quinta-feira, 14 de abril de 2011

BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE PESO DA RÉGUA na Imprensa

Quartel de Bombeiros - BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE PESO DA RÉGUA
NORTE - JORNAL DE NOTÍCIAS - Página 21 - Terça-feira, 15 de Março de 2011
D. Antónia “Ferreirinha” foi a sócia número um
Obras do quartel concluídas até Outubro para receber o 41.º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses
Ana Margarida tornou-se uma espécie de mascote da corporação
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
Bombeiros da Régua -Ana Margarida tornou-se uma espécie de mascote da corporação

quarta-feira, 13 de abril de 2011

DESPEDIDA

Por que choras, Pai?
Pelo teu sangue que vai,
Na lonjura dos céus,
Sobre terras e sobre mares,
Impedido de dares
Um beijo dos teus,
Um beijo de amor
Que esquece qualquer dor,
Escancara a alegria
E ressuscita o dia?
Querias a certeza
De viver sem a ausência
Do riso e da voz da tua paixão?
Sentir-lhe a permanência
Como um único coração
A bater por duas vidas,
Sem chegadas e partidas?
Tudo num só olhar,
Tudo num só abraço,
Sem razão para chorar
E sem este dorido cansaço
Que lentamente te mata;
Sem saber quando desata
Este nó aflito,
Este violento grito
Que encolhes para lá dos limites,
Para além do que existes?
Pai, por que choras?
Querias viver sem estas horas
Consumidas como uma eternidade?
Querias que a felicidade
Estivesse sempre na tua mão
Como uma flor que brotasse,
Feita reincarnação
- Ou reinvenção -
De uma criança que nunca se afastasse?
É longa a saudade,
Tão longa e infinita,
Que não há, em boa verdade,
Uma palavra que, mesmo bem escrita,
Traduza a dimensão desta realidade:
Que o amor pelos que nascem de nós
É tão físico e tão forte,
Não se apaga na morte,
Em nenhuma terra se esquece,
Em nenhum sono desaparece.

- De M. Nogueira Borges* extraído com autorização do autor de sua obra "O Lagar da Memória". O livro "O Lagar da Memória" foi apresentado  dia 12 de Março último na Casa-Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia . Informações para compra aqui.

Nota: Dedico este trabalho poético de M. Coutinho Nogueira Borges à memória de meu saudoso Pai - Jaime Ferraz Rodrigues Gabão, nascido na cidade de Peso da Régua - Portugal, em 13 de Abril de 1924 e falecido a 18 de Junho de 1992, dia do Corpo de Deus, em Lisboa.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Uma Sineta de Palavras - 4

 
 A presença dos bombeiros na vida e obra  de João de Araújo Correia

“A associação é digna do meu zelo e até do meu sacrifício”
João de Araújo Correia


Continuação.
A primeira galera nunca chegou a ser devolvida ao museu então criado. Uma das relíquias que se encontram naquele museu é o famoso Sino de Canelas.


Em “Uma relíquia” (in Pátria Pequena-1956), estão patentes os seus conhecimentos sobre episódios da história portuguesa. Com simplicidade e concisão, narra um acontecimento trágico e violento, as invasões francesas, na sua passagem pelo Douro, nomeadamente por Canelas e Peso da Régua. E, para concluir, demonstra satisfação por os bombeiros terem no seu museu este valioso objecto que, em tempos mais recuados, pertenceu à terra onde nasceu, a freguesia de Canelas do Douro, quando era um concelho.


“Do extinto concelho de Canela existiram, até há bem pouco tempo, três relíquias: a casa da câmara, um livro de actas das sessões camarárias e uma sineta, cujo repique servira ordinariamente para convocar vereadores.
(…)
Das três relíquias, só existe a sineta. Quem quiser ver esse pedaço de bronze deverá subir à cobertura da nossa casa, como quem diz ao telhado do nosso quartel (Bombeiros Voluntários da Régua). Substituirá a sereia quando a sereia emudecer.
(…)
Do antigo foro de Canelas, à parte a rua da Picota, que ainda existe, continua a viver como nova, por ser de bronze, a sineta que alarmou os povos em 1808. Nós, os Bombeiros da Régua, orgulhamo-nos da sua posse. Ao festejarmos os setenta e seis, rica idade, é-nos agradável celebrar uma relíquia que não deslumbra o nosso brasão.”


