sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Recordação da passagem por Coimbra

(Clique na imagem para ampliar)

Recuamos 45 anos no tempo, para voltarmos a passar pelo Largo da Portagem, junto ao rio Mondego, em Coimbra, no magnifico Chevrolet, acompanhados pelos mesmos garbosos bombeiros – alguns felizmente vivos e boa saúde como o Laurindo Lemos, o Armindo Pinto e o Lafayete - para uma paragem de descanso, numa viagem que, em 2 de Junho de 1964, tinha como destino o regresso de Évora à Régua.

No caminho pelas ruas da baixa coimbrã voltamos a ter a sorte de cruzarmos com o velho fotógrafo António Teixeira. E ainda bem! Esse encontro permite-nos conversar sobre as boémias dos estudantes, as capas negras, as queimas das fitas e os fados e as serenatas ao luar. Uma conversa sem fim….para recordar o tempo passado. Emocionado com aquelas fardas azuis, que sempre o apaixonaram, o simpático fotógrafo percebeu que, naquele dia, estava viver um momento invulgar.

Os bombeiros da Régua eram personagens diferentes que mudavam o sentido e às suas vivências citadinas. Aqueles homens eram diferentes de todos que já tinha captado em imagens pela sua antiga máquina fotográfica. Ele, podia agora, juntar-se ao lado deles, próximo do carro de fogo, e fazer o retrato que tanto desejava, como se fosse também um desses briosos bombeiros. Era aquela passagem, sua oportunidade de entrar ainda a tempo no imaginário desse maravilhoso mundo, que o fazia sonhar desde os tempos de infância. E, de nesse momento, fugir ao efémero da vida e de conquistar a sua notoriedade, ao lado dos bombeiros, impecavelmente vestido no seu melhor fato. Se calhar, até a própria imortalidade nos arquivos e nas nossas memórias.

Essa passagem por Coimbra é um momento marcante na vida desse grupo de bombeiros. A viagem para Évora era uma espécie de prémio pelo seu empenhamento e dedicação ao voluntariado. Esses homens fizeram parte da história de um grande acontecimento para os destinos dos bombeiros. É o que dizem, nas costas do retrato, as palavras dactilografadas numa antiga Remington do fotógrafo: “Recordação da passagem por Coimbra dos Bombeiros Voluntários da Régua, no regresso de Évora, onde foram tomar parte no CONGRESSO DOS BOMBEIROS PORTUGUESES”.

Nesses tempos da década de 60, as distâncias que separavam a então vila do Peso da Régua e a cidade de Coimbra eram muito maiores e, então para Évora, já nem falava. Mesmo assim, os bombeiros da Régua marcaram uma forte presença no 16.º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses, realizado nessa cidade alentejana, entre 27 a 31 de Maio de 1964.

Desde então, as acessibilidades rodoviárias do país melhoram muito com a construção de melhores vias de comunicação. O mesmo aconteceu com nos equipamentos e carros dos corpos de bombeiros e com a gestão associativa. As velhas estradas nacionais a percorrer entre o norte e o sul pareciam nunca ter fim. Ir de carro do interior até ao litoral e ao sul era uma aventura para longas horas de jornada, quando não fosse um dia inteiro, que tinham paragens obrigatórias no caminho para almoçar bem, descansar e, em dias de azares, mudar os furos nos pneus, e outras peripécias divertidas que ajudavam a passar o tempo. A cidade dos estudantes era, nesse tempo, um lugar de passagem – e, muitas vezes, de paragem - para o trânsito rodoviário que circulava para o sul ou para o norte. Como foi o caso dos bombeiros da Régua que, em 1964, viajam de Évora, no carro de fogo, que é conhecido com o nome de “Nevoeiro”.

Confesso que gosto muito desta fotografia, a observo vezes sem conta, comovido com o exemplo desses bombeiros, que marcaram uma época de glórias…e nos deram o melhor de si, num tempo em que tudo era mais difícil de conseguir. Recorda-los hoje, é um acto de eterna gratidão. Eles são uma memória futura do que é o verdadeiro voluntariado. Eles dizem-nos, com a sua humildade espelhada nos seus rostos, que o voluntariado tem uma dimensão social, humana e fraterna.

