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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

OS BOMBEIROS DA RÉGUA - O meu testemunho

Desde muito novo que os Bombeiros me fascinam, toda a panóplia de fardas, equipamentos, viaturas, sirenes, movimentações mais ou menos militarizadas e saber que estão ali para nos acudir, marcaram no meu espírito um sentimento de admiração e inveja por não fazer parte, mais tarde, pela intersecção que a minha vida teve com a corporação da minha terra, também a gratidão pelo seu trabalho veio ao de cima. Mesmo em dias como os de hoje, onde tantos valores nos começam a fugir por entre o quotidiano da vida, para mim, o Bombeiro Voluntário da Régua é um caso à parte.

E a primeira lembrança que tenho dos Bombeiros da Régua é a de um desfile de Carnaval, em plena rua dos Camilos, era eu muito miúdo, teria talvez 4, no máximo 5 anos, recordo, já na fase final do desfile, alguns Bombeiros pendurados no carro que, ainda recentemente, fazia de viatura funerária, com artefactos pirotécnicos a iluminarem o ambiente. Localiza-os no momento em que entravam no antigo quartel, ainda na rua dos Camilos.

Se calhar, como muita gente da minha geração, nunca me esquecerei do pavoroso incêndio que, a 8 de Agosto de 1953, deflagrou nos antigos armazéns da Viúva Lopes. Com 9 anos vivi este incêndio como pouca gente, aí morreu um Bombeiro que era amigo da minha família, o João dos Óculos, João Figueiredo de seu nome. Conhecia-o pessoalmente desde tenra idade e pelo seu feitio alegre e divertido, tocava muito bem gaita-de-beiços, granjeou a minha amizade.

Este incêndio foi dos maiores incêndios urbanos que vi, de minha casa na Lousada viam-se as labaredas nos referidos armazéns que ficavam em frente ao Cais Coberto da Estação da Régua. Muitos dos materiais aí armazenados eram inflamáveis e a construção do edifício era parcialmente de madeira, particularmente a nível do 1º andar e no telhado. A sua extinção foi muito difícil, durou três dias, só o nível de qualidade do comando de então e a coragem e a determinação de todo o Corpo Activo evitou que o fogo alastrasse à moagem aí existente. É evidente que este incêndio foi uma autêntica romaria para a Região, julgo que levado pela minha família passei por lá todos os dias e mais do que uma vez.

A Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Peso da Régua foi, e é, uma instituição incontornável ao longo da minha vida já bem longa. Dos 11 aos 16 anos era rara a semana em que não passasse pelo salão de jogos existente no Quartel Delfim Ferreira para jogar uma partida de bilhar. No Carnaval, e não só, sempre que os Bombeiros da Régua organizavam bailes para angariação de fundos, raramente faltei.

Sem poder precisar a data, mas seguramente em finais da década de 80, numa bela manhã de Agosto, por altura das festas da cidade, quando me deslocava para o meu local de trabalho, constato que a sebe feita de silvas e marmeleiros de uma propriedade minha estava queimada numa extensão de mais 100 metros. Preocupado ao ver o desastre, conclui que dormi toda a noite tranquilo enquanto os Bombeiros me apagaram o fogo da sebe. Evitaram que quase 9.000 m2 de vinha ardessem, a vinha tinha levado herbicida recentemente e era muito possível que não escapasse se não fosse a intervenção dos nossos Bombeiros.

Mais recentemente, a 27 de Novembro de 2007, num prédio urbano que tenho na Lousada com 4 habitações contíguas, uma braseira mal cuidada de uma inquilina pegou fogo á sua habitação tendo esta ardido totalmente. O prédio é de construção antiga, e ainda que em toda a zona exterior as paredes sejam em blocos de cimento as divisões interiores são de taipa revestida com cal hidráulica e gesso, o forro e toda a armação do telhado são em madeira, o que significa que facilmente todo o prédio poderia ter ficado destruído. Excelentemente comandados, os bombeiros presentes seguraram o fogo e impediram a sua propagação ao resto do prédio. Quando vi as chamas a consumirem as traves e a madeira do telhado, fiquei convencido que iria tudo pelo ar. Do mal, o menos, só ardeu a referida habitação.

