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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O Congresso dos Bombeiros e um Livro da Associação

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Adérito Rodrigues

A cidade do Peso da Régua acolheu, em assembleia, no final do passado mês de Outubro, as Associações e respetivas Federações de Bombeiros, no 41º Congresso Nacional da Liga dos Bombeiros Portugueses - L.B.P., transformando-se na capital e fulcro de toda a dinâmica dos Bombeiros, sendo uma repetição do feito, já que foi a 2ª vez que tal reunião se realizou na Capital da Vinha e do Vinho – no então 24º Congresso, dos dias 10 a 14 de Setembro de 1980. 

Ficou demonstrado que a Associação Humanitária dos Bombeiros da Régua, com todo o seu historial, tem uma capacidade organizativa para receber, promover e realizar eventos, bem como tem uma extraordinária habilitação para receber os Bombeiros, sendo que, para este efeito, há que agregar a Autarquia local, já que a Câmara Municipal do Peso da Régua foi o contributo valioso e imperativo para que toda esta ação se concretizasse.

Um Congresso é sempre um momento histórico e nevrálgico para a vida dos Bombeiros Portugueses, pelo debate intenso que vai sendo feito antes e durante o Congresso. Este foi memorável, dito pelo Presidente do Conselho Executivo da L.B.P. – Duarte Caldeira. Estiveram no Congresso mais de 800 participantes - a nível de Congressos da L.B.P. a maior participação de sempre.

O desfile que os Bombeiros nos patentearam na Avª do Douro, para além da grande postura e do profissionalismo que demonstraram os seus intervenientes, foi do melhor que se viu em todo o país, exteriorizou a missão e o altruísmo que aqueles homens, numa condição de Voluntariado, executam e assumem - quer homens, quer mulheres, todos bombeiros - envolvendo-se no desfile com dignidade, organização, empenho, competência e profunda dedicação. Souberam dar uma expressão arrojada, deslumbrante, colorida, gratificante e exaltadora da força e valor das Associações que representavam, somente Bombeiros do distrito de Vila Real.

O desfile, que teve a ajuda do S. Pedro, com um Verão de S. Martinho antecipado, mobilizou diversos veículos para combate aos fogos, para socorro no rio ou nas estradas, várias ambulâncias,...e cerca de trezentos elementos, todos eles com um comportamento elegante e soberbo, demonstrando as imensas capacidades com que os bombeiros estão apetrechados para socorro das suas gentes. Houve também uma demonstração no Rio Douro, com embarcações diversas de socorro, que subiram as águas do nosso Douro, numa demonstração da capacidade para socorro e auxílio em situações ribeirinhas.

As Associações Humanitárias dos Bombeiros, como elementos e forças de Voluntariado, são um património sócio-cultural, que luta pelo seu próximo. Os Bombeiros são os principais defensores, os da primeira linha, no auxílio ou socorro das comunidades locais onde estão inseridos. São eles que lutam de forma denodada, eficaz e comprometida, para que as pessoas possam ter uma eficaz assistência na saúde - a mais rápida possível, a fim de garantir, assegurar e defender a saúde desses seus utentes, bem como na defesa dos bens dos seus semelhantes.

Manifestadas as atividades desenvolvidas no Congresso da L.B.P., quero destacar um aspeto que conceituo de excelente e que se refere ao livro “Memórias dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua”, cuja autoria se deve ao Dr. José Alfredo Almeida, Presidente da Direção da Associação dos Bombeiros do Peso da Régua e também com funções diretivas no distrito de Vila Real - Presidente da Federação das Associações dos Bombeiros, assim como é elemento diretivo a nível nacional.          

A apresentação do livro deu-se no 1º dia das atividades congressistas, pelas 19 horas, e o palco da Sessão Solene foi o Salão Nobre da Casa do Douro, estando completamente cheio , o que vem evidenciar a mais valia que a obra apresentada tem para o futuro.

Quero realçar este episódio, porquanto a obra apresentada e trazida ao mundo, retrata muito do historial da Associação Humanitária reguense. O trabalho do Dr. Alfredo é de elogiar, pela qualidade da obra, já que enaltece o coletivo dos Bombeiros, e pela exposição de acontecimentos ímpares da vida da “sua” Associação, que já leva 131 anos, cumpridos no dia 28 de Novembro, do corrente ano.