Durante a sua vida, o escritor teve a oportunidade de conhecer, com excepção de Manuel Maria de Magalhães, todos os comandantes dos bombeiros, com os quais privou de perto e fez amizade.


Sucedeu ao Comandante Manuel Maria de Magalhães uma figura da cultura reguense, o jornalista, o pintor, o escultor, o investigador José Afonso de Oliveira Soares (1892-1927), autor da “História da Vila e do Concelho de Peso da Régua”. João de Araújo Correia foi seu amigo íntimo e ambos escreveram nos jornais que se publicaram na Régua nas primeiras décadas do séc. XX.


A ele dedica a crónica “Configurações” (In Horas Mortas-1968) para elogiar o seu génio de artista. E na crónica “José Afonso Oliveira Soares”, publicada na primeira página do "Jornal da Régua", em 1928, escreve sobre um seu retrato para   lhe gabar  as suas qualidades morais.


“O retrato é mal tirado. Mas a nossa adoração espiritualiza-o. Aos olhos dos devotos não escorrem sangue as feridas mal pintadas dos crucificados? À nossa vista, o Senhor Soares gravado é o Senhor Soares vivo. O fenómeno do riso no octogenário ensilveirado de barbas é um dos encantos do homem que vem, às tardes sentar-se no banco do Zé Pinto, do esteta que procura uma mercearia para espairecer, como há enxovedos que procuram os museus para ressoar. O riso é o triunfo do homem sobre as trivialidades que o circundam. A beleza e fealdade das coisas são reacções interiores. Por isso vemos o Senhor Soares deliciado quando o Afonso Henriques Morrão pesa bacalhau ou o Zé Pinto se põe a esculpir estátuas impressionistas de oiro, com manteiga. Se o amor preleva o senso estético no descobrir em prosa poesia num pelo defumado do cachimbo do Senhor Afonso Soares, veremos o singular indivíduo que vive oitenta anos à sombra de sertanejo campanário, sem prejuízo da harmonia do seu vestir ou pensar. A gravura que encima, esta coluna e, por consequência uma maravilha.
(…)
Não é exacto valerem os homens somente pela obra executada. Os homens valem pelo mundo íntimo que abrigam e vem transparecer à flor do olhar, do gesto, da palavra, que é a maneira de pôr a gravata ou o chapéu. O Senhor Soares vale um tesoiro.Com aquelas barbas chamuscadas de fumo, a moeda romana que lhe orna o peito, vale tanto como se houvesse despedido do lar aos vinte anos, com a sua habilidade e seus pincéis e regressasse pelos oitenta, coroado de espinhos loiros, bem granjeado o nome pomposo de Mestre José Afonso”.


Quanto ao Comandante Joaquim de Sousa Pinto (1927-1930), comerciante estabelecido na Rua dos Camilos, nº 45, no tempo em que havia as mercearias com fartos recheios de produtos do comércio de retalho, homem que também se distinguiu como vereador da autarquia, nos finais da monarquia, foi referenciado na crónica “A Botica do Anastácio”, publicada no jornal “O Arrais”, em 1981.


