Adérito Rodrigues
Neste
terceiro apontamento sobre a vida do sr. Zé Pinto irei abordar aspetos que se
prendem com a vida institucional deste Bombeiro, o qual entrou para a Associação Humanitária
dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua por meados dos anos 30, do século
passado, com vinte e poucos anos e, tal como já dissera anteriormente, aí se
manteve quase quatro décadas, tendo saído por motivos de força maior, ou seja,
por razões de saúde.
Com
a elaboração desta crónica pretendia-se, também, pesquisar algo sobre o antigo
quartel ou recolher algumas fotos do quarteleiro que a família pudesse ter, o
que, infelizmente, não veio a concretizar-se, já que as familiares com quem
falei não se lembram, nem têm conhecimento desse edifício, como também não possuem
fotos do quartel velho ou do sr. Zé Pinto ainda nele.
Seria
mais um documento valioso ou registo histórico para o património dos Bombeiros
do Peso da Régua, mas, perante a resposta de uma familiar . . .
“-
Não me lembro do quartel velho, desse quartel só sei o que o meu sogro e a
minha sogra disseram, já não sou desse tempo”... nada se pode fazer.
Já
numa publicação do Arquivo dos Bombeiros, que saiu no Jornal “Arrais”, em 12 de Fevereiro de 2009 ,
se pode ver uma referência ao homem em causa, sendo documentado o artigo com
uma foto - “onde ao centro se destaca um
dos nossos grandes quarteleiros, o conhecido e saudoso Zé Pinto...” -,
aquando da cheia de 1962, a
qual incomodou as gentes da então Vila da Régua, já que foi a terceira maior
que o Rio Douro teve. Lá estava o quarteleiro com o seu boné (julgo que será
quico) e de galochas, a ajudar na recuperação dos haveres das pessoas,
conjuntamente com outros bombeiros.
Nesta
situação, como em muitas outras, que não faltaram, o sr. Zé Pinto cumpriu o
lema “Vida por Vida”, que é o espírito mobilizador duma Associação Humanitária
de Bombeiros.
Eram
voluntários que se dedicavam de alma e coração à causa nobre de auxiliar o seu próximo,
gastando horas e dias em prol duma comunidade necessitada.
Como
se sentiriam os bombeiros perante um drama daqueles, quando todas as pessoas
eram sobejamente conhecidas?
Muitas
das casas à beira-rio eram da gente mais pobre e eram casas fracas, feitas só de
tábuas ou, então, de tabique, onde imperava a pobreza, para não dizermos a
miséria, e os parcos haveres que possuíam, lá se iam na corrente ou ficavam
debaixo de água.
Foi
assustador e metia medo tal grandeza de água, pelas correntes que o rio fazia,
mesmo encostado às casas, e foi, sem dúvida alguma, uma desgraça que aconteceu
às gentes da Régua, que, felizmente, não teve repetição comparável até aos dias
de hoje. A situação posterior mais problemática de cheia do Douro foi em
fevereiro de 1979 e o rio ficou-se pela Rua João Franco, pois só inundou o
rés-do-chão, quase chegando ao 1º andar.
Uma
situação inimaginável para os dias de hoje, a vivida nesse ano de 1962, como
também uma realidade inatingível para alguns dos mais novos.
Não
havia os atuais recursos técnicos, nem as equipas da Proteção Civil ou os
militares dos quartéis circunvizinhos, nem as barragens para conter algum do
ímpeto das águas do rio, nem os meios de comunicação facilitadores da nossa
vida moderna.
A
Dª Antónia foi, sem dúvida, uma vez mais, o braço direito do marido. Para
corroborar esta tese, e para se comprovar a colaboração dessa senhora, passo a
narrar um episódio supremo, de profundo altruísmo, aquando da cheia de 1962 - “era o
fim do mundo na Régua” (no dizer da Dª Glória, nora) -, em que a “Antoninha dos Bombeiros” teve que
entrar em ação e no salão, ao lado do Salão Nobre, num fogão grande que havia
lá, para o aquecimento, onde passou dias a confecionar imensas panelas de sopa,
para que os bombeiros pudessem vir comer algo quentinho, depois de longas horas
a batalhar contra as intempestivas águas deste rio dourado, a procurar retirar os
bens das casas atingidas pela cheia.
Como
documentação e para relembrar as pessoas, apresento uma foto do nosso querido e
saudoso quarteleiro, Zé Pinto, acompanhado pela sua extremosa esposa, Dª
Antónia - “Antoninha dos Bombeiros”,
junto do edifício da Casa do Douro, quando ele já se encontrava aposentado (foto 1).