Em homenagem a estes generosos homens, recordamos a crónica “Os meus Bombeiros” do Dr. Camilo de Araújo Correia – Presidente da Direcção da AHBVPR em 1964/65 – publicada no jornal “O Arrais”, em 6 de Dezembro de 1990, onde nos conta deliciosas memórias dos bombeiros do seu tempo….em que o Justino fazia as suas divertidas graças:

“Quem já fez uma dezena de anos, ao assistir a estas festas centradas nas magníficas instalações dos nossos bombeiros, não pode deixar de recordar o velho e minúsculo quartel do Cimo da Régua. Velho, modesto e pequeno, mas muito querido dos seus frequentadores e visitantes fortuitos, sem falar do rapazio, incapaz de passar adiante sem se deslumbrar como o pronto -socorro de cadeirinhas e com a ambulância, uma caranguejola esquinuda, de um branco duvidoso e conforto ainda mais duvidosos…Os carros entravam à justa na porta estreita, sempre com grande vozearia de indicações e avisos.

O quarto do Zé Pinto, o quarteleiro, era também minúsculo e abria para o parque automóvel. Deste se passava à sala de jogos, por dois degraus. O quartel acabava aqui, se não contarmos uma pequena cozinha lá no fundo. Cozinhava ali a senhora Antoninha, esposa do Zé Pinto, ainda hoje inconformada viúva, e ele próprio preparava os petiscos que os jogadores da noite lhe pediam.

Jogava-se um bilhar muito gozado, um dominó muito batido e umas cartas muito lambidas.

Havia, ainda uma estante de livros sonolentos, perturbados, muito de longe em longe, por esporádico leitor.

As formaturas só se desfaziam no quartel, à medida que iam entrando. De maneira que a porta estreita oferecia grandes dificuldades para manter o aprumo. As maiores dificuldades eram as do Justino, garboso porta-bandeira de muitos anos. Garboso, mas desastrado…De rígida marcialidade, esquecia muita vezes o globo da entrada: aquele globo de luz melancólica marcada por uma cruzinha vermelha. A rigidez do corpo e do gesto não lhe permita baixar suficientemente a bandeira. Zás!...mais um globo. De nada valiam os avisos mais próximos, feitos, disfarçadamente, pelo canto da boca: - Ó Justino…Ó Justino…olha o globo! Bumba!...mais um.

Até que um dia o Justino, muito infeliz, propôs que se arranjasse um globo de lata.

Coitado do Justino. Já lá está, nem sei há quantos anos.

Não pôde levar a sua querida bandeira dos Bombeiros da Régua. Ainda bem. Eu sei lá, se com o vagar da Eternidade, nos andaria a quebrar as estrelas, uma a uma”.

Tem toda a razão, Dr. Camilo… esse nosso Justino não era nada de confiar! Com um bombeiro da Régua assim distraído no quartel da eternidade, uma sua passagem mais descuidada pelo estrelado firmamento duriense, era motivo para nos tirar a luz cintilante das nossas maravilhosas noites de verão, à beira das margens e socalcos do rio Douro. Mas, no imenso infinito, o bombeiro Justino – e, como ele, tanto outros - continua ainda dar sentido e humanidade à nossa existência e a fazer acreditar-nos que, a vida cá na terra, pode ser mais que do que uma simples passagem… na vida.

Como aquela passagem por Coimbra que, pelo retrato do fotógrafo António Teixeira, será recordada com saudades, num regresso ao futuro, como uma viagem inesquecível para aquele grupo de bombeiros da Régua.

Ao contrário do que se diz, há lugares em que devemos voltar, sempre...nem que seja, outra vez, de passagem! - Peso da Régua, Setembro de 2009, José Alfrefo Almeida.

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Régua: Na Missa das Vindimas falou-se dos graves problemas sociais do Douro!

Realizou-se no passado Domingo, dia 06 de Setembro, em Peso da Régua a Missa das Vindimas.

A eucaristia foi celebrada na Igreja Matriz do Peso da Régua, tendo sido presidida pelo Arcipreste Luís Marçal e co-celebrada pelo Padre Vítor Melícias.

Esta iniciativa cumpre a tradição de celebrar a labuta de um ano inteiro, o mistério da transformação do suor em vinho, fazendo votos para que a colheita compense o esforço dispendido ao longo de meses de árduo trabalho.