“A Régua actual, tornemos a dizer, não é muita antiga. Nasceu com a Companhia Velha, cujo edifício e armazém, à beira do nosso rio, são uma espécie de quartel-general do país vinhateiro. Deram à Régua o foro de capital do Douro, região que vai desaparecer – se é certo o que anunciam os jornais portugueses. Caso para gritar: aqui del-rei, que matam o Douro!
Mas, por hoje, vamos lá recordar a botica do Anastácio, situada na Rua dos Camilos, defronte da antiga loja do Valente Novo. Loja que mudou de nome português para nome francês, mudando o proprietário. Deus lhe perdoe.
A botica do Anastácio! Já toda a gente lhe chamava farmácia. Mas, o meu pai, amigo de termos velhos ainda lhe chamava botica. Assim como chamava Rua da Bandeira à Rua dos Camilos, porque os terrenos, por ali situados, tinham pertencido aos Portocarreiros, fidalgos da Bandeirinha, lá em baixo, na cidade do Porto.
A Régua não é muito antiga. Mas, já se pode ir falando da Régua de ontem aos actuais reguenses. Como tudo quanto nasceu, também, a Régua vai envelhecendo.
A botica do Anastácio é de ontem. É do tempo em que não havia clubes ou só havia um clube. É do tempo em que os mentideiros, os soalheiros, os centros de cavaco, eram as farmácias ou mercearias. Memorável ponto de reunião foi a botica do Anastácio - como lhe chamava meu pai. Memorável clube improvisado.
Anastácio, de pé, do lado de dentro do mostrador, deitava aos contertúlios, de vez em quando, uma palavra mansa.
Era homem calmo, correcto, farmacêutico limpo e honesto como não havia segundo. Receita aviada por ele saía das suas mãos como obra-prima em forma de garrafa, hóstias ou pomada. Morreu bastante novo, com uma diabete quase fulminante.
Contertúlios reunidos à noite eram aí meia dúzia. Além de meu pai, conto o Dr. Vasques Osório, mais conhecido por Doutor Galego, por ser filho de Domingos, galego de nação; Joaquim Lopes da Silva, homem de grande tino comercial, uma energia oriundo de Ovar; Cardoso Mirandela, então ajudante de notário, homem esperto e positivo; Joaquim de Sousa Pinto, merceeiro bem disposto, dedicado comandante de bombeiros; Joaquim Penhor, a quem chamavam o Tio Rico, e outros.
Conversavam sobre a política do tempo, contavam anedotas recessas, etc.
Tio Rico morava lá em cima, no Poeiro, numa casa que veio a ser residência paroquial. Creio que vivia com mulher e cunhadas. E, como não tivesse filhos, deixou a casa ao Cardoso Mirandela, sobrinho dele por afinidade.
A Régua não é muito antiga. Mas, como se vê, começa a ter que contar”.


Do Comandante Camilo Guedes Castelo Branco (1930-1949), ajudante de notário de profissão, jornalista em jornais de índole republicana, distinto poeta, com uma obra publicada – “Farternalis Dolor” -  e muita  dispersa, o escritor  insere  no seu livro “Lira Familiar”,  o fragmento poético Instantâneo VI, que aquele tinha assinado com o pseudónimo de Gil Vaz, no “Jornal da Régua”, em1937. Em nota final, nessa sua obra, elogia-lhe o talento de poeta e aconselha que se reúna num livro a sua poesia dispersa.


“Poeta lírico de altíssimo talento, pedem colectânea há muito, os seus dispersos.Com ele se poderia formar um dedicado ramo de flores”.


O Comandante Lourenço de Almeida Medeiros (1949-1959), faleceu em 12 de Dezembro de 1959. Destacou-se pelos seus 63 anos de serviço nos bombeiros, o que foi reconhecido com uma alta condecoração do Estado, a comenda de Cavaleiro da Ordem da Benemerência.


Na crónica intitulada “Delicadeza” (In Pátria Pequena -1959) escreveu um “in memoriam” a um homem delicado, carinhosamente tratado pelo “Lourenchinho”.


“Faleceu a 12 do corrente, nos subúrbios desta vila, um homem delicado. Melhor dizendo, faleceu a 12 do corrente, nos subúrbios desta vila, um homem que exerceu, durante mais de oitenta anos, a delicada arte de ser delicado.
Parece que o exercício dessa função espiritual o conservou moço até ao limiar da cova. Tinha oitenta anos como se tivesse apenas cinquenta, mas, direitos e elegantes como guias de salgueiro.
Toda a gente sabe ou adivinha que o nosso morto é o Lourenço de Almeida Pinto Medeiros, o Lourenchinho, como lhe chamávamos todos, consoante o uso no Norte. O inho, entre nós, não é mau signo de equívoca personalidade, é tributo que se paga em moeda de afectivo respeito, a um homem que o mereça.
O Lourenchinho, reguense nato, inteligência circunscrita a ideias intramuros, coração transbordante de paixões locais, Bombeiros e Festas do Socorro, foi excepção na Régua devido à sua ingénita delicadeza.
Por esse motivo, além de outros, faz imensa falta a este burgo comercial, tão atarefado, que não considerou que cortesia é sinal de civilização.
Terra que não saiba cumprimentar, que não perdoe pequenas fraquezas a naturais e estranhos, que não dissolva mesquinhos ressentimentos, não vença a iníqua antipatia que lhe inspiram os melhores filhos, é terra de esboço colonial de provável povoação.
É tempo de a Régua se orgulhar de cidadãos polidos como o Lourenchinho. Ele e poucos mais, que felizmente por aí ficaram, uns ricamente vestidos, outros pobremente vestidos, provam que a Régua não é árida de cortesia como a pintam os seus hóspedes mais sensíveis.
O Lourenchinho, foi fidalgo de natureza, que é maneira menos falível de ser fidalgo”.


