
Depois era a iluminação que surgia de noite e dava à minha rua um aspecto radioso, que me deixava uma alegria intensa. Por minha vontade ficava ali, na varanda, toda a noite. Era preciso que a minha saudosa Mãe me obrigasse a ir para a cama.
Mas, de manhã, corria logo para o meu “posto”. Dali via passar, depois, as bandas de música, os gigantones e cabeçudos.
Naqueles dias, mesmo com o intenso calor que se fazia sentir, o movimento de forasteiros era enorme.
Ainda não existiam tantos veículos motorizados como hoje. Os forasteiros Juntavam-se em grupos e, acompanhados de bombos, ferrinhos e outros instrumentos, davam largas à sua alegria, cantando e dançando.
A maior parte trazia os seus cestos merendeiros à cabeça, pelo menos no dia do arraiai do rio, onde procuravam o melhor lugar para comerem o seu bocado de carneiro assado e arroz de forno, e onde não faltava a boa “pinga”.
O “nosso rio”, nesses tempos, era diferente. Havia areais por onde se podiam espalhar à vontade milhares de pessoas. Os barcos, como o da Felisbela , levavam de um lado para o outro os que gostavam de ir para “Além-Douro”.
As barracas de melancia e de melões faziam sempre bom negócio. Regateava-se o preço e a qualidade, mas tudo se vendia.
Entretanto anoitecia e as bandas de música, nos seus coretos, faziam-se ouvir e toda aquela gente dançava e bailava!
Tudo era animado e tudo apenas terminava quando era lançada a última partida de fogo do ar e aquático. E diga-se que o fogo escolhido era sempre dos melhores pirotécnicos do norte do país. Eram horas e horas de encanto e pode afirmar-se que arraial como o da Régua era difícil de igualar.
Tudo isso se efectuava após a “Procissão” ter percorrido as principais ruas da então vila e que saía em triunfo da igreja Matriz.
E se deixei para o fim este número da Festa, é porque, para mim, era um “sonho” tudo o que meus o!hos presenciavam. Os andores, os anjinhos eram a coisa mais brilhante a que assistia. Da varanda da minha casa assistia àquele cortejo maravilhoso.
E minha Mãe ia-me indicando o que representava cada uma das figuras que crianças, já a vislumbrarem no seu rosto o cansaço e o calor de tão longo trajecto, apresentavam. Surgia, finalmente, o andor com a Nossa Senhora do Socorro, Toda a gente se ajoelhava.
Olhos cheios de lágrimas se viam em muitas das pessoas. Mãos erguidas dirigidas em direcção a quem parecia sorrir e deitar um olhar de amor aos que lhe faziam os seus pedidos, lançavam as suas preces.
E minha saudosa mãe também chorava e as lágrimas corriam-lhe pelas suas faces. Só hoje compreendo porque choravam as pessoas quando Nossa Senhora do Socorro surgia ali mesmo, num andor repleto de flores.
E só hoje compreendo porque, já no fim duma vida em que estarei perto da Eternidade, também as lágrimas se soltam de meus olhos, lembrando entes queridos desaparecidos, lembrando o sofrimento de tantos. Que Nossa Senhora do Socorro nos abençoe, nos perdoe das nossas faltas. Como tudo era diferente nos meus tempos de criança!...
- Por Jaime Ferraz Rodrigues Gabão** – In Boletim das Festas de Nossa Senhora do Socorro de 1991. Texto gentilemente cedido por J. A. Almeida-Régua.
**Jaime Ferraz Rodrigues Gabão nasceu na cidade de Peso da Régua em 13 de Abril de 1924. Faleceu a 18 de Junho de 1992.
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