Como vem sendo hábito o Arcipreste Padre Luís Marçal tenta chamar os dirigentes à realidade, tal como este ano onde foi dizendo:

A Palavra que o Senhor acaba de nos dirigir é verdadeiramente uma Palavra de Salvação, porque é de libertação. Na primeira Oração que fizemos nesta liturgia eucarística pedimos ao Pai “que nos fizesse, pela fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, alcançar a verdadeira liberdade e a herança eterna”.

Jesus é o Salvador. Salvador que quer dizer Messias. Messias que quer dizer libertador. Jesus veio efectivamente para nos libertar a tudo daquilo que pudesse ser impedimento para entrarmos em comunhão com Deus e com os homens. Quando João Baptista enviou os seus discípulos a perguntar a Jesus:

“És Tu aquele que há-de vir ou temos que esperar outro?”

O Senhor respondeu-lhes:

“ide contar a João Batista o que vedes e ouvis: os cegos vêm, os coxos andam, os surdos ouvem, os mudos falam, os leprosos são curados, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres. Aqui, pobres são todos aqueles que não vêm, não falam, não andam, não ouvem, e essa boa nova anunciada a esses pobres tem esta finalidade: dizer como Isaías recomendava ao povo, aos corações perturbados, «Tende coragem, não temais. Aí está o vosso Deus; para fazer justiça e dar a recompensa».

Jesus veio dar a recompensa e fazer justiça aos seus. Os sinais libertadores que Jesus nos veio trazer através da salvação são exactamente esses.

Diz São João no seu evangelho, que os milagres de Jesus são sinais da libertação espiritual que iria acontecer através dos séculos, mercê da sua presença no meio de nós. E repito: o Senhor veio para nos libertar tudo aquilo que nos impede, que dificulta a nossa comunhão com Deus e com os homens.

É uma verdade científica que o Homem é um ser naturalmente religioso, que o Homem é um ser naturalmente social.

O homem não pode viver sem Deus.

Quando não encontra o Deus verdadeiro, inventa-o.

O homem não pode viver sem os outros homens.

Quando não se encontra com os outros homens inventa outras companhias, que o não levam à felicidade, nem o dinheiro, nem o sexo, nem a droga.

Nada.

Paralítico, portanto, hoje, é aquele que não é capaz de ir ao encontro de Deus e ao encontro dos homens.

Cego é aquele não é capaz de ver a Deus e consequentemente não é capaz de ver os homens.

Surdo é aquele que não ouvem nem a Deus nem os homens.

Mudo é aquele que não fala nem com Deus nem com os homens. É o solitário. É o isolado. É infeliz porque não vive. Porque comunicar é viver. A vida é comunhão porque nós participamos da natureza divina e Deus é um ser em comunhão. É um ser plural, é uma família constituída através do Amor.

“Deus é Amor”, foi o título da primeira encíclica do nosso Papa Bento XVI, e quem ama tem que amar alguém. O Pai ama o Seu Filho de tal maneira que desse amor surge o Espírito Santo, procede o Espírito Santo e nós, criados à imagem e semelhança de Deus, fomos criados para amar, para viver em comunhão com Deus e com os homens, faz parte da vida humana.

Reparemos no Evangelho os gestos físicos de Jesus. Diz o Evangelho que o Senhor meteu os dedos nos ouvidos e com saliva tocou-lhe a língua, e ele começou a ouvir e a falar. Um gesto físico, uma intervenção física de Jesus, o salvador naquele homem.

E agora regressemos ao princípio da criação. Que encontramos escrito no livro do Génesis, simbolicamente? Deus pegou no barro, usou as suas mãos e os dedos para pegar no barro e soprou sobre o barro. Usou os seus lábios e surgiu a vida humana. A intervenção, diríamos física se fosse possível colocar um corpo em Deus Pai, a intervenção física de Deus na criação do homem. Quer dizer que comunicar e viver, são as mesmas realidades e constituem a nossa participação em Deus. Deus é comunhão, quer dizer que o homem não vive sem ser comungando, sem estar em comunicação com Deus e com a humanidade.

Já citei uma encíclica do Papa Bento XVI, a primeira, “Deus é Amor”. Gostaria de citar esta última: “Caritas in Veritate”, a Caridade na Verdade. E o Papa escreveu esta encíclica num esforço em proporcionar aos homens caminhos de solução para a crise universal, para a crise económica, política e social. E num esforço para tornar os homens mais unidos uns aos outros e todos à volta de Deus.