Por volta de 1958, os bombeiros necessitaram de ajuda da população para comprar uma nova ambulância, a auto-maca de que tinham falta para transportar os doentes para os hospitais do Porto. Mais uma vez, o escritor reguense, que conhecia bem as dificuldades que vivia a Associação, mostra as suas qualidades cívicas.


O escritor sabia que os seus textos eram lidos com atenção e respeitados. Em tom dramático, mas repleto de humor, na crónica “Socorro!” (In Pátria Pequena-1958) faz um apelo à generosidade dos reguenses. Deve dizer-se que, no ano seguinte, os bombeiros juntaram a verba para compararem a necessitada ambulância.


“É indispensável e até urgente que os nossos bombeiros adquiram uma ambulância nova! A que aí têm é ainda um bom carro, foge que voa pela estrada fora e trepa ao cimo dos nossos montes como um gato, mas é inóspita para doentes e pessoas que os acompanham. Não tem defesa contra o frio e calor externos. Em viagens longas, consoante a estação, é frigorífico ou crematório.
(…)
Tornou-se angustiosa a necessidade de se adquirir nova auto-maca. A velha ficará para serviço rápido, subir a Poiares ou a Sedielos num rufo, suprir ou auxiliar veículo novo em caso de necessidade. Para levar um doente à Misericórdia do Porto, aos hospitais de Coimbra ou Lisboa, pôr-se-á a caminho ordinariamente uma ambulância capaz de o agasalhar e proteger com o maior carinho e o menor dispêndio.
De todos os fogos, o que lavra no corpo ferido ou doente é o mais credor de imediato socorro. Não há casa que valha uma vida humana. Levar a uma enfermaria o semelhante é acudir-lhe com o coração guiado pelo espírito. É um acto que transcende da simples caridade. Deixar morrer é matarmo-nos. O bem comum mais precioso é o homem. Como quem diz: somos nós todos. No caso de auxiliarmos os Bombeiros, na compra da auto-maca, o que lhe dermos será economia nossa que vamos pôr a juros. Imaginemos, à nossa vontade, que somos beneméritos. O que seremos, em boa análise, é egoístas. O óbolo que sair do nosso bolso é um seguro de vida. Reverterá, quando mal nos precatarmos, a nosso próprio favor. Ninguém dirá, vendo passar a auto-maca: de ti, estou eu livre.”


Em 8 de Agosto de 1953, o bombeiro João Gomes de Figueiredo - conhecido por João dos Óculos - morreu no combate ao  incêndio  na Casa Viúva Lopes. A sua morte causou enorme a dor e mágoa aos reguenses que não deixaram de expressar os sentimentos, quer à sua família de sangue – deixava a viúva e três filhos menores na miséria –, quer à do seu coração, ao Corpo de Bombeiros.


Nesse dia fatídico, o escritor que, por sinal, era um seus dos patrões, já que era um dos sócios da Imprensa do Douro, onde o malogrado bombeiro trabalhava como tipógrafo, dirigiu um telegrama à Exma Direcção dos Bombeiros Voluntários, a manifestar os seus “Sentidos pêsames - trágico falecimento dedicado  Bombeiro e Homem de Bem Joaquim Figueiredo”.
Nas páginas do Boletim das Bodas de Diamante da Associação (1955), escreveu um soneto em memória daquele bombeiro. Para ele, este malogrado bombeiro que morria aos 33 anos de idade, era o símbolo que não podia ser ignorado, como exemplo verdadeiro de que, muitas vezes, estes “soldados da paz” dão a sua própria vida para salvar a do seu semelhante.


O João dos Óculos nasceu bombeiro
Embora fosse pálido e franzino,
Cumpriu até o fim o seu destino
Com impoluta alma de guerreiro.


Nenhuns braços lhe foram cativeiro
Mal da sereia ouvisse o som mofino…
Em uma noite de luar divino
Foi encontrar a morte num braseiro.


A sua associação - cândida amante -
Celebra hoje as Bodas de Diamante…
-Quase cem anos de existência honesta.


