sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Bombeiros… Progressistas

Quanto mais conheço do passado da Associação dos Bombeiros da Régua, mais aprendo sobre a História da Régua. Entre a história de uma secular instituição e a de uma cidade cruzaram-se pessoas e registaram-se acontecimentos marcantes socialmente que, em cada época, teceram a mentalidade da sociedade reguense. Podia dizer-se que pela história da Associação de Bombeiros da Régua se faz parte da História da nossa terra, seja ela política, associativa, económica ou social.

Vejamos elucidativo exemplo que prova como um simples relatório de contas, apresentado pela gerência dos bombeiros aos associados, pode revelar como e em que medida os soldados da paz eram apoiados pela sua autarquia. Recuemos, então, até ao ano de 1903, ao tempo da monarquia, para se entender o que se passou de invulgar para as contas dos bombeiros apresentarem um resultado deficitário, o que muito preocupou os directores e associados mais assíduos, reunidos em assembleia-geral. Quem sabe de assuntos de contabilidade percebe que da comparação entre os números das receitas e os das despesas se retiram conclusões do rigor de uma boa ou errada gestão. Se o resultado final dá saldo positivo, tudo está bem e ninguém vem reclamar.

Se o resultado é negativo, recomenda que se apurem as razões por que se fizeram mais gastos ou então, se foi caso disso, porque falharam os proventos.

No caso que apontamos, o problema esteve do lado das receitas, que diminuíram, ao contrário do que seria esperado. Diz esse relatório – frisa bem - que  “este defficit foi determinado exclusivamente, pelo facto de a câmara municipal se negar a dar o subsidio com que, desde muito, vinham auxiliando a associação”.

Quem governava a câmara municipal, há mais de treze anos, era o partido regenerador, representado então pelo Dr. Júlio Vasques - ilustre Paladino do Douro -, com o partido progressista, do advogado Dr. Manuel da Costa Pinto, muito activo na oposição.

Aquela decisão política não deixou de ser duramente contestada pelos directores da instituição, os quais não entendiam que estivesse orçamentada uma verba de 50.000 réis para o serviço de incêndio e, como aquele relatório menciona, “essa quantia não fosse entregue à Associação, visto não haver aqui outro serviço de incêndios, além do dos voluntários”. Os directores dos bombeiros recorreram dessa decisão camarária, mas a vereação ignorou a pretensão dos bombeiros, sem sequer dar uma razão para suprimir o apoio à sua actividade.

O que terá levado o presidente da câmara, Dr. Júlio Vasques, um experiente político, a retirar o subsídio aos bombeiros voluntários, que prestavam um verdadeiro serviço público à sociedade reguense, não se entendeu - nem hoje se entende - muito bem. Parece que as leis de atribuições municipais, à data, não obrigariam a câmara municipal a financiar o serviço de extinção de incêndios, entregue à responsabilidade de ser assegurado pelos bombeiros voluntários. Se a autarquia reguense, como muitas outras no país, tinha optado por não organizar um serviço municipal de socorro para evitar gastos elevados ao erário público, tinha a obrigação de garantir um apoio mínimo para manter em regular funcionamento a missão humanitária atribuída aos bombeiros voluntários.

Na imprensa local, os contornos deste conflito da câmara municipal com a Associação de Bombeiros assumiam uma rivalidade política partidária. Os regeneradores acusavam os Bombeiros da Régua de estarem na sua maioria filiados no partido progressista. Sendo verdade, não seria motivo para serem prejudicados, mesmo que os líderes principais fossem politicamente progressistas, como Joaquim Souza Pinto, Francisco Lopes da Silva, João Alves Barreto e o benquisto capelão, Padre Manuel Lacerda. O bissemanário O Douro, em diversos números, serviu de porta-voz destes directores que fizeram críticas contundentes ao presidente da câmara:

“ O Sr. Julio Vasques perdeu um excellente ocasião de estar calado – em relação aos bombeiros, já se sabe. Devia ser coherente. Já que os esbulhou do subsidio que tão necessário lhe era para continuarem a exercer, sem dificuldades, a missao honrorrisima que se imposeram, para compra de material indispensável ao seu serviço e para custeio das despesas mais ou menos avultadas que fazem quasi sempre na vila e nas povoações próximas…