Diz ele, que a caridade é praticada quando se conhece a Verdade, e a Verdade é Deus, é a Verdade absoluta. Quando o homem de olhos abertos vê a Deus, descobre n'Ele não só o seu Criador mas o seu Pai e, ao olhar para Deus como seu Pai, olha para o lado e vê o homem como seu irmão, e daí a igualdade e a fraternidade. Na segunda leitura, diz São Tiago que a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve admitir acepção de pessoas. Quer dizer, não pode haver diferença entre as pessoas, as pessoas são todos iguais, todas fruto do amor do mesmo Deus, criador e Pai, filhos do mesmo Pai que está no céu, irmãos, portanto, numa palavra. A diferença é inventada pelos homens e pela sua maldade. Então se somos todos iguais não há acepção de pessoas, não há uns à frente e outros atrás, não há homens bem vestidos e de anéis de ouro e outros mal vestidos, coitados, e aos pés dos grandes, e também não há pobreza porque a caridade implica partilha fraterna, solidariedade humana e cristã, assim viviam os primeiros cristãos. Tinham tudo em comum e não havia necessitados. Chegavam a vender propriedades para distribuírem o dinheiro pelos mais pobres, pelos necessitados. Não havia pobres. Não havia indiferença. Havia igualdade. Havia fraternidade. Havia comunhão.

Queria citar palavras do Papa Bento XVI desta encíclica que já referi: “Caritas in Veritate”. Diz o Papa no Capítulo 5: “Uma das pobrezas mais profundas que o homem pode experimentar é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas, incluindo a material, também nascem do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de amar”. Quem vive só não se sente amado e é infeliz. Quem vive só não tem quem amar e é infeliz por isso. Este é o grande vazio criado no coração humano, o vazio de quem, sentindo-se só, tem que lutar sozinho pela vida e é incapaz de o fazer.

Diz o Papa em contraposição a esta afirmação: “O desenvolvimento dos povos depende sobretudo do reconhecimento que são uma só família, a qual colabora em verdadeira comunhão e é formada por sujeitos que não se limitam a viver uns ao lado dos outros”. O Papa diz que a pobreza parte da solidão, a riqueza, o desenvolvimento, parte da comunhão, e aplica a imagem da família para dizer que é assim que deveria ser a sociedade, em que os homens não se limitam a verem-se uns ao lado dos outros, mas há pior, em que os homens vivem uns contra os outros. O ideal será que o homens vivam uns com os outros, em comunhão, de mãos dadas, corações unidos, a verem-se uns aos como irmãos, a falarem uns aos outros como irmãos, a ouvirem-se uns aos outros como irmãos. Esta é a verdade que o papa nos propõe, não como solução política, naturalmente, mas como uma solução humana.

Meus amigos, é nesta perspectiva que eu olho para a região do Douro. É inevitável que eu faça esta apreciação. Ao ver a nossa região eu verifico que há também entre nós corações perturbados, a quem cada um de nós deve dirigir-se tal como o profeta Isaías por vontade de Deus, «Tende coragem, não temais. Aí está o vosso Deus; para fazer justiça e dar a recompensa». Corações perturbados, corações aflitos, porque os horizontes são cada vez mais negros, cada vez mais sombrios, e lhes são fechadas maldosamente todas as possibilidades para se sentirem felizes. Diz São Tiago na segunda leitura, referindo-se às assembleias litúrgicas onde há lugares para uns e lugares para outros, também vejo na nossa região com a imagem de homens bem vestidos com anéis de ouro aqueles que são capazes de, porque lhes convém, transformar montes em vinhas, a viverem em casas solarengas, habilidosamente transformadas em turismo de habitação, a banquetearem-se e convidarem para esses banquetes os seus amigos, e ao mesmo tempo vejo ao seu lado, aos seus pés, tantos outros que são obrigados, com tristeza, com desânimo e até com revolta, a verem as suas vinhas transformadas em montes porque não têm capacidade de as aconchegar, de as acolher, de as abraçar e transformá-las em caminho de prosperidade e felicidade.

