terça-feira, 5 de julho de 2011

Exposição «D. Antónia Adelaide Ferreira, uma vida singular» no Museu do DOURO

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A Exposição 'D.Antónia Adelaide Ferreira, uma vida singular' terá inauguração a 8 de Julho de 2011 (próxima sexta-feira) pelas 18H30, na sede do Museu do Douro, à Rua Marquês do Pombal na cidade de Peso da Régua.
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Vidas Singulares

"Cada um na sua terra deverá fazer tudo o que seja para bem da Humanidade".
D. Antónia Adelaide Ferreira, Julho de 1855.

A história da fundação dos Bombeiros Voluntários da Régua pode ser contada a partir de uma grave crise que o Douro viveu nos finais do século XIX, a crise da filoxera, também conhecida como a praga das videiras, que atingiu os vinhedos durienses a partir de 1863. Como é sabido, o efeito devastador da filoxera reduziu muitos vinhedos a mortórios e causou verdadeiras tragédias humanas.

Em 1880, na Régua e em quase todos os concelhos durienses a maioria parte das propriedades agrícolas tinham sido atacadas por essa nova moléstia. Enquanto os efeitos das doenças se mantiveram, não se encontrou a cura, os lavradores da Régua perderam as suas vinhas e viram diminuir as colheitas. A filoxera fez reduzir a produção em muitas pipas de vinho e os seus problemas começaram a reflectir-se nas dificuldades económicas nos diversos negócios dos comerciantes da vila.

Na então vila Régua, foi este cenário de crise económica que encontrou um grupo de vinte e sete cidadãos que se tinham constituídos numa Comissão Instaladora, liderada por Manuel Maria de Magalhães que, em 28 de Novembro de 1880, fundavam um Corpo de Bombeiros Voluntários de base associativa. Seguiam  o modelo que, algum tempo antes, em 1868, um grupo de cidadãos, reunidos na Farmácia Irmãos Azevedos, no Rossio, em Lisboa, construíram a primeira associação que deteve um corpo de bombeiro de natureza voluntária.

E também foram de encontro ao apelo da autarquia reguense que, apesar de ter comprado duas bombas e algum material de incêndios, não queria organizar, seguramente para não aumentar as despesas, um serviço municipal de incêndios. A edilidade deliberou entregar a organização desse serviço de combate aos fogos à iniciativa cívica dos cidadãos reguenses. O que não podia manter-se era a situação da utilização das bombas de incêndio e o combate aos fogos nas ruas da Régua, onde se localizam os principais armazéns de aguardentes e vinhos licorosos, pelo vontade de qualquer pessoa inexperiente, com errado uso dos equipamento e com resultados nefastos para a vida e os bens dos particulares.

Instalado o quartel numa velha casa, sita no Largo dos Aviadores, o Corpo de Bombeiros, adquirido o fardamento à conta de cada voluntário, os fundadores dos BV da Régua receberam apoio da autarquia, expresso pelo presidente da câmara, Dr. Joaquim Claudino de Morais que, sem reservas, se prontificou auxiliar a instituição tão civilizadora, humanitária e útil em tudo o que estivesse ao seu alcance, tanto como particular como na qualidade de presidente de câmara do concelho. Da autarquia, tiveram como ajuda inicial a entrega das bombas de incêndio e na atribuição de um pequeno subsídio para as despesas de funcionamento.

Como o apoio camarário se revelou insuficiente, os fundadores subscreveram em seu nome as acções de um determinado montante monetário e recorreram à ajuda dos beneméritos e dos associados contribuintes para, com mais facilidade, financiarem os custos da actividade.

Desta forma, os bombeiros da Régua inauguravam um serviço de incêndios, com pouco material, mas com a determinação férrea de garantir socorro com mais eficácia e outra operacionalidade e formação ministrada aos bombeiros que, a dado momento, receberam os ensinamentos do “mestre”, o grande Comandante Guilherme Gomes Fernandes, que se deslocava à Régua para dar as lições e fazer manobras. Nesta fase, os parcos recursos mal chegavam, mas a sociedade reguense, sobretudo, as pessoas mais abastadas, que viviam do comércio e dos negócios dos vinhos, contribuíram com o dinheiro ou património.

A Régua e a sua sociedade dos finais do século XIX, segundo o advogado e publicista D. Joaquim Manso Preto que, em 1869, publicou com as suas impressões pessoais o livro Duas Palavras Acerca da Régua e Arredores, era uma vila que tinha dois mil habitantes. Acrescentava o autor que, a vila, ao tempo, era notável somente pelo comércio de vinhos e tinha poucas ruas, algumas com bons edifícios e outros elegantemente construídos. As pessoas, aquele autor chama-as de honradas e a sua índole bondosa e hospitaleira.

