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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Os Bombeiros – Zé Pinto socialmente


Adérito Rodrigues

Tal como dissera no artigo anterior, vou tecer algumas considerações sobre a vida de um reguense, que muito embora não fosse um homem de grande estatura, foi um Grande Homem, já que dedicou 4 décadas da sua vida (envolvendo a família, muitas vezes) à causa social e à “sua” Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, que hoje é centenária e a vaidade/orgulho dos reguenses. No entanto, esta Associação nada teria sido sem os homens que dedicaram as suas vidas a essa nobre causa do Voluntariado.

Quem foi, afinal, o Sr. Zé Pinto? Era conhecido por toda a gente como o “Zé Pinto dos Bombeiros”, pois foi quarteleiro e condutor nos Bombeiros da Régua, durante variadíssimos anos, no entanto, seu nome era José Melo, muitos nem saberão isto, nascido a 10/01/1915. Estava casado com a Dª Antónia Rosa Carvalho, também conhecida por “Antoninha dos Bombeiros”, que ainda está viva, com 95 anos, vivendo no Porto, em casa da filha, Dª Mª Odete.

O casal teve três filhos - Bártolo, Mª Odete e Joaquim, que viveram nesta cidade -, e ainda conheceu os 4 netos, o mesmo não acontecendo com os 6 bisnetos, pois são “rebentos” mais modernos.

O Sr. Zé Pinto era um apaixonado pela sua atividade, disso todos temos a certeza, muito embora já esteja esquecida a sua ação. A paixão que ele tinha por aquela casa, o Quartel dos Bombeiros, era muito grande e causou-lhe imensa tristeza a separação forçada a que se viu sujeito.

Todavia o “nosso” Zé Pinto não iniciou a sua atividade laboral diretamente nos Bombeiros, muito antes de entrar para tal função, ainda foi guarda-fiscal e só depois é que ingressou na Associação dos Bombeiros, onde ficou quase 40 anos.

Viu-se forçado a ir para a reforma perto dos 60 anos e com um longo percurso de trabalho, dado que teve um ataque cardíaco, surgiu-lhe uma angina de peito, problemática que lhe veio complicar o resto dos dias da vida, até que Deus o chamou a Si, em 14/12/1987, com 72 anos, situação que vivi muito de perto.
Com uma nova situação de vida - a reforma, procurou arranjar alguns entretenimentos para compensar o vazio do dia. Era regular apreciador de um bom jogo de futebol, bem como de uma boa tarde passada na pesca. Ia para o rio, a fim de poder “queimar” o tempo, já que as horas eram longas e nada do que fizera poderia ser de novo desempenhado. Ao menos isso, poder passar o tempo com amigos, porque a mágoa, o afastamento da sua paixão, mantinha-se no seu âmago.
Trazia os peixes que retirava das águas do Douro, mas, como solidário, distribuía-os pelos vizinhos. Não tive esse privilégio de poder comer peixes pescados pelo Sr. Zé Pinto, já que, quando o conheci, a condição física não lhe permitia grandes deslocações ou longas ausências. É assim a vida que nos vai acontecendo, permite-nos alguns factos, mas impede-nos para outros. Parece que no Céu, o Deus Supremo, nos esquece . . .

O conhecimento que tive com o sr. Zé Pinto foi a partir de 1978, quando fui habitar para o Bairro Columbano, na Rua da Lousada, nesta cidade. Ele vivia no 1º andar e eu no 2º e muitas vezes parei no princípio do varandim a cavaquear com ele e com a esposa, a Dª Antónia, nem como com outros vizinhos, com quem mantinha uma boa relação.

Era um tempo em que as amizades se privilegiavam, as boas vizinhanças se preservavam e os bons momentos de convívio e confraternização se desfrutavam numa total plenitude. Que saudades desses tempos!

Ao domingo tinha uma função específica, verificar a tensão arterial ao Sr. Zé Pinto. Como tinha um aparelho para monitorizar esses valores, eu próprio me voluntariei a tal tarefa, sabendo do “calvário” que ele tinha com os valores elevados, o que o atormentava demasiado.
Sendo um homem hipertenso, tinha, sempre, valores bastante elevados, andando a mínima pelos 10 e a máxima superior a 17. Rara era a ocasião em que o valor mínimo baixasse e o valor máximo não subisse, apesar do tratamento que fazia e do cuidado que a esposa tinha com os temperos na alimentação.