Alguém escreveu, e muito bem, que o vinho, principalmente o vinho do Porto, é «sol engarrafado». E é para todos, simplesmente para uns é sol que aquece, sol que fertiliza, que fecunda em frutos de prosperidade e de riqueza. Para outros é Sol que queima, Sol que abrasa, sol que estiola e seca as raízes de uma esperança que ainda lhes alimenta algum sonho. Esta é a verdade, e tudo porquê? Porque nós, homens do Douro, não nos entendemos uns com os outros. Somos cegos, surdos, mudos, coxos. Muitas vezes, já o disse, e hoje repito e prometo não me cansar nunca de o dizer, a nossa região está constituída, inteligentemente, para ser uma região feliz. Tem instituições capazes de organizar a vida económica, social dos durienses, tem dirigentes competentes, mas não instituições cegas, surdas, mudas, e principalmente sem coração. Eu vejo o nosso Douro como um arquipélago sinistro, formado por tantas ilhas quantas as instituições que o compõem, e é pena.

Nesta celebração eu queria pedir ao Senhor que desse mais espírito de comunhão aos nossos governantes, a começar pelo governo central, que as instituições tivessem pernas para caminhar umas ao encontro das outras, olhos para se verem uns aos outros, boca para falarem uns com os outros, ouvidos para se ouvirem uns aos outros e coração uníssono no mesmo sentimento e no mesmo esforço em criar a felicidade de todos nós. Eu não quereria ter mais razão para repetir uma vez mais aquilo que acabo de dizer, mas garanto-vos que não desistirei de o dizer enquanto não vir o sorriso estampado no rosto dos meus compatriotas, a nível nacional, dos meus conterrâneos, a nível regional, porque isso é possível: basta que os homens se amem uns aos outros. Se nos princípios do cristianismo era possível ninguém aguentar uma pobreza material vergonhosa, porque é que o nosso homem do Douro há-se hoje ser condenado a viver essa tristeza e sentir-se acabrunhado nessa vergonha?

Vamos todos pedir ao Senhor que as nossas instituições se dêem as mãos. Mais uma vez eu chamo à atenção dessa imagem belíssima que é o bardo das nossas vinhas. As vinhas não são cepas isoladas. Normalmente estão formadas por bardos, e os bardos são videiras com as varas entrelaçadas, apoiadas em arames, eles próprios também esteios. Eu diria que os esteios e os arames são o Governo central, Sr. Governador, e as varas somos todos nós. Varas de mãos estendidas à espera do mesmo fruto, para sermos podados ao mesmo tempo, e a poda implica sofrimento. Também há sofrimento para cultivar a vinha, mas há sorriso aberto quando nos forem colher os frutos e o fruto é o vinho, produto de um amor vivido, de um coração entrelaçado com outros e principalmente produto duma sensatez que nos pode levar à felicidade. Assim seja.
- Homília proferida pelo padre Luis Marçal na Missa das Víndimas do passado dia 6 de Setembro, na Igraja Matriz da cidade de Peso da Régua, transmitida também pela TVI. In Notícias do Douro.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Antigos Alunos do Seminário de Vila Real - 1º. Convívio em Fátima

Transcrevo:

- Caríssimo Colega, Antigo Aluno do SVR:

Vamos, finalmente, realizar em Fátima, no próximo dia 25 de Setembro, sexta-feira, o nosso primeiro CONVÍVIO com D. António Marto.

A feliz idéia de nos encontrarmos anualmente com os Bispos que foram nossos Colegas no Seminário, irá cimentar, ano após ano, a Amizade criada nos bancos do SVR, mostrar que é um valor inesquecível e desenvolver ainda mais o espírito de Fraternidade que nos une.

Vamos fazer do nosso Encontro mais um hino aos Valores adquiridos no SVR, ajudando a História a perpetuar que a excelsa responsabilidade por um dos maiores centros mundiais de Espiritualidade foi um dia confiada ao nosso condiscípulo, D. António Marto.

Qualquer que tenha sido o caminho percorrido e os locais por onde passámos, nestes Encontros com os Bispos nossos antigos colegas – D. António Marto, D. Gilberto Reis e D. Amândio Tomás – reafirmaremos quem somos e que nunca esqueceremos o ponto de partida.