Por tudo isto, aqui fica neste meu testemunho o que de mais importante me parece ser: o meu sentimento de gratidão para com os Bombeiros da Régua. Julgo que serei sempre um homem em dívida.
- Miguel Macedo





Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 30 de Agosto de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue somente com a citação da origem/autores/créditos.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Relendo: "História de um soneto" por João de Araújo Correia

Atualizado. Publicado inicialmente em 29-JUL-2008.
(Clique na imagem para ampliar)
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Na dramática noite do dia 8 de Agosto de 1953 estava em frente à estação da Régua, junto ao muro que dá para o rio Douro, assistindo ao dantesco espetáculo. Com seis anos de idade à época, acompanhava meu saudoso Pai Jaime Ferraz Rodrigues Gabão. Jamais saiu de minha memória a beleza assustadora e dramática das chamas envolvendo o edifício enorme da Casa Viúva Lopes. Experiência que marca até aos dias de hoje, com nitidez impressionante, minhas lembranças.
- J. L. Gabão, Brasil, Julho de 2008.
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O perigo anda de mãos dadas com a vontade de acudir e de servir a todos. A tragédia espreita a cada canto, e por vezes a morte sai a rua. Foi o que aconteceu no dia 8 de Agosto de 1953 com o Bombeiro João Gomes Figueiredo. João de Araújo Correia, homenageou o valente Soldado da Paz como se pode ler no texto abaixo:
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HISTÓRIA DE UM SONETO
- Por João de Araújo Correia
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Quando, em 1953, ardeu por completo, nesta vila, a CASA VIÚVA LOPES, empório de secos e molhados, como se diz no Brasil, morreu no incêndio o bombeiro João Figueiredo, mais conhecido por João dos Óculos.
No dia seguinte ao fogo, vi o cadáver, estendido de costas, do lado de dentro de uma abertura, que tinha sido, poucas horas antes, uma das portas da grande mercearia.
O corpo do João, ligeiramente vestido, como que ostentava, em toda a extensão das partes descobertas, o que se diz em Medicina, queimaduras do primeiro grau.
Não sei se a rápida morte do João foi devida às queimaduras, talvez mais extensas do que as ostentadas, se foi devida a asfixia ou queda. Não li relatório de autópsia nem sei até se o João foi autopsiado. Sei que morreu durantge o incêndio da CASA VIÚVA LOPES.
Era um pouco triste e um pouco frio, no trato, o João dos Óculos. Mas, homem bem comportado, honesto compositor na IMPRENSA DO DOURO. Vi-o trabalhar, muitas vezes, sem erguer os olhos do componedor.
Tive muita pena do desgraçado bombeiro. Tanto mais, que me eram simpáticos os seus padrinhos e pais adoptivos, o já cansado tipógrafo João Monteiro e sua mulher, a Senhora Glorinha, proprietários de uma arcaica tipografia quase morta chamada TRASMONTANA. Tinham descido de Vila Pouca de Aguiar à Régua, com seu prelo, como se tivessem embarcado para o Brasil. A Régua é chamariz de quem precisa de governar a vida.