Quem tinha a fama de bondosa, na vila da Régua, era seguramente a D. Antónia Adelaide Ferreira (1811-1896), conhecida gentilmente pelo povo, como a Ferreirinha, ilustre cidadã reguense, a maior vitinicultora do Douro e negociante de Vinhos do Porto, que prosperava com as vendas às firmas inglesas. Era nos arredores da Régua, na Quinta das Nogueiras, na freguesia de Godim, que tinha a sua residência permanente, a grande empresária de vinhos, a Ferreirinha que acompanhava com apreensão a crise da filoxera e os problemas da vida das pessoas no Douro e na vila da Régua, um entreposto comercial e urbano em crescimento.

Além da gestão dos negócios que seguia com rigor e cuidados nos mercados, a Ferreirinha gostava de estar informada pelos seus colaboradores mais próximos, o Francisco Claro e o António Correia. Sabia o que acontecia de importante no país, na região e na  pequena vila da Régua,  pelas conversas frequentes com estes administradores das suas empresas.

Embora não seja certo e seguro, mas o principal fundador e aquele que foi o primeiro comandante do Corpo de Bombeiros da Régua, Manuel Maria de Magalhães, secretário do tribunal judicial, ter-lhe-à dado a conhecer o projecto de constituição de uma associação e de uma companhia de bombeiros voluntários, na Régua, a importância da criação e as suas carências.

Acontece que, como não podia deixar de ser, a Ferreirinha prestou auxilio à criação dos Bombeiros da Régua. Como o fez e em que medida não o sabemos, mas esta notável mulher, detentora de valioso património e de grande fortuna, em 1880 aceitou ser a sua associada contribuinte nº 1. A sua inscrição está assinalada com a assinatura do seu nome no livro de registos da Associação. Do que ela contribuiu sabe-se o que estava previsto nos estatutos. Para os sócios classificados de contribuintes, a empresária pagou uma jóia inicial, no valor de 500,00 reis e foi-lhe debitada uma quota mensal de 200,00 reis.

Este seu exemplo demonstra muito da sua generosidade, do respeito pelos homens que queriam fazer o bem à humanidade, e também o elevado prestígio social e o seu estatuto de benemérita que lhe era reconhecido. A grande empresária manifestava, assim, a importância pelas causas humanitárias, ao novo voluntariado, que saía do seio da sociedade como resposta e à ausência à incapacidade dos poderes.

Por outro lado, será inédito e mesmo pioneiro nas associações de bombeiros do país, uma mulher se destacar como a principal e, durante muitos, a única associada. Os estatutos das associações, desse tempo, limitavam a participação das mulheres na vida associativa, a não ser que fosse autorizada com uma declaração escrita do marido. Na sociedade reguense dos finais de novecentos, rural e tradicional, a sua atitude revela também uma autonomia do seu papel activo como mulher que, em 1880, ficava, pela segunda vez, no estado civil de viúva.

Apaixonada pelas vinhas e pelo Douro que amou com a sua terra, a Ferreirinha não se deixou desanimar perante a crise da filoxera, que a aproveitou como uma oportunidade para comprar mais quintas, agora na sub-região do Douro Superior, adquirir mais vinhos que depois vendeu aos ingleses a preços mais elevados em períodos de carência.

Nunca o sucesso comercial não a impediu de assumir uma responsabilidade ética e social. Procurou resolver muitos problemas de ordem social em quase toda a região duriense. Contribuiu com o dinheiro para melhorar as condições dos hospitais e de várias instituições de solidariedade social, em quase toda a região duriense. Ajudou pessoas em dificuldades, garantiu trabalho a milhares de jornaleiros, prestou apoio aos mais pobres, doentes, velhos e às crianças desfavorecidas.

A bondade da Ferreirinha tinha como divisa um ideal que ela nunca deixou de pôr em prática: “Cada um na sua terra deverá fazer tudo que seja para bem da Humanidade”. Tudo, talvez, a D. Antónia não tenho conseguido fazer, mas a acção social da grande empresária que nasceu na Régua, há 200 anos, terá reduzido muitos problemas sociais, contribuindo para uma sociedade mais justa.