O Dr. Alfredo evoca e reacende aspetos históricos da Corporação dos nossos Bombeiros, assinale-se que é a mais antiga do distrito, e aqui é que está o valor sério desta obra, por conseguir compilar escritos que ele próprio foi fazendo, através das muitas investigações que fez pelos tempos, quer nos documentos no próprio Edifício/Sede da Associação, quer investigando por terras distantes, em diversos locais onde podia encontrar material que lhe servisse de apoio.

Como Presidente da Direção da Associação dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua fez história, com a história da Associação. Só uma alma generosa, simples e impoluta poderia dedicar tanto tempo, e sabiamente, em prol dum projeto, que terá uma representação social excessiva para as gerações vindouras.

Homem simples, duma humildade extrema, mas dum valor humano inalcançável e inexcedível, pois só homens duma elite, duma dignidade extrema, conseguem feitos gloriosos. O livro”Memórias dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua” é, sem dúvida, um ato heróico, glorioso e de um valor descomunal e imensurável.

Na nota de autor refere-nos que apenas ambicionou “reunir numa despretensiosa publicação os meus textos, que escrevi sobre os Bombeiros da Régua, no jornal ‘O Arrais’, do Peso da Régua”. De forma simples e modesta, exaltou o altruísmo, a generosidade e a coragem dos homens que durante 131 anos lutaram em prol da sua comunidade. As páginas do livro, evocam os inúmeros Bombeiros, diretores, benfeitores, . . . o cidadão comum.

Várias vezes dialoguei com o meu estimado amigo Alfredo sobre os artigos que ia publicando e sempre lhe afirmei que os achava de um valor incalculável, verdadeiros marcos históricos. Aquela publicação semanal, se não era a 1ª que procurava ler no Jornal, pelo menos era das primeiras, assim lhe afiancei. Demonstrei-lhe o apreço que tinha pelo trabalho que estava a desenvolver e encorajei-o a que prosseguisse e nunca vacilasse nesse labutar insano que os vindouros louvarão.

O Dr. Alfredo, neste seu trabalho, ainda teve oportunidade de contactar com alguns elementos que pertenceram à Associação e que hoje já não estão entre nós; conseguiu que alguns familiares de antigos elementos da Associação transmitissem, para a posteridade, aspetos relevantes, relacionados com os então elementos da mesma; obteve alguns registos históricos, fotográficos, que, caso ele não tivesse enveredado por este caminho, ficariam perdidos para a história dos nossos Bombeiros.

Os textos produzidos resultam de muita investigação pessoal nos arquivos ou no baú do tempo, implica congregar memórias já antigas, às vezes reportagens ou testemunhos de recordações pessoais, relatos de algumas testemunhas e do conhecimento pleno e pessoal do autor de alguns dos seus protagonistas. Contextualizando-as na sequência temporal fez Crónicas espontâneas que com a reprodução de manuscritos resultaram num livro genuíno.

Tal qual Fernão Lopes, o Dr. Alfredo Almeida acaba por ser o cronista que compila, redige as crónicas gerais, não do Reino de Portugal, mas dos Bombeiros da Régua, o que permite que factos que o tempo iria destruir ou apagar cheguem aos vindouros, esquecidos nas brumas do tempo. São documentos históricos, autênticos, documentados com fotos do tempo, reproduz capítulos históricos pela voz ou pelo punho de alguns então vivos, hoje, talvez, já tenham partido neste momento de publicação da obra.

Se nos dias de hoje já há muito material que se perdeu de vista - não se sabe ao certo o seu paradeiro, nem como desapareceu - sem este registo escrito, constatamos que, jamais, para os anos subsequentes, ficaria algo, que permitisse uma continuidade para memória futura.

Não vou debruçar-me sobre o conteúdo do livro, pois que espero que a curiosidade dos leitores possa levar a que, por si só, consigam perceber a grandeza deste livro e, lendo-o, descubram a memória, a missão e a dignidade de todos os que pugnaram pelo crescimento e plenitude da Associação Humanitária.

Só grandes Homens poderão figurar em páginas valiosas da História! É o que acontece aqui, os Bombeiros, Homens de coragem e valentia; Homens que o cansaço não derruba; Homens que deram a vida pela vida; Homens que se dedicaram de alma e coração ao próximo,  pondo a própria vida em risco, como é o caso de uma das crónicas, em que João Figueiredo, mais conhecido por “João dos óculos”, acabou por falecer num incêndio em 1953, ocorrido na então Casa Viúva Lopes.

