quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Os Bombeiros – Abordagem pessoal

Adérito Rodrigues

Após uma curta conversa com o atual Presidente da Direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, meu estimado amigo Dr. Alfredo Almeida, sabendo-me um leitor atento dos seus artigos sobre a referida Associação e respetivos arquivos, que tem vindo a divulgar semanalmente, e um apoiante incondicional desse relembrar do passado, sugeriu-me que escrevesse algo sobre os Bombeiros.

Prontamente acedi ao pedido e adiantei-lhe que, inicialmente, faria uma abordagem generalista e pouco abrangente, mais sob um aspeto de vivência pessoal, e, posteriormente, versaria o meu ponto de vista num formato mais específica, falando de um elemento da citada Associação Humanitária, que trabalhou em prol dos Bombeiros, durante um período elevado de anos, numa totalidade de quase quatro décadas, e com quem convivi, muito em particular, quase uma década, na Rua da Lousada, nesta cidade.

Afinal, o que são os Bombeiros e como se ganha o gosto por uma Associação Humanitária de Bombeiros e por aqueles sujeitos operacionais? Como compreender aquela missão de altruísmo e o pleno conhecimento do perigo que estão a correr, mas que os não persuade a recuar?

Como documentário destas minhas palavras, apresento uma foto que reproduz um exercício de simulacro dos Bombeiros do Peso da Régua, no ano de 1955 (data escrita na foto), sabendo-se que o bombeiro era Claudino Clemente e a criança ao colo é o filho mais novo do quarteleiro, o Quim Melo, que foi funcionário da Casa do Douro.

Quando miúdo, tive o privilégio de apreciar, muito de perto, toda a movimentação do quartel dos Bombeiros Voluntários de Lamego, outrora no topo da Avª. 5 de Outubro, do lado direito, mesmo em frente ao Jardim. Tendo nascido e vivido, até pouco mais dos 20 anos, naquela cidade e como a casa dos meus pais ficava a uns escassos 500 metros do referido quartel, era fácil a corrida até “aos bombeiros”, assim dizíamos entre nós.

Quando a sirene tocava, era ponto assente que todos nós - miúdos, rapazotes ou jovens de tenra idade - corríamos para o quartel, a fim de se saber onde era o incêndio.

Havia um código, na altura, que nos permitia saber, de imediato, para onde seguiriam os Bombeiros nos seus “carros da bomba”, assim os chamávamos.

Se ouvíamos a sirene tocar, prolongadamente, uma só vez, sabíamos que o incêndio era na cidade e, depois de conhecermos o local, de imediato nos dirigíamos para esse lugar, na tentativa de perseguir os carros dos bombeiros, para podermos contemplar todo o aparato no combate ao incêndio; Se, entretanto, esse toque prolongado tinha uma quebra, se havia uma pequena interrupção, durante alguns segundos, sabíamos que esses dois toques significavam incêndio fora da cidade; Se a sirene fazia duas interrupções, ou seja, tocava três vezes, isso queria dizer que tinha havido um acidente de viação.

Falo dos anos 60, onde os jovens pouco ou nada tinham para entretenimento, ao contrário dos nossos jovens da atualidade, que têm uma enormidade de atividades de que podem desfrutar e das quais, muitas vezes, nada aproveitam. Foram imensas as vezes que fui até ao quartel dos Bombeiros, umas dezenas largas de vezes, e por lá me ia mantendo durante algum tempo, bem como os amigos que eu acompanhava, ouvindo as cenas que os Bombeiros contavam dos episódios que tinham vivenciado, quase sempre no rés-do-chão do edifício, onde se recolhiam as viaturas.

Pude constatar a relação humana e a sã camaradagem que existia entre os vários elementos, não se verificando as falsidades comuns das organizações atuais, nem o assumir das tutelas ou das graduações dos respetivos postos. Todos se respeitavam, todos se relacionavam e todos saudavelmente conviviam. Eram constantes os grupos a conversar, a trocar opiniões, a comentar um ou outro aspeto da vida de bombeiro.