(…) O garoto podia dar à sua pedrada aplicação mais justa. Jogasse-a contra os vereadores, que faria nisso uma boa acção, castigando-os da brutalidade que cometteram em eliminar do orçamento camarário a verba com que o municipio vinha subsidiando há muito aquella prestante corporaçao. Politica? O garoto não sabe o que diz. Os bombeiros não fazem politica partidaria. São contra a câmara, porque esta os melindrou sem motivo plausível, deixando de subsidiar a associação. Que importa que a maior parte d`elles estejam filiados no partido progressista, se, quando se tracta de serviço, nunca fazem a distinção entre progressistas e regeneradores, e a todos acodem com a mesma solicitude e boa vontade?”

“Agora que os regeneradores regoenses estão prestes a serem escorraçados do seu último reducto – a câmara municipal - vamos relembrar alguns agravos que elles nos fizeram durante o seu longo e escandaloso mandato.”

(…) Dias depois, a mesma câmara, allegando que na Associação de bombeiros voluntários prevalecem os progressistas, resolveu supprimir do seu orçamento o subsidio com que o município auxiliava, desde muito, aquela benemérita corporação, ficando esta em risco de acabar por falta de recursos.”

Aos nossos olhos, aquelas críticas, mais do que tudo, revelam a discordância duma decisão política – hoje designada de politicamente incorrecta. Os bombeiros não eram opositores políticos dos regeneradores e, como salientaram, estavam contra a câmara municipal por terem sido melindrados sem motivo plausível.

Quer dizer, os bombeiros, como é de ver, estavam contra o Dr. Júlio Vasques, que terá recorrido a uma estratégia política de fazer pressão, no sentido de conquistar correligionários e, dessa forma, aumentar o número de apoiantes do partido regenerador. Não se compreende que um autarca, no seu perfeito juízo, retire sem explicação o financiamento devido à única organização de socorro que tem no seu concelho e, assim, ponha em perigo vidas e bens.

Sabe-se que o Dr. Júlio Vasques nunca foi um cidadão consensual entre os seus contemporâneos, mesmo no grupo dos Paladinos do Douro, onde algumas das suas intervenções não mereceram um aplauso unânime dos seus pares. E, no exercício das funções de presidente de câmara da Régua, a sua gestão foi sempre muito contestada pelos opositores e pela Associação de Bombeiros.

Mas, se esta sua decisão política, sempre polémica e discutida, não serve para lhe diminuir o prestígio e notoriedade que alcançou como um paladino activamente empenhado na defesa do Douro e dos interesses da viticultura, não deixou de ser incompreensível para aqueles bombeiros que, no espírito da sua missão humanitária, só queriam cumprir com dignidade um lema universal: Vida por Vida. 
- José Alfredo Almeida*, Presidente da Direcção da AHBV do Peso da Régua
Peso da Régua, Outubro de 2012



*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registam neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Outubro de 2012. Actualizado em 1 de Novembro de 2013. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 31 de Outubro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Câmara e Misericórdia da Régua unem esforços para revitalizar hospital

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 | Norte - Fonte: Agência Lusa (transcrição via PORTO Canal) - Peso da Régua, 30OUT (Lusa) -- A Câmara e a Santa Casa do Peso da Régua anunciaram hoje que vão unir esforços para revitalizar o Hospital D. Luís I, que integra a lista das unidades hospitalares públicas que podem ser devolvidas às Misericórdias.

O Ministério da Saúde pretende avançar com a transferência dos primeiros hospitais públicos para as Misericórdias já em novembro. Em causa podem estar, para já, os hospitais de Fafe, Ovar, Cantanhede, Anadia, Serpa e Régua.

Integrado no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD), o "D. Luís I" perdeu a sua principal valência, o Centro Oftalmológico, que foi transferido para o novo Hospital de Proximidade de Lamego.

A unidade hospitalar da Régua ficou a funcionar apenas com o serviço de internamento, com 12 camas.

O provedor da Misericórdia local, Manuel Mesquita, já disse à agência Lusa que ainda não foi contactado pelo ministério com vista a esta transferência. A Santa Casa recebe atualmente 3.350 euros de renda por mês.

Entretanto, o município e a misericórdia afirmaram que querem estar preparados, se se confirmar o cenário de transferência, e, para o efeito, anunciaram uma união de esforços com vista à revitalização do hospital.