Ficamos com um Livro carregado de altruísmo, de abnegação, quer pelos que lutaram no terreno como bombeiros, quer pelos que tudo fizeram por manter e levar a Associação Humanitário dos Bombeiros do Peso da Régua à profícua idade de 131 anos.

O Dr. Alfredo foi, é e continuará a ser, também, um altruísta, um generoso, um homem de coragem, um homem de bem, que servirá de exemplo para as gerações futuras do Voluntariado, dar-se à sua Associação, cuja lema é “VIDA POR VIDA”.
O Congresso dos Bombeiros e um Livro da Associação
Jornal "O Arrais", quinta-feira, 05 de Janeiro de 2012
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Colaboração do Dr. José Alfredo Almeida. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Janeiro de 2012.  

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Os Bombeiros – Zé Pinto socialmente


Adérito Rodrigues

Tal como dissera no artigo anterior, vou tecer algumas considerações sobre a vida de um reguense, que muito embora não fosse um homem de grande estatura, foi um Grande Homem, já que dedicou 4 décadas da sua vida (envolvendo a família, muitas vezes) à causa social e à “sua” Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, que hoje é centenária e a vaidade/orgulho dos reguenses. No entanto, esta Associação nada teria sido sem os homens que dedicaram as suas vidas a essa nobre causa do Voluntariado.

Quem foi, afinal, o Sr. Zé Pinto? Era conhecido por toda a gente como o “Zé Pinto dos Bombeiros”, pois foi quarteleiro e condutor nos Bombeiros da Régua, durante variadíssimos anos, no entanto, seu nome era José Melo, muitos nem saberão isto, nascido a 10/01/1915. Estava casado com a Dª Antónia Rosa Carvalho, também conhecida por “Antoninha dos Bombeiros”, que ainda está viva, com 95 anos, vivendo no Porto, em casa da filha, Dª Mª Odete.

O casal teve três filhos - Bártolo, Mª Odete e Joaquim, que viveram nesta cidade -, e ainda conheceu os 4 netos, o mesmo não acontecendo com os 6 bisnetos, pois são “rebentos” mais modernos.

O Sr. Zé Pinto era um apaixonado pela sua atividade, disso todos temos a certeza, muito embora já esteja esquecida a sua ação. A paixão que ele tinha por aquela casa, o Quartel dos Bombeiros, era muito grande e causou-lhe imensa tristeza a separação forçada a que se viu sujeito.

Todavia o “nosso” Zé Pinto não iniciou a sua atividade laboral diretamente nos Bombeiros, muito antes de entrar para tal função, ainda foi guarda-fiscal e só depois é que ingressou na Associação dos Bombeiros, onde ficou quase 40 anos.

Viu-se forçado a ir para a reforma perto dos 60 anos e com um longo percurso de trabalho, dado que teve um ataque cardíaco, surgiu-lhe uma angina de peito, problemática que lhe veio complicar o resto dos dias da vida, até que Deus o chamou a Si, em 14/12/1987, com 72 anos, situação que vivi muito de perto.
Com uma nova situação de vida - a reforma, procurou arranjar alguns entretenimentos para compensar o vazio do dia. Era regular apreciador de um bom jogo de futebol, bem como de uma boa tarde passada na pesca. Ia para o rio, a fim de poder “queimar” o tempo, já que as horas eram longas e nada do que fizera poderia ser de novo desempenhado. Ao menos isso, poder passar o tempo com amigos, porque a mágoa, o afastamento da sua paixão, mantinha-se no seu âmago.
Trazia os peixes que retirava das águas do Douro, mas, como solidário, distribuía-os pelos vizinhos. Não tive esse privilégio de poder comer peixes pescados pelo Sr. Zé Pinto, já que, quando o conheci, a condição física não lhe permitia grandes deslocações ou longas ausências. É assim a vida que nos vai acontecendo, permite-nos alguns factos, mas impede-nos para outros. Parece que no Céu, o Deus Supremo, nos esquece . . .

O conhecimento que tive com o sr. Zé Pinto foi a partir de 1978, quando fui habitar para o Bairro Columbano, na Rua da Lousada, nesta cidade. Ele vivia no 1º andar e eu no 2º e muitas vezes parei no princípio do varandim a cavaquear com ele e com a esposa, a Dª Antónia, nem como com outros vizinhos, com quem mantinha uma boa relação.