Tive muita pena do João dos Óculos, falecido em 1953. Quando, em 1955, festejou as bodas de diamante a benemérita ASSOCIAÇÃO DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DO PESO DA RÉGUA, lembrei-me dele e da sua trágica morte. E, vai daí, andando a passear no meu quarto, improvisei um soneto à sua memória. Digo improvisei, porque me apareceu no cérebro, desde a primeira à última palavra. Nasceu-me, de mais a mais, a conversar com um dos meus filhos, o Camilo, que não é nada tolo, como toda a gente sabe.
Por ele não ser tolo, recitei-lhe o soneto antes de o escrever.
Mas que má impressão lhe causei! Premiou-me os catorze versos com uma coroa de catorze espinhos. Disse-me que eram versos de cego.
Versos de cego, em 1955, eram uma versalhada, que os ceguinhos entoavam na rua, ao som da viola, violão ou outro instrumento de corda, para apurar tostões. Levavam de terra em terra, tocando e cantando, o noticiário de grandes casos. Eram, quase sempre, eco de grandes crimes, principalmente crimes passionais.
Estou a ouvi-los entoar a versalhada, que, na opinião de meu filho, era mãe do meu soneto.
Embora... Publiquei os meus catorze versos numa folha ilustrada, comemorativa dos setenta e cinco anos dos nossos Bombeiros.
Aqui reproduzo o soneto como se repetisse a minha oferenda a um quartel que festeja, em 1980, o primeiro centenário. É como segue:
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BODAS DE DIAMANTE
.
O João dos Óculos nasceu bombeiro.
Embora fosse pálido e franzino,
Cumpriu até o fim o seu destino
Com impoluta alma de guerreiro.
.
Nenhuns braços lhe foram cativeiro
Mal da sereia ouvisse o som mofino...
Em uma noite de luar divino
Foi encontrar a morte num braseiro.
.
A sua Associação, cândida amante,
Celebra hoje as bodas de diamante,
Quase cem anos de exostência honesta.
.
Um bom diamante, sócios, é carvão.
Ide buscar o coração do João
E fazei dele o símbolo da festa.
.
Mal chegou a Lisboa o sonetito, encontrou no Dr. Nuno Simões carinhoso acolhimento. Depois de o ler na folha única, não se conteve o ilustre publicista. Comunicou o seu entusiasmo à Associação dos Bombeiros.
Isto de críticos... Se todos pensassem o mesmo, a respeito de qualquer obra, tombava o mundo para uma banda, correria o risco de se perder na imensidade.
Todos os conselhos ouvirás e o teu não deixarás - reza o prolóquio. Todas as críticas ouvirás e a tua não deixarás - digo eu antes e depois de publicar os meus escritos. Sei ou suponho que sei até que ponto merecem ser publicados.
.
Não se ficou somente pelo texto atrás reproduzido, a homenagem do "Mestre de todos nós" ao bombeiro falecido no incêndio da Casa Viúva Lopes...
Foi fatídico esse ano de 1953. A 24 de Dezembro, coube a desdita ao garboso e corajoso Afonso Pinto Monteiro, que acabado de almoçar, ao primeiro toque da sirene veio a correr atá ao Quartel. O incêndio era em Sedielos, e ainda a viatura subia a rua junto à Igreja Matriz de Godim, e já o Bombeiro falecia por indigestão provocada pela pela aflitiva corrida de momentos antes.
.
Livro - "Bombeiros Voluntários do Peso da Régua-125 anos da sua História";
Propriedade - Bombeiros Voluntários do Peso da Régua;
Autor - Manuel Igreja;
Fotografia - B. V. do Peso da Régua, Foto Baía, Manuel Igreja;
Paginação, fotolitos e impressão - Imprensa do Douro;
Depósito Legal n. 234957/05;
Tiragem - 2.000 exemplares.