Nesse sentido, foi constituída uma equipa técnica, que será responsável pela elaboração de um "modelo de funcionamento e gestão para a revitalização".

Este modelo, segundo explicou a autarquia em comunicado, deve permitir a "sua articulação com o Serviço Nacional de Saúde (SNS), o qual servirá de base de negociação junto da Administração Central, caso venha a confirmar-se a entrega da gestão do hospital".

A equipa é constituída por Armando Mansilha, Jorge Almeida, José Alberto Marques, José Maria Mesquita Montes e Rui Couto.

A parceria entre o município e a Santa Casa da Misericórdia pretende "viabilizar a requalificação desta unidade hospitalar, readaptando o espaço físico, adequando recursos técnicos e humanos, que permitirão criar em Peso da Régua uma unidade de saúde de referência na região".

O Bloco de Esquerda exigiu recentemente uma clarificação urgente do Ministério da Saúde precisamente sobre a entrega às misericórdias de hospitais do SNS.

Os bloquistas questionaram o Ministério da Saúde, através de um requerimento entregue na Assembleia da República, sobre os valores das rendas pagas atualmente e das que passarão a ser pagas às misericórdias.

O BE quer ainda saber se os postos de trabalho estão garantidos e se existe alguma planificação para a entrega da gestão das unidades hospitalares e os custos associados.

O Bloco disse ainda que o "Governo tem tentado sucessivamente criar um equívoco em torno da ideia de que está a devolver estes hospitais às misericórdias".

"Ora, não é isso que está em causa: o Estado paga renda às misericórdias pela utilização destes edifícios e continuará a fazê-lo. O que está a ser feito é entregar às misericórdias a gestão de hospitais públicos do SNS", referiu.
- PLI // JGJ | Lusa/Fim 

Uma grande honra

É para mim uma grande honra ser o Comandante dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, ilustre instituição duriense que a 28 de Novembro de 1880 deu os seus primeiros passos e que brevemente fará 133 anos de existência.

Ao longo destes seis anos de Comando, foram muitas as dificuldades, os sonhos, os feitos gloriosos, mas permanece bem vivo o desejo de continuar a desempenhar com generosidade e zelo as tarefas da Protecção Civil. Perante os grandes desafios que ainda me esperam, reafirmo que, com a prestimosa colaboração da Direcção, de todo o Corpo Activo, com Reserva e Honra, serão enfrentados todos eles com a dignidade, o profissionalismo e a dedicação de sempre.

Os Bombeiros do Peso da Régua assumem uma missão insubstituível e estimulam uma cidadania participativa, com base no Voluntariado e no Associativismo, que a região e o País nunca poderão dispensar. Esta disponibilidade para servir o bem público demonstrada pelos “soldados da paz” reguenses granjeou-lhes uma imagem prestigiada e uma identidade singular na região demarcada do Douro.

Ser Bombeiro da Régua, naquilo que é pertencer a uma Instituição Humanitária, mas ser também cidadão de corpo inteiro, é exercer uma função pedagógica em prol de uma cultura e de um sentimento comunitário de solidariedade. É a esta gente ímpar na generosidade, na devoção e no sacrifício que se presta aqui a justa homenagem.

Sob pena de ingratidão e de grave injustiça, não poderia deixar de reconhecidamente agradecer a todos os Civis, Sócios e Beneméritos o incansável apoio a esta nossa Associação. Devo também juntar neste agradecimento todos os Assalariados e Voluntários deste Corpo de Bombeiros, os quais, ontem como hoje, de forma generosa, têm feito história nesta terra Duriense pela sua dedicação, empenho e exemplo.