De uma forma, não surpreendente, os Bombeiros da Régua foram os únicos que, na região do Douro, foram auxiliados pela dinâmica empreendedora. Tiveram sorte de ter a Ferreirinha como sócia contribuinte e, por certo, de mais dávidas. Ao conseguirem atrai-la para o seio da sua associação escolheram a pessoa certa que, não pela riqueza e seus bens materiais, mas porque em tudo se identificava com os seus valores de altruísmo, abnegação e coragem, que definem a sua nobre missão. Enriqueceram com a sua presença  de associada a história da sua fundação  que acaba pôr ser tornar mais apaixonante e cativante quando se evocam estes relatos, desconhecidos para muitos, da vida singular de uma lendária personalidade que se imortalizou, no coração nos bombeiros da velha guarda, do povo duriense, pelo bem que lhes fez.
Depois de mais 130 anos a trabalharem para o bem da humanidade, os Bombeiros da Régua orgulham-se também de associarem à Ferreirinha, o nome da intuição, o seu prestigio, os seus valores humanistas à mulher que sempre, representou e valeu por tudo isso.

Desde 1880, que ao nível da protecção civil, socorro assistência, os bombeiros da Régua, foram perseverantes como uma força invencível, que faz a sua presença constante na comunidade e sejam elementos indispensáveis na vida sua comunidade. Pela utilidade cívica da sua missão, nunca desistiram de manter em actividade um Corpo de Bombeiros Voluntários, para cumprirem religiosamente uma divisa de “Vida por Vida”. E querem, na crise económica actual, com o exemplo das suas vidas singulares contribuir para uma sociedade mais solidária… respeitando a divisa que lhes legou, como uma herança imaterial, a sua sócia contribuinte nº 1, a bondosa Ferreirinha da Régua: Fazer sempre o Bem da Humanidade.

- José Alfredo Almeida*, Régua, Julho de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
  • *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.
Edição de Jaime Luis Gabão para Escritos do Douro 2011 em 3 de Julho de 2011.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

O Baile de Carnaval

Se a Régua quiser escolher um evento social badalado e considerado importante, tem de lembrar do Baile da Vindimas que, nos anos 50 a 70, era realizado no Quartel dos Bombeiros da Régua.

O Baile das Vindimas fez um sucesso estrondoso dentro e fora da Régua. Como uma festa de diversão proporcionou bons e agradáveis momentos a uma geração de jovens que nada mais tinham para se distrair na sua terra que as sessões de filmes no Cine-Teatro. Os bombeiros também ganharam com sua realização no seu bonito Quartel. As entradas pagas, a um valor acessível, permitiram fazer receitas extraordinárias que ajudavam as débeis contas. Se entrava mais dinheiro no cofre já compravam os meios materiais que faltavam para prestarem uma protecção e socorro mais profissional.

A primeira organização dos Baile das Vindimas foi de um grupo de jovens que, nos anos seguintes, a entregaram à direcção dos Bombeiros da Régua. Souberam tais elementos agarrar a ideia e dar-lhe uma consistência que o tornou num evento social de sucesso. Aqueles que o frequentaram, ano após ano, sabiam que era um momento especial de experimentarem emoções e sentimentos inesquecíveis.

O sucesso começava na competência dos seus organizadores, seguia na escolha dos conjuntos musicais e acabava na divulgação dos seus fins solidários, sempre para ajudar quem fazia o bem pelo seu semelhante. Na Régua e até na região duriense tornou-se um acontecimento conhecido e com muita fama. Hoje, se alguém vier a realizar novas edições, deve ser difícil imitá-lo como era no passado. O gosto das pessoas pelos eventos festivos mudou, mas permanecem as razões para o fazer ressurgir com um novo encantamento peça beleza da dança e das paisagens durienses no princípio de cada Outono.

O Baile das Vindimas não foi o único organizado pelos bombeiros da Régua. Havia outro baile que, todos os anos, se fazia no seu magnifico Quartel. Esse era o Baile de Carnaval que não deixou de ter público fiel que o viveu com a mesma paixão. Não era um baile de gala como o das vindimas. Era um baile popular, mais modesto e, sobretudo, a pensar servir outras pessoas. Pelo custo das entradas, era uma festa acessível aos que tinham menos posses.

O Baile de Carnaval entusiasmou gerações jovens de reguenses. Quem frequentou os sucessivos bailes de carnaval guardou recordações memoráveis. Se uns recordam o ambiente de muita folia e de diversão, outros lembram ainda os momentos de emoções que viveram e de pormenores que marcaram as suas vidas.