Era um tempo em que as amizades se privilegiavam, as boas vizinhanças se preservavam e os bons momentos de convívio e confraternização se desfrutavam numa total plenitude. Que saudades desses tempos!

Ao domingo tinha uma função específica, verificar a tensão arterial ao Sr. Zé Pinto. Como tinha um aparelho para monitorizar esses valores, eu próprio me voluntariei a tal tarefa, sabendo do “calvário” que ele tinha com os valores elevados, o que o atormentava demasiado.
Sendo um homem hipertenso, tinha, sempre, valores bastante elevados, andando a mínima pelos 10 e a máxima superior a 17. Rara era a ocasião em que o valor mínimo baixasse e o valor máximo não subisse, apesar do tratamento que fazia e do cuidado que a esposa tinha com os temperos na alimentação.

Uma vez, quando cheguei a casa do Sr. Zé Pinto, aconteceu-me uma situação engraçada. Ele tinha uma oferta para me dar. Era uma bola da minha terra. Como tinham estado lá em casa uns familiares e, provavelmente, foram a Lamego, entendeu que seria uma boa oferta para me dar. Depois de devidamente monitorizada a tensão arterial, decidiu-se a oferecer-me uma saca, onde estava a dita bola.

- Não é para lhe pagar, mas como vem aqui todos os domingos . . .

Fiquei surpreendido e sem reação, já que não esperava nada, não tão pouco queria o que quer que fosse, acabando por responder-lhe:

- Se voltar a fazer algo semelhante, pode ter a certeza que nunca mais entro na sua casa. Se venho aqui é porque quero, pela amizade que nos une, não tem nada que me pagar ou que me agradecer. Levo a oferta para não ser indelicado consigo, mas não volte a repetir a cena.

O Sr. Pinto ficou de tal forma surpreendido com o meu comportamento, que mais parecia que cometera um crime. Sentiu-se profundamente embaraçado, não queria que me aborrecesse, só pretendia ser simpático, reconhecido, dar-me um sinal de simpatia e agradecimento, só que, para amigos, isso não era necessário. Atitude de um homem humilde, bom e generoso, que reconhecia o valor intrínseco de uma amizade. Só Grandes Homens reagem assim.

Continuámos amigos e permaneci nas visitas a sua casa, a fim de lhe controlar a tensão arterial, enquanto lhe foi necessário monitorizar os valores arteriais, para poder ir andando mais ou menos sossegado com o regime de vida.

Foi da boca deste homem que ouvi algumas coisas interessantíssimas a respeito da Régua, já que vivera sempre na então vila e conhecia bem a realidade local. Coisas do passado ou coisas mais recentes, que se foram vivendo na vila e que ele testemunhara e que transmitia verbalmente.

Uma das várias informações que me deixou e que recordo com grata satisfação e saudade, prende-se com a passagem na ponte de ferro, que hoje está em obras. Muita gente pensa que aquela ponte foi feita para a passagem do comboio, o que é errado, já que nela passavam as pessoas e os carros de bois com a carga e pagavam um cruzado por tal feito, naquela altura. Moeda que já não conheci, pois a moeda mais pequena que manipulei foi o tostão - dez centavos – a décima parte dum escudo. Para as pessoas mais novas poderei adiantar que dois escudos equivalem a 0,01€ - (um cêntimo).

Foram histórias antigas e engraçadas que me foi transmitindo, que eu registei e que, às vezes, me vão aflorando à memória, num misto de saudade e de prazer, por poder reviver uma pessoa que me deu belos momentos de convívio. Muitas outras vivências poderiam ser contadas, pois são várias as que se conviveram, mas como o espaço do jornal não é infinito, remeto-me somente a estas, para mim as mais marcantes.
Como nota final, não quero deixar de agradecer às familiares do Sr. Zé Pinto pela colaboração disponibilizada - a filha - Dª Mª Odete, a nora - Dª Glória Vieira (viúva do filho Bártolo) e a neta - Dª Catarina / a 1ª pessoa a ser contactada e que desde logo se disponibilizou a ajudar na cedência de material, fotos e  algumas das informações, para a elaboração do trabalho.
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Os Bombeiros – Zé Pinto socialmente
Jornal "O Arrais", quinta feira, 11 de Agosto de 2011
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Pequena nota - Enquanto editava este excelente texto do Sr. Adérito Rodrigues, recordei com imensa saudade que o casal D. Antónia - Sr. Zé Pinto foi, durante alguns bons anos, vizinho de meus queridos e saudosos Pais no 'Prédio Columbano' em Godim - Peso da Régua. - J. L. Gabão.
Clique nas imagens acima para ampliar. Leia-se a 1ª. parte "Os Bombeiros – Abordagem pessoal"  neste blogue. Colaboração de texto e imagens do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2011.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Os Bombeiros – Abordagem pessoal