Por fim, não posso deixar de agradecer ao Dr. José Alfredo Almeida, Presidente da Direcção desta Nobre Associação que, desde 1998, tem vindo a maximizar e a realçar o papel importante dos nossos Bombeiros. Ele que é um Bombeiro sem farda, abraçou esta digníssima causa, demonstrando espírito de equipa, dedicação e companheirismo, enaltecendo a nossa Associação, os seus Sócios, os Beneméritos e os Bombeiros. Os seus livros publicados e as suas crónicas semanais nos jornais Notícias do Douro e O Arrais, aqui na secção intitulada “Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua – As Melhores Imagens da Sua História”, recordam acontecimentos e descrevem os grandes momentos do passado dos briosos Bombeiros da Régua. Não devemos esquecer que a ele se deve a iniciativa de apresentar a candidatura da nossa Associação para que o 41º Congresso da Liga de Bombeiros Portugueses fosse realizado, pela segunda vez, na cidade do Peso da Régua. Foi a capital Douro Vinhateiro, reconhecido há dez anos como Património da Humanidade, que, em Outubro de 2011, acolheu todos os bombeiros de Portugal.

É, pois, para mim uma grande honra ser o Comandante dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua e poder partilhar com os Soldados Paz que comando e os magníficos e dinâmicos corpos dirigentes de uma associação cheia de um glorioso passado o lema do “Vida por vida”, que nos obriga a não desistir e a nunca recusar auxílio àqueles que de nós necessitem.
- Peso da Régua, 16 de Outubro de 2013, o Comandante António Fonseca.

Clique na imagem para ampliar. Texto e imagem cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA) e editados para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Outubro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Memória dos Nossos Bombeiros - Carta para o Dr. Camilo de Araújo Correia

Lembrando o Dr. Camilo em 30 de Outubro de 2013, data que evoca o 6º. ano de sua ausência física entre nós. 'Carta' escrita pelo também saudoso M. Nogueira Borges.

Meu saudoso Amigo:

Faço votos para que esta o vá encontrar de modo igual ao que costumava ser enquanto por cá andou: sereno mas acutilante, especulativo mas pragmático, de bem com a vida mas adversário do fingimento.

Agora, em Canelas, não sei  como  será,  mas  idealizo o mesmo. A morte não esquece o que foi a vida quando a lembrança se perpetua, não acha? Fui lá uma vez, pousei uma rosa, falei  consigo, mas  não  me  ligou nada; até pensei que estivesse a mostrar-se amuado por demorar tanto tempo a visitá-lo. Ou, então, estaria muito atento ao que lhe diziam os que estão ao seu lado… Bem - pensei para mim – deve estar por aí a conversar com algum conhecido,  e como não tem relógio esqueceu-se da sua morada. Vim embora porque, mais tarde ou mais cedo, lá chegará a hora de pormos a conversa em dia.

Mas, sabe, imagino-o a escrever crónicas nos jornais do céu, a causticar os anjos armados em santinhos ou santinhas (ainda ninguém descobriu o sexo deles, não é meu amigo?), todos muito puritanos a dar lições de moral e, nas sombras, a concretizar o adágio dos simulados :  «Olha  para o que eu digo e não para o que eu faço.» Talvez tenha descoberto por aí  daquelas   espécimes  que olham de alto como quem palita os dentes ou arrota postas de vitela, e a tentação de os apontar  seja tanta que não o deixe ficar calado.  Para o céu deve ir – sou eu a pensar, claro – muito tipo de gente, pois a misericórdia divina não tem limites. Por cotejo com o que me ensinaram na catequese (belos tempos!), acho que ele deve ser habitado esmagadoramente pelos honestos, os construtores da palavra , os que fogem da falsidade e do descaramento, os que conhecem a grandeza humana e a  sua antítese,  os que respeitam o medo mas repelem a cobardia, os que não fantasiam  amar os pobres nem pedem publicidade para a oferta, os que sabem que a verdadeira fortuna é ter o  essencial que dê dignidade à vida, à vida de todos. Por isso, deve-lhe meter impressão ver aí de tudo como na farmácia.  Para desenfastiar já deve ter escrito outro Livro de Andanças, viajante que é dessas terras e caminhos etéreos. Deve ser uma pena não haver aí um Palácio da Loucura para uma reedição de Coimbra Minha… Olhe, vá ouvindo umas anedotas do mano João…
Escrevo-lhe dentro do carro, com o bloco assente no volante, diante do mar, na praia nortenha de que seu Pai mais gostava. Tenho memória recente  de corpos na areia, tostando a celulite ou a silicone (uma pessoa já nem sabe). Ao longe, na linha do infinito, um barco, largado de Leixões, afunda-se na vertigem da lonjura. Recordo-me de África; sei-a do outro lado do mundo, resplandecente e imensa, vermelha e abrasadora. Aquele Moçambique para onde fomos em datas diferentes, a Porto Amélia do Paquitequete e dos corais, da casa do Jaime Gabão e da mesa da D. Nair, daquela fraternidade e daquela mágoa de ver o Lança Pires esticado num Unimog, ele que fora só à Serra Mapé, em Macomia, visitar colegas de escola.