Era
inverno e os dias corriam frios! “Foi uma trabalheira desgraçada para os
bombeiros” (disse-me a nora), já que as ruas ribeirinhas da Régua
ficaram submersas, completamente inundadas, chegando a água muito próximo do 1º
andar na Rua da Ferreirinha, havendo, a meio da rua, por baixo de uma das
varandas, o registo desse fenómeno excepcional.
Pelo
referido registo poderemos concluir, indubitavelmente, como a então Vila da
Régua ficara inundada, com as suas ruas, as mais chegadas ao rio, completamente
intransitáveis pelo descomunal volume de água, onde a única ajuda possível era
a ação dos Bombeiros e de alguns populares (familiares, amigos ou conhecidos),
todos Voluntários, que se esforçavam por recuperar, o máximo que pudessem, os
bens que ficaram dentro das casas e que só era possível retirar com a ajuda de
barcos.
Quantos
barcos rabelos não terão andado nessas operações de resgate de bens e pessoas?!
Se
atendermos aos primeiros anos de trabalho deste nosso bombeiro, sabendo-se que rebentou
a 2ª Guerra Mundial – 1939/1945, um período mau de vida para os povos da Europa,
facilmente deduziremos que o “nosso” quarteleiro teve situações bem difíceis, deveras
dramáticas, mas que teve que equacionar.
Era
o tempo em que o trabalho executado se cumpria sem horários, sem regalias... e,
desde que fosse necessário sair com uma viatura, eis que o quarteleiro tinha
que estar disponível para tudo e para todos, nada comparável aos tempos de
hoje, em que se cumprem as formais horas de trabalho e, depois, cada um vai
para sua casa ou à sua vida.
Foi
esse o historial do sr. Zé Pinto, fruto dos tempos em que viveu, em que
batalhou, tendo trabalhado até à Revolução de Abril e, quando a condição social
da sociedade portuguesa começava a melhorar, como consequência desse Abril de
1974, viu-se “empurrado” para uma nova realidade, a de reformado - já que foi obrigado
a abandonar o seu posto, por motivos de saúde (um ataque cardíaco) - e, na
altura, a respetiva remuneração era fraca, dado que o seu vencimento também
tinha sido reduzido outrora, a exemplo da grande maioria dos portugueses que
viveram e labutaram nos tempos da ditadura.
Quando
a vida se apresentava com melhores dias, já que os vencimentos do pessoal ativo
tiveram significativos aumentos, a saúde traiu-o, impedindo-o de manter a sua
ocupação profissional.
Dada
a conjuntura política que se vivia, o sr. Zé Pinto não teve férias nesse longo período
de quarenta anos, como também não teve sábados, não teve domingos, nem tão
pouco teve feriados, tinha que estar ao serviço dos outros - os doentes -,
dadas as constantes viagens, fossem pelos vários lugares da região ou ao Hospital
Central do Porto, para transportar os enfermos, que podia consistir em ir levá-los
ou, então, ir buscá-los.
Foi
uma vida de dedicação à causa, colocando o serviço sempre à frente da sua vida
ou qualquer opção que pretendesse concretizar.
Perante
toda esta lealdade e consagração não houve um reconhecimento dos mais notáveis
da Organização, enquanto o sr. Zé Pinto foi vivo e reformado, e hoje é tarde,
dado que muitos deles já “partiram” e, também, o próprio Zé Pinto. Essa
amargura levou-a ele para o Além, muito embora não mostrasse grande azedume com
tal facto, mas alguma mágoa sentia, pois, como diz o povo, “quem não se sente
não é filho de boa gente”.
Quando
uma Organização tem nos seus quadros um elemento que lhe consagra quatro
décadas exemplares de laboração (pelo que sabemos e pelo que nos dizem os que
com ele conviveram), as quais foram interrompidas por motivos de saúde, e se
esquece de enobrecer os préstimos do seu funcionário, muito mal procede e não
pode dizer-se que valoriza os seus.
Se
fosse um qualquer “graúdo” seria louvado e até agraciado, mas como não era um
dos da “elite” deles, Zé Pinto ficou esquecido e relegado para um segundo plano,
depois de passar a reformado. Viveu feliz com a esposa, os familiares e os
amigos, que não lhe faltaram.
Como
complemento desta primeira parte da crónica, apresento duas fotos do
quarteleiro Zé Pinto: uma, foto 2, junto dum velho carro de
incêndio com um colega bombeiro, vestido com a farda de trabalho (fato-macaco);
outra, foto 3, frente ao quartel e
acompanhado por 2 am igos /
colegas bombeiros, encostados à velhinha ambulância.
Duas
belas peças de museu, as viaturas que podemos observar!
(continua)
O ZÉ PINTO institucional
Jornal "O Arrais", quinta-Feira, 15 de Setembro de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
Imagens e texto cedidos por Dr. José Alfredo Almeida em Setembro de 2011 para Escritos do Douro. Edição de J. L. Gabão. Clique nas imagens acima para ampliar.
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