A relação do homem com o fogo remonta a tempos milenares. A sua descoberta pelos nossos antepassados garantiu-lhe a sua e a nossa sobrevivência e assim se abriram caminhos novos para a humanidade. Quando a vida começou no Mundo, o fogo era uma criação divina. Conta a mitologia grega que Prometeu roubou aos deuses o segredo do fogo e o deu ao homem para tornar a vida mais confortável. Por tal atrevimento, Prometeu foi severamente castigado, mas permitiu ao homem libertar-se das trevas.
O homem bem pode agradecer a ajuda de Prometeu, que lhe possibilitou um horizonte de esperança. Se o seu semelhante primitivo era frio, agressivo e hostil, a nova geração de humanos tornou-se mais afectuosa e com mais tempo para a convivência social, que, com as centelhas do fogo, nele despertam grandes paixões amorosas e românticas. O amor foi a sua espécie de fogo que os nossos ancestrais descobriram e hoje, quando os poetas falam do fogo devorador do amor ou das chamas que ardem sem se ver, não podemos ignorar a importância do fogo na vida humana. Ao lado do outros elementos - terra, ar, água - o fogo tornou-se, em certa medida, o mais poderoso de todos. Ele é, por si só, capaz de originar o mal, de se tornar numa ameaça à segurança e à tranquilidade do homem e até de causar destruição e morte.
Perante tais ameaças, o homem preveniu-se do fogo indesejado e, para o combater, apareceu o primeiro bombeiro que, diante o medo do seu concidadão, se distinguiu pelo seu espírito abnegado, corajoso e altruísta como um verdadeiro herói anónimo. Por isso, a acção do bombeio passa a atrair também os poetas, que o reconhecem como um símbolo de generosidade, de entrega à causa do bem e ao serviço de ajuda ao próximo. Depois das chamas do fogo dominadas, os poetas descobrem o bombeiro para nos seus versos evocar a gratidão e o reconhecimento. Quando todos fogem, o bombeiro avança e enfrenta sozinhos os medos e todos os perigos para salvar bens e vidas, mesmo que tenha que morrer. O seu único lema é servir o seu semelhante.
Lembro-me de uns versos intitulados O Bombeiro que foram escritos por Camilo Guedes Castelo Branco, um carismático e respeitado comandante dos bombeiros da Régua, apreciado por quem sabia, ao seu tempo, como um poeta de raro talento. Se quando vestiu a farda vivenciou os dramas e as tragédias que o fogo pode causar, como poeta soube melhor sintetizar a grandeza de um Soldado da Paz: “E eis que em meio trágico do braseiro/surge a figura altiva do bombeiro/Trazendo ao colo o pequeno ser”. Esta é a mais comovente evocação da figura do bombeiro que conheço. Um bombeiro, na sua humanidade, nunca procura nenhum acto heróico para promover a sua condição nem obter honrarias para a sua pessoa. Em cada sua missão, o bombeiro quer salvar vidas indefesas dos perigos do fogo, mesmo que para tal tenha de sacrificar a sua.
Já menos conhecidos, lembro-me de outros versos publicados nas páginas do Vida Por Vida, escritos pela D. Maria Elvira Pereira Guedes. Quem conheceu esta reguense na década de 60, e as vivências culturais na pacata vila duriense, tratava-a carinhosamente apenas por Bita. Os versos são dedicados aos Bombeiros da Régua e eles são um espelho da sua devotada admiração aos “bombeiros da velha guarda”, entre os quais o seu tio Comandante Lourencinho, que ela conheceu quando o quartel era uma velha casa, sem condições nenhumas, emprestada pela generosa Margarida Vilela, que até meados dos anos 50 ficava no início da rua dos Camilos, ou, como então se dizia, no Cimo da Régua.Eis os versos da D. Bita que os briosos bombeiros da sua terra lhe inspiraram:
“Na noite fria e brumosa
Silvo agudo rasga o ar;
É a sereia impiedosa
Que o bombeiro `stá a chamar.
E o bravo só olha os Céus
E vai em louca corrida,
Sem se despedir dos seus,
Sem dizer um só adeus,
Sem fazer caso da vida…
Valente Bombeiro!
És o primeiro
No bem fazer
Salvar os amigos
E inimigos,
É teu dever
Soldado da Paz,
Forte e audaz
Nobre e leal;
Tua coragem não tem rival!
Não há temor, ò guerreiro
Desse batalhão tão forte!
Se o dever está primeiro
Que te importa a própria morte?
A tua divisa é bela,
Traduz amor e bondade,
Ó bombeiro, pensa nela!
Sabeis vós o que diz ela?
- “A Bem da Humanidade”!
Para a bondosa poetisa, a divisa maior dos bombeiros é o bem que prestam à humanidade, a nós, seres frágeis a quem os fogos, em cada momento, podem levar a vida, as florestas e os bens pessoais. Confesso que estes simples versos me encantam. Traduzem a afectividade de alguém que confirma grandeza à missão do bombeiro que é reconhecida não pelos actos heróicos, mas pelo seu serviço ao bem comum.
Na luta do bombeiro contra o fogo, o bom bombeiro acabou por se tornar num exemplo de cidadania, solidariedade e fraternidade no Mundo egoísta, mais expectante com os avanços das modernas tecnologias do que com a sobrevivência e a felicidade do ser humano no Mundo em que hoje vivemos. Mas creio que ainda são os poetas que atiçam as centelhas de um novo fogo e, assim, iluminam a vida de um homem singular que, para lá dos nossos olhos, faz mais do que apagar fogos! Na verdade, são os bombeiros, heróis sem rosto e sem nome gravados na galeria dos notáveis que, desde a minha infância, povoam os meus sonhos como seres especiais e únicos, que na sua luta abnegada por um inquebrantável ideal, apenas trabalham para o Bem da Humanidade!
- José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Junho de 2013
*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras actividades escrevendo também cronicas que registam neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.
Clique nas imagens para ampliar. Texto e imagem de JASA. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.