Adérito Rodrigues

Após uma curta conversa com o atual Presidente da Direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, meu estimado amigo Dr. Alfredo Almeida, sabendo-me um leitor atento dos seus artigos sobre a referida Associação e respetivos arquivos, que tem vindo a divulgar semanalmente, e um apoiante incondicional desse relembrar do passado, sugeriu-me que escrevesse algo sobre os Bombeiros.

Prontamente acedi ao pedido e adiantei-lhe que, inicialmente, faria uma abordagem generalista e pouco abrangente, mais sob um aspeto de vivência pessoal, e, posteriormente, versaria o meu ponto de vista num formato mais específica, falando de um elemento da citada Associação Humanitária, que trabalhou em prol dos Bombeiros, durante um período elevado de anos, numa totalidade de quase quatro décadas, e com quem convivi, muito em particular, quase uma década, na Rua da Lousada, nesta cidade.

Afinal, o que são os Bombeiros e como se ganha o gosto por uma Associação Humanitária de Bombeiros e por aqueles sujeitos operacionais? Como compreender aquela missão de altruísmo e o pleno conhecimento do perigo que estão a correr, mas que os não persuade a recuar?

Como documentário destas minhas palavras, apresento uma foto que reproduz um exercício de simulacro dos Bombeiros do Peso da Régua, no ano de 1955 (data escrita na foto), sabendo-se que o bombeiro era Claudino Clemente e a criança ao colo é o filho mais novo do quarteleiro, o Quim Melo, que foi funcionário da Casa do Douro.

Quando miúdo, tive o privilégio de apreciar, muito de perto, toda a movimentação do quartel dos Bombeiros Voluntários de Lamego, outrora no topo da Avª. 5 de Outubro, do lado direito, mesmo em frente ao Jardim. Tendo nascido e vivido, até pouco mais dos 20 anos, naquela cidade e como a casa dos meus pais ficava a uns escassos 500 metros do referido quartel, era fácil a corrida até “aos bombeiros”, assim dizíamos entre nós.

Quando a sirene tocava, era ponto assente que todos nós - miúdos, rapazotes ou jovens de tenra idade - corríamos para o quartel, a fim de se saber onde era o incêndio.

Havia um código, na altura, que nos permitia saber, de imediato, para onde seguiriam os Bombeiros nos seus “carros da bomba”, assim os chamávamos.

Se ouvíamos a sirene tocar, prolongadamente, uma só vez, sabíamos que o incêndio era na cidade e, depois de conhecermos o local, de imediato nos dirigíamos para esse lugar, na tentativa de perseguir os carros dos bombeiros, para podermos contemplar todo o aparato no combate ao incêndio; Se, entretanto, esse toque prolongado tinha uma quebra, se havia uma pequena interrupção, durante alguns segundos, sabíamos que esses dois toques significavam incêndio fora da cidade; Se a sirene fazia duas interrupções, ou seja, tocava três vezes, isso queria dizer que tinha havido um acidente de viação.

Falo dos anos 60, onde os jovens pouco ou nada tinham para entretenimento, ao contrário dos nossos jovens da atualidade, que têm uma enormidade de atividades de que podem desfrutar e das quais, muitas vezes, nada aproveitam. Foram imensas as vezes que fui até ao quartel dos Bombeiros, umas dezenas largas de vezes, e por lá me ia mantendo durante algum tempo, bem como os amigos que eu acompanhava, ouvindo as cenas que os Bombeiros contavam dos episódios que tinham vivenciado, quase sempre no rés-do-chão do edifício, onde se recolhiam as viaturas.

Pude constatar a relação humana e a sã camaradagem que existia entre os vários elementos, não se verificando as falsidades comuns das organizações atuais, nem o assumir das tutelas ou das graduações dos respetivos postos. Todos se respeitavam, todos se relacionavam e todos saudavelmente conviviam. Eram constantes os grupos a conversar, a trocar opiniões, a comentar um ou outro aspeto da vida de bombeiro.