Um bom diante, sócios, é carvão.
Ide buscar o coração do João
E fazei dele o símbolo da festa.”
Em 28 de Novembro de 1980, quando a associação festejava o primeiro centenário e os bombeiros  estavam encarregados da  organização do 24º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses, escreveu no Boletim do Centenário (1980) o inédito “História de um Soneto”, para lembrar os “versos de cegos” – na opinião de seu filho Camilo - que tinha escrito em memória  do abnegado jovem bombeiro João dos Óculos,  tragicamente falecido no combate a um  incêndio.


“Tive muita pena do João dos Óculos, falecido em 1953. Quando, em 1955, festejou as bodas de diamante a benemérita ASSOCIAÇÃO DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DO PESO DA RÉGUA, lembrei-me dele e da sua trágica morte E, vai daí, andando a passear no meu quarto, improvisei um soneto à sua memória. Digo improvisei, porque me apareceu, no cérebro, desde a primeira à última palavra. Nasceu-me, de mais a mais, a conversar com um dos meus filhos, o Camilo, que não é nada tolo como toda a gente sabe.
Por ele não ser tolo, recitei-lhe o soneto antes de o escrever.
Mas, que má impressão lhe causei! Premiou-me os catorze versos com uma coroa de espinhos. Disse-me que eram versos de cego.
Versos de cego, em 1955 eram uma versalhada, que os ceguinhos entoavam na rua, ao som da viola, violão ou outro instrumento de corda, para apurar tostões. Levavam de terra em terra, tocando e cantando, o noticiário de grandes casos. Eram quase sempre, eco de grandes crimes, principalmente crimes passionais.
Estou a ouvi-los entoar a versalhada, que, na opinião do meu filho, era mãe do meu soneto.
Embora… Publiquei os meus catorze versos numa folha ilustrada, comemorativa dos setenta e cinco anos dos nossos bombeiros.
(…)
Mal chegou a Lisboa o sonetito, encontrou no Dr. Nuno Simões carinhoso acolhimento. Depois de o ler na folha única, não se conteve o ilustre publicista. Comunicou o seu entusiasmo à Associação dos Bombeiros.
Isto de críticos… Se todos pensassem o mesmo, a respeito de qualquer obra, tombava o mundo para uma banda, correria o risco de se perder na imensidade.
Todos os conselhos ouvirás e o teu não deixarás – reza o prolóquio. Todas as críticas ouvirás e a tua não deixarás – digo eu antes e depois de publicar os meus escritos. Sei ou suponho que sei até que ponto merecem ser publicados”.


Em carta dirigida ao Secretário da Direcção dos Bombeiros do Peso da Régua, encontrada nos arquivos da Associação, João de Araújo Correia pedia o máximo cuidado na revisão dos seus textos. Era um cultor rigoroso da língua portuguesa e temia os erros e as gralhas tipográficas estragassem a qualidade literária dos seus escritos.


“Para corresponder ao amável convite de V. Excia, para colaborar num livro comemorativo do centenário da sua Associação, tive a honra de lhe remeter, pelo Sr. António Luís Pinto, empregado da Imprensa do Douro, três originais.
Trata-se de uma crónica inédita, intitulada História dum Soneto, e de dois artiguinhos que devem ser agora republicados.
Suponho que nenhum dos meus escritos, enviados a V. Excia pelo Sr. António, destoarão da índole do livro. Todos aludem a tempos idos da Associação.
Como tenho tido medo a gralhas tipográficas, não dispensarei a revisão de provas. Podem estas ser enviadas pelo dito Sr. António Luís Pinto – seja qual for a tipografia que imprima o livro”.


O certo é que nesse Boletim só foi publicado o inédito. Nenhuns dos seus dois artiguinhos “dos tempos idos da Associação” foram republicados.


E foi pena… Em vez dele, publicaram uma sua poesia alusiva à data histórica, que intitulou de “Centenário dos Bombeiros”.


Em 28 de Novembro de 1980, os bombeiros da Régua celebravam 100 anos de vida, com sinais de vitalidade, força e grande determinação. Uma vez mais, mostram estar actuantes na sociedade e os seus valores de generosidade provavam que estavam preparados para assumir mais  desafios no futuro. Como sempre, os bombeiros olham em frente, marcham em direcção a um novo horizonte, sempre com uma intenção: fazer mais e melhor, estando ao serviço da sua comunidade.
A longevidade da Associação fez reflectir mais o escritor, para quem os seus homens tinham uma certa condição de imortalidade: “Bombeiros não envelhecem/Nem sequer podem morrer/Como qualquer outro ser/Bombeiros não envelhecem/Nem sequer pode morrer”.