Foi o chefe Claudino Clemente que, ao lado de outros bombeiros menos conhecidos, que teve a cargo uma impecável organização para garantir muitas presenças e também gordas receitas.
Não ficou esquecido o Baile de Carnaval. Há ainda quem o recorde e lembre as emoções que nele viveu. Uma dessas pessoas, é senhora D. Olga Pinto Barbosa que no seu livro “Memórias de Infância de uma Duriense”, publicado em 2007, evoca momentos inesquecíveis. Nessa pequena e despretensiosa obra, mas escrita com rigor e muita paixão consegue retratar algumas das suas vivências de adolescente. A dado passo, relata de forma espontânea e despreocupada os melhores momentos desse baile que foi, na sua vida, um ritual de festa e alegria:

“Lembro-me tão bem de fazer uma roupa cigana para ir ao baile de Carnaval com a minha irmã! O baile era nos bombeiros da Régua. Então, da minha imaginação, fiz uma saia muito comprida de chita às flores. Fui aos guarda-chuvas velhos, arranquei-lhes as varetas, para lhe tirar o pano preto, e com ele fiz coletes, que bordei com lantejoulas e vidrilhos, que ia comprar à loja do senhor Tule, também no Cimo da Régua. A loja vendia essas miudezas nessa época. Fiz roupa, tudo à mão, com pontos muito miudinhos, que pareciam pontos de máquina de costura. As minhas amigas admiravam-se da minha habilidade. Se fosse nos tempos de hoje, eu teria sido, talvez, uma grande estilista de modas!

Quando chegou o dia de Carnaval de um domingo para segunda, eu e a minha irmã, entrámos no baile já a festa estava bastante animada. Mas quando nós entramos fizemos tanto sucesso! Nem sabíamos para que lado nos virar. Todos os cavalheiros, fossem homens ou jovens, só queriam dançar connosco. Pintámos os lábios com baton e com um fósforo queimado fizemos os sinais na cara e respectivos caracóis com os dedos e água no cabelo. Estávamos autênticas ciganas!

Ouvíamos no baile de longe os comentários e quando algum jovem me vinha buscar para dançar dizia: “A minha linda cigana dança?” Todos nos davam chocolates para dançarmos com eles; porque no meio do baile andava uma senhora, elegantemente vestida, a qual trazia uma alça ao pescoço, um tabuleiro de palhinha fina muito bem decorado onde se podiam ver chocolates Regina, Favorita e Nestlé. O tabuleiro tinha ainda uns saquinhos que continham os tradicionais rebuçados da Régua”.

Parece que, por magia, aquelas recordações nos fazem voltar atrás no tempo e entrar, mais uma vez, no baile popular como era do Carnaval.

Era assim o Baile de Carnaval nos bombeiros da Régua. Era um outro tempo. Já não existe mais. Em terras pequenas, como a Régua, os jovens tinham estes bailes para se divertirem e realizarem alguns dos seus sonhos.

Para os bombeiros, estes bailes não serviam para ganhar mais dinheiro com o que reparavam carro que estava parado ou se comprava uma nova ambulância. Os bombeiros prestavam também solidariedade. Sabiam-se reconhecer na população que os ajudava nas suas missões, desde os simples associados, aos amigos e os ilustres beneméritos. Sempre que estavam carenciados, havia mais um benemérito que estava pronto a resolver os problemas mais graves. Houve alguns, e não foram poucos, que em testamento legaram os seus bens para os bombeiros terem vida mais fácil.

Os bombeiros responderam sempre com desmedida gratidão e imensa generosidade. Se a comunidade precisava dos bombeiros, ou das suas instalações, logo franqueavam as portas do seu quartel. No quartel, não se fizeram só os bailes. Quem gostava de representar o teatro de amadores teve aí o palco para levar as peças ao público. E outros cidadãos fizeram nos seus salões, as cerimónias mais especiais da sua vida pessoal, os aniversários, os baptizados e os seus casamentos.

O quartel dos Bombeiros da Régua foi, durante muitos anos, um lugar privilegiado para se realizarem esses acontecimentos felizes de muitos homens e mulheres.

Ao longo da longa história, já com mais de 130 anos de existência, o Quartel dos bombeiros da Régua foi a casa de todos os reguenses. Daqueles homens e mulheres que foram solidários e também tiveram a oportunidade de ali realizar, nos bailes e noutras actividades recreativas e culturais, alguns dos seus primeiros sonhos.
- José Alfredo Almeida*, Régua, Julho de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
  • *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.
Edição de Jaime Luis Gabão para Escritos do Douro 2011 em 1 de Julho de 2011.