Em algumas ocasiões íamos até ao salão, no 1º andar, onde podíamos ver as fotos de alguns Comandantes e de outras figuras gratas à Associação. Havia, também, nas paredes do salão, umas frases escritas em “letras gordas”, que se liam com relativa facilidade, dado o tamanho dos grafismos. Ainda hoje retenho uma frase, que me marcou pelo seu simbolismo: “É mais difícil comandar do que obedecer”, que será de Oliveira Salazar, segundo creio. Muitas outras frases havia nas paredes, no entanto não me aventuro a citá-las de memória, pois posso não cumprir cabalmente a função e adulteraria o sentido das mesmas.

Quando me deslocava para o Quartel dos Bombeiros e ao ouvir a sirene tocar, criava-se, em mim, como que um formigueiro, uma emoção forte, uma reação estranha. Ao pretender falar deste aspeto da minha vida de mais jovem e perceber esta relação/choque de aproximação aos Bombeiros, tentei saber qual a razão de tal comportamento e procurei a opinião do meu Médico de Família, Dr. José Alberto, meu estimado amigo desde os tempos de estudantes em Lamego, para que me explicasse a razão de tal fenómeno.

Em linguagem simples direi que o ouvir a sirene, como um estímulo, origina um desequilíbrio emocional, o qual poderá ser de alegria ou de tristeza, refletindo-se de várias maneiras. Tecnicamente chama-se somatização da emoção. Essa a razão porque sentia a referida reação.

Ainda nos dias de hoje, ao ouvir a sirene dos Bombeiros, sinto algo em mim que me inquieta ou me incomoda. O mesmo me acontece se me apercebo do aproximar de uma ambulância e caso vá de carro, tenho como primeiro ato, de instantâneo, acionar os quatro piscas e permitir a passagem a tal viatura, encostando o meu carro o mais possível à direita.

Tenho esta atitude de respeito pelo código, em primeiro lugar pelos Bombeiros, em segundo e, em último, por quem vai na própria viatura, contudo, este meu gesto é algo que não vejo acontecer, muitas vezes, na estrada. Não é o 1º, nem o 2º condutor que continua a acelerar – já tive a oportunidade de o presenciar - na tentativa de ir à frente da ambulância, a qual leva a marcha devidamente assinalada.

Esse respeito que mantenho pelos Bombeiros reflete-se nas amizades que sustento com muitos deles, já que tenho tido vários amigos Bombeiros.

Falei da minha relação e admiração pelos Bombeiros de Lamego, mas não posso deixar de registar que também Lamego tinha esse mesmo penhor pelos Bombeiros da então Vila do Peso da Régua. Foram duas as situações em que estes tiveram que “dar uma mãozinha” aos seus congéneres de Lamego, pois contribuíram com a cooperação dos seus homens em dois incêndios que deflagraram na minha Terra Natal.

O primeiro foi em 1911, mais concretamente na Rua de Almacave, dizimando a parte direita da rua; o outro momento de interação foi no ano de 1918, na outrora célebre rua dos sapateiros, que dá pelo nome de Rua da Olaria, a qual, dada a sua reduzida dimensão na largura da Rua, apresentava o perigo eminente de reduzir a cinzas as casas dos dois lados.

Duas circunstâncias em que as duas Associações cooperaram para evitar desgraças maiores, já que um incêndio é sempre algo maléfico, extremamente diabólico.

Para remate desta narração, enuncio que a crónica da próxima semana versará a pessoa de um bombeiro já falecido, com quem privei durante uns bons pares de anos, quando ele já estava aposentado, por termos vivido no mesmo prédio. Falo do Sr. José Melo, que toda a gente conhecia por Zé Pinto dos Bombeiros, que foi quarteleiro e condutor nos Bombeiros da Régua, durante variadíssimos anos.


Exibo uma foto com ele e a esposa, o Sr Zé Pinto e a Dª Antónia, de quem sinto saudades, pelo ótimo ambiente e relação que se viveu durante aqueles anos, em que coabitámos no mesmo Bairro.

Os Bombeiros – Abordagem pessoal
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 28 de Julho de 2011
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Clique nas imagens acima para ampliar. A 2ª. parte "Os Bombeiros – Zé Pinto socialmente" será publicada em breve neste blogue. Colaboração de texto do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2011.