das gentes do mar da Figueira da Foz. Uma das melhores coisas da vida é podermos manter estas velhas amizades. As que resistiram à erosão do tempo e nos ajudaram a vencer os momentos de dificuldades.
Para recordarmos melhor este acontecimento, transcrevemos parte da notícia “Romagem de Gratidão”, inserida no jornal “Vida por Vida”, de Julho de 1961, em que nos são contados mais pormenores da vigem, desfile e recepção aos bombeiros da Régua:
“Quis a Corporação dos Bombeiros Voluntários da Figueira, num gesto de penhorante camaradagem, conferir à nossa Associação o grau de sócia honorária. Não se pode um gesto destes, no meio de homens que vivem o ambiente do bem comum e da solidariedade e de solidariedade humana.
Mas, os bombeiros Voluntários da Régua é que não podiam ficar indiferentes a tão cativante atitude.
Honra, pois e glória à velha e simpática corporação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz! A Régua, na primeira oportunidade, espera-vos!”
Não sei se essa primeira oportunidade chegou a acontecer. Não tenho conhecimento nem uma informação segura, mas caso ainda não tenho ocorrido, os bombeiros da Régua tem todo o gosto de receber os seus camaradas da Figueira da Foz na sua cidade, no seu quartel Delfim Ferreira, para saborearem um cálice de Porto, o nosso “vinho fino”, os outros vinhos do Douro, como os tintos Cabeça de Burro e o Tellus da adega cooperativa, navegarem nas águas do rio e se deslumbrarem, em Galafura, com a paisagem que se avista do miradouro de S. Leonardo, como se fosse o capitão de um barco gigantesco de pedra que ali tivesse encalhado para a eternidade.
Como em 1961, repetimos à moderna e activa corporação humanitária dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz: a Régua espera-vos, sempre…!
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Recordação da passagem por Coimbra
Recuamos 45 anos no tempo, para voltarmos a passar pelo Largo da Portagem, junto ao rio Mondego, em Coimbra, no magnifico Chevrolet, acompanhados pelos mesmos garbosos bombeiros – alguns felizmente vivos e boa saúde como o Laurindo Lemos, o Armindo Pinto e o Lafayete - para uma paragem de descanso, numa viagem que, em 2 de Junho de 1964, tinha como destino o regresso de Évora à Régua.
No caminho pelas ruas da baixa coimbrã voltamos a ter a sorte de cruzarmos com o velho fotógrafo António Teixeira. E ainda bem! Esse encontro permite-nos conversar sobre as boémias dos estudantes, as capas negras, as queimas das fitas e os fados e as serenatas ao luar. Uma conversa sem fim….para recordar o tempo passado. Emocionado com aquelas fardas azuis, que sempre o apaixonaram, o simpático fotógrafo percebeu que, naquele dia, estava viver um momento invulgar.
O quarto do Zé Pinto, o quarteleiro, era também minúsculo e abria para o parque automóvel. Deste se passava à sala de jogos, por dois degraus. O quartel acabava aqui, se não contarmos uma pequena cozinha lá no fundo. Cozinhava ali a senhora Antoninha, esposa do Zé Pinto, ainda hoje inconformada viúva, e ele próprio preparava os petiscos que os jogadores da noite lhe pediam.
Jogava-se um bilhar muito gozado, um dominó muito batido e umas cartas muito lambidas.
Havia, ainda uma estante de livros sonolentos, perturbados, muito de longe em longe, por esporádico leitor.
As formaturas só se desfaziam no quartel, à medida que iam entrando. De maneira que a porta estreita oferecia grandes dificuldades para manter o aprumo. As maiores dificuldades eram as do Justino, garboso porta-bandeira de muitos anos. Garboso, mas desastrado…De rígida marcialidade, esquecia muita vezes o globo da entrada: aquele globo de luz melancólica marcada por uma cruzinha vermelha. A rigidez do corpo e do gesto não lhe permita baixar suficientemente a bandeira. Zás!...mais um globo. De nada valiam os avisos mais próximos, feitos, disfarçadamente, pelo canto da boca: - Ó Justino…Ó Justino…olha o globo! Bumba!...mais um.
Até que um dia o Justino, muito infeliz, propôs que se arranjasse um globo de lata.
Coitado do Justino. Já lá está, nem sei há quantos anos.
Não pôde levar a sua querida bandeira dos Bombeiros da Régua. Ainda bem. Eu sei lá, se com o vagar da Eternidade, nos andaria a quebrar as estrelas, uma a uma”.