Em algumas ocasiões íamos até ao salão, no 1º andar, onde podíamos ver as fotos de alguns Comandantes e de outras figuras gratas à Associação. Havia, também, nas paredes do salão, umas frases escritas em “letras gordas”, que se liam com relativa facilidade, dado o tamanho dos grafismos. Ainda hoje retenho uma frase, que me marcou pelo seu simbolismo: “É mais difícil comandar do que obedecer”, que será de Oliveira Salazar, segundo creio. Muitas outras frases havia nas paredes, no entanto não me aventuro a citá-las de memória, pois posso não cumprir cabalmente a função e adulteraria o sentido das mesmas.

Quando me deslocava para o Quartel dos Bombeiros e ao ouvir a sirene tocar, criava-se, em mim, como que um formigueiro, uma emoção forte, uma reação estranha. Ao pretender falar deste aspeto da minha vida de mais jovem e perceber esta relação/choque de aproximação aos Bombeiros, tentei saber qual a razão de tal comportamento e procurei a opinião do meu Médico de Família, Dr. José Alberto, meu estimado amigo desde os tempos de estudantes em Lamego, para que me explicasse a razão de tal fenómeno.

Em linguagem simples direi que o ouvir a sirene, como um estímulo, origina um desequilíbrio emocional, o qual poderá ser de alegria ou de tristeza, refletindo-se de várias maneiras. Tecnicamente chama-se somatização da emoção. Essa a razão porque sentia a referida reação.

Ainda nos dias de hoje, ao ouvir a sirene dos Bombeiros, sinto algo em mim que me inquieta ou me incomoda. O mesmo me acontece se me apercebo do aproximar de uma ambulância e caso vá de carro, tenho como primeiro ato, de instantâneo, acionar os quatro piscas e permitir a passagem a tal viatura, encostando o meu carro o mais possível à direita.

Tenho esta atitude de respeito pelo código, em primeiro lugar pelos Bombeiros, em segundo e, em último, por quem vai na própria viatura, contudo, este meu gesto é algo que não vejo acontecer, muitas vezes, na estrada. Não é o 1º, nem o 2º condutor que continua a acelerar – já tive a oportunidade de o presenciar - na tentativa de ir à frente da ambulância, a qual leva a marcha devidamente assinalada.

Esse respeito que mantenho pelos Bombeiros reflete-se nas amizades que sustento com muitos deles, já que tenho tido vários amigos Bombeiros.

Falei da minha relação e admiração pelos Bombeiros de Lamego, mas não posso deixar de registar que também Lamego tinha esse mesmo penhor pelos Bombeiros da então Vila do Peso da Régua. Foram duas as situações em que estes tiveram que “dar uma mãozinha” aos seus congéneres de Lamego, pois contribuíram com a cooperação dos seus homens em dois incêndios que deflagraram na minha Terra Natal.

O primeiro foi em 1911, mais concretamente na Rua de Almacave, dizimando a parte direita da rua; o outro momento de interação foi no ano de 1918, na outrora célebre rua dos sapateiros, que dá pelo nome de Rua da Olaria, a qual, dada a sua reduzida dimensão na largura da Rua, apresentava o perigo eminente de reduzir a cinzas as casas dos dois lados.

Duas circunstâncias em que as duas Associações cooperaram para evitar desgraças maiores, já que um incêndio é sempre algo maléfico, extremamente diabólico.

Para remate desta narração, enuncio que a crónica da próxima semana versará a pessoa de um bombeiro já falecido, com quem privei durante uns bons pares de anos, quando ele já estava aposentado, por termos vivido no mesmo prédio. Falo do Sr. José Melo, que toda a gente conhecia por Zé Pinto dos Bombeiros, que foi quarteleiro e condutor nos Bombeiros da Régua, durante variadíssimos anos.


Exibo uma foto com ele e a esposa, o Sr Zé Pinto e a Dª Antónia, de quem sinto saudades, pelo ótimo ambiente e relação que se viveu durante aqueles anos, em que coabitámos no mesmo Bairro.

Os Bombeiros – Abordagem pessoal
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 28 de Julho de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)


Clique nas imagens acima para ampliar. A 2ª. parte "Os Bombeiros – Zé Pinto socialmente" será publicada em breve neste blogue. Colaboração de texto do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2011.

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