História de um Soneto
João de Araújo Correia
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 27 de Janeiro de 2011
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
História de um Soneto

terça-feira, 29 de julho de 2008

História de um soneto.

(Clique na imagem para ampliar)
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Na dramática noite do dia 8 de Agosto de 1953 estava em frente à estação da Régua, junto ao muro que dá para o rio Douro, assistindo ao dantesco espetáculo. Com seis anos de idade à época, acompanhava meu saudoso Pai Jaime Ferraz Rodrigues Gabão. Jamais saiu de minha memória a beleza assustadora e dramática das chamas envolvendo o edifício enorme da Casa Viúva Lopes. Foi experiência que marca até aos dias de hoje, com nitidez impressionante, minhas lembranças.
- J. L. Gabão, Brasil, Julho de 2008.
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O perigo anda de mãos dadas com a vontade de acudir e de servir a todos. A tragédia espreita a cada canto, e por vezes a morte sai a rua. Foi o que aconteceu no dia 8 de Agosto de 1953 com o Bombeiro João Gomes Figueiredo. João de Araújo Correia, homenageou o valente Soldado da Paz como se pode ler no texto abaixo:
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HISTÓRIA DE UM SONETO
- Por João de Araújo Correia
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Quando, em 1953, ardeu por completo, nesta vila, a CASA VIÚVA LOPES, empório de secos e molhados, como se diz no Brasil, morreu no incêndio o bombeiro João Figueiredo, mais conhecido por João dos Óculos.
No dia seguinte ao fogo, vi o cadáver, estendido de costas, do lado de dentro de uma abertura, que tinha sido, poucas horas antes, uma das portas da grande mercearia.
O corpo do João, ligeiramente vestido, como que ostentava, em toda a extensão das partes descobertas, o que se diz em Medicina, queimaduras do primeiro grau.
Não sei se a rápida morte do João foi devida às queimaduras, talvez mais extensas do que as ostentadas, se foi devida a asfixia ou queda. Não li relatório de autópsia nem sei até se o João foi autopsiado. Sei que morreu durantge o incêndio da CASA VIÚVA LOPES.
Era um pouco triste e um pouco frio, no trato, o João dos Óculos. Mas, homem bem comportado, honesto compositor na IMPRENSA DO DOURO. Vi-o trabalhar, muitas vezes, sem erguer os olhos do componedor.
Tive muita pena do desgraçado bombeiro. Tanto mais, que me eram simpáticos os seus padrinhos e pais adoptivos, o já cansado tipógrafo João Monteiro e sua mulher, a Senhora Glorinha, proprietários de uma arcaica tipografia quase morta chamada TRASMONTANA. Tinham descido de Vila Pouca de Aguiar à Régua, com seu prelo, como se tivessem embarcado para o Brasil. A Régua é chamariz de quem precisa de governar a vida.
Tive muita pena do João dos Óculos, falecido em 1953. Quando, em 1955, festejou as bodas de diamante a benemérita ASSOCIAÇÃO DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DO PESO DA RÉGUA, lembrei-me dele e da sua trágica morte. E, vai daí, andando a passear no meu quarto, improvisei um soneto à sua memória. Digo improvisei, porque me apareceu no cérebro, desde a primeira à última palavra. Nasceu-me, de mais a mais, a conversar com um dos meus filhos, o Camilo, que não é nada tolo, como toda a gente sabe.
Por ele não ser tolo, recitei-lhe o soneto antes de o escrever.
Mas que má impressão lhe causei! Premiou-me os catorze versos com uma coroa de catorze espinhos. Disse-me que eram versos de cego.
Versos de cego, em 1955, eram uma versalhada, que os ceguinhos entoavam na rua, ao som da viola, violão ou outro instrumento de corda, para apurar tostões. Levavam de terra em terra, tocando e cantando, o noticiário de grandes casos. Eram, quase sempre, eco de grandes crimes, principalmente crimes passionais.
Estou a ouvi-los entoar a versalhada, que, na opinião de meu filho, era mãe do meu soneto.
Embora... Publiquei os meus catorze versos numa folha ilustrada, comemorativa dos setenta e cinco anos dos nossos Bombeiros.
Aqui reproduzo o soneto como se repetisse a minha oferenda a um quartel que festeja, em 1980, o primeiro centenário. É como segue:
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BODAS DE DIAMANTE
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O João dos Óculos nasceu bombeiro.
Embora fosse pálido e franzino,
Cumpriu até o fim o seu destino
Com impoluta alma de guerreiro.
.
Nenhuns braços lhe foram cativeiro
Mal da sereia ouvisse o som mofino...
Em uma noite de luar divino
Foi encontrar a morte num braseiro.
.
A sua Associação, cândida amante,
Celebra hoje as bodas de diamante,
Quase cem anos de exostência honesta.
.
Um bom diamante, sócios, é carvão.
Ide buscar o coração do João
E fazei dele o símbolo da festa.
.
Mal chegou a Lisboa o sonetito, encontrou no Dr. Nuno Simões carinhoso acolhimento. Depois de o ler na folha única, não se conteve o ilustre publicista. Comunicou o seu entusiasmo à Associação dos Bombeiros.
Isto de críticos... Se todos pensassem o mesmo, a respeito de qualquer obra, tombava o mundo para uma banda, correria o risco de se perder na imensidade.
Todos os conselhos ouvirás e o teu não deixarás - reza o prolóquio. Todas as críticas ouvirás e a tua não deixarás - digo eu antes e depois de publicar os meus escritos. Sei ou suponho que sei até que ponto merecem ser publicados.
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Não se ficou somente pelo texto atrás reproduzido, a homenagem do "Mestre de todos nós" ao bombeiro falecido no incêndio da Casa Viúva Lopes...
Foi fatídico esse ano de 1953. A 24 de Dezembro, coube a desdita ao garboso e corajoso Afonso Pinto Monteiro, que acabado de almoçar, ao primeiro toque da sirene veio a correr atá ao Quartel. O incêndio era em Sedielos, e ainda a viatura subia a rua junto à Igreja Matriz de Godim, e já o Bombeiro falecia por indigestão provocada pela pela aflitiva corrida de momentos antes.
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Livro - "Bombeiros Voluntários do Peso da Régua-125 anos da sua História";
Propriedade - Bombeiros Voluntários do Peso da Régua;
Autor - Manuel Igreja;
Fotografia - B. V. do Peso da Régua, Foto Baía, Manuel Igreja;
Paginação, fotolitos e impressão - Imprensa do Douro;
Depósito Legal n. 234957/05;
Tiragem - 2.000 exemplares.

História de um Soneto
João de Araújo Correia
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 27 de Janeiro de 2011
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
História de um Soneto