PROGRAMA:
  • 10:00h — RECEPÇÃO e cumprimentos;
  • 11:00h — MISSA na Basílica do Santuário, por intenção dos AA, celebrada pelo Sr. Bispo D. António Marto;
  • 13:00h — ALMOÇO DE CONFRATERNIZAÇÃO;
  • 14:30h — Espaço de Convívio, com intervenções ad libitum.
RESERVAS — Até 20 de Setembro, às 18 horas (impreterivelmente) com:

domingo, 6 de setembro de 2009

Encontros com Amália

(Imagem original daqui)

Texto do Dr. Camilo de Araújo Correia, intitulado "Encontros com Amália", publicado no livro "Crónicas do meu Vagar", da Garça Editores - Régua:

O meu fado é o de Coimbra. Lá o ouvi noites sem conta e muitas vezes, em momentos de nostalgia, o vou buscar a uma caixa negra, a troco de uma "bolacha”. Mas vindo de uma caixa negra, com toda a sua pureza electrónica, não é bem fado. Falta-lhe o negrume das capas, o recorte dos beirais no céu estreito, os passos abafados ao fundo da ruela, as janelas a iluminarem-se como corações agradecidos... Falta-lhe a noite. E não há noite que saia de uma caixa negra a troco de uma “bolacha”.

É rica a galeria de cantores do meu tempo de Coim­bra. Alguns nomes se apagaram já. Outros me acompanharão até ao fim da memória. Augusto Camacho, Luís Gois, Alexandre Herculano, Anarolino Fernan­des, Florêncio, Branquinho...

O fado de Coimbra só canta o amor e a saudade, na sua expressão mais pura. E só os homens o podem can­tar. Só eles conhecem bem o cristal da noite.

Nunca o fado de Lisboa me atraiu apaixonadamente. Os dramas de faca e alguidar, as infídelidades e outras airrelias sentimentais, cantadas por homens e mulheres em ambientes fechados, raramente me pareceram sin­ceros. E digo raramente, porque houve sempre duas excepções: Alfredo Marceneiro e Amália Rodrigues.

A voz rude, quase murmurada, de Alfredo Marceneiro sempre me pareceu a própria noite a arrastar-se pelas vielas. Transmitia-nos o doloroso fatalismo dos boémios.

A voz de Amália Rodrigues tinha lonjuras de infinito. Ia longe buscar sentimentos que pareciam de vibração perdida. Chegava a provocar em nós um estranho desejo de sofrer, na feliz expressão de Cesário Verde.

Tive com Amália três encontros. Apesar de fortuítos, ainda hoje os recordo como três baptismos de fado.

Nunca o S. João do Largo do Castelo foi tão animado como em 1947. Amália, a filmar em Coimbra as Capas Negras, apareceu por lá e meteu-se na roda. Quando um calmeirão do alto do palanque, armado no centro, comandou todos ao meio de mãos dadas, a minha mão direita encontrou-se com a mão esquerda de Amália. Ainda a Amália não era a Amália que deveria ser, mas aquele minuto, de mão na sua mão, ainda hoje o sinto como página marcada no meu álbum de vaidades.

A República do Rás Teparta era logo ali, na Rua dos Estudos. Amália, com o seu grupo das filmagens e nós, os mais chegados da república, fomos lá acabar a noite. O riso, o fado e o vinho jorraram de mãos dadas e nunca uma rainha foi tão rainha.

O segundo encontro foi nas festas de Santa Eulália em 1951. Era eu oficial em Elvas, no Batalhão de Caçadores 8. Nós, os nossos camaradas de Lanceiros 1 e meio Alentejo em redor acorremos às festas para ouvir Amália, de nome já a cantar nos cartazes, há muitos dias. Talvez por sobressaírem mais os nossos aplausos e apartes, Amália veio no fim da actuação à nossa mesa passar uns minutos. Como não se usava o beijinho, houve mãozadas e frases de circunstância.

O último encontro com Amália foi no Hospital da Régua, não sei precisar há quantos anos. Cerca de trinta... Mal soube do acidente do marido na estrada do Pinhão, Amália apareceu num pé-de-vento. Com mil perguntas nos olhos me interpelou num corredor. A sua mão nervosa mal se demorou na minha.

Quando Amália nos deixou, voltei a sentir a capa, a farda e a bata para lhe dizer adeus.
- Camilo de Araújo Correia, 23Mar2000 - Cedido gentilmente por J A Almeida, Set2009.