Por outras palavras, o escritor João de Araújo Correia imortalizou os bombeiros da sua terra não como heróis, mas como seres de elevados princípios humanistas.


Ao longo de mais 130 anos de missão, os bombeiros souberam construir uma a história colectiva de uma instituição nascida para servir e ajudar as pessoas, erigindo uma grande casa para fazer o Bem, como o seu primeiro um ideal, mas também para ser útil social e culturalmente.


No início de novo século, apostarão na modernidade, no conhecimento, na formação e na inovação, mas serão testemunhas privilegiadas dos valores e dos princípios de humanismo, de altruísmo e de filantropia, que pretendem manter firmes e perenes, sem nunca esmorecer os ideais dos seus fundadores.


Porque os bombeiros merecem admiração e respeito de cada um de nós, temos de repetir o que deles afirmou o escritor João de Araújo Correia: “Um homem de luvas brancas, com machado de prata às ordens e a cabeça adornada com um elmo de ouro, não é um homem. É um semi-deus”.

- Colaboração de J. A. Almeida - Régua para "Escritos do Douro".
João de Araújo Correia na "Infopédia"
João de Araújo Correia na "Wikipédia"

terça-feira, 5 de abril de 2011

Para parar três badaladas

Neste ocaso da vida em que, como diria La Palice, quanto a nós não se antolha futuro, mas, tão somente, passado e presente, é-nos grato trazer a estas desataviadas linhas, evocações de factos, decorrentes de uma peregrinação terráquea que, como a nossa, ultrapassou, no tempo, aquela meta, susceptível de nos conferir a qualificação de sobrevivente. E somo-lo, no passo em que vimos, desaparecer, para além dos que particularmente, nos foram caros, homens cuja mensagem permanece, para exemplo das gerações presentes e vindouras, a quem incumbe promover a terra, que lhes deu o ser. Assim aconteceu com esses homens, para que aconteça com os de hoje, para que aconteça com os quais surgirão, na promissora madrugada.

Abordar o tema concernente a uma instituição, que celebra, com legítimo orgulho, o seu centenário, representa convite a mergulhar num mundo de pensamentos, mormente quando ela se vincula à História da Vila e Concelho do Peso da Régua.

Corria o último quartel do século transacto quando sob impulso do Infante D. Afonso - fundador de Voluntários da Ajuda - entraram de proliferar, aqui e além, adentro do âmbito nacional, corporações dotadas de orgânica afim, celebrizadas pela pena de Gervásio Lobato (1) e pelo lápis de Bordalo Pinheiro (2).

Para seu desvanecimento a Régua, mercê de um punhado de boas vontades firmes e válidas, não foi a última a ser dotada da que se passou a denominar Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua.
Nascida no menos que modesto prédio (3), ainda existente no Largo dos Aviadores e provida de escasso material, que a edilidade reguense lhe cedeu, contou desde o início, no seu corpo activo, com homens (4) que, sob a responsabilidade do nome, passaram a gozar de um prestígio, que lhe advinha de actos beneméritos, em ordem a conferir à sua associação a fama que, ao actual corpo activo, cabe manter se não dilatar. Esta fama foi encontrá-la em Lamego, na recuada época da nossa adolescência, em que, naquela cidade, estanciámos durante sete anos. A rua de Almacave, no pendor de base do morro encimado pelo castelo medieval, em torno do qual se aninha o primitivo burgo, coetâneo de Fernando Magno, exibia prédios esventrados, portas e janelas como órbitas vazias, em paredes calcinadas, por apocalíptico incêndio.

Diga-se então, aí que, a não intervirem os bombeiros da Régua, a Olaria iria, de enfiada. Quanto pode uma minguada corporação em efectivos, bem comandados (5) em que a disciplina, livremente aceite, gera autênticos cidadãos! Escola de civismo foi, pois, e confiamos que o será, sempre, sem o qual as pátrias não são mais que expressões destituídas de sentido. E os reguenses ao admirarem, íamos dizendo, tais como chouans a Marie Jeanne (6), que cobriram de flores, uma bomba braçal (7) novinha em folha, que o quartel de cavalaria expunha, sentiram que estavam com os seus soldados da paz, como estes se identificavam, com eles.