A sua lembrança, meu saudoso amigo, quando lá cheguei, ainda pairava nos exíguos corredores do hospital, nas esplanadas da Jerónimo Romero, nos serões das lendas do algodão da pensão Miramar e nas gentes que lhe conheceram o jeito e a dádiva. Neste jornal, onde na sua última página escreveu centenas e centenas – sei lá milhares - de crónicas (foi uma pena não ter coligido as principais num volume, como alguns lhe disseram), retratou o esmagamento da savana e a aventura duma caçada, a cumplicidade da temba, o espasmo sanguíneo do pôr-de-sol, o êxtase dos cheiros e dos sons do mato, a sensualidade da mulher africana, o orgasmo do nascer dos dias e  a angústia dos anoiteceres suados.

Consigo aprendi muito do que é a verticalidade e a honradez intelectual, o horror aos sevandijas e aos excessos dos humanos.  Aprendi que tanto se pode subir até tocar a platina como descer até nos ferirmos no alumínio…

Mas, perguntará, «este só agora é que me escreve?» Eu digo-lhe: aqui na Régua, terra a que sempre chamou sua apesar de ter nascido na Invicta, andou tudo numa fona por causa de um Congresso de Bombeiros. O José Alfredo Almeida, aquele jovem com um sorriso do tamanho da generosidade, que está, agora, à frente da Associação, tomou a peito a organização, publicou até um livro sobre a História desses homens que dão o corpo ao manifesto – quantos a alma – pela nossa segurança, e tão pouco recebem desta sociedade egoísta, tantas vezes denunciada com a precisão da sua pena. Sabe que foi considerado o melhor acontecimento do género realizado na Pátria? São os que vieram de fora a confirmá-lo sem ciumeiras. Que, diabo,  também somos capazes não é?...
Lembrei-me muito de si nesta altura,  que,  entre 1964 e 1965, foi presidente da sua Direcção, seu médico, director do Vida por Vida e titular da Medalha de Ouro. E tenho – caramba! – saudades de si. Há dias fui à pasta onde guardo as suas cartas - as lembranças que elas me trouxeram! Piadas de gargalhadas cerebrais, ironias tão subtis que sintetizavam a mordacidade total, tolerância de escrita, protestos cúmplices pelo desaforo social, ideias e conselhos de quem conhecia a literatura, as suas gentes e os seus modos…

Cai uma chuva triste, de luto pelo Verão que se foi, parece um choro celestial, um gemido dos deuses desgostosos com este mundo comando pela falta de idoneidade, uma saudade enorme daqueles de quem gostámos e nos deixaram do mundo dos sorrisos. O dr. Camilo nota por aí alguma revolta Divina, algum sentimento de pena por estes terráqueos que já se cansaram de lhes irem ao bolso, assaltados à lei (des)armada, como quem limpa fraldas a meninos? Diga-LHE para vir cá abaixo pôr ordem nestes Montes Pintados e nestes Caminhos Velhos e Novos, nestes Assentos e Jurisdições, nestas Sedes e Filiais, nestas Desesperanças e Ódios. E se ELE não vier, que mande um novo Cristo com um cajado na mão para expulsar toda a canalha da Terra. Peça-lhe isso, não se esqueça…

Vou-me despedir, imitando-o nos momentos de emoção: «RAIO!»


- Novembro de 2011 - M. Nogueira Borges
Memória dos Nossos Bombeiros - Carta  para o Dr. Camilo de Araújo Correia 
Jornal "O Arrais", quinta-Feira, 10 de Novembro de 2011
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Texto de M. Nogueira Borges publicado com autorização do autor neste blogue e no semanário regional 'O Arrais" (10/11/2011). Atualizado em 30 de Outubro de 2013, data que relembra o 6º. ano de sua ausência física entre nós. Clique  nas imagens acima para ampliar. Imagens cedidas pelo Dr. José Alfredo Almeida e editadas para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2011.