Uma vez, quando cheguei a casa do Sr. Zé Pinto, aconteceu-me uma situação engraçada. Ele tinha uma oferta para me dar. Era uma bola da minha terra. Como tinham estado lá em casa uns familiares e, provavelmente, foram a Lamego, entendeu que seria uma boa oferta para me dar. Depois de devidamente monitorizada a tensão arterial, decidiu-se a oferecer-me uma saca, onde estava a dita bola.

- Não é para lhe pagar, mas como vem aqui todos os domingos . . .

Fiquei surpreendido e sem reação, já que não esperava nada, não tão pouco queria o que quer que fosse, acabando por responder-lhe:

- Se voltar a fazer algo semelhante, pode ter a certeza que nunca mais entro na sua casa. Se venho aqui é porque quero, pela amizade que nos une, não tem nada que me pagar ou que me agradecer. Levo a oferta para não ser indelicado consigo, mas não volte a repetir a cena.

O Sr. Pinto ficou de tal forma surpreendido com o meu comportamento, que mais parecia que cometera um crime. Sentiu-se profundamente embaraçado, não queria que me aborrecesse, só pretendia ser simpático, reconhecido, dar-me um sinal de simpatia e agradecimento, só que, para amigos, isso não era necessário. Atitude de um homem humilde, bom e generoso, que reconhecia o valor intrínseco de uma amizade. Só Grandes Homens reagem assim.

Continuámos amigos e permaneci nas visitas a sua casa, a fim de lhe controlar a tensão arterial, enquanto lhe foi necessário monitorizar os valores arteriais, para poder ir andando mais ou menos sossegado com o regime de vida.

Foi da boca deste homem que ouvi algumas coisas interessantíssimas a respeito da Régua, já que vivera sempre na então vila e conhecia bem a realidade local. Coisas do passado ou coisas mais recentes, que se foram vivendo na vila e que ele testemunhara e que transmitia verbalmente.

Uma das várias informações que me deixou e que recordo com grata satisfação e saudade, prende-se com a passagem na ponte de ferro, que hoje está em obras. Muita gente pensa que aquela ponte foi feita para a passagem do comboio, o que é errado, já que nela passavam as pessoas e os carros de bois com a carga e pagavam um cruzado por tal feito, naquela altura. Moeda que já não conheci, pois a moeda mais pequena que manipulei foi o tostão - dez centavos – a décima parte dum escudo. Para as pessoas mais novas poderei adiantar que dois escudos equivalem a 0,01€ - (um cêntimo).

Foram histórias antigas e engraçadas que me foi transmitindo, que eu registei e que, às vezes, me vão aflorando à memória, num misto de saudade e de prazer, por poder reviver uma pessoa que me deu belos momentos de convívio. Muitas outras vivências poderiam ser contadas, pois são várias as que se conviveram, mas como o espaço do jornal não é infinito, remeto-me somente a estas, para mim as mais marcantes.
Como nota final, não quero deixar de agradecer às familiares do Sr. Zé Pinto pela colaboração disponibilizada - a filha - Dª Mª Odete, a nora - Dª Glória Vieira (viúva do filho Bártolo) e a neta - Dª Catarina / a 1ª pessoa a ser contactada e que desde logo se disponibilizou a ajudar na cedência de material, fotos e  algumas das informações, para a elaboração do trabalho.
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Os Bombeiros – Zé Pinto socialmente
Jornal "O Arrais", quinta feira, 11 de Agosto de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
Pequena nota - Enquanto editava este excelente texto do Sr. Adérito Rodrigues, recordei com imensa saudade que o casal D. Antónia - Sr. Zé Pinto foi, durante alguns bons anos, vizinho de meus queridos e saudosos Pais no 'Prédio Columbano' em Godim - Peso da Régua. - J. L. Gabão.
Clique nas imagens acima para ampliar. Leia-se a 1ª. parte "Os Bombeiros – Abordagem pessoal"  neste blogue. Colaboração de texto e imagens do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2011.