Dizer do curriculum vitae da Instituição não é consentâneo com a índole de uma achega, que sofre, naturalmente, de limitações.

Hoje os nossos bombeiros dispõem de instalações, que honram a terra, onde se implantam. Catedral do bem, num ópido onde os valores culturais não abundam, emergentes, que são, de passado obscuro que, somente, nos últimos dois séculos se projecta em porvir auspicioso, luta e vai transpondo, com a persistência dos obstinados, os escolhos, que se interpõem, a quem demanda uma meta inatingível tal é a da verdade absoluta - peculiar às grandes reali­zações humanas. Hoje vem-lhe pela mão benemérita de um varão esclarecido (8), seu bairro, na qual a paz da consciência dará mão à ética social, que dignifica; amanhã, na sequência de um corpo vivo em expansão; será a mitose, propícia à nossa conterrânea Godim - quem sabe?

Existiram outrora, nos lares reguenses, no recesso dos oratórios dos antepassados, encaixilhados a preceito, sinais de incêndio, mediante os quais os soldados da paz e a população – que colaborava – ficavam cientes da zona em que se verificava o sinistro, sinais tangidos, pelos campanários locais. Estes sinais sobrepunham-se a uma notificação convencional – para parar três badaladas. Se a convenção era prática, não se compadecia, todavia com a realidade, pelo que o devoto abrenúncio nos vem à boca, nos termos em que Cervantes remata o preâmbulo da sua obra imortal, mediante o consabido.

- Peso da Régua, 12/8/80 - José António de Sousa Pereira. 
(1) Gervásio Lobato, in Lisboa em Camisa. 
(2) Rafael Bordalo Pinheiro, in Almanaques. 
(3) Seria oportuna a aparição, no imóvel, de uma placa comemorativa da efeméride. 
(4) Para além do primeiro comandante, Manuel Maria de Magalhães, José Joaquim Pereira Soares Santos, Joaquim de Sousa Pinto, José Afonso de Oliveira Soares, Camilo Guedes Castelo Branco, Joaquim Maria Leite e Álvaro Rodrigues da Silva, nomes que são uma legenda da Associação. 
(5) Ao tempo por José Afonso de Oliveira Soares. 
(6) Primeira peça de artilhada capturada aos azuis - tropas da Convenção Nacional -  pelos vendeanos, chefiados pelo Cavaleiro de La Charette, activos contra aquela, após o suplício de Luiz XVI (Victor Hugo, in  Noventa e Três). 
(7) Quando a C. P. organiza museus com material primitivo, ao longo da sua rede, lamentamos que este e outro espécime, da mesma natureza, tenham sido vendidos. 
(8) Dr. Aires Querubim Menezes Soares, ao presente governador civil do distrito.

NOTAS:
1 - Esta erudita crónica do ilustre médico reguense, “um dos homens que mais amou a sua Régua e o Alto Douro”, para quem “a sua vida foi um constante caminhar para a verdade”, “lutou pela liberdade”, e “como homem liberto seguia o seu próprio caminho, sem vergonha, sem medo e sem oportunismo” e “ morreu como um justo” (nas palavras do Sr. Dr. Aires Querubim de Menezes Soares), em 1981, foi publicada na Revista do Centenário da AHBV do Peso da Régua, em 1980.
2 - A autarquia reguense homenageou a sua memória ao atribuir a uma rua da cidade o seu nome como era conhecido pelo povo: “Rua Dr. José de Sousa”, aquela começa precisamente onde os bombeiros da Régua têm instalado o seu Edifício Multiusos.  
3 - É tema desta crónica, para além da evocação a história dos bombeiros da Régua, dos seus primórdios até 1980, uma intervenção dos bombeiros da Régua, sob o comando de Afonso Soares, no incêndio que ocorreu na noite de 27 de Junho de 1911, na Rua de Almacave, em Lamego, que se destacaram pela sua intervenção corajosa, rápida e eficiente no combate às  “chamas devastadoras” .
Colaboração de J. A. Almeida - Régua, para "Escritos do Douro" em Abril de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.

Para Parar Três Badaladas
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 31 de Março de 2011
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
Para Parar Três Badaladas